Thursday, October 11, 2007

Em defesa da Universidade: o surgimento das pseudo-universidades em Moçambique.


Vamos acabar com as Pseudo-universidades?[5]FIM.



Penso que não precisamos, a maneira, do Ministro da Educação e Cultura, Aires Ali, que declarou guerra aos professores-turbos, antes mesmo de saber que problema estaria a solucionar com essa medida. E para fugir a moda de acabar contudo - com a pobreza, com o subdesenvolvimento, com a criminalidade, com coisas inacabáveis - é preciso ser modesto nas ambições. Não precisamos acabar com as pseudo-universidades. O que esta reflexão sugere é que prestemos mais atenção para as implicações da Macdonalização do ensino superior e seus aspectos perniciosos. O fenómeno das pseudo-universidades, como disse algures, é global e local, mas não é por essa razão que acho que não deve ser acabado. É por outras razões. Uma delas é o facto, mesmo, de muitas pessoas recorrerem as pseudo para satisfazer a necessidade criada de ter um diploma, uma credencial a todo custo. Um certo pragmatismo Maquiavélico reina, aqui, nas pessoas. Não importa o meio (pseudo-universidade) para se atingir o fim (ser doutor)!
Há algum conhecimento adquirido e distribuído nessas instituições. Nem sempre o próprio mercado de emprego sanciona as oportunidades das pessoas em função da proveniência da credencial, no nosso país, muito menos ainda das qualificações. Pelo menos no nosso ainda vale tudo, o que não quer dizer que é o desejável. Enfim, devem existir mais e “boas” razões para não acabar com essas instituições. Não é meu propósito questioná-las. É no entanto preciso que comecemos a chamar as coisas pelos seus próprios nomes. Essas instituições de universidade têm quase nada. São pseudo- universidades. O que me preocupa, realmente, e levou-me a escrever está série é outra coisa. A protecção da universidade e o seu papel crucial para construção de uma sociedade aberta, democrática e cientificamente civilizada, através da produção e disseminação de conhecimento. Está é a função clássica da universidade, antes da sua instrumentalização, quer para fins se mobilidade social, através da venda de diplomas, como através do seu engajamento técnico nos diversos combates aos problemas sociais. O melhor contributo que uma universidade pode dar a uma sociedade é ser universidade de facto. Assim como o melhor contributo que a sociologia pode dar a sua sociedade é ser sociologia de facto e não política como alguns, "Che-Guevaricamente", advogam. E aqui fala a minha ética da convicção de que esse é o papel fundamental da instituição universidade, ser produtora de conhecimento que torna o mundo inteligível acima de tudo. E tudo, aqui, significa os fins, a vocação.
As instituições de ensino superior, em particular as universidades, deviam estar credenciadas para certificar pessoas verdadeiramente qualificadas para produzir determinado tipo de conhecimento. Pessoas que vão desenvolver uma cultura académica propriamente dita. Precisamos de algum lugar onde se pensa o computador, e não se pensa apenas com o computador. As pseuso-universidades não se lhes devia permitir chamaram-se universidades e muitos menos atribuir graus académicos, similares aos das universidades. É preciso credenciá-las sim, mas com qualificações ou competências técnicas. Claro que seus cursos devem ser regulados e acreditados, mas não deviam ser pela mesma agência, ou pelos mesmos critérios, que se acredita as qualificações das universidades “tradicionais”. O que quero dizer é que as pseudo-universidades deviam ser tratadas claramente como instituições que dão formação especializada em determinada área técnica.

Os alunos (candidatos) devem ter plena consciência ao optar – optar? – por elas que vão lá como clientes para comprar conhecimento pré-fabricado. Devem saber que a instrução e os valores académicos que vão lá receber não são aqueles da academia no sentido que a verdadeira universidade proporciona. Eles não saem de lá académicos. Na melhor das hipóteses saem de lá com competências técnicas. Nunca uma pessoa “de/(info)formada” nessas pseudo-universidades devia ser permitida leccionar e/ou investigar numa universidade, sem para tal frequentar e adquirir qualificação adequada numa universidade. Os clientes-estudantes devem saber que estão a comprar pacotes de conhecimento ou melhor “conhecimento empacotado” – manufacturado, fixo, inerte, acabado pronto a servir e com prazo de validade. Expirado esse prazo essa pessoa esta simplesmente desactualizada, precisa de novos pacotes. As pseudo-universidades não ensinam as pessoas a pensar, ensinam o que foi pensado, portanto, produzido, acabado e empacotado. É nas universidades que se ensina a produzir conhecimento, esse que depois vai ser retransmitido nas pseudo-universidades em forma de produto final, acabado. Sei que estou a ser muito radical e algo ortodoxo, uso apenas uma estratégia de comunicação.
Perante a tendência que se nota da proliferação de pseudo-universidades como proteger a universidade tradicional? Não é pelo facto do "errado" se tornar moda que fica certo. Uma mentira contada muitas vezes não vira necessariamente verdade, como diz o ditado popular. O que está acontecer com algumas instituições que tinham tudo para se tornar universidade de facto é que estão a entrar na onda das pseudo-universidades. O caso da UP é sintomático. Está(va) a tomá-las como um exemplo a seguir. Como não se pode privatizar, está(va) a “comercializar-se”. É um caso que nos deveria levar a repensar com cuidado a missão da universidade no nosso país. É preciso repensar a vocação (pública) da universidade. Uma universidade deve estar ao serviço do lucro? É aceitável, para o interessa público, uma universidade como a Eduardo Mondlane fazer “joint venture” com uma organização religiosa para oferecer programas had-hoc? Que interesses devem ser salvaguardados, nesse tipo de acordos?

Desde 2003 que dou aulas a estudantes do curso de ensino de línguas na UEM. Todos os anos passa uma cohorte de pelo menos 250 estudantes. Nunca entendi, deixando de lado a própria qualidade do curso, porque é que a UEM tem que formar professores, seja lá do que for? Porquê? Afinal, qual é a vocação da UEM? Diz-se em Inglês “mission statement”, pode ser traduzido mais ou menos para vocação declarada, função manifesta da instituição. A UP o que vai fazer? Quem sabe é por se sentir auxiliada na sua missão pela UEM que aquela enveredou por cursos que nada tem a ver com o professorado. Este fenómeno ocorre quando todo(s) o(s) ano(s) se repete a canção da falta de professores qualificados no ensino secundário. A UEM faz tudo que devia fazer a ponto de lhe sobrar tempo, espaço e outros recursos para andar a ajudar a UP na sua missão? Enfim, algumas das minhas perguntas são tendenciosas, retóricas e provocatórias. Mas a minha intenção é essa mesma. Basta reler o título desta série.
Já estou a chegar ao fim da série. Devo começar a despedir-me daqueles que me acompanharam nesta viagem. Daqueles que não desistiram da leitura. Para começar não lhes vou pedir que concordem comigo em tudo que expus aqui. Há muita matéria para reflexão, para estudos. Tarefa das universidades. Algumas ideias são, mesmo, apenas opiniões minhas pouco elaboradas. Mas os que discordam procurem fazê-lo de modo a que possamos acompanhar os vossos argumentos. Como disse, a minha ambição é algo modesta. Já me dava por satisfeito se começássemos a chamar a rosa por rosa. A César o que é de César. De universidade o que é universidade. As pseudo-universidades que oferecessem certificados de competência, e deixassem para as universidades a prerrogativa de atribuir graus académicos. Uma nota à comissão instaladora do sistema de créditos do Ministério da Educação e Cultura. Esse sistema de créditos que vai permitir a movimentação de estudantes de uma pseudo-universidade para uma universidade. Espero que a coisa não esteja a ser feita de ânimo leve. Penso que se devia adoptar um sistema ou subsistema paralelo para acreditar e qualificar as pseudo-universidades. Se isso for feito, as universidades vão continuar a ser universidades e as pseudo-universidades não perdem seu espaço. As universidades vão continuar a preocupar-se com o ensino, pesquisa e extensão e sua função manter-se-á intacta para o bem do interesse público. Se fizermos ouvidos de mercador, com o ritmo acelerado de surgimento das pseudo-universidades a universidade vai ser, simplesmente, sufocada. Perde a sociedade assim uma das mais clássicas e tradicionais instituições de produção de conhecimento/saber. Vence a mediocridade!

Em defesa da Universidade
Cape Town, 20 de Setembro 2007.
Fim





2 comments:

Anonymous said...

Caro Patrício

Permita-me voltar a divagar mais uma vez, no seu espaço. Começo um uma citação sua, desta última postagem: “O que me preocupa, realmente, e levou-me a escrever está série é outra coisa. A protecção da universidade e o seu papel crucial para construção de uma sociedade aberta, democrática e cientificamente civilizada, através da produção e disseminação de conhecimento.”

Aqui reside para mim um outro “campo de batalha”. Ou seja, o grande problema neste momento, que vejo que ainda existe entre nós, tem a ver com o entendimento que temos do papel da Universidade. Penso que precisamos definir melhor o que é Universidade para nós, para melhor podermos compreender a Universidade que temos hoje e a que precisamos para amanhã.
Digo com muita modéstia que a universidade que temos hoje, é a que ainda não soube se definir. E, para mim, é dai onde se originam muitas das incompreensões que hoje existem acerca dela , que fazem com que alguns reclamem para a Universidade um espaço que me parece não lhe pertencer: o da resolução de toda a gama variada de problemas sociais. Ou seja, que a Universidade deve participar na luta contra o crime, contra a desflorestação(!), contra a pobreza,etc. Penso que você, patrício, já diagnosticou bem isso.
No entanto, penso que, os que assim pensam, não o fazem por “maldade”, conjecturo. Tem a ver exactamente com o entendimento que tem sobre a relação Universidade – sociedade e, sobretudo, sobre a relação Ciência - sociedade.
Mas, eu não penso que o papel da Universidade deva ser, apenas, o de credenciar pessoas que possam desenvolver uma cultura académica propriamente dita, através da produção estrita do conhecimento científico.
Penso que deve ser um pouco mais que isso. Para mim o papel da Universidade deve residir na forma como ela conseguir se isolar como instância privilegiada e preponderante de produção de conhecimento científico, ao mesmo tempo, que conseguir se tornar socialmente relevante. Isto é discutível, mas para mim, é o que constitui o grande desafio para a Universidade. Claro, se estivermos a pensar numa “Universidade do Futuro”. Digo isto porque considero que a Universidade não está fora da sociedade, se bem que nunca deve se confundir com ela e seus problemas.
Enfim, percebo esta reflexão sobre as pseudo-universidades como uma oportunidade soberba para interpelarmos o nosso ensino superior, mas também, para questionarmos nossos próprios preconceitos sobre a Universidade.
ha muito ainda para debatermos.

Hahata vonana!

Neto

Laurentina said...

Vim deixar isto...

A GUERRA
Documentários
Moçambique…Angola…Guiné…As feridas de um país...As verdades escondidas
Moçambique…Angola…Guiné…Até onde nos levou a Guerra Colonial.
Recorrendo a imagens de arquivo nunca antes vistas, esta é uma página da
nossa história com muito por revelar.Mais de três décadas depois,
Joaquim Furtado foi ao terreno ouvir os dois lados do conflito.
Na primeira pessoa, o relato fiel dos acontecimentos.
Os traumas que não se esquecem, as feridas físicas e psicológicas
que teimam em não sarar.

Autoria: Joaquim Furtado


Terça 16 de Outubro - 21:00-Na RTP
Terça 16 de Outubro - 20:55-Na RTP AFRICA

Se puderes vê e dá a tua opinião ...para o endereço da RTP
http://www.rtp.pt/wportal/participe/formulario.php?programa=RTP%20A%20GUERRA


Beijão grande