Thursday, January 31, 2008

O retorno da neutralidade axiológica.

Infelizmente, vou continuar ausente por mais algum tempo desta “fábrica de ideias críticas”. Fui convidado a integrar uma equipe internacional de pesquisa que estuda a relação entre o ensino superior e desenvolvimento em África. Por que estamos numa fase inicial da pesquisa a coisa “rouba-me” muito tempo. No entanto, sempre que posso espreito os diferentes debates na Mozblogosfera. A vontade de regressar as vezes é atiçada pelos “atentados a razão” que se fazem em alguns blogs. Enfim, é preciso exercitar a paciência e não responder a tudo, mas esta foi demais. Aqui nem falo sequer da irresponsável instigação étnica por académicos sabiamente interpelada por Obed Khan e outros críticos atentos aos deslizes da razão. Um dia pensei que etnia não existia. Eu próprio não sei a que etnia pertenço ou melhor se a minha etnia existe. Para mim etnia era uma construção social, uma identidade social de grupo inventada e estrategicamente manipulável. Hoje, penso que o mais importante não demostrar que etnia não existe ou que é uma construção social pois ela é real nos seus efeitos a artir da simples crença da sua existência (perguntem aos Quenianos). Quer dizer, a etnia pode ser criada instântaneamente. Aí, depois de criá-la, numa oficina de sociologia por exemplo, é só ter os profetas da sua existência a reproduzí-la com debates argumentativamente problémáticos. O passo seguinte é as pessoas acreditarem que os profectas representam os seus interesses. Que certas etnias, por exemplo, estão a ser subjogadas por outras. Que certas etnias estão sub-representadas na partilha de recursos (poder) simbólico ou material. Quando se acredita que isso existe, não importa que não exista ou como foi produzino, pois o efeito da crença é real na mesma. Acabei me excedendo. A razão desta interrupção da ausência é uma frase (máxima)!. Gostaria que os leitores me ajudassem a entender o seu sentido. É que eu sou, um pensador apressado, e as vezes levo algum tempo a entender o sentido lógico das coisas. Mesmo assim não acho que faço “sociologia de intervenção rápida”.

Um “grande sociólogo” escreveu a seguinte frase:

Quanto mais flagrante é a desigualdade social [x], mais têndencia têm os “fast thinkers” para exigir neutralidade axiológica”[y].( Vejam aqui).

Queria convidar os leitores a fazer um pequeno exercício. O exercício consiste em analisarmos o sentido da relação que nos é proposta pelo pensador. Comecemos por partilhar o entendimento da palavra flagrante. Digamos que quer significar algo em presença, acentuada. Pegando na frase do nosso pensador a coisa ficaria assim:

- Quanto mais presente (acentuadas) as desiguldades sociais, mais tendência têm os “pensadores rápidos” - fast thinkers - (na verdade pensadores apressados) de exigir neutralidade axiólógica.

Devo recordarvos que a neutralidade axiólogica refere-se a um postulado metodológico importantissimo que ficou popularizado com a famosa distinção que o Sociólogo, Alemão do século XIX, Max Weber, fez entre enunciados valorativos e enunciados com relação a valores. Não confudamos! Em outras palavras, Weber distingue juizos de facto – “Em Moçambique existêm desiguldades sociais” – de Juizos de ValorAs desiguldades sociais em Moçambique são más, provocam linchamentos”. Um exemplo menos comprometido. -"A 2M é uma cerveja Moçambicana"Juizo de facto. "A 2M é a melhor cerveja Moçambicana" Juizo de valor. A primeira a firmação não depende dos nossos gostos ou desejos para ser verdadeira. A segunda depende. Existem várias implicações metodológicas mais profundas que derivam desta distinção Weberiana que não interessa explorar aqui. Talvez acrescentar apenas que Weber pretendia sugeir que ao sociólogo não cabe julgar os valores dos grupos sociais que estiver a estudar (emitir juizos de valor). De facto, a “neutralidade axiológica” foi uma tomada de posição fundamental para retirar as Ciências Sociais do domínio da moral teológica. Nunca Weber sugeriu que o sociólogo devesse eximir-se da responsabilidade ética em relação ao seu lugar de cientista e ao seu ofício como sociólogo pois é ela que impede a redução do labor científico ao exercício de uma razão instrumental que se limitasse a valorizar procedimentos eficazes independentemente dos fins aos quais serve. Portanto, a neutralidade axiólogica, bem interpretada, não é um princípio caducado. Permanece, bastente válido e actual. É, infelizmente, um principio mal interpretado por alguns sociólogos consciente ou inconscientemente. Os que o fazem conscientemente aproveitam-se das críticas mal elaboradas ao postulado para tomar partido em acções políticas disfarçadas em ciência ou legitimadas pelo engajemanto ideológico a favor dos deserdados. Falta-lhes a ética da responsabilildade. Retomemos o nosso exercício.

Qual é a relação entre “a presença de desigualdades sociais” – era preciso estabelecer claramente o que se quer dizer com presença flagrante de desiguladades sociais, já que estas se apresentam de diferentes maneiras em função da postura teórica e analítica de quem as observa – e o pressuposto espistemologico e metodologico Weberiano de neutralidade axiológica? Para por as coisas de forma mais desnudada o que é que varia em função de quê? Bom, isso é sugerido no pensamento cuidadoso (portanto not fast thinker) do “grande sociólogo”: Mais flagrante desigualdade social (x) [variável, toma valores diferentes], mais exigência de neutralidade axiológica [y].

A postura espistemológica e metodológica de exigir mais neutralidade depende (portanto) da presença flagrante de desigualdades sociais. A pergunta que gostava de deixar para os leitores é seguinte: Que tipo de relação acham existe ou se estabelece entre os dois fenómenos? Faz sentido essa relação? Se sim, porque faz? Podeia sugerir um TPC sobre os tipos de relações entre variáveis, mas parece-me um exagero aqui. Farei o TPC pelos leitores, como prémio pela atenção que me dispensão! Para alêm das variáveis dependentes e idependentes que todo mundo sabe, posso lembrarvos por alto mais algumas.

Os principais tipos de relações entre variáveis são: simétrica, em que nenhuma das variáveis exerce influência sobre a outra, quando então pouco interesse tem para a ciência; recíproca onde cada uma das variáveis é, alternadamente, causa exercendo continuo efeito uma sobre a outra, condição até certo ponto frequente em ciências sociais; assimétrica, onde uma variável (independente) exerce efeito sobre a outra (dependente). A relação assimétrica é o cerne da análise nas ciências deve-se sempre procurar pelo menos uma relação assimétrica, mesmo que a maioria das hipóteses prediga relações de reciprocidade. Em outras palavras, deve-se buscar uma relação causal entre variáveis independentes e dependentes, que pode ser:

determinista - “se X (independente) ocorre, sempre ocorrerá Y (dependente)”;
suficiente - “a ocorrência de X é suficiente, independente de qualquer outra coisa, para a subseqüente ocorrência de Y”;
coextensiva – “se X ocorre, então ocorrerá Y”;
reversível - “se X ocorre, então Y ocorrerá; e se Y ocorre, então X ocorrerá”;
necessária - “se X ocorre, e somente X, então ocorrerá Y”;
substituível - “se X ocorre, então Y ocorre, mas se H ocorre, então Y ocorrerá”;
irreversível - “se X ocorre, então Y ocorrerá, mas se Y ocorre, então nenhuma ocorrência se produzirá”;
sequencial - “se X ocorre, então ocorrerá mais tarde Y”;
contingente - “se X ocorre, então ocorrerá Y somente se M estiver presente”;
probabilista ou estocástica - “dada a ocorrência de X, então provavelmente ocorrerá Y” (a mais comum das relações em ciências sociais.

Esta coisa de dar TPC aprendi lá com o “grande sociólogo”. Posso adiantarvos que se sugere uma relação assimétrica de proporcionalidade directa, na frase pensador não apressado, entre os dois fenémenos. A pergunta mantêm-se, faz sentido? Será mesmo assimetrica? Reparem que essa relação só é válida na presença de uma categoria de pensadores (os fast thinker), na presença dos “all the time to think” (todo tempo para pensar) a coisa deve mudar de figura. Podemos, então, inferir que Max Weber era um “fast thinker”? Por outra podemos inferir que as desigualdades sociais na Alemanhã, quando Weber escreve os seus livros de metodologia para as Ciencias Sociais onde propõe a ideia de neutralidade axiológica (um proposta que têm sido muito mal interpretada por sinal), deviam ser bem flagrantes? Que relação existe entre os dois fenémenos sugeridos na frase douta! Quem acertar têm um prémio, que “Faster Thinker”!







Friday, January 25, 2008

Ausência!

Caros leitores e amigos do Olhar...!
Estarei ausente do blog por alguns dias.
O(s) debate(s) poderão, no entanto, prosseguir!


Thursday, January 24, 2008

O fim da picada!


Passam poucos minutos das 20 horas. Acabei de assistir pelas televisões STV e Miramar a uma cena, que na falta de melhor expressão vou considerá-la, deprimente. Inacreditável. Pronto. Acabou o suspense. Vou entrar para os detalhes do episódio que acabei de assistir nos telejornais das emissoras que mencionei. Já tinha ouvido falar da “fama” do ministro da saúde por causa das suas visititas relâmpagos as unidades sanitárias. Essas visititas repentinas, sem aviso prévio, valeram-lhe a alcunha de “Ministro Tsunami”. Os tsunamis são ondas que resultam de Maremotos e que por atingirem velocidade e altura extraordinárias causam estragos inimagináveis ao se fazerem a costa. Não poderia haver melhor figura retórica para caracterizar aquilo que deve representar para o trabalhador a humilhação por admoestação em publico. Uma humilhação em presença de seus pares e depois tele – difundida pela janelinha mágica da TV para todos cantos do mundo. Afinal, alguns canais estão disponíveis via satélite. Um espectáculo deprimente. Desta vez as ondas tsunamicas atingiram duas unidades sanitárias na Machava e Zimpeto e fizeram transbordar, humilhação e arbitrariedade em nome da melhoria da qualidade na prestação serviços hospitalares ao povo. Vou tentar reproduzir o cenário e o episódio neste breve relato encenado.

Ministro Tsunami (M.T): [rodeado da cúpula que o acompanha, recorda-nos aquelas entradas triunfais de generais numa cidade recentemente conquistada ao inimigo e que chegado lá entrevista alguns habitantes].

M.T: – “ Onde está a médica clínica?

Trabalhador (T): [aparência acima dos 45 anos, cabisbaixo, mãos atrás cruzadas em sinal de vénia ao chefe oferece uma desculpa]:

T: - "Foi dispensada ontem"!

MT: – “Quem autorizou a dispensa na ausência da directora clínica?”

T: [ Embaraçado tenta oferecer uma explicação]:
- Eu é que ,... !

M.T [Bem próximo do trabalhador, altivo, gesticulando, emotivamente, transpirando autoridade] :

- “Você não têm competência para fazer isso.”
- “A única pessoa que pode dispensar pessoal clínico, aqui, é a directora clínica”.
- “Você esta a fazer trabalho da directora”.

T: [tenta lastimosamente se explicar]: - Mas....!

M. T [ interrompe-o aumentando o tom de voz e, mas agressivo nos gestos]:
-he, he, he , ná, ná, não...!

-“Sabe, você não é competente para estar neste lugar[1]”.

-“Por mais boa vontade que você tenha.

- Eu sou ministro e há coisas que não posso fazer”.

- Você dispensou a clínica, ela não está aqui você é o responsável por isso.

T: [ Tenta resmungar, mas é abafado pela onda tsunamica]

No pátio do hospital.

Ministro tsunami: [ Vê um trabalhador agachado]:

- “Este miúdo aqui, esta fazer o quê? Não está fazer nada, só esta fingir que esta trabalhar”?.
- Você anda cá!

Trabalhador
: [aproxima-se, cabisbaixo!]

MT:

- “O que estas a fazer?”
- “Só estas a brincar...!”
- Viram o ministro e agora finge que está cuidar da relva...!

T: [Tenta responder, mas é logo abafado]

- “tem sempre justificação na ponta da língua”.
[....] O espectáculo prossegue!

Enfim, dei-me ao trabalho de tentar reconstruir a cena teatral da visita do ministro da saúde para os leitores poderem visualizar a imagem do que estou a descrever.

Os meios e os fins!

O sociólogo Elísio Macamo iniciou uma reflexão sobre a moral na nossa sociedade. A pergunta que se colocou é: “Quando é que os meios justificam os fins?” Algo me diz que esta questão é, já agora, útil para nos dar alguns elementos analíticos do episódio que relatei mais acima.

Suponhamos que os fins do ministro, pelo menos manifestos, sejam:

a) Identificar (diagnosticar) os vários problemas que afectam o mau funcionamento das unidades sanitárias.

b) Identificar os casos excepcionais para usá-los como exemplos a replicar. Por exemplo, através da ideia que sugeriu de emular os bons trabalhadores.


Poderia arrolar mais aspectos que constam da agenda manifesta bem intencionada do ministro, mas estes dois parecem suficientes. A finalidade do ministro é, portanto, moralmente e até politicamente considerada “correcta”, melhorar a qualidade do atendimento nas unidades hospitalares. Quando é que os meios usados pelo ministro (visitas relâmpago, repreensão publica) justificam o fim (melhoria da qualidade do atendimento)? Como se mede isso?

Meios auxiliares de diagnóstico!

Estará o ministro a usar dos meios mais adequados e mais eficazes para lograr seu intento manifesto? No final das visitas o ministro, aliás que já vai acompanhado da imprensa televisiva para essas unidades, faz um apanhado geral da visita. O diagnóstico que acha ter feito através da visita relâmpago, invariavelmente, é o que “todo o mundo” já sabe. Não há novidade no diagnóstico: filas longas de espera para atendimento; pacientes no chão, falta dos trabalhadores (assiduidade), esses os visíveis a olho nu. Há alguns anos que não vivo na Machava, mas sabia que os doentes não têm bancos para se sentarem enquanto esperam pelo atendimento médico. É preciso uma visita relâmpago para se saber que o sorriso da enfermeira ao receber um doente (na presença do ministro) é teatral? É preciso uma visita relâmpago para saber que a relva no pátio do Jardim do hospital há muito que não dá um gole de água, sucumbe de sede? É preciso uma visita relâmpago para saber que o jardineiro que se encontra ali poderia estar mesmo a fingir que trabalhava? É preciso uma visita relâmpago para saber que em quase todas instituições públicas deste país os livros de ponto são para o Inglês ver? Não há nada de novo nas constatações do ministro. Essas coisas não constituem novidade alguma.

Invocação precisa-se nas soluções para esses problemas. Inovação e criatividade precisa-se para saber se esses é que são de facto o problema e não apenas a ponta do iceberg. Quer dizer, que condições estruturais propiciam o florescimento desse tipo de situações que prevalecem nas unidades sanitárias? Só sabendo isso é que podemos avaliar a eficácia das visititas tsunamicas. Para fazer esse trabalho não é preciso enxovalhar publicamente as pessoas. O que estou a tentar sugerir é que o ministro poderia ter a mesma informação usando outros meios e sem eventualmente infringir alguns dos direitos fundamentais de qualquer trabalhador e pensar em medidas estruturais correctivas.

Ao agir do modo que o faz, o ministro não só está a infringir os direitos dos trabalhadores, por exemplo ao bom-nome, como a revelar que ainda não sabe bem o que fazer. Quais são as atribuições de um ministro? Não haverá formas não humilhantes de reprimir um trabalhador do que enxovalhá-lo diante dos colegas e das câmaras da televisão? Alguém já imaginou a cara daquele pai de família, marido, diante dos filhos em casa a assistir ao telejornal em que é enxovalhado? Seria interessante se os nossos juristas (Ilídio), e porque não os próprios sindicados dessem uma vista de olhos sobre os direitos que o ministro infringe ao amordaçar trabalhadores publicamente. Não há boa intenção que justifique maltratar as pessoas.

Um politico extemporâneo!

Tudo indica que a intenção do ministro tsunami é das melhores, até que se prove contrário. No entanto, aí está. É complicado justificar os meios usados para alcançar certos fins apenas pelas intenções. É pelo desempenho e não pelas intenções que se têm mais elementos para avaliar! O desempenho do ministro é “bom”? Melhor, quando é que o desempenho de um ministro é bom? Como se mede isso? Com que critérios? Vamos fazer visitas relâmpago ao ministério? Partamos do princípio que o ministro está cheio das boas intenções. Vamos avaliá-lo pelas visititas relâmpagos? Pela melhoria da qualidade dos serviços nos hospitais? Como é que se vê essa melhoria? Como se mede isso? Quem nos garante, por exemplo, que lá onde se julga os serviços e o atendimento terem melhorado é consequência das visitas relâmpago? O que significa melhorar os serviços e entendimento no nosso contexto? Parecem perguntas retóricas, mas não são. É respondendo a algumas destas questões que teríamos elementos para avaliar o desempenho dos trabalhadores e do próprio ministro.

Existem pessoas formadas em sociologia das organizações e da administração, assim como em gestão de recursos humanos, que poderiam ser úteis ao ministro nesse sentido. [Já agora eu poderia ir lá dar algumas consultorias – o que acham?] O mais provável que venha acontecer naqueles locais visitados pelo ministro não é a melhoria da qualidade do atendimento público. Aquela humilhação pública – que o estudem os psicólogos – poderá ser arremessada num acto de resiliência por retaliação sobre os doentes, por exemplo. Essa não é uma hipótese absurda! O ministro avalia todos esses elementos? Duvido.

O que se salienta nas visitas do ministro é o próprio ministro ressuscitando um estilo de gestão politica anacrónica, extemporâneo que lhe dá protagonismo e reputação. Uma reputação resultante da exploração da reserva moral da imagem de Samora Machel[2]. Ofuscando-nos, com a reminiscência nostálgica de Samora, deixamos de apreciar os meios, sua legalidade, na acção de um político. Hipnoticamente nos concentramos no espectáculo. Só faltava ver isto, Samora reencarnado: é o fim da picada!



O Bayano recordou-me que este debate já teve lugar aqui e aqui.















[1] A transcrição do discurso pode ter algumas imprecisões (as palavras podem não ser exactamente aquelas), mas procurei descrever a situação com maior fidelidade que me foi possível.
[2] Primeiro Presidente da República Popular de Moçambique (1933-1986).

Wednesday, January 23, 2008

Olívia Massango e o dilema desenvolver ou ecologizar!

"Na actualidade, fala-se muito em protecção do meio ambiente num contexto de protesto às acções de desenvolvimento. como se fosse possível a evolução do homem sem roubar à natureza a sua natureza. Em Moçambique, basta recordar que em 2007 a Justiça Ambiental esteve empenhada em alertar o Governo sobre vários casos que considera constituirem uma ameaça ao ambiente, caso do projecto Mphanda Nkuwa, alegando exposição a riscos ecológicos, sísmicos, sociais e económicos". Leia todo o texto aqui.
Recorde-se também o que escrevi em tempos sobre este assunto aqui e aqui .

Tuesday, January 22, 2008

Um neo-marxismo anacrónico.


Nas minhas aulas de sociologia procuro sempre situar as ideias dos autores que apresento e discuto com os estudantes no contexto social, histórico, intelectual e geopolítico da época desses autores. Procuro também sugerir que estabeleçam a relação entre a biografia dos autores e o seu pensamento teórico e social. Este é um pressuposto metodológico – pedagógico que adopto para situar não só os autores e suas ideias, no seu tempo e espaço, mas principalmente para que os meus estudantes não se deixem levar por ideias que a primeira vista podem parecer atraentes para aplicá-las de imediato em seu contexto. Uma outra razão deste procedimento é precavê-los para que evitem julgar as ideias desses autores a partir da sua experiência actual. É preciso ser muito cauteloso nesse sentido. A tentação é dupla. Uma é a de achar as ideias são tão brilhantes e transportá-las no tempo e espaço sem as devidas precauções; a outra é julgar os autores dessa época com os olhos e realidade de hoje. Chama-se a isso uma leitura anacrónica.

Dos autores que apresento e discutimos nas aulas procuramos retira-lhes e compreender o princípio explicativo da sua teoria social. Quer dizer, tentamos identificar os problemas sociais que os preocupavam e depois como os formulavam em problemas sociológicos. Isso é fazer sociologia. O que nos interessa é perceber que teorias, que métodos e que argumentos o autor nos apresenta. Que quadro explicativo nos sugere, que categorias e conceitos analíticos nos apresenta no seu esquema explicativo e por ai em diante. Algumas das ideias dos autores são bem actuais, i.é parecem referir-se a problemas sociais que se colocam hoje em dia. Na verdade é dai que deriva a designação de autores clássicos porque as suas ideias atravessam gerações e mesmo assim se mantêm actuais.

Todavia, essa actualidade deve ser sempre cuidadosamente revista. Existem vários académicos que de uma ou de outra maneira tentam aplicar os instrumentos teórico-analíticos de Marx ao contexto Moçambicano. Alguns fazem-no com alguma criatividade. Sobre esses não me vou ocupar agora. Fica apenas um exemplo, clássico. Em Moçambique já ouve tentativas interessantes de se fazer uma leitura classicista da sociedade. Uma das obras, clássica, onde se aplica a teoria da luta de classes de forma criativa e rigorosa é “O Mineiro Moçambicano”. O mineiro Moçambicano é um estudo, sobre a exportação de mão-de-obra em Inhambane, produzido por um grupo de cientistas sociais na altura sedeados no Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade Eduardo Mondlane. No “O mineiro Moçambicano” os autores aplicam os instrumentos analíticos da “teoria marxista de análises de classes” a sociedade Moçambicana tendo identificado ou melhor construído categoriais sociais na base do conceito de classe social. É interessante notar que já nessa altura os autores se deparavam com problemas de adaptabilidade da teoria. Nessas circunstâncias referiam-se, por exemplo, a ausência de um grupo social como resultante da própria acção deliberada do sistema “capitalista” colonial como sugere a seguinte frase:

“A economia colonial sobreviveu durante muitos anos na base de uma dependência de dois sistemas, o trabalho migratório e o trabalho e agricultura coercivos, mesmo depois da abolição formal das culturas e do trabalho forçado. O colonialismo português introduziu mecanismos impeditivos do crescimento de uma burguesia negra, agrícola ou comercial. Assim, embora houvesse uma diferenciação de classe e até mesmo alguns ‘koulaks’ e pequenos comerciantes, o sistema de produção agrícola e industrial manteve-se nas mãos da burguesia portuguesa” (CEA, 1998).

Forçar a realidade aos conceitos.

Não é a realidade que se deve adaptar aos conceitos, são estes que devem dar conta da realidade. Quando os conceitos não dão conta da realidade são aqueles que devem ser reajustados e não o contrário. Não estou a querer ser Rortiano e sugerir que a realidade nunca está errada, mas neste caso a máxima parece se aplicar bem. A realidade nunca está errada, o conhecimento – já agora os conceitos e teorias – que pretendem dar conta dela é que podem estar erradas. Estas são noções básicas que partilho com os meus estudantes. Se, por exemplo, achamos que a nossa sociedade se presta a uma leitura classicista o mínimo que se espera de nós, como sociólogo criativo, é o exercício de revisitar o seu conceito de classe. É preciso reflectir sobre os critérios e precauções metodológicos que tomamos antes de lançarmo-nos na precipitada classificação das coisas.

O neo-marxismo, por exemplo, surge justamente pela lufada de ar fresco que se deu a teoria de analise de classe de Marx para poder dar conta das transformações da sociedade que já não se adequavam a uma leitura nos termos em que havia sido feita por Marx. É claro que há vários tipos de neo-marxismo, mas vou ater-me a aquele que se refere análise de classes. O próprio Marx havia feito vista grossa a tendência crescente da classe média na Europa, facto que contraria seu esquema analítico na previsão (profética) de que o processo seria inverso. Quer dizer, para Marx a burguesia e o proletariado constituíam os dois pólos (grupos sociais) antagónicos na sociedade capitalista. Essa, portanto, era uma estrutura social contingente daquela constelação histórica, e que seria superada. Não me vou alongar nos detalhes desta história pois imagino ser do domínio dos leitores deste blog.

Existe toda uma literatura sociológica em torno desse aspecto sugerindo novas abordagens e até novas formas de conceptualização de classe social, para dar conta precisamente da crescente e hierarquicamente diversificada classe media dependendo dos critérios usados para classificá-la. O termo classe passou a ser mais flexível na sua definição para dar conta de uma multiplicidade de grupos sociais cuja base de existência e reprodução da vida não derivava necessariamente da esfera económica e das relações de produção material da vida. Multiplicaram-se profissões, houve avanços tecnológicos significantes, enfim, houve uma mudança da estrutura social das sociedades. É, portanto, no mínimo anacrónico que qualquer sociólogo, hoje em dia, se admire que existam pessoas que vivam apenas do seu trabalho intelectual. É no mínimo estranho, que hoje em dia, um sociólogo que se preze sugira aqueles que se desligaram da produção material da vida (incluído quem afirma isso)– como Marx anuncia na primeira premissa da concepção materialista da história – tiveram a função de pensar a sociedade, muito menos aos serviço do poder. Os advogados, os escritores, os artistas, os músicos, as estilistas, as modelos, as palhaços e toda uma infinidade de profissões desligadas da produção material da vida não estão necessariamente a pensar a sociedade, muito menos ao serviço ideológico do poder. É no mínimo uma leitura descuidada fazer esse tipo de asserções.

Não estou a sugerir que não é possível fazer-se uma leitura classicista da nossa sociedade. Penso até que há elementos interessantes da nossa realidade que podem ser recuperados através de uma leitura neo-marxista. Todavia, o sociólogo que quiser fazer isso terá de dar conta das possibilidades heurísticas, hermenêutico-analítica e metodológicas do conceito. É preciso tomar esses cuidados para evitar forçar a realidade aos conceitos em função pretensão “ideológica” de fazer uma leitura neo-marxista da sociedade. Os conceitos não são totalmente isentos de uma carga ideológica por serem conceitos. É por isso fundamental inseri-los não apenas num quadro teórico (neo-marxismo) que informa a nossa leitura da realidade, mas também no contexto social, histórico, intelectual a que eles fazem referência e nos remetem. É anacrónico por exemplo, discutir o Socialismo Africano (Ujama) de Nyerere, a Luta de Classes de Nkhumah, ou o Socialismo Cientifico, Samoriano ou Frelimista como se fossem raios caídos de do céu azul. Por isso, ínsito nos meus estudantes a permanente vigilância epistemológica para que não se deixem levar pela animosidade que pode-lhes surgir na leitura da sua sociedade pela aparente adaptabilidade desses conceitos para denunciar problemas sociais antes sequer de formulá-los sociologicamente. Por isso, o maior desafio metodológico dos sociólogos é justamente o de fazer a transição da formulação senso-comunista dos problemas sociais para a formulação sociológica dos mesmos!

Monday, January 21, 2008

Sociologia para os deserdados![2].

Prossigo com a série sobre a Sociologia para os deserdados que iniciei aqui.


Uma reflexão epistemológica [2]

O lócus de enunciação e a empatia com os subalternos!

Se não existe lugar de observação neutro, também não existe um lugar de enunciação neutro. Os sociólogos, em particular, falam sempre de um lugar. Admitir isso, não implica, no meu entender, que o que vem a seguir é apenas anunciar de que lugar se fala ou em nome de quem se fala. Uns optam, infelizmente, pelo caminho mais fácil da tomada de partida. Como não é possível ser neutro, então, que prevaleçam princípios morais - ficar do lado dos deserdados - como critério de validade. Este tipo de posicionamento surge em diferentes contextos de produção de conhecimento. Os Estudos Subalternos da América Latina, por exemplo, procurou e desenvolveu toda uma “ideologia epistemológica” que diz aproximar ou pelo menos estabelecer uma certa empatia entre o pesquisador e os “ditossubalternos. Se a simpatia com os deserdados conduz a produção de uma “epistemologia de caridade” – acto político e não cientifico – seria possível algum tipo de empatia que nos permitisse produzir uma epistemologia para estudar os deserdados? O grupo acha que sim. Pessoalmente tive contacto com este grupo no Brasil através de alguns dos seus membros e defensores asserimos.
O princípio de divisão e classificação do mundo social é a ideia da “diferença colonial”. A diferença colonial é definida como sendo o espaço onde emerge a colonialidade do poder. A diferença colonial, conforme caracterizada por Mignolo, um dos apóstolos deste grupo, é também um espaço onde as histórias locais que inventam e implementam projectos globais encontram aquelas histórias locais que os recebem; é o espaço onde os projectos globais são forçados a adaptar-se, integrar-se ou onde são adoptados, rejeitados ou ignorados. Enfim, a diferença colonial no/do mundo colonial/moderno é também o lugar onde se articulou o “Ocidentalismo”, como imaginário dominante do mundo colonial/moderno. Este grupo de estudos faz todo um esforço teórico de produzir esta classificação de lugares sociais imaginários, eixos que dividem os dominantes e os subalternos no sistema mundial moderno. A sugestão seguinte a di-visão do mundo social entre dominados e subalternos é uma critica dirigida a epistemologia, considerada, ocidental. A crítica refere-se ao lugar de enunciação. É um mito perverso, dizem, a ideia ocidental/masculina de que se pode produzir conhecimento que não é situado, localizado, neutral e universalista. Segundo este grupo é preciso reconhecer que, enquanto académicos, sempre falamos de algum lugar específico em termos de género, raça, classe e hierarquias sexuais de uma região no sistema mundo moderno. O nosso conhecimento é sempre um conhecimento situado nesses termos, mas para além disso situado em função do eixo colonial/ subalterno.
Toda esta estoria conduz o grupo a procurar um lugar de enunciação emancipatório para aqueles que estão do lado subalterno. Falar do lado subalterno da diferença colonial força, na sua óptica, a olhar o mundo a partir de ângulo e ponto de vista critico da hegemonia. Falar do lado subalterno pressupõe, então, fazer-se um esforço para produzir um pensamento liminar. O lócus fracturado de enunciação define o pensamento liminar como uma reacção a diferença colonial. Assim, argumentam que a diferença colonial cria condições para situações dialógicas nas quais se encena, do ponto de vista subalterno, uma enunciação fracturada, como reacção ao discurso e a perspectiva hegemónica. O prosseguimento dessa proposta culmina com a proposta de um “pensamento fronteiriço” ou duma “epistemologia de fronteira”.
Tive a ocasião de perguntar a um dos apóstolos desta doutrina quem lhes conferira o mandato de falar no lugar dos subalternos? Podia fazer a mesma questão aos nossos defensores dos deserdados? A reposta foi de que não o faziam por simpatia, mas empatia. Se fosse cínico diria que ninguém se define como deserdado. Poderia aventar que não existe como alguém ser representante (como acontece na politica) dos deserdados sem poder ter uma experiência existencial de deserdado. Não há como incorporar a voz do deserdado se deserdado não se é e nunca se foi. E em ciência, não existem mecanismos de delegação de poderes como ocorre nos sistemas políticos. Com que legitimidade se fala ou se sai, epistemologicamente, em nome dos deserdados? Como é que um sociólogo sente a fome de um faminto? Representa-a teoricamente? O deserdado não existe em si, por si e para si. O deserdado só existe numa relação que se estabelece com seu criador. O conjunto de acções que justificam a acção (moral) do intervencionista pode criar sociologicamente a categoria social do deserdado. Essa produção de categorias socias subalternas como, a dos deserdados, por exemplo, pode ter fins inconfessáveis. Justificar e legitimar a intervenção e acção politica mistificada com a legitimidade de conhecimento sociológico pode ser uma delas. Porque não? Durkheim, esse pai da sociologia que não preciso apresentar, estabeleceu nos primórdios do século XIX que as divisões e distinções de ideias se tornam conhecimento somente quando são sistematizadas e conectadas umas a outra i.é., quando se tornam esquemas de classificação. Uma coisa é produzir categorias sociais, enquanto esquemas de classificação e por consequência de produção de conhecimento – um acto puramente epistemológico, outra coisa bem diferente – é produzir essas mesmas categorias para a intervenção social com intuito de transformar a sociedade – uma acção deliberadamente politica. A primeira produz ciência, a segunda quando muito pode ser uma espécie de "epistemologia da caridade".[Não decidi ainda se esta série vai continuar].

Friday, January 18, 2008

O Mérito da Questão!


Depois de tanta insistência com Elísio Macamo numa série dele e do Patrício Langa, percebi que eles não exigiam necessariamente crítica académica ao Azagaia e companhia. Apenas eles não aceitam que isso seja crítica social, mas sim desabafo. Se desabafo é "acusar" sem apresentar argumentos (ao contrário da crítica social), então é possível que eles estejam correctos. Que acham?” (Comentário de Xibeulane no blog Diário de um Sociólogo”).


Pior do que não perceber é insistir em não querer perceber!

Machado da Graça dispensa apresentação, de tão consagrado que é no cenário jornalístico e na esfera pública Moçambicana. Dono de uma escrita peculiar. Actualmente, com uma coluna no semanário Savana para além de colaboração numa série de jornais e revistas nacionais (não sei se estrangeiras também). Como podem perceber é um peso pesado (guru) do nosso jornalismo. Uma verdadeira autoridade nesse campo. Dos seus escritos, o livro de crónicas “Até Ficar Rouco” figura na lista das minhas preferências. Se não me engano – corrijam-me por favor – a crónica é o seu estilo predilecto e de eleição. Domina a pena e brinca com a língua de Camões ou se quiserem de Craveirinha. O que terá acontecido, ao Machado, para escrever uma carta como esta? No que se segue tento conjecturar o que estará por detrás da falta de observância de procedimentos básicos na avaliação de posições opostas de um debate antes de tomar posição.

O texto de Machado foi publicado pelo Jornal Fax Correio da Manhã. Tomei conhecimento da sua existência no internacionalmente conhecido blog Diário de um Jornalista, quer dizer Diário de um sociólogo. No referido texto, Machado toma posição comentado sobre as posições de um debate para o qual parece ter se informado pouco. Se se informou fê-lo superficialmente, como o próprio reconhece no texto. O debate é sobre o intervencionismo, critica social e debate de ideias do qual os leitores deste blog já devem estar cansados de acompanhar por se arrastar há algumas semanas tendo, inclusive, tomado contornos éticos indesejáveis. Esse debate como devem se recordar teve várias nuances e móbeis. Um dos quais foi a critica feita ao conteúdo da letra do músico Azagaia por mim e pelo sociólogo Elísio Macamo. O que dizem que nós fizemos, mas reafirmamos que não fizemos “até ficar roucos”? Dizem o seguinte:

“... se exige que a letra de uma música popular tenha o mesmo grau de profundidade de um texto académico, das duas uma: ou se está a elevar a música popular ao nível universitário, ou se está a baixar o nível universitário ao nível da música popular” (Machado da Graça).

Devo frisar aqui, repetidamente, que a critica não foi endereçada ao Azagaia, muito menos ao Edson da Luz. A análise feita primeiro pelo Elísio Macamo, introduzindo a distinção entre critica social e desabafo, e depois por mim foi sobre tipo de argumentos problemáticos que a letra do Azagaia apresenta. Essas análises nunca tiveram a pretensão de exigir que Azagaia observasse “rigor científico ou académico” como erroneamente insistem em colocar algumas pessoas. Para argumentar bem não é preciso ser académico. Que eu saiba Machado não é académico e mesmo assim domina arte de argumentar. É claro que, como qualquer um de nós, está sujeito ao erro. Não dizem que é humano, o erro? Num outro tipo de sociedade talvez até exigisse letras com mais rigor - aos músicos que quisessem ter a fama de críticos sociais - pelo menos lógico do que denotam as letras de Azagaia. Não posso deixar de desejar que um dia os músicos do meu país sejam mais rigorosos e responsáveis na leitura que fazem do seu país. Quando se quer dar credibilidade ao que Azagaia diz nas suas músicas, as mesmas pessoas que nos acusam de o exigir rigor académico lembram-se, curiosamente, de nos lembrar que ele é estudante universitário com letras grafais. É impressionante como vivem se contradizendo e depois imputam a responsabilidade aos outros. Demonstrei esse aspecto curioso rebuscando a crítica que foi feita ao “Ziqo Maboazuda”, aqui. Disse-lhes que usam dois pesos e duas medidas.

Todavia no caso Azagaia a nossa crítica até incidiu mais sobre aqueles que se aproveitaram do seu desabafo, em forma de música, para elevar essa leitura problemática da nossa sociedade ao estatuto de verdade inquestionável. Quando feito por sociólogos – consagrados – isso é no mínimo um acto de irresponsabilidade. Pior do que isso é distorcer argumento que laboriosamente apresentamos. Ao distorcerem o nosso argumento perdem, assim, a oportunidade de apreciá-lo nos seus méritos e deméritos. Critiquem-nos sim, mas por aquilo que dissemos e defendemos. Não nos critiquem por quilo que acham que dissemos. Critiquem-nos sim, por aquilo que escrevemos e não pela intenção que vocês acham que estava por detrás da nossa critica. Como poderiam provar, por exemplo, que a nossa intenção era aparecer, “passar”? Aparecer para quem? Passar para quem? No mínimo esse tipo de acusações infundadas seria circular para além de ser supérflua para o debate ideias. Se o próprio Machado reconhece que essas pessoas são “intelectuais de elevado nível” porque precisariam justamente de Azagaia para se fazer passar? Ninguém quer passar. Viemos para ficar.

Não me importaria que essa distorção viesse daqueles que mesmo concordando connosco insistem em afirmar publicamente que discordam só para não dar o braço a torcer. Há gente que já demonstrou que não está a fim de debater. Porque quem quer debater não se enreda em doutrinas fechadas e no seguimento de reveladores dogmáticos da verdade. O debate faz-se de espírito aberto para a crítica. Não existe adesão incondicional no debate crítico de ideias. É preciso estar sempre, mas sempre mesmo, a avaliar e reavaliar o mérito dos argumentos. Dizia que não me importaria que a insistência na distorção viesse dos "arautos da revolução". Estará Machado da Graça a aliar-se, a tomar partido? Duvido? De Machado, por tudo que já demonstrou na sua longa carreira jornalística, esperava (ainda espero) no mínimo mais cuidado na avaliação dos diferentes argumentos apresentados no debate antes de tomar partido. A não ser que a lógica de tomada de partido seja idêntica aquela daqueles que se declararam seguidores incondicionais e caninamente fiéis de um certo professor, não importando o mérito dos seus argumentos. Um seguimento dogmático. Aí sim, a surpresa teria me tomado mesmo de surpresa, passe a redundância! Pelo que percebi da carta de Machado parece que nem sequer teve acesso, senão a todos, pelo menos aos textos fundamentais de uma das partes na contenda. Limitou-se a usar, como ele bem reconhece, o resumo problemático feito numa das edições do Savana e que eu já havia denunciado como não sendo fiel.

Baseado nessa suposição, de uma leitura e tomada de posição apressada, vou relevar a carta de Machado e convida-lo a (re)ler os textos que eu e o Elísio Macamo escrevemos sobre o assunto. Ao fazê-lo beneficio a dúvida, porque não acredito que um jornalista da craveira de Machado, por tudo que já demonstrou tome posições, como esta da carta, sem avaliar o mérito da questão.

Simplesmente foram estudados no sentido de perceber o que é que, numa determinada sociedade, tinha provocado aquelas canções de protesto. O que é que tinha transformado aquelas pessoas em cantores de protesto. Ora não parece que seja isso o que está a acontecer por cá. Não me parece que os nossos distintos académicos estejam a analisar a nossa sociedade para perceberem a razão de ela ter produzido um Azagaia” (Machado da Graça).

Penso que devo manter a mesma postura, de dúvida, em relação a ideia exposta no excerto acima. Não seria “justo” exigir de Machado que saiba o que se produz cientificamente neste país, nas condições que ele (im)possibilita, sobre a nossa sociedade. Bastaria dizer que uma parte dos que podiam estar a estudar socialmente este país com “rigor científico” – que não foi o que exigimos ao Azagaia – para saber como se produzem e porque se produzem Azagaias limitam-se a fazer eco ao que o cantor diz, juntando-se a ele no coro do desabafo. Aí estamos mal mesmo, pois ficamos poucos a reflectir sobre estas questões pertinentes que Machado coloca. Digo isto para não ser altivo e apresentar-lhe uma lista bibliográfica de estudos sobre os mais diferentes temas e assuntos do nosso país. Digo isto para não por em causa a concepção de ciência – as condições teóricas e sociais de sua produção – que Machado deve ter. Prefiro insistir no benefício da dúvida. A única coisa que peço por enquanto parece simples. Avaliem o mérito da questão. Avaliar não é concordar comigo e/ou com o Elísio Macamo. Avaliar o mérito da questão é submeter aquilo que nós dissemos ao escrutínio. Mas sejais justos, dai a César o que é de César e não nos atribuam argumentos que não defendemos. Depois disso podemos voltar a debater.

Sociologia para os deserdados![1].

Por ser sexta-feira deixo-vos mais um texto para ler durante o final de semana. É uma breve reflexão na sequência dos Ecos da Sociologia Publica em Moçambique. Resolvi dotá-la de um título diferente por trazer elementos epistemológicos. Devo informar que estes artigos não devem ser interpretados no contexto das querelas sobre o intervencionismo aqui no blog. No entanto, é uma reflexão decorrente dessa experiência, sem no entanto pretender remeter para aquelas.

Um reflexão epistemológica[1]

A medida que decorria o debate na blogosfera sobre intervencionismo (engajamento) critica social e debate de ideias apercebi-me que os apelam ao intervencionismo se posicionam como “defensores dos deserdados”. Achei essa atitude interessate. Pareceu-me até que a aceitação do que diziam assentava precisamente no impacto psicológico que essa postura “moral” representava para alguns. Funcionava como uma espécie técnica de autorização. Portanto, o que era dito era avaliado não pelo mérito da questão, mas pelo peso moral em função de em nome de quem era dito. Os deserdados. Alguns de nós fomos considerados de insensíveis e indiferentes a sorte dos deserdados, por estarmos feitos com o regime do dia. Não viria problema algum nessa postura se aquela assentasse apenas num princípio moral, se se afirmasse e legitimasse como tal. Não estou a sugerir que os princípios morais que informam as posturas dos académicos, em particular, justificam tudo e não são discutíveis. No entanto, tenho para mim que esse é campo privilegiado da política ou melhor da filosofia moral da acção política. Faz todo sentido, para o político, discutir o mérito ou não da sua postura em relação aos deserdados. Esse é também o conteúdo da política. Todavia, a questão que quero levantar é de outra ordem. É uma questão, se quisermos, epistemológica. É epistemológica porque se questiona sobre princípios teóricos e metodológicos de produção de conhecimento. A intenção não é cingir a reflexão sobre aspectos meramente epistemológicos. Na verdade o assunto ainda é a postura, em particular, dos sociólogos em relação às causas que defendem. Com que estatuto o sociólogo se outorga a prerrogativa de sair em defesa dos deserdados? Que pressupostos – epistemológicos ou morais – informam essa decisão? Existe algum preceito teórico ou metodológico da disciplina que sanciona a postura do sociólogo em relação aos deserdados? Se me preocupasse com a sorte dos herdeiros, o meu trabalho seria menos sociológico? Existe algum lugar privilegiado na observação dos fenómenos sociais, que se revela ao sociólogo bem intencionado? O que é ser bem intencionada na ciência? Ou melhor, quando é que se é, cientificamente, bem intencionado? A minha ingenuidade académica faz-me crer que é a busca do “rigor científico” a maior tarefa do sociólogo. Quando intervêm publicamente, como defende o Norueguês Vilhelm Aubert, reconhecido sociólogo do direito, o mais importante é fazê-lo para reforçar e defender a racionalidade no discurso público. Como se pode fazer isso senão por meio do debate critico de ideias? Não é tarefa fácil, mas ninguém a anunciou assim. Reconheço, por exemplo, que muitos somos tentados a fazer da sociologia uma moeda de troca como denuncia, Bryian Turner. Segundo Turner, dada a estrutura sociológica do mercado académico, os sociólogos são forçados a viver como comerciantes. O alto nível de competitividade – e hoje notasse que em Moçambique começam a surgir todo tipo de sociólogos – leva-os a fazer tudo em busca de emprego, prestigio ou mesmo segurar audiência. Essa tendência acaba levando os sociólogos a inventarem abordagens que as denominam de sociológicas mesmo que na sua essência sejam precisamente o que não define o procedimento do fazer sociológico. Como podemos interpretar uma “Sociologia de Intervenção Rápida”, por exemplo? Qual é seu objecto de estudo? Qual é seu campo de estudo? Quais são os seus instrumentos teórico metodológicos? Quais os seus referenciais teóricos? Um estudo, se a memoria não me falha, nas Filipinas, revelava que eram precisamente os sociólogos quem mais distorciam o ethos da sua profissão (disciplina). Um das formas dessa distorção é apresenta-la como uma instituição de solidariedade e caridade. Confunde-se assim sociologia com a assistência social. Antes de iniciar as aulas tenho o hábito de pedir aos meus estudantes para que escrevam uma página sobre as suas expectativas em relação a disciplina e porque optaram pela sociologia. Invariavelmente, a resposta é de que gostam de trabalhar com pessoas, querem ajudar as pessoas, aos pobres, as crianças. Existem aqueles outros, que sabem que a ONG é que está dar. O.N.Gizam-se. Com seu sentido de oportunidade querem criar suas ONG’s com fins manifestamente filantrópicos para prosperar na indústria da caridade. Digo-os de imediato que o curso de sociologia não é para formar assistentes sociais e que podem estar no lugar errado. Quando aparecem sociólogos consagrados a reforçar essa imagem distorcida da sociologia como disciplina filantrópica a coisa se intrica ainda mais. Não me vou debruçar, aqui, sobre o despropósito de que os esquerdistas são os verdadeiros sociólogos. Essa foi a perdição de Marx nas suas “aventuras contra o Barão de Münchhausen”. Não preciso repetir que para Marx o proletariado se encontrava numa posição (perspectiva) privilegiada na montanha que lhe permitia o acesso a “verdade”. A verdade que o levaria a tomada de consciência da sua missão história. Uma missão que ele anuncia bem na sua segunda de suas onze teses contra Feuerbach: "A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objectiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É, portanto, na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter terreno do seu pensamento". Para concluir na última tese: "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de diferentes maneiras; a questão, porém, é transformá-lo. Defendi, e ainda não tenho razões para mudar de posicionamento, que não existem lugares epistemologicamente privilegiados para estudar o social. Afirmar isto não significa recusar que o nosso olhar, a nossa preferência, a nossa posição teórica e metodológica na produção de conhecimento e até a finalidade do nosso produto não é sociologicamente condicionada. Controlar e reduzir ao mínimo possível os efeitos desses factores sociológicos é uma das prerrogativas da reflexão metodológica. Como podemos produzir um conhecimento cuja validade e fiabilidade transcende os limites impostos pelas nossas condicionantes sociológicas de raça, género, classe, e por ai fora? Esse é o desafio metodológico que os que advogam o intervencionismo tentam evitar. Colocam a legitimidade da questão moral, acima da legitimidade epistemológica. Mais pernicioso ainda é quando a postura moral é apresentada mistificadamente como sendo postura epistemológica. [Continua].

Ecos da Sociologia Publica em Moçambique (4).

Prossigo, hoje, com a série "Ecos da Sociologia Publica em Moçambique".
Diferenciação funcional da sociologia [4]

Recordo, aqui, a tipologia das sociologias de Burawoy. A Sociologia Profissional, a critica, das Politicas e a Publica. Pretendo, assim, expor melhor o ponto de discórdia com esta visão de sociologia cuja diferenciação funcional é estabelecida pelo destinatário. A sociologia profissional refere-se a teorias institucionalmente definidas e reguladas assim como aos métodos da sociologia. Essa é que é sociologia. Através de quadros teóricos e métodos acordados e testados a sociologia acumula conhecimento científico produzindo teorias que correspondem ao mundo empírico. No mínimo tenta tornar esse mundo empírico algo inteligível. Não é imperioso que sempre o consiga, essa não é e nunca foi sua sina. Modesta que é não procura consertar o mundo. A corrente principal da sociologia (main stream) é, portanto, a da sociologia profissional. É núcleo duro da coisa para diferenciá-la de outras práticas, por exemplo, menos sociológicas. Falemos um pouco das outras. A sociologia critica, por exemplo. Na óptica de Burawoy, a sociologia crítica define-se por oposição a sociologia profissional. A crítica ocupa-se da reflexão sobre o próprio trabalho da disciplina, dos debates entre programas de investigação e entre teorias. Considero esta distinção problemática, pois a sociologia crítica é inerente a sociologia (main stream). Como se pode imaginar a dissociação do “main stream” da crítica? Se se lhe retira a veia crítica retira-se-lhe a raison d’ être. O trabalho das feministas, considerada uma sociologia crítica, é sociológico não pela “justeza” da causa “feminista”, mas por desvelar os vícios de observação, negligência, silêncios e omissões da dimensão de género nas análises sociológicas da profissional. Se não nos esquecêssemos que a reflexividade e auto-reflexidade são características também inerentes e sui-generis da sociologia não nos surpreenderíamos com o auto flagelo a que ela se submete. A auto-crítica. A sociologia produz armas – teórico e metodológicas – que depois as usa contra si mesma. Não é por acaso que temos uma sociologia da sociologia. Agora, uma sociologia orientada por questões morais e por quadros normativos que a obrigassem a incluir a dimensão de género, por exemplo, não seria sociologia, mas política de género a intervir na produção da sociologia.

Com a “sociologia das políticas” a história é parecida. Aquele tipo de sociologia por encomenda. Digo da sociologia das consultorias e assessorias. Produz um tipo de conhecimento para estar ao serviço do cliente. Este último define o problema e chama o sociólogo para lhe oferecer a solução. É muitas vezes julgado pela sua praticabilidade, efectividade e utilidade para o cliente fazer intervenções políticas (justificadas). O conhecimento público apela para largas audiências na esfera pública. O sociólogo é visto como o intelectual público, comunicando-se e se dirigindo para uma audiência, educada, fora do contexto universitário. Numa variante apelida de “Sociologia Publica Orgânica” o sociólogo está engajado com organizações em debates públicos e nas reformas. O referido conhecimento público, aí, é baseado no consenso entre o sociólogo, seus públicos e justificado pela relevância para aqueles.

Burawoy se esforça por apresentar estas sociologias como uma espécie de “tipos ideias”, a lá Weber. Nenhuma delas, portanto, se encontra na sua forma pura. Ocasionalmente existe sobreposição e interdependência entre os quatro tipos de sociologia. Contraditoriamente, advoga que são quatro tipos antagónicos sendo cada tipo de conhecimento discreto. Advoga que os quatro tipos de conhecimento representam não só uma diferenciação funcional da sociologia como também quatro preferências distintas. Essas diferenças reflectem-se nas diferentes rotas e carreiras profissionais dos sociólogos, muitos dos quais ocupam apenas um quadrante de cada vez. Tenho para mim que toda essa diferenciação funcional de Burawoy não passa de uma divisão cosmética do trabalho sociológico. A sociologia critica, politica e até a publica, defendida por Burawoy, de alguma maneira, envolve conhecimento que é ao mesmo tempo profissional (main stream)! É que se não o fizer, deixa de ser sociologia. É neste aspecto que acho pertinente recuperar a critica de Ericson a Burawoy. A distinção em quatro tipos de sociologias é infeliz por sugerir que os outros tipos de sociologia não são profissionais, como se isso fosse condição “sine qua non” para melhor engajamento com o público.

Sunday, January 13, 2008

Ecos da Sociologia Publica em Moçambique[3].

Sociologia para quê? Sociologia para quem?[3]

Como referi, nos textos anteriores desta série, não me vou deter muito nos pormenores dos textos de Burawoy. Tentarei, a medida que exponho a minha visão da sociologia, explorar os aspectos que considero relevantes na abordagem Burawoyiana de sociologia pública. Uma primeira nota a considerar deste debate é a oportunidade que proporcionou, aos praticantes da disciplina nos E.U.A e depois na Europa, de voltar a reflectir sobre os propósitos da mesma. Na verdade, essa reflexão sempre acompanhou a sociologia desde a sua nascença. No entanto, ainda assim, considero importante, principalmente para nós, sem uma história significante da prática da disciplina, reflectir sobre o seu propósito e por essa via sobre seus destinatários. Este é apenas o eco de um debate que nos escapa, como pretendi sugerir com título desta série. O número de sociólogos intitulados, de facto, aspirantes etc, está a crescer no nosso país. Para além do departamento de Sociologia da Universidade Eduardo Mondlane, contam-se hoje também estudantes e graduados de algumas instituições privadas de ensino, isto para não falar dos formados no exterior. Quem sabe esta para vir ainda o dia em que teremos o nosso próprio debate sobre o que Bourdieu designou, neste tipo de reflexão reconhecendo a falta de melhor termo, de usos sociais da ciência. Quero, portanto, ao trazer este debate falar dos usos sociais da sociologia enquanto ciência.

Assegurei em algum momento que iria tender para uma posição crítica da sociologia pública. Vou fazer isso com recurso a posições críticas já formuladas por outros sociólogos. Onde achar pertinente emitirei a minha própria visão em função do debate em curso na blogosfera Moçambicana, representado pelos três blogs outrora mencionados. Começo esta incursão apresentando-vos alguns pontos de vista de um professor de sociologia em Oxford, o criminologista, Richard Ericson. Ericson num texto intitulado “Publicizing Sociology” (publicitando a sociologia) concorda na generalidade com a análise de Burawoy, mas...! Ericson tenta ser sociológico no seu criticismo, no próprio interesse da “dita” sociologia pública, insistindo no debate académico do assunto. E aqui dois aspectos, da sua reacção, parecem-me pertinentes: primeiro, a ideia de Burawoy de que existem quatro tipos de sociologia cada uma associada com um tipo especifico de conhecimento: profissional, critico, político e público. A crítica é de que esses quatro tipos de conhecimento não são discretos como é sugerido, mas todos assentam e estão imbuídos na análise sociológica. E reforçando a ideia que sugeri no segundo artigo desta série, enfatizo: faz-se ou não se faz análise sociológica, não há meio-termo, muito menos determinado pelo destinatário.

A segunda ideia criticada por Ericson contraria a sugestão que se refere a larga institucionalização da sociologia e das relações comunicacionais com diferentes instituições. A pesquisa da sociologia pública deveria reconhecer e abordar a discrepância entre os critérios de relevância e lógica comunicacional de diferentes instituições e sua implicação na voz sociológica. Tenho insistido, nos meus textos e comentários críticos, que por mais pertinente que seja ou pareça a relevância política, digamos por exemplo, da defesa dos deserdados, esse critério em si é totalmente irrelevante para validar ou legitimar qualquer conhecimento como sendo sociológico. A sociologia não se traduz facilmente nos discursos e praticas de outras instituições, tais como os mass media, inquéritos governamentais, movimentos sociais ou os requisitos de evidência no direito. A lógica de legitimação do discurso sociológico deriva do debate dos critérios de sua cientificidade, isto é, do método ao nível da disciplina. Nenhum domínio, senão o da própria sociologia, poderá legitimar o conhecimento da sociologia pela relevância que este eventualmente tenha para essa área. A comunicação sociológica nos domínios públicos as vezes pode se tornar impossível. Quando essa relevância é emprestada desses domínios há a possibilidade de perda da autonomia sociológica e desta ser influenciada prejudicialmente caso a análise seja traduzida para os critérios de relevância e lógica de comunicação desses domínios. Esses domínios podem representar públicos diferentes para os quais se pretende um discurso sociológico especializado, mas a essência do fazer sociologia não muda em função do público a que o sociólogo pode em algum momento querer alcançar ou emancipar. [Continua].

Toca ou não toca?: o inevitável debate sobre critérios!


Achei esta reflexão interessante que resolvi retirar dos comentários e colocá-la aqui em destaque.
(...)
Não são análises, mas impressões que gostaria de registrar aqui. Impressões de uma musicista que,por total impossibilidade de sobrevivência, também abandonou o sonho de viver de música. Impressões de quem conhece as difíceis dissonâncias da bossa nova e que da música moçambicana muito pouco teve oportunidade de estudar e ouvir. Mas, enfim, arrisca-se a colocar interrogações pessoais a dois pontos da excelente matéria postada.Adérito Gomate é muito lúcido no que diz sobre a música descartável e sobre músicos-mímicos que não tocam nem mesmo os primários acordes da escala de dó maior. Esta música é feita em todo o mundo,sabemos. De qualidade sonora extremamente duvidável, é certo, e quase abominável aos ouvidos de muitos! Mas, é uma música sobre a qual não podemos deixar de olhar, nem de ouvir. Está nas ruas, nos ônibus, no cotidiano, popularizada e divulgada. Creio que é uma música que não passará, mas se reproduzirá em variados estilos, ajustando-se inclusive às trombetas, não sei se do inferno ou do céu, no dia do Juízo Final (para quem assim acredita no céu/inferno!). Já sabemos os retrocessos musicais a que somos remetidos com esta música. Então, será que poderíamos pensar em alguma outra possibilidade que esta música massiva traria a cada sociedade e, mais especificamente, em cada contexto social onde é executada insistentemente? Seria uma música inclusiva, a despeito da má qualidade sonora, unindo o gosto de certas camadas sociais, sobretudo populares? Expressaria este gosto ideologicamente formatado ou formas de vidas e de pensar? Ou serviria somente para o rebolado e para o prazer descompromissado? E assim o for, que mal haveria nisso? Talvez o “toca ou não toca”.São portanto, dois lados da moeda: o modo como esta música é feita e divulgada, o músico que não toca e que é plasticamente construído, cujo aspecto considero execrável, e a forma como as pessoas interagem socialmente com esta música e com este músico.Por outro lado, nas últimas respostas de Adérito, leio a argumentação de que esta música moçambicana de nada teria de moçambicana, apenas o fato de ser feita no País , sem refletir essencialmente a identidade cultural. No caso brasileiro, e aí não tenho conhecimento para fazer um razoável paralelo com a realidade moçambicana, poderíamos refletir primeiro sobre o que é “a” identidade cultural e se um País pode ser expresso apenas por uma única (a redundância é proposital) identidade cultural (e musical) ou por várias? Tal identidade seria aquela atrelada às nossas tradições? E nossas tradições são estáticas ou criadas e reinventadas? Estou pensando se um sapato envernizado deixa de ser um sapato?Estou pensando quando ouço um típico samba de roda, tradicionalmente tocada no acústico com viola, voz e percussão, que expressa a dita tradição “originária” de um tipo de samba, se este samba acústico se eletrifica, ele deixa de expressar uma identidade cultural brasileira? Ou a tradição se adequou ao pós-moderno? E de forma foi feito? Sobre quais critérios se envernizou o sapato? Gostaria de usar a reportagem postada para refletir sobre uma questão mais complexa para além do dó maior: o lugar, o papel e a responsabilidade da arte (artistas) na contemporaneidade, enquanto porta-vozes de identidades plurais. Ou, invertendo o pólo, o lugar, o papel e a responsabilidade dos que analisam o produto final da arte (e os artistas) nas sociedades plurais. E, no mais, torcer para conseguir alguma gravação de Adérito Gomate na net!
Resposta.
Este assunto é deveras complexo. Penso que há várias coisas em questão. A concepção e ou definição de música. A questão bem colocada pela Sueli da identidade nacional e cultural dos produtos culturais e todos os relativismos e ou essencialismos que ai se cruzam. A questão dos interesses comerciais em jogo, desde a sobrevivência do artista até a publicidade de produtos e serviços das empresas multi-nacionais. Enfim, são variadíssimas questões mesmo que se colocam. Não penso que existam diferenças substâncias na forma como o problema se coloca aqui em Moçambique ou no Brasil. Tenho alguns textos escritos sobre este assunto. Recordo-me de um debate que durou semanas em 2005 com um bloguista sobre a Identidade Cultural da Música Moçambicana. Esse debate terminou com as partes acordando em discordar. Eu defendia que não existia música moçambicana de “raiz” e a outra parte defendia o contrário. O debate foi interessante, do meu ponto de vista, porque saímos com uma maior compreensão da complexidade da questão. Os links acima direccionam para esse debate.

Thursday, January 10, 2008

Ecos da Sociologia Publica em Moçambique [2]


Sociologia para quem, sociologia para quê?

Os leitores, atentos, da blogosfera Moçambicana, hão de ter notado que já se arrasta há algum tempo um debate, de mudos e surdos, velado sobre a intervenção social, activismo e ou engajamento na esfera publica. Pelo menos em três webblogs, cujos autores são sociólogos, in-directamente tem se debatido questões relativas a postura do sociólogo. Refiro-me ao Diário de um Sociólogo[1], do professor Carlos Serra, ao Ideias Críticas[2] do professor Elísio Macamo, e ao meu próprio Olhar Sociológico[3]. Nestes três espaços cibernéticos ecoam questões sobre o engajamento do sociólogo, ressuscitou-se o fantasma de Weber para redescobrir o sentido da neutralidade axiológica e da relação com valores na disciplina, apelou-se varias vezes a Bourdieu na sua postura de académico engajado e por ai em diante.

Enfim, se não for arriscar de mais no palpite, pela primeira vez se debate mesmo que de forma velada e indirecta, o que representa um certa perversidade, o que é? para quem é? para quê? e como? – fazer sociologia em Moçambique. Na verdade, penso que o eixo central das posições divergentes, se é que as interpreto correctamente, e se é que existem tais posições de facto, é a concepção do ofício de sociólogo. O que é um sociólogo? O que um sociólogo faz, e já agora, normativamente, devia fazer? Quando é que pelas suas acções um sociólogo deixa de sê-lo ou melhor deixa de sê-lo com a responsabilidade que se esperar deste? Quando é que o sociólogo age como homem político, intelectual e/ou activista? Como é que reconhecemos os limites dessas funções e papéis? Esses papéis e funções são mutuamente exclusivos?

Estas questões remetem-nos para as perguntas centrais que orientaram Burawoy na sua proposta de Sociologia Pública: sociologia para quê e sociologia para quem? Pretendo, com esta reflexão, desvelar o debate das suas formas mais perniciosas, nomeadamente de insinuações, aforismos, silêncio, ataques pessoas etc, formas que viciam um exercício vital próprio da disciplina que julgo querermos todos defender. A reflexividade ou auto-reflexidade é uma característica sui-generis da nossa disciplina. Viremos, então, os canos nós, para a nossa disciplina. Façamos uma sociologia dos sociólogos e da sociologia. Este é, portanto, um convite franco para o debate aberto sobre as sociologias que fazemos, queremos e podemos fazer em Moçambique. A sociologia que fazemos é para a academia ou para aqueles fora daquela? A sociologia que fazemos é instrumental – no que diz respeito aos meios ou reflexiva – no que respeita ao questionamento dos fins? Reparem, no entanto, que a caracterização que fiz da proposta de Burawoy de sociologia pública não é completa. Quer dizer, procurei recuperar aquilo que considero ser o aspecto central da sua proposta, nomeadamente, a sugestão de alargar o público ao qual a sociologia se deve dirigir e a divisão social de trabalho dentro da disciplina. A tipologia sugerida por Burawoy (2004) é apropriada para resgatar e situar teoricamente o nosso debate sobre o engajamento? Pode até ser. No entanto,tenho para mim, que só há duas maneiras de fazer sociologia: fazê-la ou não fazê-la. No meu entender a sociologia não se define pelos fins (Destinatário, que público atingir, por exemplo), mas pelo método científico como meio! [ Continua]

O retrato reportado de um debate de surdos!



Para uma leitura complementar do debate veja a seguinte série de seis artigos postados que inicia aqui.

Dois pesos, duas medidas!

O Jornalista do Savana, fez uma síntese interessante, mas relativamente 'infiel' do debate. Penso que deveria terminar o artigo de outro modo. A conclusão não é conclusão. Trata-se da posição de um dos contendores. Quem termina a leitura do artigo fica com a impressão de que a última posição, nomeadamente, a do professor Carlos Serra, é a que prevaleceu. Isso não é verdade. Assim o jornalista acaba, sem querer, pela sequência da sua exposição por induzir os leitores a tenderem para a posição final. Penso que haveria pelo menos duas maneiras de terminar a síntese. Uma seria a de reiterar em poucas palavras as posições dos três autores mencionados. Podia desta vez inverter a ordem de exposição, ao invés de P.L, E.M e C.S, poderia ter colocado C.S, E.M e P.L ou C.S, P.L e E.M. A outra maneira de terminar o artigo seria o próprio jornalista apresentar a sua síntese. Ao terminar o texto apresentando um argumento forte, mas problemático, de um dos autores, como referi, influencia o leitor. Por exemplo, a ideia de que eu e o Elísio Macamo exigimos do Azagaia “ rigor científico” é falsa e não é mais abordada no texto. Nós refutamos isso em diferentes postagens.

O mesmo autor que nos acusa de exigir rigor cientifico a Azagaia, há algum tempo publicou o texto do jurista Carlos Serra. Jr em que criticava a musica do cantor Ziqo "Maboazuda", com recurso ao direito numa interpretação rigorosa da Constituição da Republica. Acusavam Ziqo de ter atentado contra o direito de não descriminação pela referencia que faz ao albinismo. [ “até albina leva”]. Poderia dizer que se exigia de Ziqo um rigoroso e cientifico conhecimento do direito antes de fazer as letras de suas músicas. Reparem para a flagrante incongruência na defesa de posições. Dois pesos duas medidas!
PS: Caros leitores.
Troquei a imagem do texto. No entanto, a própria qualidade do jornal não é grande coisa. Para ampliar cliquem duas vezes no texto. Agradeço ao Jorge Matine e a Iolanda Aguiar pela chamada de atenção
.

A versão do “Magazine Independente”!



Beneficio da dívida!

O Actual Procurador-geral da Republica, Juiz Augusto Paulino, tornou-se numa figura mediática após julgar o, não menos conhecido, caso “Carlos Cardoso”! Há algumas semanas Augusto Paulino faz a manchete do semanário "Zambeze", que afirma que ele é acusado do desvio de 300 milhões de Mt do Estado, estando o advogado Albano Silva, esposo da primeira-ministra Luisa Diogo, contratado para o defender no processo-crime n.º 12/2007 no Tribunal Supremo. Esta semana o semanário Magazine Independente surge com uma nova versão da estória com um título sugestivo: Processo-crime especial contra Augusto Paulino: Uma novela propositadamente mal contada. Esta versão contrária, claramente, a vem sendo apresentada pelo semanário Zambeze que já retorquiu. Numa altura em que tudo indica que muita tinta vai rolar ainda, não haveria melhor atitude senão escrutinar cada uma das estórias. O primeiro passo seria dar beneficio a duvida e analisar os argumentos arrolados por cada um dos órgãos. É, portanto, muito cedo para tirar qualquer tipo de ilações, sobre seja lá o que for, muito menos sobre a era Guebuziana, a partir deste caso como vaticinam alguns.




Duas versões uma música: a estoria do desvio de 300 mil Mt pelo Juiz Paulino[2].

Beneficio da dívida!

O Actual Procurador-geral da Republica, Juiz Augusto Paulino, tornou-se numa figura mediática após julgar o, não menos conhecido, caso “Carlos Cardoso”! Há algumas semanas Augusto Paulino faz a manchete do semanário "Zambeze", que afirma que ele é acusado do desvio de 300 milhões de Mt do Estado. Alega-se que o advogado Albano Silva, esposo da primeira-ministra Luisa Diogo, foi contratado para o defender no processo-crime n.º 12/2007 no Tribunal Supremo. Esta semana o semanário Magazine Independente surge com uma nova versão da estória com um título sugestivo: Processo-crime especial contra Augusto Paulino: Uma novela propositadamente mal contada. Esta versão contrária, claramente, a vem sendo apresentada pelo semanário Zambeze que já retorquiu. Numa altura em que tudo indica que muita tinta vai rolar ainda, não haveria melhor atitude senão escrutinar cada uma das estórias. O primeiro passo seria dar beneficio a duvida e analisar os argumentos arrolados por cada um dos órgãos. É, portanto, muito cedo para tirar qualquer tipo de ilações, sobre seja lá o que for, muito menos sobre a era Guebuziana, a partir deste caso como vaticinam alguns.





Duas versões uma música: a estoria do "desvio" de 300 mil MT pelo Juiz Paulino!

A versão do Jornal Zambeze.[1]



Wednesday, January 9, 2008

Hillary vence as primárias de New Hampshire e faz braço de ferro com Obama!


A VITÓRIA DE HILLARY em New Hampshire representa uma grande derrota para os institutos de pesquisa. A grande maioria previu uma vitória confortável para Obama. Confira os resultados, apurados 75% dos votos: Candidato Votos Percentagem. Leia mais aqui e aqui .
Hillary Clinton 82.068 39,4%
Barack Obama 75.495 36,2%
John Edwards 35.042 16,8%
Bill Richardson 9.617 4,6%
Dennis Kucinich 2.855 1,4%

Sunday, January 6, 2008

Cartas ridículas, só podem ser de amor!


Um poeta famoso – imagino o que seria de nós se só os seus descendentes o pudessem citar – de quem emprestei as celebres frases de um de seus poemas escreveu:
Pois bem. Evoco aqui Pessoa, melhor Álvaro Campos, para fazer eco a este post de JPT sobre Obama.

“O que venho blogolendo sobre Obama, o americano candidato às eleições presidenciais deste ano, ancora no mais absoluto vácuo racional. Por um lado há pessoas que pensam como se fossem americanos ("temos [repare-se no "nós"] um homem branco no poder desde XVIII") - tontice que se explicará por excesso de consumo de cinema americano, esse que disponibiliza uma imensa galeria de alter egos [como se fará este plural?] à disposição. Por outro porque o pai do homem nasceu em África ele é "nosso, africano". Quando isto vem de gente que trabalha com as questões sociais eu não percebo para que serve estudar. Entretanto sobre as eleições americanas eu oscilo. Espero que ganhe ou o McCain ou o Edwards - porque os antepassados deles nasceram na Europa e, portanto, são também nossos, europeus. E porque são homens, tal como eu. Se não forem eles a ganhar espero que, pelo menos, não tenhamos (bis, tenhamos) um presidente como o Obama (um africano) nem, ainda pior, a Clinton (uma mulher) - e digo isto ainda que alguns dos meus antepassados tenham sido mulheres” (JPT).


Um crítico faz isto mesmo, questiona os nossos critérios mesmo quando, como intelectuais e académicos, se toma partido. Se fosse eu ou o E.M a levantar esta questão iam dizer: - Pois é, estes tipos estão mesmo contra fulano ou sicrano. O próprio Obama, de quem se diz apoiar, está farto de se defender de ataques etnocentricos, de xenofobia e de racismo velado por parte de seus adversários políticos. Alguns chegam ao ponto de questionar seu afro-americanismo, pelas mesmas razões que alguns o apelam a agir no Quenia. Dizem que ele não é afro-americano porque não é descendente de escravos.

Obama diz que a sua preocupação pelas minorias raciais não significa que esses atributos façam dessas pessoas menos americanas que qualquer outro vindo do México, da América Latina, de Hawai etc. A própria vitoria de Obama nas preliminares foi, acredita-se, por causa do seu discurso inclusivo. Brancos, Negros, Mulheres, Jovens identificam-se com a audácia da esperança e não com a sua herança étnico-racial. Obama escreve na sua autobiografia o segunte:

My Election wasn’t just aidded by the evolving racial attitudes of Illinois’s white voters. It reflected changes in Illinois’s African Amereican community as well” ( Obama, 2006: 240).

Ainda assim, cá das bandas da pérola do índico, há quem faça apelo a ida de Obama para intervir nos problemas intestinais do nosso continente. Apelam a sua ancestralidade racial, continental e paterna. No exercicio ignora-se a sua ancestralidade Americana, por exemplo, de Kansas. E de onde vem este tipo de discursos? Aposto que essas pessoas ainda não conhecem Obama. O pensamento de Obama. O Obama de “The AUDACY of Hope”( A audácia da esperança) contraria essa atitude.
Imagino o que ouviria se dissesse, por exemplo, que prefiro um candidatado Republicano. Imagino o que essas pessoas pensam do astro Magic Jonson que resolveu apoiar Clinton, quer dizer a Mulher de Clinton.
Só posso entender algumas atitudes enquanto declaração de amor. Aí é permissível o ridículo senão não seria declaração de amor. Ou, então, devo mesmo fazer eco e questionar com JPT: para que serve estudar? Para que?

Friday, January 4, 2008

Entre os democratas, Obama sai na frente. Mas é só o começo!

AVITÓRIA DE BARACK OBAMA em Iowa confere um novo ritmo à disputa democrata, sem dúvida. Mas há um dado relevante. As prévias democratas de Iowa se dão em quatro etapas. A primeira delas, realizada ontem, não escolheu delegados para a Convenção Nacional Democrata, onde será indicado oficialmente o candidato do partido à Casa Branca. Em vez disso, os eleitores de Iowa escolheram delegados para as Convenções que serão realizadas nos municípios em 15 de março. Estas convenções, por sua vez, vão selecionar outros delegados para as convenções distritais de 26 de abril. Leia mais aqui

Ecos da Sociologia Pública em Moçambique.

Sociólogo e/ou cidadão!
Estou, assim, a iniciar uma reflexão que se quer aberta sobre o que resolvi chamar de Ecos da Sociologia Pública. Estou a traduzir do inglês Public Sociology. Ecos da Sociologia Pública porque boa parte das ideias que vou apresentar aqui remetem-nos para o debate que iniciou nos Estados Unidos da América em 2004. Penso que ao discutir faço eco a esse debate, porque parte das ideias que vou defender e criticar tem a sua forma mais actualizada nessa proposta de sociologia pública. Micheal Burawoy, um sociólogo americano, então presidente da Associação Americana de Sociologia (ASA), foi quem deu o pontapé de saída nesse debate que se tornou internacionalmente aclamado por uns, mas também severamente criticado por outros. A minha posição tenderá mais para o lado crítico.

Burawoy dirigiu-se aos seus homólogos de profissão, sociólogos portanto, numa das sessões da ASA para lhes apresentar uma espécie de “Manifesto da Sociologia Pública”. Nessa sessão realizada em 2004 Burawoy colocou um desafio aos sociólogos e porque não a própria sociologia de repensar o seu papel na sociedade. O desafio surge como uma resposta a constatação de que existe, um vazio, um vácuo entre o ethos sociológico e o mundo que os sociólogos estudam. O desafio da sociologia pública, portanto, seria o de engajar múltiplos públicos de múltiplas maneiras. Essas sociologias públicas, assim mesmo no plural, não devem ser deixadas lá no frio (na geleira da academia, nas torres de marfim- imagino quantos adeptos teria em Moçambique ), mas trazidas para a agenda/quadro da disciplina. Dessa maneira far-se-ia da sociologia pública mais um empreendimento visível e legítimo, e assim, revigorava-se a disciplina como um todo.

De acordo com Burawoy (2004), duma maneira geral o trabalho sociológico presta-se a interdependências antagónicas entre quatro tipos de conhecimento: profissional, critico, político (no sentido de politica publica, não de politica real, temporal) e público. Para o melhor dos mundos, assevera, o florescimento de cada tipo de sociologia é condição para o florescimento de toda a sociologia. Mas alerta: pode cada uma delas facilmente assumir formas patológicas ou tornar-se vítima da exclusão e subordinação das outras. Este campo de poder assinala-nos a necessidade de pensar na relação dos quatro tipo de sociologias na sua variação histórica e nacional, e enquanto modelo que conduz a carreiras individuais divergentes e diferentes.

De forma resumida o que Burawoy nos diz é que há diferentes formas de fazer sociologia, ou se quisermos, existe uma divisão do trabalho no interior da disciplina, em modalidades todas elas necessárias e complementares entre si:

I) Há uma sociologia chamada “académica” (professional sociology) que se faz nas universidades e centros de investigação, que produz teorias e as procura validar através da pesquisa, fornecendo instrumentos às outras formas de intervenção sociológica.

II) Há a sociologia das “políticas” (policy sociology) mais voltada para responder a pedidos específicos de âmbito internacional, nacional, regional ou local e para prestar serviços, públicos ou privados, de produção de conhecimentos. A forma mais conhecida entre os sociólogos Moçambicanos são as famosas consultorias e/ou as assessorias.

III) A sociologia pública” (public sociology) é aquela que se preocupa com a imagem no conjunto da sociedade do trabalho sociológico, insistindo na apresentação dos seus resultados, de forma acessível e transparente, mas também aposta no ensino e na publicação de livros que podem abranger públicos vastos.

IV) E há ainda a sociologia crítica (critical sociology) que se ocupa da reflexão sobre o próprio trabalho da disciplina, dos debates entre programas de investigação e entre teorias.

Vista desta maneira a sociologia pública é uma abordagem a disciplina que procura transcender os limites da academia e alcançar um público maior. Ao invés de se definir por um método particular, uma teoria ou um conjunto de valores políticos, a sociologia pública pode ser vista como um estilo de fazer sociologia. Muitos sociólogos se apaixonaram por esta tentativa conciliatória de Burawoy. Parece criar espaço para todos. A primeira vista, eu também, fiquei impressionado. No entanto, bem vistas as coisas, acabou o efeito impressionante que esta proposta parecia trazer. Ao longo do debate espero poder argumentar de onde vem o meu desencanto com esta sociologia pública. É que para mim algo que não se define por um método tem pouca chance de ser sociologia, por isso tem muitos adeptos de veia praxiológica!

Thursday, January 3, 2008

Combates pela mentalidade critica.


Da Grécia à Roma!

Não debatamos, combatemos (lutemos)”, advogam os arautos da revolução. É que o debate, segundo aqueles, nos remete nostálgica e irrealistamente à Agora da Polis Grega. Nós que advogamos o debate como sendo constitutivo da sociedade andamos equivocados que nem nos apercebemos que Atenas era institucionalmente desigual com os escravos excluídos do direito de cidadania pelo voto.
A tese que defendo admite que qualquer indivíduo racional pode, em princípio, participar num debate. Isso não impede de olhar para as condições sociológicas que eventualmente impossibilitem determinados indivíduos (no caso da Grécia, os escravos) de participar no debate. A mentalidade crítica e, já agora, a “competência no debate” assumem-se como qualidades de qualquer indivíduo que se preze membro de uma sociedade. A mentalidade crítica é, portanto, a capacidade de agir socialmente e interagir com outros avaliando criticamente o sentido e a plausibilidade dos seus argumentos e de tudo que podemos apreender com os nossos sentidos.

“Lutemos, advogam os arautos da revolução, porque a democracia, tal como a concebemos hoje, é, em grande medida, produto das lutas dos trabalhadores na Europa do século XIX”. Reparem a convicção de que está é a leitura não equivocada da génese da democracia tal e qual a conhecemos hoje. É no século XIX, argumenta-se, que devemos buscar as origens da democracia e não na idílica Agora Grega. Como poderemos avaliar tão forte e problemático argumento se não por via do debate? É fazendo, e promovendo acusações de feitiçaria do tipo “A Marcha” ou desmascarando populistamente “As Mentiras da Verdade”, com argumentos analiticamente problemáticos elevados ao estatuto de verdade e com legitimação irresponsável pela autoridade de académicos credenciados?

Recusam-se a debater conclusões problemáticas como a de que o estágio actual de miséria social, vivida por muitos Moçambicanos, é acção deliberada e conspiratória do Governo. Baseiam-se num esquema simplista de leitura do mundo social onde só existem dois grupos: 1) os dominantes (governo) – corruptos, ilegalmente enriquecidos, perpetradores de crimes contra cidadãos honestos, e por ai em diante – e os (2) dominados, o povo, que clama pelo Messias, académico engajado. Por mais aliciante que seja esta leitura é bastante simplista para corresponder a realidade. Esta leitura é um bálsamo eficaz e mistificado, principalmente, para as almas menos preparadas, para se partir para a acção. Partir para acção porque o inimigo já está identificado. O mundo já está interpretado, faltando, apenas, transformá-lo. Não há o que debater, há sim o que mudar.

Nem se quer vou disputar o argumento da génese da democracia. Se quisermos entrar para história da busca do mito de origem, talvez nem fosse ao século XIX a que deveríamos retornar. Tínhamos que primeiro saber caracterizar isso que chamam de “democracia como a concebemos hoje”. Fala-se como se só existisse uma única concepção de democracia. Existe uma diferença substancial entre as lutas dos Jacobinos da Revolução Francesa ( e que parece quererem reproduzir aqui) e os processos de transição democrática na década de 1990 em muitos países africanos, só para citar um continente.

Voltemos a máxima, “não debatamos, lutemos”! A luta é uma forma de argumento. É o argumento dos que não têm argumentos fortes. O nosso país ainda não se desfez do fantasma da luta (dos que não têm argumentos) – supostamente em nome dos deserdados, ideologicamente justificada pela conquista da democracia – que produziu mais de um milhão de mortos e danos materiais incalculáveis. Uma luta que imperou, se não o desenvolvimento, muito do seu percurso. Por ironia a formula para terminar esses anos todos de (luta) gestação violenta da democracia foi com recurso ao debate. Desta vez, o retorno não foi a Grécia, mas a ROMA.

Blogueiros de todo mundo não lutemos (sem saber por que causa o fazemos), debatamos antes as causas.

Pelo debate, a luta continua!

PS: Devo chamar atenção aos leitores (alheios ao debate que têm estado a decorrer na blogosfera Moçambicana sobre o debate crítico) que não se trata de desmobilizar a acção, por exemplo, de movimentos sociais e de todas outras formas de luta social por um mundo melhor. O que estou a defender é que, para o contexto Moçambicano actual, a melhor forma que os intelectuais e académicos, em particular, têm de lutar, por um mundo melhor, é fazendo melhor uso dos instrumentos analíticos para os quais foram preparados profissional e academicamente e com os quais legitimam suas acções. Académicos, que não usam seus instrumentos analíticos seriamente, para interpretar e compreender a realidade, mas fazem uso de seu capital cultural e simbólico para legitimar leituras simplistas da realidade, ainda por cima, fazendo apelo a acção (revolucionária) são uma espécie Jacobina, perigosa. São políticos com capa de académicos escondidos na faculdade, falam e fazem-se de representantes legítimos dos deserdados. Cuidado!