Tuesday, February 3, 2009

Eduardo Mondlane era cientista social!

Como enaltecer o legado académico de Mondlane hoje?

Pensar por nós próprios!

O País está em festa. Celebra, não necessariamente a viagem sem regresso mas, a vida e memória do Dr. Eduardo Chivambo Mondlane. Fundador e primeiro presidente da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). Considerado o arquitecto da unidade nacional – como apregoa o discurso que alguns prefeririam qualificar de oficial. A data da celebração da morte de Mondlane tornou-se a de todos os heróis nacionais. Um acto de reconhecimento da grandeza da heroicidade de Mondlane. Nele cabemos todos nós, nos nossos actos heróicos singulares. Não vamos debater o mérito ou demérito dos que jazem ou pretendem ter o seu eterno descanso na cripta da praça dos heróis. Esse é um assunto (quente) de debate para depois das celebrações. Principalmente pela aversão que existe aos critérios. E pelos critérios é onde devia começar e não onde termina o debate. Enfim, deixemos os critérios para lá.

Desta vez a celebração têm um carácter especial. Completaram-se, hoje, quarenta anos desde que Mondlane foi assassinado. A minha irmã mais velha é de 1969. Completa quarenta em Abril, nasceu exactamente dois meses após Morte de Mondlane. Quando lhe pergunto como se sente aos quarenta ela com ar sem muita graça diz: -começo a avaliar se o tempo que viví corresponde aos meus feitos. Mondlane faria em Junho 89 anos se estivesse vivo. Aos quarenta 49 anos altura da sua morte já tinha lançado a semente para libertar um povo das masmoras da dominação colonial. Mudaram-se os tempos, mudaram-se os desafios, o criterio de heroicidade talvez é que ainda preice uma reciclagem. Bom, podíamos colocar as coisas de outra maneira e perguntar: - Como enaltecemos o legado de Mondlane passados 40 anos? Penso que essa é uma pergunta que nos deviamos fazer enquanto país, mas também cada um no seu eu. Uma tarefa que caberia, igualmente, aos intelectuais e académicos deste país. Uma oportunidade para sugerir critérios de avaliação. Um momento para nos revermos e rever os nossos ideais e a nossa trajectória histórica enquanto comunidade imaginada e de destino cujo fundador perdemos há quarenta anos. O que significa celebrar a morte de Mondlane quarenta anos depois?

Esse exercício está e pode ser feito de varias maneiras. O Estado preparou o seu programa de celebração. Definiu este ano como sendo de Mondlane e prevê a inauguração de uma série de monumentos e a realização de actividades culturais comemorativas. Há quem preferiu, dando lugar aos seus atributos de revisor da história, por em causa a versão, erroneamente considerada oficial, sobre o local da morte de Mondlane. É salutar questionar a história oficial, mas nesse exercício uma vez mais os critérios, o método, é fundamental. Permitiriam ser-se mais cuidadoso no tratamento das fontes, mais meticulosos no seu cruzamento e menos motivados pelo desejo de contrariar o que se pensa ser uma versão forjada dos factos. A visão conspiratória de que algum lobo mau não quis que soubéssemos a verdade só nos limita metolologicamente. ‘e que corremos oo risco de procurar o que já reside na motivação da busca. A crença! Alguém quis distorcer os factos. Pode até servir como motivação mais não como critério de reposição da história é problemático. Como é que se constrói uma verdade? Como é que seria possível no, caso da morte de Mondlane, ocultar e/ou distorcer o relato de um facto cuja descrição ultrapassou o circulo das intimidades políticas de Mondlane? Enfim, penso que uma maneira de valorizar o legado de Mondlane seria o exercício de nos lembrarmos de pensar e repensar nossas crenças e saber para as podemos aderir com moderação. E a pensar ajudam-nos muito as ciências sociais.

E se Mondlane estivesse vivo?

Quando o presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, venceu as eleições e se tornou candidato eleito multiplicaram-se na imprensa nacional e estrangeira artigos de opinião que colocavam a seguinte questão ahistórica: “E se Barack Obama fosse africano”? Em Moçambique esse tipo de reflexão foi trazido, por importação do Camarões, pelo escritor Mia Couto. Ao fazê-lo, suponho, estava imbuído da mais genuína intenção de suscitar debate sobre os problemas políticos do nosso continente. Ainda que tenha, pessoalmente, discordado do seu método penso que a natureza da questão retórica e ahistórica permitiu alcançar o seu objectivo. Suscitar debate. Tarefa que cabe ao intelectual que se preze como tal. Existem aqueles, porém, que se afirmam pelo monólogo, ou pela selecção censurada dos seus interlocutores desde que estejam no mesmo lamiré ideológico. Então, aí vai. É se Mondlane estivesse vivo?

Se Mondlane ressuscitasse hoje teria pejo da sua formação académica. Mondlane era formado em ciências sociais, com diferentes especializações desde a antropologia, a psicologia social até a diabólica sociologia. A formação de jovens em ciências sociais, hoje, ainda que não tenha sido extinta, é considerada uma distorção do sistema nacional de educação. Considera-se distorção porque o padrão de graduação e a proporção de estudantes do social comparados aos das ciências ditas ‘exactas’ tende para a formação de mais cientistas sociais que de engenheiros. As ciências sociais, dizem seus detractores, não servem para o desenvolvimento. Não servem para combater a pobreza – absoluta! Não servem para alcançarmos os objectivos do milénio. Todas essas coisas para as quais as ciências sociais não servem são produções, por ironia, de cientistas sociais. A própria ideia de que as ciências sociais são uma distorção surge de cientistas sociais, depois ecoada por políticos incautos e mal assessorados.

Quem está em melhores condições de debater com aqueles que nos propõe as soluçõe para os nossos problemas são, para o desagrado de alguns, os próprios cientistas sociais. O problema da visão anti-ciências sociais, e antecipo-me ao argumento de que estou a sair em defesa das ciências sociais por ser sociólogo, não reside no diagnóstico da distorção. O problema reside, quanto a mim, no que constitui o problema da formação em geral no país. O problema da formação, se é que existe, está para além do problema que a formação em ciências sociais pode representar. O nosso ensino tem problemas que reflectem o país que somos. E para sabermos o país que somos, para desagrado dos que não simpatizam com a ideia, precisamos de cientistas sociais. Esses é que têm os instrumentos para a a formulação e descrição. Se somos um país dependente do apoio externo, reclusos do ‘deixa-andar’ e, do ‘burocratismo’, reféns da indiferença, salvos das calamidades cíclicas em algumas ocasiões pela solidariedade que nos caracteriza, sedentos do ‘passo acelerado’, enfim, é precisamente tarefa das ciências sociais analisar até que ponto somos como nos definimos e que implicações derivam dessa definição para a acção.

Mondlane estaria desiludido se considerarmos a forma como algumas personalidades subestimam o contributo que as ciências sociais podem dar para o desiderato pelo qual o celebramos hoje. Na verdade até duvido que Mondlane se amuasse com a sua formação, pois aquela o permitiria a rara capacidade de perceber que os que consideram distorção e problema a formação de mais pessoas nas ciências sociais é que são o problema e não a solução. Mondlane iria ficar entorpecido que tal pronunciamento saísse da boca de um ministro como o da Educação, cientista social, assessorado por cientistas sociais ou do reitor da universidade que leva seu próprio nome.

Há uma brincadeira de mão gosto sobre os negros. Diz que para esconder algo de um negro basta guardar dentro de um livro. A leitura é para as ciências sociais o que a quebra dos ovos representa para a feitura das omeletas, uma condição “sine qua non”. Pessoas lidas, são como as viajadas, aderem aos seus próprios valores e convicções com moderação. Não adianta ter milhares de engenheiros, agrónomos, veterinários dotados de conhecimento técnico – o dito saber fazer - quando são péssimos leitores da realidade que pretendem corrigir. Nas consversas que tenho com aqueles que se interessam pela sociologica costumo contar a seguinte estória quando me questionam sobre a utilidade das ciências sociais. Primeiro sugiro-lhes que as ciências sociais não são úteis antes de se questionarem sobre a sua utilidade. Depois, por serem ciências, tal como qualquer ciência são apenas isso; ciência. Não tem poder de fazer senão aquilo que lhes torna o que são. Ciência. Se deixassem de se preocupar com o que lhes torna ciência viravam política. Assim como é política a ideia de que a utilidade das ciências sociais se mede pelas ideais políticos que alguns consideram que elas devem servir.

Alguns não ficam satisfeitos. Aí nem o exemplo de que Albert Einstein não pensava na bomba atómica quando ‘descobriu’ ou estabeleceu a teoria da relatividade ajuda. Oh, mas o conhecimento por ele produzido no contexto da sua disciplina serviu para deixar Hiroshima e Nagasaki até hoje com sequelas da destruição. Aí alguns ficam ainda mais convencidos do poder das ciências naturais até que lhes recorde que existiu um homem chamado Marx. Marx! Sim, Marx foi um cientista social cujas ideias mal interpretadas até hoje continuam a destruir mais do que a bomba atómica. Suas ideias mal interpretadas e aplicadas produziram um dos sistemas políticos mais perversos aos seus anunciados fins. Alguns dos totalitarismos que a história da humanidade já experimentou são de inspiração marxista. E tudo isso foi feito em nome da salvação do homem e por gente que se confessava cheia de boas intenções. Lá continuo. Até aí já há menos a pensarem que não é boa ideia ter poucos cientistas sociais. Quando estes se convencem que já descobriram a causa de todos os males tornam-se eles próprios no maior mal. Precisam, portanto, de mais e mais cientistas pensando para que por meio da crítica contribuam para que os demais adiram as suas convicções com moderação. E fecho o debate com mais um ou dois exemplos.

Lembram-se do mecânico-ginecologista que passava a sua classe do hospital central de Maputo? Respondem em uníssono: - sim! As meninas em particular não conseguem disfarçar o desconforto da imaginação da invasão permitida da sua intimidade. Lembram-se do engenheiro responsável pela obra, na Av. Filipe Samuel Magaia, que tombou antes de chegar a viga? Alguns ainda se lembram. Outros, porém, a memória tratou de se reciclar. Pois bem, contadas essas histórias reais às pessoas ficam com os cabelos levantados. O mecânico-ginecologista que deve ter causado algumas mortes foi descoberto algum tempo depois e posto fora de circuito. Ah, uns vão achar três anitos muito tempo. Os mais imaginativos, porém, vão se questionar quando é que muito tempo é muito tempo? O engenheiro responsável pela obra da Av. Filipe Samuel Magaia deve estar a passar maus bocados para conseguir mais contratos. Tudo isto para dizer que os danos que um cientista ‘exacto’ pode causar são exatos e apenas grandes na aparência. Marx morreu em 1883 e até hoje há danos que podem ser atribuídos indirectamente as suas ideias. Um médico mal formado ou mal intencionado pode matar alguns pacientes até ser descoberto, um sociólogo mal formado ou mal intencionado pode mudar o curso da história. Mondlane mudou o curso da história de Moçambique, felizmente para melhor se a nossa presença aqui poder representar essa ideia do melhor.

A boca faz mas danos que a mão.

Batam, castiguem, torturem, mas saibam que a boca faz mas danos que a mão. Estas são palavras atribuídas a Sócrates e proferidas algum tempo antes de ter sido sujeito a beber ‘cicuta’, o veneno que o matou, por pensar contra o politicamente correcto ou melhor religiosamente correcto. Personifiquei-as nas ciências sociais. Hoje a ciência da formação de Mondlane esta ser posta em causa. Esta a ser torturada. Pois bem os inimigos deste país sabem onde esconder as ideias que nos tornam cada vez mais dependentes deles. Escondem-nas nas ideias perversas de desenvolvimento cuja chave de interpretação crítica esta no molho de chaveiros (disciplinas) das ciências sociais. Provavelmente assim o façam por saberem que com aversão as ciências sociais estará garantida a perenidade da ilusão. No dia que descobrirem - como aconteceu com Mondlane, que gostava de ler, e por isso armadilharam o livro com a bomba fatal - que valorizamos as ciências sociais é por ai que nos vão atacar. A diferença entre Mondlane e nós é que Mondlane foi a primeira vítima. E foi por nós. Uma maneira de valorizarmos a vida de Mondlane seria estarmos atentos as novas formas de bomba-armadilha que nos são enviadas. Mas essa atenção requer conhecimento das ciências sociais.

5 comments:

Elísio Macamo said...

caro patrício, bela homenagem a um grande homem que apesar de tudo devia ser motivo de orgulho para todo o moçambicano que se preze. acho tristes as discussoes sobre onde ele morreu. nas entrelinhas do livro de jacinto veloso há também uma grande homenagem a esta figura. no final de todas as contas, o sentido crítico pode ser a melhor homenagem que podemos prestar a mondlane.

Patricio Langa said...

Caro Elísio.
Obrigado pelo comentário.
Não é em todos os lugares e tempos que se produzem homens da dimensão intelectual e política de Mondlane. Para mim Mondlane está entre as poucas coisas que mais me orgulham de ser Moçambicano. É uma pena que alguns não saibam apreciar isso e se entretem com questões mesquinhas e irrelevantes do tipo: onde ele morreu.
Abraço

Anonymous said...

Caro Patrício,
teu texto é um "must read". Até faz-me ter vergonha de ter abandonado a UFICS...O papel de Mondlane, Amílcar Cabral (Guiné e Cabo Verde), Mário Pinto de Andrade (Angola), Agostinho Neto (Angola), Frantz Fanon (Argélia) só elucida o quanto os cientistas sociais (esses intelectuais!, têm mania de sabe-tudo, dizem os "fazedores"...) são a "Geração de Utopia" que só as Ciências Sociais conseguem produzir...uma Nação não se faz de arquitectos, engenheiros, etc - com todo o respeito para essas classes de profissionais. Eles podem construir uma casa, um bairro, uma cidade...mas quem faz o homem e entende o homem que nelas deve viver e como deve...esse é o cientista social. Patrício, você é um grande patrício!

Anonymous said...

Interessante reflexao Patricio Langa... lembra- me as minhas lutas domesticas como mulher e com formacao em ciencia sociais

Paula

Anonymous said...
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