Wednesday, April 29, 2009

Azagaismo

O azagaismo é uma espécie de doença nervosa que se caracteriza pela vontade de criticar. É uma neurose que provoca uma eclipse da razão nas pessoas afectadas devido a presença de altos níveis de vontade de criticar. A vontade de criticar (de preferência aos governos), tal como a ‘Vondade de Poder’ em Nietzsche, não é somente a essencia que define os neuróticos do azagaismo, mas uma necessidade. O azagaismo caracteriza-se pela vã glória de criticar. Quando atacados por essa neurose as pessoas perdem seu senso crítico e a capacidade de distinguir entre insultos e crítica, acção política e análise política, hipocrisia e integridade intelectual. Este texto vai dar conta da manifestação da vontade de criticar salientando a caracteristica da hipocrisia.

Vou para tal socorrer-me de algumas passagens de um texto sobre a hipocrisia escrito pelo mais criativo e imaginativo sociólogo Moçambicano da actualidade. Não me importa aqui que alguns disputem este facto. Estou por ser convencido, e com provas, que temos alguém a pensar o país, na perspectiva dessa disciplina, melhor que Elísio Macamo. Nas suas análises sobre a nossa constituição societal é dos poucos que tem estado a resistir ao ambiente infectado pelo azagaismo. Contra todas as adversidades de uma esfera pública pobre no que tange a competência no debate de ideias, Macamo tenta debater sociologizando a nossa realidade. Num dos seus vários textos, que tenho tido o previlégio de ler e de comentar, algumas vezes, antes que venham ao público, escreveu sobre um comportamento que me parece peculiar em alguns de nós, académicos. A maneira como domesticamos esse comportamento define o grau da nossa integridade intelectual. Bom, já dei tanta volta e, ainda não entrei no essencial. Falo, caros leitores, da hipocrisia.

Antes de dizer o que considero hipocrita as palavras de Macamo parecem-me apropriadas para expôr o que penso. Macamo começa o seu texto assim:

Nós as pessoas somos animais muito complicados. Se não fosse esse o caso, muitos de nós cientistas sociais não tinhamos nenhuma razão de existir. [...]O facto da nossa existência depender da natureza complicada das pessoas não significa necessáriamente que nós, os ciêntistas sociais, tenhamos um interesse especial em que as pessoas sejam mesmo complicadas. Na verdade, uma vez que a nossa ocupação consiste basicamente em explicar essa natureza complicada contribuímos, ainda que desajeitadamente, para o seu fim".

Algumas vezes, diria eu à Macamo, talves fosse proveitoso arriscarmos a profissão do que constatar o quão complicado é o comportamento dos nossos próprios colegas, por sinal, mais consagrados. Aqueles que deviam ser o exemplo da resistência ao azagaismo promovem-no. Bom, podia se dizer que o seu trabalho é o de tornar inteligíveis os comportamentos complicados dos outros e não, necessáriamente, de não se tornarem eles próprios animais complicados. Afinal, fazemos parte do todo que tentamos compreender.

Macamo prossegue:

Perceber as pessoas pode ser, contudo, perigoso. Há coisas que se calhar ficam melhor não esclarecidas. Mais concretamente: há comportamentos que seria melhor deixar assim tão impenetráveis à nossa compreensão como parecem ser. “Muitas vezes, o que atribuímos à complicação da natureza humana pertence ao reino do estúpido”, assereva Macamo.

O texto de que vos falo cita um reuro-cientista que recusa a existência da estupidez. “Se cada cérebro desenvolve a sua conectividade para as tarefas que seu dono quer realizar, como se pode dizer que existe estupidez? Se bem que esta última possa ser uma manifestação da vontade de criticar, ainda não é para aí que quero apontar. Voltemos a hipocrisia.

Retomo Macamo. Para ele, hipocrisia é própria das pessoas e se manifesta quando fingimos termos virtudes e moral que, na verdade, não temos. Concordo que a hipocrisia parece das coisas que nos fazem complicados, ainda que não me parece que seja da nossa natureza. A vontdade de criticar, azagaisticamente, faz-nos hipocritas. Escolhemos ser hipócritas para julgar e justificar. Julgamos as acções dos outros e justificamos as nossas. Hipócritas usam critérios de forma inconsistente. Quando lhes convém prestam bastante atenção ao método e a lógica. Quando não lhes convém fazem precisamente o contrário.

Estou a chegar ao fim, é altura de tornar as coisas ainda mais claras para os que ainda não me perceberam. Ontem, na minha habitual revista da imprensa nacional, que inclui a blogosfera, deparei-me com esta postagem aqui. Há coisas, ainda que pareçam pequenas, que não deixo passar. Não consigo entender, além de achar isso resultado de uma mente complicada, como alguém pode confundir popularidade com razão. Ainda que fosse um zé-ninguém. Por que contas de águas, um sociólogo CONsagrado, iria confundir popularidade com razão e lógica? Digamos que Azagaia, que veste a pele do músico Edson da Luz, se tenha tornado mais popular dentro e fora do país. Tornou-se? Em que proporção? Ainda que tenha isso, é o que menos importa aqui. Por si, a popularidade, coloca-o do lado da razão, no quen tange conteúdo problemático de suas letras? Felizmente a razão não é popular, como a demagogia. Minorias podem ter razão, mesmo que para a maioria isso não seja conveniente. Qual é a diferença entre uma multidão linchadora e Azagaia?

Eu sou daquelas pessoas que acha algumas letras de Azagaia são de pouca imanigação crítica. Um artísta não precisa ser mal educado e insultar directamente as pessoas ou entidades para ser crítico social. Escutem Jeremias Ngoenha, escutem Roberto Chitsondzo, escutem Rosalia Mboa, escutem Xidiminguana, para citar apenas os da nossa casa, e aí aprederam que criticar - mesmo quando é ao governo - não é sinónomo de insultar. “As verdades da mentira” e o “Poder do povo” duas das letras mais populares do músico de criativo têm apenas as rimas o resto são insultos directos a governantes com base em insinuações. Repito. Insultar não é criticar. Insinuar muito menos. Não vejo como isso pode ser celebrado como crítica social. Existe um distancia enorme entre insulto e crítica social. Mostrar isso à Azagaia não é querer destruí-lo, como sugere o CONsagrado, pelo contrário, é valorizar o trabalho do músico que se pretende crítico social, mas que para tal ainda têm muito que fazer. Iludí-lo é dizê-lo que porque cada vez mais popular, dentro e fora do país, está em posse da razão. Se eu não tivesse criticado a letra “ as verdades da mentira” teria o CONsagrado se preoupado em dar uma mãozinha nas letras que se seguiram? Há males que vem para bem. A hipocrisia não é um deles. Para terminar permitam-me ser mais maldoso ainda e dizer que há gente que sofre de azagaismo.

Thursday, April 16, 2009

Análise (eleitoral) social e campanha eleitoral.

Lá vou conseguindo roubar tempo aos afazeres académicos e emprestar-lhe a este passatempo individual, mas sério, que é o blog.

No ano passado, uma parte considerável da “análise (eleitoral) social”, sobre o processo eleitoral nos Estados Unidos da América, veio de bloguistas. Em alguns casos, com maior integridade intelectual que a de académicos e da mídia convencional, bloguistas produziram análises interessantes que tornaram inteligível alguns dos fenómenos mais sombrios sobre a mudança do comportamento eleitoral dos americanos. Hoje, académicos naquele país reconhecem que o campo de estudos políticos e do comportamento eleitoral recebeu um “input” de “imanigação e criatividade analítica” vinda da blogosfera.

Mas esse contributo, não vinha de quais-quer bloguistas. Vinha, em particular, daqueles que se esforçavam em produzir análises com isenção, sobre o processo eleitoral americano, não obstante as suas preferências políticas. O que mais se aprecia dessas análises não é a realização ou a falibilidade de algumas de suas profecias, nos casos em que estas últimas surgissem. O que mais se apreciou na imaginação analítica” de alguns bloguistas foi a capacidade de propor perspectivas de análise que tornaram intelegíveis alguns aspectos do comportamento do eleitorado e dos polítcos daquele país.

A questão da mudança demográfica da população eleitoral, o impacto da tecnologia de informação na campanha eleitoral e na influência do voto, a questão da raça como “determinista” e determinate na escolha de um candidato, para citar alguns exemplos, colocaram teórias estabelecidas sobre comportamento eleitoral na prateleira da revisão. Alguns bloguistas, repito, com “imaginação analítica”, deram conta destes e mais fenómenos melhor que alguns ‘gurus’ da análise política e do comportamento eleitoral. A blogosfera, através do debate, tornou-se um espaço de produção de uma sociedade américana mais consciente de si.

Em Moçambique, em ano eleitoral, a estória outra. Temos já agendadas eleições para as assembleias provínciais e gerais. Alguns bloguistas, declarada e explicitamente, preferiram trocar o esforço da “imaginação analítica” pela participação activa na campanha eleitoral de alguns partidos. Em princípio, não há nada de errado com essa postura. Afinal, são cidadãos com todo o direito de participação política do jeito que o seu sentido de dever cívico melhor os informa.

No entanto, haveria menos problema ainda se ficasse clara nas postagens daqueles, que não se declaram, a distinção que fazem entre “análise (eleitoral) social” e campanha política. Diga-se. Podia-se exigir essa capacidade de distinção ao e-leitor, mas também é uma questão de “integridade intelectual” do bloguista esclarecer de que ponto de vista está a falar.

O que se nota, porém, nalguns blogs, como o Diário de um sociólogo, e tenho estado a referir-me a este aspecto faz tempo, que têm a reputação de ser analítico é a presença de uma campanha política disfarçada em analíse social. Trata-se, no meu entender, de um problema de “integridade intelectual” a muito denunciado por bloguistas que destinguem “análise (eleitoral) social” de profecia e esta de acção política. Compare-se o tratamento que é dado aos diferentes partidos do nosso menu de partidário. Uns são “azagaisticamente” falando, naturalmente os maus, os ladrões, os corruptos em diante enquanto outros são “obamaniamente falando”, naturalmente os bons, a esperança, os messias, a mudança etc. Não confudamos alhos com bugalhos, “análise (eleitoral) social” com campanha eleitoral e política disfarçada. No fiim, sai a perder o país que de tanta sede de analístas acaba ganhando mais políticos e não os da melhor espécie.

Friday, April 10, 2009

Rio de Sonhos!



Faz algum tempo que não estou a escrever para o blog. Assunto não me falta, mas o tempo é escasso principalmente para acompanhar os debates que se geram após a postagem de textos. O debate, para mim, é o que mais interessa no blog. Os textos são apenas o veículo. Ainda que não prometa regressar ao debate, tão cedo, uma razão especial faz-me regressar com este texto. Conheci a pessoa, a música e a personalidade de João Cabral. É algo que julgo ter valido a pena dedicar-lhe alguma parte do meu tempo. Por isso, partilho parte desse encontro com os meus prezados leitores.

Os rios são largos de água numa eterna viagem ao longo de canais fluviais rumo ao mar, lago ou outro rio. Na viagem, partidos da fonte, são compelidos pelas margens que lhes indicam o sentido da marcha, mas também arrastam obstáculos. Os rios se fartam, as vezes, quando as águas já não cabem no confinado leito transbordam as margens e deluviam nas ribeirinhas. A estória que estão degustando com os olhos é a de um rio cujas águas são feitas de sonhos. Sonhos sonhados, sonhos ir-realizados, sonhos material-izados, sonhos vividos, sonhos celebrados, sonhos que fazem sonhar. Sonhos de João Cabral Armando.

Os Sonhos de João Cabral (JC), como qualquer rio, tem a sua fonte. A montanha, de onde brotam as águas do Rio Cabral, chama-se Chamanculo. “Chama-nkhulo” é nossa Harlem. Harlem?Situada na cidade de Nova York, nos arredores de Manhattan, nos Estados Unidos, a região de Harlem foi um verdadeiro jazigo cultural marcado pela presença forte da comunidade afro-americana. De Harlem se extraia a imaginação e criatividade artistico-cultural do século XX que estravazava os limites da imaginação e deu origem ao chamado renascimento de harlem (Harlem Renaissance) em alusão a extraordinária produção cultural. Quem quisesse realizar o seu sonho artístico rumava à Harlem. Chamanculo foi/é, portanto, a nossa Harlem Moçambicana, o lugar que iluminou algumas das mentes mais criadoras da nossa curta história enquanto comunidade de destino, antes e depois da independência nacional. Nomes que e-levaram o nome de Moçambique a patamares que só a torrente de rios fartos de sonhos podiam fazer chegar. Eusébio Ferreira, o nosso maior futebolista de sempre; Lurdes Mutola, a mais medalhada atleta de sempre; Zé Craveirinha, nosso poeta mor. Há mais nomes, mas este texto, lembrem-se, é para falar da estória de um rio, o dos sonhos de um Jovem. Um Jovem chamanculiano cujos sonhos já inundaram Chamanculo e avançam para a conquista do mundo.

River of Dreams” – ou rio de sonhos- é a materialização de um sonho cujos efeitos vão além do seu sonhador. Escrevo estas linhas ao som das melodias do primeiro disco compacto de JC. Escutá-lo, na sua combinação harmónica de sons, faz-nos embarcar numa viagem de sonhos. Faz-nos sonhar. Cabral largou a carreira de informático - licenciado que é pela, “maior e mais antiga”, Universidade Eduardo Mondlane - deixou familia e a bela cidade de Maputo para em Cape Town seguir o sonho de uma carreira de músico profissional. Pós-graduado, pela reputada escola de música da Universidade da Cidade do Cabo, em ‘Jazz perfomance’. Sua destreza vai para além daquilo que se pode aprender numa escola. Diga-o quem já o viu dedilhar a rítmica guitara e fazer brotar sons originais, mas dos quais se reconhecem também influências de grandes executores como George Benson, Wes Montegomery, Joe Pass, Djavan, Emílio Santiago, Nelson Faria, enfim, cito alguns apenas, mas não podia deixar de mencionar a sua fonte mais próxima, Jimmy Dludlu. Escutar rio de sonhos de Cabral é como ir a um restaurante para tomar um aperitivo e acabar servido num buffet.

Vamos então ao menu e deixemo-nos viajar nas águas calmas e rítmicas do rio de sonhos. A canoa é uma guitara rítmica, o remo o meu computador, o camandante de bordo a minha imaginação! Embarcamos assim:

1) Invocation - é o interlúdio. Um anúncio do nascimento de um bebé. Uma evocação aos ancestrais para que o acompanhem na viagem da vida cujas águas podem ser turbulentas caso o rio se farte. Um bom apreciador de música Afro-Jazz, da nossa música, com influências globais, percebe logo no “intro” que vai embarcar num viagem de sonhos rítmicos.

2) Va Jula Kutsaka (querem festejar) - faz o segundo número. A chegada de um bebé é motivo de alegria e de festa (de celebração). Ainda que as condições da vida possam ser adversas para que se celebre a nova visita anúncia a esperança e deve ser celebrada com alegria. Ninguém melhor que as crianças querem ser alegres, mas com o rio de sonhos essa possibilidade é democraticamente destribuida pelas gerações.

3) Tsepo Baya Bayo - aqui o rio aconselha às mulheres. É o terceiro número. Uma ou duas desilusões amorosa(s) podem ser o caminho para encontrar o verdadeiro príncipe encantado. Eish, precisa tanto? “We le le le leh...“Inga vona a vafana va tsimbelaka a nyangane” ...! Hummm, só escutando mesmo. Há coisas indiscritíveis, coisas que se perdem nas palavras ou palavras que se perdem nas coisas. Como posso descrever-vos os sons de um saxofone, soprado na companhia rítmica de um solo, ah e a conga tamborilando com os gritos de Xixel Langa (filha de peixe...) que deu um gostinho da sua extraordinária voz?

4) Darleny - é o quatro - número - não aquele onde nos deitamo sobre a cama para ter pesadelos quando lamentamos os amores impossíveis. Darleny é daqueles amores que apenas podemos tê-lo na imaginação ou realizá-lo platónicamente. Só aquele (“swing”) rítmo de samba que se escuta lá ao fundo para ajudar-nos a anestisiar a alma. De bónus ainda se escuta à voz, de Theo, que parece ter encarnado Steve Wonder!

5) Mama Mina - um músico que não evoca o amor a mãe ainda não está completo. Cabral fá-lo no quinto número. Mais palavras para quê? Eu escrevia estas linhas celebrando o amor que tenho pela minha!

6) La Cabralinhas - todos temos aquele bichinho, meio ‘narcisico’, escondido algures na profundeza do nosso ser. A música em si é que não tem nada de narcísica. É mesmo para levantar o mais morribundo dos seres a sacudir o esqueleto! ....Sa-pam- piri-para-bim-bam, Sa-pam- piri-para-bim-bam ! Lá vamos na sexta paragem!

7) African Soul - existe mesmo uma alma africana? Ah, filosófico! Esta música parece uma dedicatória à Thabo Mbeki, ex-presidente da África do Sul e a sua ideia de renascimento africano. Não precisamos provar à ninguém que podemos ser sábios, a “nossa maneira”! Interessante mesmo é o som do trompete de Lwanda Gogwana e a viola baixo do impecável Hélder Gonzaga. Oh, esta viagem anima, nem me apercebi que passamos à sétima paragem!

8) Lembranças 1 - Hélder Gonzaga é um grande baixista que o destino quiz que fosse da pérola do índico e o mesmo destino encarregou-se de emprestá-lo ao búzio do atlântico, onde se celebra o casamento com o índico, no Cabo. Shaggy Scheepers, pianando a gosto; Orlando Venhereque, o tenor; Tony Paco, mais um dos Pacos, e Bebe na voz, são convocados por Cabral para chorar um amor partido, ido e puffff! E como diz a gíria, africano quando sofre dança. Nada melhor que uma ‘boa’ kwasa-kwasa para o efeito analgésico.

9) Lembranças 2 - depois da tempestade vem a bonança. E aqui se celebra a persistência na luta pelas coisas boas da vida - sejam elas quais forem. Uma fusão boa “afro-salsaiana“ faz nos requebrar mesmo com o “laptop” sobre as pernas! E chegamos ao número nove.

10) Afro-Town - a décima começa com o vigor da voz de Xixel Langa (já disse, filha de peixe...., Xixel é filha do grande compositor e cantor Hortêncio Langa, também emprestada ao Cabo. Não será o Cabo a nova Harlem, desta vez africana?). ”Ta na moya wa ku swenga” anuncia um ambiente gospel, mas também um convite para celebrar a vida. O que melhor que vestir da melhor roupa de que dispomos, aprumarmo-nos e ir escutar um bom Jazz numa tarde de Domingo, seja no afro-bar ou no Gil Vicente. Buena Vista Social Club, cá no Cabo, é uma proposta quando ao fim ao cabo ao cabo regressamos.

11) John Cabs’ Hymn - quando não temos explicação para algo o último recurso, para alguns, é DEUS! Assim se justifica este número, o décimo primeiro. Um rítmo que arrebenta com a marrabenta misturada com alguma salsa. Eh we, teka ni ku nyika... matswa mazambane...!

12) Chamanculo – Cabral não se podia permitir fechar este disco sem homenagear o pedaço de terra que conserva seu cordão umbilical. O lugar onde a primeira brincadeira de “papá-mamã” aconteceu. O décimo segundo é, portanto, dedicado à Harlem, melhor Chamanculo. Destaco a grande execução do pianista.

13) Calling – onde existe amor há vida! Onde há vida há sonhos, onde há rio de sonhos há abundância de vida. É a décima terceira paragem (é) para pensar na vida!

14) Joy of life – e no décimo quarto a celebração da vida continua. Rio de sonhos é uma celebração rítmica, melódica e harmoniosamente dedicada à vida. Escutem o disco e depois digam-me se não estou certo.

15) My kwela diz-se que não é possivel mergulhar duas vezes na água de um rio. É que aquelas estão sempre numa eterna viagem. A vida também é assim, uma viagem no tempo sem retaguardas. Cada instante é singular e precário, não se repete. Escutar rio dos sonhos é um momento singular, uma experiência intransmíssivel. Nem estas notas vos poderam proporcionar a experiência individual de sentir a música de Cabral. É isso, nesta viagem pelo rio de sonhos de Cabral não se agrada apenas ao ouvido, mas mexe-se com todos os outros sentidos até o dito “sexto...”!

16) Xidzilu Xanga – na vida ou em algum momento dela nos perguntamos se viver faz algum sentido. As tristezas que nos acometem, as dores que sentimos, podem estar por detrás desse questionamento para o qual cada um de nós busca respostas a sua maneira. Uns saem fortes e dispostos para enfrentar novos desafios, outros simplesmente desistem da vida ou a aquela deles. Em conversa com João Cabral disse-o que o disco, que acabara de escutar, mais do que revelar ambiguidade da vida e da nossa experiência existêncial, é um celebração dessa ambiguidade, pois a vida sem contradições seria morte. O album de Cabral, que acabei de vos apresentar, é dedicado, postumamente, entre outras pessoas, à sua irmã - Suzete Graciete. É da dor pela perda dessa irmã que o rio dos sonhos transbordou de um sonho e choro individual em um som e coro universal: música. Rio de sonhos é um sonho vivido, um sonho realizado um sonho por realizar, um sonho transmitido e partilhado, um sonho que faz sonhar, um sonho que da vida. Ao escutarem o rio dos sonhos de João Cabral Armando, não se inibam, deixem-se sonhar. Quando os sons ecoarem nos vossos ouvidos vivam, porque só sonha quem está vivo e só vive quem sonha.

Continuem a sonhar - Keep on dreaming! [Visite o site de JC aqui]

Patrício Langa

Cape Town, 10 April 2009



Thursday, April 9, 2009

As consequências da nossa “imaturidade”.

Do Etelvino, recebi este texto, se não me engano, escrito em Dezembro do ano passado. Penso que o texto foi escrito no contexto dos debates sobre a natureza do debate na blogosfera. Aí vai! Debatam com o Etelvino que de certeza aqui virá!

Este tema reflectirá sobre o nosso círculo de sociologia e sobre nós os bloguistas, os adeptos do saber científico e da constante indagação. Entenda-se a imaturidade, aqui proposta no seu sentido lato, como aquilo que ainda não está no “auge ou no ponto” ou, que ainda não está consolidado.

Há bastante que sou leitor assíduo deste sítio e de outros sítios de debate de ideias. Considero-me adepto do saber, por mérito do Patricio Langa, o mentor desta círculosfera de ideias. Porém, essa é a minha primeira intervenção por escrito e, irei abordar o tema sobre a nossa ingenuidade de continuarmos a pensar que as ideias aqui debatidas embora de forma exaustiva, nunca estão maduras tal como os seus produtores (articulistas).

Sinceramente, batamos palmas! Pois, quando leio ideias e artigos publicados neste sítio, meneio a cabeça pela genialidade, rigor e originalidade do imenso que é apresentado. Mas, o problema maior reside no facto destas brilhantes ideias e artigos caírem no esquecimento quando aparece um fenómeno novo, e tornando-se em mero debate infrutífero e amador. É isso que denomino de imaturidade, onde os tais bons debates acabam sendo um nada.

Ora, também neste blog, denotam-se espírito de desacreditação. Esta atitude é manifestada em algumas acusações entre nós, sobretudo, quando na falta de uma opinião ou sugestão construtiva, recorremos a depreciar o esforço do outro que tenha apresentado a sua ideia. Acusamo-nos de falaciosos, ou especulativos porque alegadamente não citamos um dos grandes pensadores ocidentais.

Mesmo que alguém de nós tenha sido falacioso, agradecia que continuassemos a apostar em sugestões construtivas e não “esverdear o seu interlocutor” que também está interessado em aprender. Também notei que ainda persiste a crença de que o discurso não será falacioso se trouxermos uma citação de um renomado pensador secular. Contudo, enquanto continuarmos a admitir este tipo de crença, caímos, consequentemente, no papagaísmo, no pleonasmo inconsciente.

Bem, se continuarmos a acreditar que não estamos maduros o suficiente para publicarmos, estamos simultaneamente a reconhecer que existe um determinado padrão a atingirmos. Logo, as nossas belas ideias que debatemos aqui ainda não equivalem o máximo elogio. Ou por outra, caimos na cilada de negarmos o nosso potencial de produzirmos e vendermos as nossas ideias, levando-nos consequentemente a admitirmos que qualquer facto novo, mesmo ocorrendo em qualquer parte da Africa ou Moçambique, nunca haverá um pensamento local genuíno para o poder explicar, sem antes ter havido uma obra científica de um autor externo.

Porquê continuarmos a pensar que o pensamento científico é melhor se for ocidental[1]. Enquanto noutras esferas científicas até um jornal considera-se um documento investigativo. Mas para nós, é conotado de especulativo e reduzido a individuação subjectiva e pensamento solitário de quem o escreveu.

Esta nossa posição de medo de publicar, tem suas consequências no mundo académico. Primeiro, leva-nos à constante censura mútua e medo de errar, por isso evitamos. Segundo, corremos o risco de sermos banais e infrutíferos nos nossos debates (redundantes). Terceiro (e o mais sensível), arriscamos sermos plagiados pelos renomados cientistas e depois, não teremos o direito de autor.

Baseando-me no pensamento sobre o risco de sermos plagiados, temo que todo forasteiro interessado em estudar sobre Africa, venha neste blog roubar-nos os “pensamentos” patentes nos nossos debates e volta e meia trazerem-nos como “suas obras primas”. E nós? Descansando na ingenuidade de que ainda estamos imaturos, ainda estamos a nos aperfeiçoar, perdemos o direito de publicá-los e legitimá-los.

Em suma:

  • Acabemos com as barreiras fundadas na utopia de que ainda não estamos no ponto, no auge científico. Por favor, recorramos ao princípio samoriano (aprendendo publicando, errando investigando[2])
  • Tencionava ver os nossos blogs moçambicanos, sobretudo, o círculo de sociologia a tornarem-se em clubes do saber moçambicano e nós, os seus adeptos.
  • Continuar a subestimar o pensamento de Haid, Nelson, Gune, Elísio, Patrício, etc., é nefasto, para a nossa própria existência como bloguistas. Citemo-nos uns aos outros, tal ideia de Patrício, tal de Carlos Serra, etc. Senão seremos perpétuos citadores dos pensadores do oriente, do ocidente e depois, diremos que Africa não tem pensadores, ou apenas rondam abaixo dos 5% (conforme um dos artigos publicados por Patrício sobre Investigação Africana).


[1] Refiro-me concretamente da Descrição e Interpretação da Situacao Crítica do Zimbabwe, que com maior frequência foi tomada na base das críticas dos escritores britânicos ou da União Europeia.

[2] O termo acima adaptou-se do Aprendendo Ensinando, do Antigo SNE para recrutar estudantes colmatar o défice de técnicos em educação, sobretudo, professores.

Wednesday, April 1, 2009

Fantasias!

Ufff, estimados leitores, faço um interregno a minha prolongada ausência para anunciar que o regresso não está para breve. A minha ineficiente organização não me permite conciliar multiplas agendas com excessivas (pelo menos para mim) viagens. Ainda bem que não prometi assiduidade porque assuntos para reflectir não param de surgir, afinal, acontecimentos não fazem greve. Mas como o nosso países está cheio de gente com imaginação fértil a minha ausência não se fará sentir. Leiam este texto que concerteza dar-me-ão razão. A não ser que também tenham imaginação fértil.

Leram? Sugeri a leitura do texto porque me fez pensar se é mesmo absurda a ideia da distinção entre formas de pensamento “lógico” e “pré-lógico” em algumas pessoas. Eu cresci numa cidade pacata atravessada por um Rio (Limpopo) e com uma praia linda que dista a uns 10 km da cidade. Sempre, ou quase sempre, ouviamos estórias de afogamentos. Pessoalmente tive conhecidos bem chegados que se afogaram na praia de Xai-Xai assim como no rio limpopo. As razões por detrás dos afogamentos variavam entre a simples ignor ância do comportamento das marés, não saber nadar, a existencia de bacias de água remoinha (principalmente na praia de Xai-Xai), enfim para cada caso um factor ou a combinação de vários podia ter estado por detrás mortes por afogamento. Agora, essa de um exterminador invisível, eish!

Se o próprio notícias, onde a razão ao que me parece deveria prevalecer, dá espaço a este tipo de estórias porque nos admirariamos que houvesse pessoas a defenderem que matar outrem pacusado de prender a chuva no céu não deve ser criminalisado porque é manifestação de um outro tipo de lógica para a qual a nossa lógica não tem lógica? É um tipo de racionalidade para a qual a racionalidade daqueles que acham isso incrédulo é irracional. O problema do relativismo é esquecer que o próprio relativismo é relativo! Depois de ler o texto de opinião do leitor Victorino Xavier e de toda incredulidade que perpassa o texto fiquei a pensar em sugerir ao director do Notícias a abertura de uma coluna com o título “fantasias”.