Friday, October 1, 2010

Vamos combater a credulidade: Dos com autoridade - 4



Sociólogo Elísio Macamo convida-nos à combater a credulidade numa série que está a ser publicada pelo Jornal Notícias, e que será aqui reproduzida na íntegra.

Maputo, Sexta-Feira, 1 de Outubro de 2010:: Notícias

HOUVE gente que se pronunciou sobre os distúrbios de 1 de Setembro, sobretudo intelectuais. Dentre eles houve os que disseram taxativamente que se tratou de protestos contra a carestia de vida devido à arrogância do Governo. Alguns fizeram de caixa de ressonância e andaram a repetir “professor fulano de tal” disse isso. Esta é outra manifestação insidiosa e nociva da credulidade. Quando a gente se apoia na autoridade de alguém – um académico, um governante, etc. – para considerar justa uma determinada conclusão, a gente está a participar na esfera pública usando um argumento que pode ser problemático. Na verdade, o que se está a dizer nessas circunstâncias é que o professor fulano de tal está em posição de saber certas coisas e, em virtude disso, o que ele diz é muito provavelmente correcto. Por outro lado, está-se também a dizer que o professor fulano de tal é uma autoridade no assunto sobre o qual ele se pronuncia e, em virtude disso, o que ele diz é muito provavelmente correcto.

Estamos perante duas formas argumentativas. A primeira consiste duma premissa que diz que alguém está numa posição de saber se uma coisa é assim ou não. A segunda premissa é afirmativa no sentido em que diz que alguém diz que uma coisa é assim. Segue-se, então, a conclusão que basicamente diz que uma determinada coisa é provavelmente mesmo assim. Trocado em quinhentas: O professor fulano de tal está em posição de saber se os distúrbios são por causa da carestia e da arrogância do governo; o professor diz que os distúrbios foram um protesto contra a carestia e Governo arrogante; logo, os protestos foram contra a carestia e arrogância do Governo. A segunda forma consiste duma premissa que diz que fulano de tal é especialista de uma área dentro da qual é feita uma determinada proposição. A segunda premissa é de que esse especialista diz que essa proposição (dessa tal área) é verdadeira (ou falsa). A conclusão aqui é de que essa proposição pode ser tida como sendo correcta (ou falsa). Vamos traduzir: O professor é especialista do comportamento das pessoas em contexto de carestia; o professor diz que os distúrbios foram protestos contra a carestia e arrogância do Governo. Logo, os distúrbios foram protestos contra a carestia e governo arrogante.

O que precisamos de fazer nestas circunstâncias? Simplesmente bater palmas? Creio que não. Devemos analisar. Mas como? Bom, há pelo menos cinco perguntas que podemos colocar. A primeira seria: até que ponto é que uma determinada pessoa é credível como especialista (ou alguém que está em posição de saber). Ser apenas académico não é suficiente. Fez estudos? Qual é a qualidade desses estudos? As suas conclusões são corroboradas por outros estudos? A segunda pergunta seria: ele é realmente especialista da matéria em questão? Esta pergunta aplica-se mais a casos de natureza factual. Por exemplo, se um especialista em balística nos disser que a polícia atirou para matar não temos como não considerar esse depoimento válido. Terceira pergunta: podemos confiar no nosso especialista como fonte? Se, por exemplo, o professor é alguém que tem o hábito de explicar todo o fenómeno que ocorre no país com recurso à mesma ideia de que as pessoas estão a reagir ao esquecimento a que foram votados pelo Estado, devemos desconfiar dessa fonte. Se esse professor é alguém que não tem o hábito de reagir às críticas que se fazem ao seu trabalho com argumentos substantivos – e não simplesmente ataques pessoais – é imperioso duvidar. Quarta pergunta: o que o professor fulano de tal diz é também opinião de outras pessoas que estão, como ele, em posição de saber ou que são também especialistas? Aqui é preciso simplesmente informar-se mais. Finalmente, a quinta pergunta seria de saber se o nosso especialista tem provas para o que diz. No caso dos distúrbios seria difícil produzir provas, mas ter falado com os envolvidos ou testemunhas oculares é já um bom elemento. É verdade que as pessoas que consideramos como sendo autoridade em matéria deste género não têm outra maneira de sustentar os seus palpites senão pela interpretação dos dados ao seu alcance. A nossa tarefa como membros responsáveis da esfera pública é de encorajar essas pessoas a nos darem uma ideia dos dados que utilizam para essas interpretações bem como a nos dizerem porque acham que esses dados só possam ser interpretados dessa maneira. Aqui também fica evidente que há gente que prefere cair no comodismo de acreditar apenas em autoridade. Essa gente prejudica o país, pois, por vezes, o que passa por autoridade, visto de perto, pode não ser. É verdade que não é fácil alguém dizer que não sabe uma determinada coisa. Já me envolvi em problemas por ter dito isto várias vezes numa entrevista com perguntas formuladas de maneira muito deficiente. Quem diz “não sei” fica logo suspeito de não querer simplesmente emitir opinião (para agradar alguém!). Isto só fomenta a credulidade e deixa passar gente perplexa como todos nós por autoridade.

  • Elísio Macamo - Sociólogo, nosso colaborador

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