Tuesday, March 16, 2010

A-propósito do G-19 e do OE: Uma história de mal-entendidos e o medo da emancipação (1)


Comprei um livro de provérbios Changana. Nele encontro douta sabedoria que pode bem simbolizar, sinteticamente, a tragédia da nossa dependência, dos golpes a nossa soberania ou, para colocar as coisas a la Elísio Macamo, do medo de nos emanciparmos. A análise de E.M não surpreende, para quem vem acompanhando o seu modus pensandis, ainda assim é aquela que faltava para iluminar este debate. Deixo um provérbio de aperitivo para o texto a seguir.

Ku Langutela ku pfuniwa hi vanwani, ri ta pela
(Quem espera ser ajudado não vê trabalho terminado.
No que podes fazer só não esperes por outro).

EM muitos momentos da vida é difícil atinar com a solução porque, infelizmente, não vemos o problema. Ou se o vemos, vêmo-lo mal. O nosso tesouro está, desde há alguns tempos para cá, mais apertado do que o costume. Faltam-nos cerca de quinhentos milhões de dólares para darmos substância ao orçamento. O Ministro das Finanças veio a público dizer que está a considerar rever o orçamento. Já não era sem tempo. Coisas feitas com amigos imprevisíveis são sol de pouca dura. Se calhar o que devemos fazer não é realmente encontrar maneiras de acalmar os ânimos dos nossos amigos para que desembolsem os milhões que tanta falta nos fazem; se calhar já é mesmo altura de começarmos a praticar o fim da dependência de que o Presidente da República tem falado. Isso passa por apertarmos o cinto e concentrarmos a nossa atenção naquilo que realmente conta para a nossa existência digna e... com auto-estima. Precisamos duma estratégia clara, e nossa, de desenvolvimento.
Quem dá dinheiro, fá-lo por alguma coisa. Mesmo o altruista pratica uma boa acção para ter a satisfação de ter praticado uma boa acção. Os países que nos dão dinheiro para reforçar o nosso orçamento têm as suas razões para o fazerem. Isto significa que, pela mesma medida, há certas expectativas que têm, nomeadamente que o dinheiro seja aplicado para as coisas que eles consideram importantes, essenciais e úteis quando eles acham que essas coisas são importantes, essenciais e úteis e segundo os seus critérios do que é importante, essencial e útil. Quando eles dão dinheiro e têm razões para pensar que ele não seja aplicado correctamente, têm toda a legitimidade de fazer um compasso de espera e, inclusivamente, impor condições sobre o desembolso de mais dinheiro. Aqui, como em qualquer outra área séria da vida, reina o princípio Bitonga: amigos amigos, negócios à parte.

O braço de ferro entre o Governo moçambicano e os seus “parceiros” – que exigem a revisão da lei eleitoral, melhores medidas de combate à corrupção e maior separação entre partido no poder e Estado – é um conflito que assenta sobre mal-entendidos. O primeiro mal-entendido é simples: ambos partiram do princípio de que o princípio Bitonga não se aplicava à sua relação. Aplica-se, sim senhor! E pior ainda: nunca houve amizade aqui. Houve, isso sim, as considerações estratégicas de uns e de outros sobre como partilhar dinheiros que não lhes pertencem. Dito doutro modo, do lado moçambicano houve considerações estratégicas sobre como ter acesso ao “apoio” indo, para o efeito, ao ponto de repetir o palavreado oco da indústria do desenvolvimento sobre o combate à pobreza absoluta. Do lado dos “parceiros” – representados por burocratas ao serviço de agências que se mantêm em vida graças ao facto de que não precisam de se valer como deve ser no mercado livre (também vivem de dinheiro dado) – houve considerações estratégicas sobre como justificar o acesso que têm ao dinheiro dos contribuintes dos seus países, indo, para o efeito, ao ponto de ajustar a sua descrição do Governo moçambicano à imagem melhor situada para legitimar esse apoio.

O segundo mal-entendido é também simples: ambos preferiram acreditar na ficção bastante nociva segundo a qual o dinheiro confere razão. Não confere, não! A força de circunstâncias obriga o Governo moçambicano, na sua qualidade de receptor de auxílio, a acreditar na ficção segundo a qual aquele que está em posição de lhe prestar assistência em momentos de crise é alguém que no passado soube fazer as coisas e, consequentemente, sabe o que se deve fazer para que alguém em apuros saia dessa situação. Os “parceiros”, portanto, sabem melhor o que é bom para países como os nossos porque, caso contrário, eles não seriam tão ricos como são agora. Esta crença tem estado na origem da nossa aparente incapacidade de pensar seriamente no país a partir do que ele é, pode e consegue fazer. O sucesso, por sua vez, obriga as pessoas que estão ao serviço dos “doadores” a acreditarem nas suas qualidades super-naturais ao mesmo tempo que os imuniza contra a mera possibilidade de se poderem enganar e exceder nos seus cálculos. Em caso de dúvida, dão razão aos seus receios e à sua primeira reacção, pois o sucesso mostra que as suas decisões, boas ou más, são as mais acertadas. O guia é a experiência do passado.

Há mais mal-entendidos, mas só estes dois já dão muito pano para manga. Vamos discuti-los um por um.


A visão mais cínica que podemos desenvolver em relação ao auxílio ao desenvolvimento é de que ela é tão sujeita a interesses estratégicos como qualquer outra coisa. Não seria, por conseguinte, pelo simples interesse de aliviar o sofrimento no mundo que alguém havia de nos dar o seu dinheiro, nem, já agora, pelo simples interesse de aliviar o sofrimento no seu país que alguém havia de entrar na política. Outros factores pesariam mais como, por exemplo, a garantia de fontes de matéria-prima, mercados, resposta a pressões domésticas para fazer alguma coisa contra a desigualdade no mundo, viver à grande num país em desenvolvimento, entre outros factores; do lado do político nacional pesariam o poder, Mercedes-Benz, crédito para telefone celular, possibilidade de ajudar os membros da família alargada, etc. Penso, contudo, que esta visão é demasiado cínica para ser de alguma utilidade analítica. Quando muito, ela constitui a posição à qual se reverte quando o diálogo não continua e a farsa da parceria é posta a descoberto. Assim, trocam-se acusações de cinismo para não se olhar para o problema de fundo.

E o problema de fundo com esta história do auxílio ao desenvolvimento é de que ao contrário do que muitos dos seus praticantes e profissionais pensam, ela não é, nunca foi e jamais será uma questão técnica. A existência deste aparelho exige naturalmente que os seus profissionais metam na cabeça a ideia de que é tudo uma questão técnica. É só procurar saber a melhor maneira de ir de A a B, desenhar um projecto correspondente e, prontos, amanhã estaremos em B. Isso de acordo com a teoria. Na prática as coisas são muito mais complicadas, sujas e intransparentes, razão pela qual uma das coisas mais difíceis de fazer no interior da indústria do desenvolvimento é um estudo de avaliação de impacto. São simplesmente poucos – senão mesmo inexistentes – os casos em que um projecto produziu os resultados desenhados logo à partida. O mais frequente é que se façam ajustes ao longo do caminho, se criem novas instituições, se projectem novos objectivos, etc., algo, curiosamente, que explica o crescimento dramático desta indústria. Pior ainda, uma boa parte do trabalho desta indústria consiste em atacar os problemas por ela criados, mas por ninguém previstos.

Portanto, o auxílio ao desenvolvimento não é assunto técnico. É, na falta de melhor caracterização, assunto político porque tem a ver com as coisas da vida. E essas são, por natureza, imprevisíveis. É coisa do dia-a-dia, da improvisação, negociação, espontaneidade. Se por alguma razão num país doador qualquer as pessoas que estão na política são de opinião que se devia dar mais dinheiro a Moçambique, os profissionais da área vão apresentar o nosso país como o paraísio na Terra, mas pobre, naturalmente, para justificar que se lhe dê dinheiro. Os governantes podem roubar, silenciar a Imprensa, prender a oposição, discriminar os homossexuais, deixar que os homens batam nas suas mulheres e que os camponeses façam queimadas, mas enquanto o ambiente for favorável a dar mais dinheiro vão se arranjar maneiras de apresentar esses problemas como sendo de menor importância, ao mesmo tempo que se enfatizará a necessidade premente de não comprometer os “bons passos que o governo está a dar” com reacções alarmistas. Se muda o disco, muda também a atitude. Se os políticos já não querem dar assim tanto, então se o chefe de redação dum jornal independente voltar bêbado duma barraca qualquer (ou dum hotel da praça), tropeçar num dos muitos esgotos a descoberto das nossas cidades, cair e sonhar no banco de socorros que foi atacado por membros do partido no poder por causa dum artigo qualquer que ele tencionava escrever sobre a corrupção, aí estaremos mal. Algum diplomata vai pedir audiência para manifestar “preocupação” com a situação grave em que se encontra a liberdade de Imprensa e que se o governo não fizer nada pode puxar a paciência dos contribuintes do país doador ao limite.

O que quero dizer com estes reparos polémicos e extremos é que o negócio do desenvolvimento é extremamente imprevisível para servir de base para qualquer projecto sério de desenvolvimento dum país. No actual Governo alemão – que é uma coligação entre o partido Cristão Democrata e o partido Liberal – o detentor da pasta da cooperação é do partido Liberal que no seu programa eleitoral queria que se acabasse com o ministério da cooperação. A sua política de cooperação é enformada por um lobby muito mediático de antigos diplomatas e cooperantes que acham que a cooperação alemã se devia apenas cingir ao apoio de pequenas iniciativas, estilo programas de micro-créditos para mulheres que inspiram mais confiança do que os seus maridos bêbados. Há alguns meses atrás participei num debate radiofónico com alguns porta-vozes para assuntos da cooperação dos partidos alemães durante o qual o porta-voz do partido Liberal ecoava as ideias deste lobby. Muitos deles têm problemas sérios com o apoio directo orçamental e nisto não são os únicos na Europa. Os seus argumentos contra esta nova forma de auxílio são plausíveis em alguns aspectos, mas antes que alguém me peça para ser mais preciso apresso-me a dizer que a questão não é essa. A questão é o quanto a perspectivação do nosso futuro depende de algo tão imprevisível e errático como o estado de espírito de quem nos ajuda.

ELÍSIO MACAMO-Sociólogo.

2 comments:

oakleyses said...

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