Tuesday, May 20, 2008

Do ponto de vista sociólogico [2].


É possível ver com a visão de outrem?

Não há ponto de vista sociólogico fora de ti! Ora, não há sociologia ou ponto de vista sociológico fora de ti. Os sentidos são teus, tua é a cultura que tens, teu é o grau social que possuis, tua a nacionalidade que te identifica no mundo, teu é o prisma pelo qual encaras ou queres encarar a vida. És tu (e apenas tu - terrível axioma!) quem pode fazer sociologia”(Carlos Serra).

Pessoas educadas devem a sua cultura – i.é., o programa de percepção, pensamento e acção – a escola”. Systemas de Educação e Sistemas de Pensamento (Bourdieu, 1967).


Quando escrevi o primeiro textoDo ponto de vista sociólogico” a minha intenção não era fazer destes textos uma série. Mantenho essa intenção apesar de mais um textinho. Há muito ainda por ser dito. Obviamente, não pretendo esgotar o assunto aqui. Daí que este, talvez, seja o texto derradeiro. Um dos autores que é recorrente nas referências do ‘Diário de um sociólogo’ é o sociólogo, Francês, Pierre Bourdieu (1930-2002). Pessoalmente, e nesta fase do meu perccurso académico, tenho tentado não só estudar ‘o ponto de vista sociólogico’ de Bourdieu, como analisar fenómenos a partir de seus conceitos (instrumentos analíticos tais como Habitus, Capital, Campo/ou Espaço Social). Nas releituras que tenho feito de seus vários livros deparei-me esta semana com algumas questões que acho interessante partilhar com os leitores sobre a esta coisa ‘dos pontos de vista’.

O primeiro aspecto que quero mencionar têm a ver com o facto de Bourdieu ter, ele próprio, reflectido criticamente sobre o conceito. Um conceito que está presente, praticamente, desde seus primeiros anos de carreira académica como forma de posicionar o que designou de “habitus” dentro do espaço social. Quer dizer, para Bourdieu, o espaço social (também designado por Campo) é um lugar (uma configuração) de lutas por ‘capital simbólico’ que está organizado em torno de interesses tais como a educação, ciência, arte, política, literatura e por ai em diante. Cada um desses interesses pode se constituir num a campo social. Os indivíduos, (a quem Bourdieu designa por agentes ou actores sociais) interagem dentro desse espaço ou desses campos através dos seus habitus (disposições inculcadas e ‘capital cultural’valores, crenças, gostos, visões etc). Bom, o quero sugerir é que parte do projecto sociólogico de Bourdieu consistiu em estudar os determinantes sociais desse habitus. Por outras palavras, o que me predispõe os agentes sociais a ver, sentir, gostar, desgotar de certas coisas de certa maneira?

Já me explico. Bourdieu partia do princípio que aquelas características que fazem “alguns” afirmarem que não existe “ponto de vista fora de ti”, portanto, naturalizando e biologizando os pontos de vista, são pelo contrário socialmente determinadas. Por outras palavras, os sentidos, a cultura, o grau social, do indivíduo que condicionam seus ‘pontos de vista’ são por seu turno condicionados pela relação de forças e pelo lugar que ocupam no espaço social em que eles participam. O termo ‘Di-Visão’ (= divisão e visão) social do mundo, de Bourdieu, pretende captar essa realidade. O lugar que os indivíduos ocupam na estrutura social do espaço social não é homogéneo, mas hierárquico. Os que possuem maior quantidade de capital, acomulado, dos diferentes espaços em que participam encontram-se numa posição favoral em relação aos demais. Esses têm a prerrogativa, por exemplo, de formular a (sua) visão(dominate) do mundo, portanto do seu grupo e impô-la aos demais como sendo universal. Bom, está é uma simplificação da tese de Bourdieu que é bem mais complexa. Na verdade o que estou a querer sugerir é que, se esta leitura for correcta, então, é possível ver, sentir, perceber com os ‘pontos de vista’ ( com avisão) de outrem, mesmo não estando a fazer ciência. Alías, o conceito Marxista de alienação também sugere essa ideia.

Podia trazer vários exemplos das diferentes obras de Bourdieu para ilustrar este aspecto. No entanto, ficar-me-ei por um dos seus trabalhos mais notável na Sociologia da Educação, 'A reprodução na educação'. Vai ser também uma simplicação, apenas para o propósito deste artigo. Em 1970 Bourdieu publicou (com seu colega, Jean-C. Passeron) o Livro ‘Reprodução na Educação, Cultura e Sociedade’. Nesse livro eles denunciam como o sistema de educação na França mas do que contribuir para reduzir as desigualdades sociais estava reproduzí-las e perpetuá-las . O mecanismo de reprodução é complexo para que o possa explicar aqui em poucas linhas. Todavia, esse mecanismo é, fundamentante, de base cultural. A escola desempenha portanto um papel crucial, através do exercício pedagógico, eficácia reprodutora. As classes ou grupos dominantes, portanto, em posição de produzir uma di-visão do mundo social têm o seu ‘arbítrio cultural’ muito próximo ao que é valorizado pela escola. Esse 'arbítrio cultural' (valores, visão, sentidos, pontos de vista, etc) de uma grupo é imposto aos demais como legitímo e universal de forma mistificada através do exercício pedagógico. A esse fenómeno Bourdieu designou de violência simbólica. Assim os filhos daquelas classes cujo 'arbitrío cultural' é próximo ao valorizado pela escola vão ter maior sucesso escolar que os demais.

Bom, é claro que esta conclusão gerou na França e não só bastante controversia e crítica. Podiamos aqui discutir o mérito ou demérito da análise de Bourdieu e Passeron. Não é o que me propus, no entanto, fazer. O aspecto que quero enfatizar, mais uma vez, e seguindo mais um dos generosos conselhos do professor Serra é o seguinte. Se te disserem que ‘Não existe ponto de vista sociólogico fora de ti’: 'Duvidai e Investigai'!

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