Saturday, June 30, 2007

De Gustibus non est disputandum [2]

Xingove xi dibi Mutchovelo”, impela xi dibi na hi u vona.

São 2:21h, o corpo reclama repouso. Principalmente depois de testemunhar o estrago que o Gato fez no Centre Culturel Franco-Mozambicain. Amanhã, alias hoje mais tarde, trago os detalhes do Show de Simião Mazuze, alias Salimo Muhamed! Como não iria pregar o olho sem deixar uma nota, aqui está! Se dissesse que Salimo Muhamed foi igual a si, estaria a referir-me apenas ao facto de dele sempre esperarmos uma surpresa. E surpreendeu-nos! Quanto ao resto, superou-se! E isso, vindo de Salimo, não constitui surpresa! É um verdadeiro show!

A lusofonia no olhar de Mia!



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Collateral Damage!

Collateral Damage significa danos colaterais em Português. Cliquem na imagem para ampliá-la, leiam o editorial do Savana desta semana e logo saberão de que falo! Dizer mais para quê?

Desumanizar os nossos heróis!

Carlos Serra coloca no seu blog, de forma, analiticamente, eloquente a questão dos heróis. Numa altura em que a questão volta a ribalta com a Renamo a atribuir nomes de seus “heróis” a locais públicos. A Frelimo, como seria de se esperar, a reagir contra tais nomenclaturas. A definição de heróis é produto das relações de poder, sugere Serra. Alias como tudo na vida social, remato. Essas relações de poder podem alterar a medida que as relações de força entre os actores envolvidos alteram. Os que detinham mais poder hoje podem ter menos amanhã e vice-versa. Não me refiro ao poder como coisa, algo que esta aí, fora de nós. Refiro-me a esse poder relacional que só existe e é actualizado na acção e no acto de exerce-lo levando em contra outrem.

Seria pertinente enquanto Nação que somos começarmos a pensar nos critérios de heroicidade para os diferentes níveis sugeridos no texto de Serra. Se os heróis familiares podem ser deixados ao cargo dessa entidade, por se tratar de um espaço privado (domestico) os dos diferentes níveis da estrutura administrativa do Estado mereceriam um tratamento diferenciado. Afinal, estamos a falar de heróis que pertenceram a espaços públicos. Heróis do Estado. E o Estado não é de ninguém, mas ao mesmo tempo é de todos. Por exemplo, a apropriação dos nossos heróis (nacionais) públicos pelos seus familiares constitui um atentado a ideia de uma certa desumanização que herói sugere. Os nossos heróis são humanos de mais para serem heróis. Para venerá-los temos que passar pelos seus familiares. Ora esses familiares estão a fazer uso privado de um "bem" simbólico público do Estado. Já me explico. Porque é que os familiares de Samora, Mondlane e outros têm que aparecer e serem (venerados) mencionados nas cerimónias de Estado alusivas a comemoração das efemérides ligadas feitos destas figuras? Isto não é uma sugestão para que os familiares sejam privados da memória de seus ente queridos, mas Samora pai, avó marido; Mondlane pai, marido, tio etc só interessa a essas pessoas na esfera domestica/familiar. Quando pensarmos em devolver os heróis ao espaço público, ao Estado aí os critérios para defini-los iram extravasar as lides domésticas e/ou partidárias. Aí começaremos a pensar em critérios de heroicidade para o Estado-Nação. E herói do Estado quanto mais anónimo, melhor. Quanto menos familiares, melhor. Quanto menos camaradas, melhor ainda. Esses vínculos são demasiadamente humanos para um herói. Desumanizemos os nossos heróis. Sem querer acabo de sugerir um critério!


Wednesday, June 27, 2007

Outras formas de Pobreza Absoluta!

Acabei de assistir pela Televisão de Moçambique a entrevista colectiva feita por quatro dos mais conceituados jornalistas da nossa praça ao Presidente da Republica, Armando Guebuza. Os Jornalistas são Fernando Manuel, editor do Semanário Savana, Rogério Sitoe, Director o diário Notícias, Tomas Vieira Mário (TVM), do Misa Moçambique e Emílio Manhique da Rádio Moçambique. O programa chama-se “Com a imprensa”. Convida-se uma personalidade da vida pública Moçambicana e com ela desenvolve-se uma conversa com TVM moderando as perguntas dos seus companheiros e colocando as suas.

Imagino que um Presidente da República não seja uma pessoa com muito tempo, sua agenda deve ser sobrecarregada. O combate a pobreza assim o deve exigir! Por isso, uma oportunidade como a que Guebuza concedeu aos Jornalistas para em cerca de uma hora e tal lhes responder as perguntas que quisessem colocar é uma raridade. Ao aceder ao convite Guebuza mostrou várias qualidades e interesse em esclarecer os demais assuntos que preocupam os cidadãos e alimentam os debates na esfera pública. Mostrou ser um presidente com espírito aberto para o debate e confronto de ideias. Está por isso de parabéns o nosso presidente. E não se trata de “puxar saco” ninguém! A César o que é de César.

Lamentável, desta vez, foi o papel desempenhado pelos considerados nossos melhores jornalistas. Perderam uma bela oportunidade de mostrarem porque merecem o prestígio que granjeiam. Como não poderei reproduzir aqui, na íntegra, o teor da conversa vou referir-me apenas ao aspecto de formal da organização e não ao conteúdo das perguntas que foram, em minha opinião, superficiais, pobres e baseadas num fraco conhecimento do país que retratam na imprensa. Os Jornalistas limitaram-se a fazer perguntas que não eram perguntas mas respostas ou a reproduzir rótulos. Uma pergunta que não é pergunta é aquela que não acrescenta nada ao conhecimento prévio que tínhamos antes de a colocarmos. São perguntas sobre coisas que todo mundo sabe ou acha que sabe. São perguntas para as quais qualquer um, mesmo não sendo presidente da república, teria uma resposta. Boa parte das perguntas dos jornalistas tinha estas características, além de iniciarem com um longo comentário que de certa maneira era resposta a sua própria pergunta. Vou tentar reproduzir uma de memória: - O problema da agricultura é de subsídios, com os países desenvolvidos a financiarem os seus agricultores, há necessidade de subsidiarmos os nossos agricultores, como fazer isso numa altura em que a politica do governo desincentiva os subsídios?(sic). É, isto, uma pergunta? Como repetem a entrevista no Domingo vou tentar gravá-la. A resposta do presidente foi mais ou menos a de que são necessários subsídios mais as pessoas tem que aprender a não depender deles ou algo parecido. [falta algum rigor aqui]. Mas a resposta do P.R foi até adequada para tão vaga pergunta. Houve outras tantas desta natureza ou piores. Que utilidade e pertinência têm perguntar ao presidente se o seu partido é de esquerda, direita, social-democrata ou marxista-leninista? O que é que os jornalistas queriam saber mesmo com esta pergunta? O que é que se ganha com uma pergunta generalista do tipo: Qual é a estratégia para a agricultura? A sensação com que fiquei no fim da entrevista, foi de frustração, porque terminara com o mesmo conhecimento com que fora assistir a entrevista. Os jornalistas, com certeza, saíram sabendo as mesmas coisas que sabiam antes de entrevistarem ao P.R. E o problema não foi das respostas bem conseguidas do P.R, o problema foi da perceptível falta de preparo dos jornalistas. Uma evidência dessa falta de preparo foi a anarquia dos temas e por consequência das perguntas que lançavam. Falava-se da agricultura num memento e no minuto seguinte mudava-se para a política de cooperação com Timor-Leste, meia volta questionavam-lhe sobre o marxismo da Frelimo, dai pulava-se para a situação no Zimbabwé, regressava-se a questão dos Sete milhões, seguia-se para questão do Sida. Enfim, uma total salada Russa, uma desordem autentica. E isso vindo do que temos de melhor no nosso jornalismo é grave. Porque não se sentaram os quatro Jornalistas e definiram tópicos (dois ou três no máximo) fundamentais em função do tempo que dispunham? Porque que não fizeram um roteiro um guião de entrevista consoante esses tópicos para evitar falar do preço do pão e de seguida falar da constituição dos EUA (Estados Unidos de África)? Jornalismo assim é outra forma de pobreza absoluta que precisa ser fragilizada para a melhoria da qualidade do debate na nossa esfera pública.

Moçambique sem caricaturas!

LEITURAS DA FOLHA
Moçambique sem caricaturas
Por José de Sousa Miguel Lopes em 26/6/2007
Na página 7 do caderno "Mais!" da edição da Folha de S. Paulo de domingo (17/6/2007) fui surpreendido com o texto "Modernidade e caricatura" [disponível aqui, para assinates da Folha e/ou Uol e aqui para todos] , do historiador Manolo Florentino, da UFRJ, no qual o autor procura dar conta de fragmentos da realidade atual de Moçambique, utilizando o recorte tradição vs. modernidade.
No momento em que a realidade africana começa, a duras penas, a emergir na sociedade brasileira, o mínimo que se pode exigir é que aqueles que sobre ela se debrucem, o façam com um mínimo de conhecimento. A questão é mais séria quando o que se difunde sobre África parte de intelectuais que, por dever de ofício, deveriam estar comprometidos com um mínimo de rigor sobre os fatos que analisam. O que Manolo Florentino escreve em seu texto é uma mistura de verdades e falsidades, o que revela pouca seriedade no trato do assunto abordado.
A sensação que me ficou, no final da leitura, é que o texto resultou não de uma visita do autor a Moçambique, mas de uma conversa telefônica ou por internet que manteve com duas ou três pessoas residentes naquele país. Não que não se possam escrever artigos, a partir de mecanismos informativos desse teor. Mas, convenhamos que agir dessa forma comporta um elevado risco de se produzir uma caricatura da realidade que se pretende retratar. Foi o que aconteceu de forma lamentável. Mais lamentável, por se tratar de um historiador e, ainda por cima, pertencente a uma prestigiosa e respeitada universidade brasileira.
Manolo Florentino produziu uma caricatura sobre Moçambique. Prestou ao público brasileiro um mau serviço no que toca á difusão da realidade moçambicana atual. Não há rigor de análise. Faltou prudência, um modo de refletir que impede que um indivíduo se atole por completo no pântano da dúvida. Mestre Sherlock Holmes dizia que certos problemas exigem fumar três cachimbos para serem resolvidos. No que toca a determinados problemas, receio que alguns ainda estejam tentando acender o primeiro.
Um erro de 13 anos
Não vou alongar-me. Apenas dizer o seguinte: em sua análise que cobre o período de 2004 a 2007 ("Maputo mudou muito em quatro anos", diz Manolo Florentino) não sabemos o que teria mudado em quatro anos. Não consegui ver o que nesse período de tempo mudou em Moçambique: Será porque o autor "viu" os "Lamborghinis, Mercedes, BMWs e Toyotas"? Mas essas marcas começaram a circular há pelo menos 20 anos, na posse de uma nascente burguesia com apetite devorador por bens de luxo. A mesma análise se aplica às mansões.
O autor lança mão de dados estatísticos sobre o país, dados que são reconhecidos por todos os organismos das Nações Unidas, mas os desqualifica de forma contundente, alertando os leitores para o fato de que "toda (sic) estatística é aqui precária, e mesmo a população é estimada (sic)".
Informa os leitores que a "Frelimo [Frente de Libertação de Moçambique, movimento que assumiu o poder em 1962, quando o país se tornou independente]". Ora, o país tornou-se independente em 25 de junho de 1975. Manolo Florentino protelou a independência de Moçambique em 13 anos, fato histórico que, a ser verdadeiro, teria poupado uma guerra contra o colonialismo português que durou uma década, com o terrível cortejo de mortes e destruição de todo o tecido social moçambicano.
Excisão clitoriana
O autor nos brinda a seguir com maior surpresa, quando afirma que "há no país entre 2 milhões e 3 milhões de descendentes de escravos, discretamente estigmatizados no dia-a-dia". Quem são esses descentes de escravos de que nunca ouvi falar? Onde o autor buscou esta informação?
Mais adiante, nova surpresa. Manolo Florentino presenteia-nos sobre o lugar ocupado pela mulher moçambicana. Que ela tem um lugar subalterno em relação ao homem é indesmentível, apesar dos imensos avanços registrados no pós-independência. Mas daí a afirmar-se, como faz o autor, que "o cativeiro doméstico ainda hoje viceja", é manifestamente um excesso e uma impropriedade.
Outra informação surpreendente é a que refere as práticas de mutilação clitoriana em Moçambique. O autor informa que "sem contar a miséria humana expressa por meio de milhares (sic) de meninas mutiladas pela excisão clitoriana". Estamos perante uma inverdade. Em que o autor se baseou para nos dar esta informação?
A África tem 54 países e desses, segundo a Anistia Internacional, 29 têm essas práticas terríveis (Benin, Burkina Faso, Camarões, República Centro-Africana, Chade, Costa do Marfim, Egito, República Democrática do Congo, Djibuti, Eritréia, Etiópia, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Quênia, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão Tanzânia, Togo e Uganda). O autor partiu do fato de alguns países africanos terem essa prática, para generalizar e incluir também Moçambique.
Mesmo em outros lugares, que não o continente africano, ocorrem essas práticas condenáveis, como em vários países asiáticos (Índia, Indonésia, Sri Lanka, Malásia), no Oriente Médio (Omã, Iêmen e Emirados Árabes Unidos). Ela é também praticada na América Central e do Sul, como, por exemplo, no Peru. Devido às migrações, países onde anteriormente não se praticavam essas mutilações, têm agora setores da população a praticá-la, incluindo Austrália, Canadá, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Suécia, Reino Unido e EUA.
Verdadeiro reencontro
Por último Manolo Florentino diz-nos que "o capitalismo moçambicano se reproduz por meio da tradição". A afirmação, embora carregada de ambigüidades, daria pano para mangas. Apenas duas perguntas: em que lugar do mundo não opera a tradição? O próprio capitalismo, em todo o lugar onde opera (praticamente todo o planeta), não tem vínculos com a tradição?
O mundo tem necessidade de uma África sujeito, e não mais objeto. Isto exige estudo e seriedade no tratamento das temáticas africanas. É neste sentido que um verdadeiro reencontro, fecundo, poderia ter lugar em benefício de todos.

Modernidade e CARICATURA!


O Manuel Mangue enviou-me este texto pelo E-mail. Penso que a intenção é através do deste blog fazer chegar a mais gente. Aqui está! Não vou comentar para evitar influenciar a vossa leitura. No entanto de seguida irei colocar um outro que foi reacção a este. Agradeço ao Mangue pelos textos.

País africano de língua portuguesa, Moçambique se insere no capitalismo mundial sem abolir a tradição
MANOLO FLORENTINO
COLUNISTA DA FOLHA (Folha de S. Paulo, Caderno Mais, p.7, 17/06/2007)
Disponível também em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1706200711.htm (17/06/2007).
Maputo mudou muito em quatro anos. Não que as fubicas deixem de dar o tom à frota da cidade. Mas sobram Lamborghinis, Mercedes, BMWs e Toyotas, luzentes como impensáveis ilhas em um mar de carcaças ambulantes.
Embora a decadência impere, há também novidades na arquitetura. São inúmeras as mansões futuristas, sobretudo os atrozes monstros de aço e vidro que rasgam os céus e impõem uma modernidade caricatural à promiscuidade da paisagem urbana.
Mudanças assim resultam do espetacular crescimento econômico de Moçambique. Espera-se um incremento de 8% no PIB de 2007. Mas Nampula, a mais rica Província do país, cresceu 11% em doze meses.
Toda estatística é aqui precária, e mesmo a população é estimada -obviamente, apenas o número de votantes é mais bem conhecido.
De todo modo, inflação de 3% é coisa de Primeiro Mundo, garantindo certo desfrute generalizado do boom econômico.
Um poliglota típico
A recentíssima modernidade do país desvela-se caricatural quando nos engalfinhamos com a mais precária cobertura de internet da África.
Ou ao constatarmos a imensa dependência de Moçambique para com os recursos remetidos pelos migrantes que labutam nas minas sul-africanas, a fonte da Aids que assola a população adulta. Para não falar das doações estrangeiras, cujas entradas já não envergonham os cidadãos -simplesmente os viciaram.
Tradição destruída pelo capitalismo selvagem? Bobagem.
Jacinto Salvador Tovela, 38 anos, é um moçambicano típico. Emparedado entre a tradição e a modernidade latente, seu universo é multicultural como o da maioria dos africanos urbanos -nasceu em Maputo, sendo pois fluente em xangana, ronga e português; seu pai é de inhambane, o que o levou a falar chopo; arranha o zulu, pois freqüentemente viaja para a África do Sul.
Protestante, Jacinto lê e escreve, tendo abandonado o álcool em tenra idade. Rala 15 horas por dia como motorista da Universidade Eduardo Mondlane, está conectado à web e mora na cidade-dormitório de Matola, na verdade uma das maiores favelas do mundo.
O amor por Hélia, com quem vive desde 1998, deu-lhe dois filhos. Pela família, Jacinto se rende à tradição -ou melhor, encontra na tradição a mais completa tradução da sua identidade.
O trabalho e os empréstimos que contrai têm um único objetivo: pagar, tardia, mas sinceramente, o lobolo -o dote- à família de Hélia para assim legitimar a sua união.
Em jogo estão 3.500 meticais em dinheiro vivo, dos quais mil a título de agradecimento, além de muita roupa, louça, cerveja, vinho e refrigerantes, em um total de US$ 500 [cerca de R$ 975].
O irmão mais velho de Hélia, sucessor do pai morto, receberá um terno completo e um par de sapatos. À sogra caberá bengala, sapatos, três capulanas, um terninho completo e o mucume -uma espécie de xale. As despesas com a boda correrão também por conta de Jacinto.
A instituição do lobolo continua enraizada entre os pobres das cidades e igualmente nas aldeias, onde a parcela em dinheiro é substituída por gado bovino.
Em vastas camadas da classe média urbana e mesmo entre os ricos que não abrem mão do respeito alheio, a adesão ao lobolo é também grande. Ao lobolo e a outras tradições.
Não sem constrangimento, assisti a um lingüista moçambicano referir-se a sua terra natal nos seguintes termos: "Tudo aquilo é meu; aliás, eu sou o rei de lá".
A pinta de lorde inglês pouco viril e a economia verbal eram as únicas coisas a o apartarem de Chimiete Francisco Macia, o impagável régulo de Bilene [na costa de Moçambique], que, em agosto de 1965, anunciara: "Nas minhas terras o governo sou eu, e quem não cumprir minhas ordens e não pagar os impostos que eu estipular será por mim castigado e até morto, se necessário".
O delírio marxista da construção do "novo homem" levou a Frelimo [Frente de Libertação de Moçambique, movimento que assumiu o poder em 1962, quando o país se tornou independente] a marginalizar os potentados locais.
Um desastre anunciado.
Afinal, ainda quando despóticas, as autoridades tradicionais -"hosi", "mwene", "mambo" ou "ishe", dependendo da língua- encarnam os guias espirituais das comunidades, além de representarem o poder civil que ordena as relações entre as linhagens, aldeias e etnias.
Sem surpresa, os régulos logo se bandearam para a Renamo [Resistência Nacional Moçambicana]. Ao ajudarem a pôr termo ao domínio do partido único em 16 anos de guerra civil (1976-92), contribuíram enviesadamente para a chegada da modernidade.
Descendentes de escravos
A Frelimo rendeu-se à realidade e, em 2000, reconheceu a importância política e administrativa dos chefes locais, naturalmente visando cooptá-los. Mas essa história está longe do fim.
A tradição alinhava igualmente outras práticas pouco edificantes, mas nem por isso fora de lugar. Há no país entre 2 milhões e 3 milhões de descendentes de escravos, discretamente estigmatizados no dia-a-dia.
Segundo a tradição oral, na década de 1950 muitas mulheres eram capturadas ao regressarem do trabalho nos campos e nos rios. Pior: o cativeiro doméstico ainda hoje viceja.
Sem contar a miséria humana expressa por meio de milhares de meninas mutiladas pela excisão clitoriana.
Tudo isso convive muito bem com o capitalismo nascente, sugerindo serem as sociedades os suportes do mercado -e não o inverso.
Não procede, pois, a reiterativa redução da África a uma espécie de Titanic a quem a modernidade obriga a fazer água por todos os lados.
Como a Índia e China contemporâneas, também a África opera mediante uma imensa profundidade de campo histórico. O capitalismo moçambicano se reproduz por meio da tradição.
MANOLO FLORENTINO leciona história na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escreve regularmente na seção "Autores", do Mais!.

Zé Manuel um músico alienado!


Neste artigo, um crónica sobre música, vou adoptar uma postura pouco habitual nos meus escritos. Vou ser córneo. Pretendo falar de alguém. Da sua postura enquanto personalidade pública no cenário da música nacional. Poderei ferir algumas sensibilidades, aqueles que gostam de quem vou falar e de sua música. À esses as minhas antecipadas desculpas. Na verdade não tenho nada de pessoal contra o músico, que até desejo-lhe muito sucesso. No entanto devo ser coerente com a minha consciência.

Refiro-me ao “Jovem” músico Zé Manuel. Aparentemente com talento aprimorado para o toque de diversos instrumentos musicais, em particular, a guitarra, Manuel está a prestar, na minha opinião, um péssimo serviço à música e a identidade da música nacional. As razões que vou apresentar para esta conclusão, que poderá abalar com as crenças de muitos de seus fãs e não só, resultam do acompanhamento possível que tenho feito a carreira e as suas intervenções públicas onde se refere a música moçambicana.

Retenho na memória as suas posições públicas sobre o que considera de música “genuína” moçambicana. Manuel acha que faz música moçambicana de “raiz”. Está no seu direito, fazê-lo, reivindicar a identidade que achar adequada para a sua música. O que não se lhe pode permitir é achar-se detentor do direito exclusivo de nomear e classificar o que é música “genuína” moçambicana e impor sua visão para todos. Sobre a genuinidade das produções culturais e da música em particular já escrevi, aqui, antes e não me queria repetir. Vou por isso concentrar-me no episódio que pretendo relatar.

Na sexta-feira, dia 22 de Junho, no Cine Teatro África, decorreu um concerto musical alusivo a comemoração dos 32 anos da independência nacional. A figura de cartaz era o conceituado músico de ascendência moçambicana e vivendo na Africa do Sul, Jeff Maluleke. Porém, como é habitual nesse tipo de eventos, antes de Maluleke se fazer ao palco uma série de músicos locais foram perfilando nos palcos do Cine africa entre os quais Zé Manuel. Na ocasião abrilhantou-nos com suas músicas românticas, simpatia e humildade o músico angolano Maya Cool. Dos moçambicanos para além de Zé Manuel fizeram-se ao palco Sex Lady, Cobra, MRJ e H20 todos estes com excepção de Manuel constavam do cartaz.

Sexy Lady, Cobra, MRJ e H20 fizeram uma actuação usando “play-back”. Fizeram o que tinham a fazer, falaram o necessário e o suficiente e lá se foram. Todos cantaram uma mistura de ritmos ora designado Pandza ora designado Ndzukuta marrabenta. São todos músicos em início de carreira, com pouca estrada, e pautaram-se apenas por cumprir com o agendado. Nada mau! Dos moçambicanos, o último a cantar e tocar, não em play-back foi Zé Manuel. Mas deste falarei depois. Antes uma breve nota sobre a actuação do Angolano Maya e do Sul-Africano Jeff Maluleke. Sobre Maya já me referi, mas posso acrescentar mais uma ou duas notas. Trata-se de um músico que já fez estrada, não obstante sua juvenilidade. Cantou com grandes nomes da música angolana e internacional. Dono de uma voz forte e com um poder de interacção com o público magnifico. Conseguiu pôr de pé o mais dorminhoco dos espectadores na plateia. Fê-lo com delicadeza, em jeito de brincadeira, e acima de tudo com muito respeito. Cantou e encantou. Foi-se Maya e veio Maluleke. Este último um poço de humildade. Comunicando-se com o público, respeitoso, em Changane intercalado com o Inglês Maluleke foi brindando ao público com os seus mais apetecíveis temas, "Kilimandlaro", "Mambo" entre outros hits. Sem nos apercebermos, de tanto ânimo, o espectáculo chagara ao fim. Se a música de Maya é considerada de pista, pois trata-se de Kizomba/Passada ou Zouk a de Maluleke apesar de rítmica e também passível de se lhe emprestarem alguns passos de dança é mais recatada. Dançou-se e vibrou com Maya e Maluleke. Uns chamariam ao primeiro de moderno e ao segundo de tradicional. São rótulos identitários da música que podem ser estrategicamente manipulados em função dos contextos.

A actuação de Zé Manuel!

A actuação de Zé Manuel foi um autêntico fiasco. A sua postura em palco é de se reprovar de tanta empáfia e petulância. Passou 2/3 do tempo que lhe fora consagrado a falar e mal dos outros músicos. Aqueles que ele considera não fazerem música genuína. Ao invés de cantar falava, e quando cantava parecia continuar a falar. Sua música arrítmica só provocava sonolência ao mais desperto dos espectadores. Ao se aperceber da falta de correspondência lá inventava uma de acusar a plateia de não ter capacidade de reconhecer o que é música de facto. Macaco quando não sabe dançar diz que o chão está torto. Vocês não reagem? Questionava-se! Face ao silêncio que obtinha como resposta lá inventava uma de fazer alguns passos. Descoordenados porque para música sem ritmo fica difícil para qualquer um emprestar-lhe seja qual for o passo. É claro que há música para dançar e aquela outra para escutar. A de Manuel era suposto, indo ao África, fazer dançar. Manuel tocou e desencantou! Falou e aborreceu! Quando nada mais lhe restava senão retirar-se perdeu uma boa oportunidade para ficar calado. Tentou explicar porque o seu nome não aparecia na figura de cartaz. Não entendi a explicação. Na verdade não chegou a fornecê-la. Limitou-se a fazer insinuações. Depois de desqualificar a nossa capacidade de reconhecer o que é música de qualidade, como que seguindo as lições de seu mestre Mucavele disse: - Convido-vos para assistirem ao meu show no dia 12 de Outubro no Franco-Moçambicano. Agora vou dar uma voltinha para Europa. Estava clara a mensagem deixada para nós. Assim como diz seu mestre: a nossa música é apreciada lá fora melhor do que entre nós. Os brancos sambem o que é música! Pensam, e dizem isso cheios de orgulho. O que eles não percebem é porque razão a sua música é apreciada lá fora por certos grupos.

Auguro que assim o seja pelo aspecto folclórico que eles emprestam a sua interpretação. E muitos europeus estão sedentos de folclore. A imagem que Manuel projecta de si e da sua música não corresponde a aquilo que nós somos e fazemos hoje na arena musical. Não é música moçambicana, é musica de Zé Manuel. Pelo menos não no sentido que ele tenta emprestar-lhe fazendo representar a identidade cultural de todos os moçambicanos.
É uma imagem que corresponde a expectativa que esses lugarelhos por onde ele passa na Europa, lugarelhos sem acesso a informação, tem sobre África. Levan-lhe para dois ou tres bares de terceira categoria e acha que esteve na Europa. Da mesma maneira que há quem acha que África é Kruger Park, há quem acha que a música de Zé Manuel é representativa da música moçambicana e da moçambicanidade. Não é! Em Moçambique como em qualquer parte do mundo existe uma miscelânea de ritmos e sons. Ninguém se deve outorgar e arrogar o direito de excluir ninguém. Se acha que vale a pena o exotismo a que se submete, restrinja-o a si. Pessoas como Manuel tradicionalizam-se, e até inventam tradições exóticas, porque descobriram um mercado. Zé Manuel nasceu, cresceu e estudou na cidade (de Maputo?). Porque conta de águas usa aquelas corais nos braços? O que significam? Alias, o que há de tradicional nas músicas tradicionais de Zé Manuel, que as executa todas com instrumentos considerados modernos (só porque convencionais, alias convencionados)? Convencido de que passara por uma universidade de música ao ter frequentado a escola monolítica, individual e auto-proclamada de autenticidade e originalidade moçambicana de José Mucavel, Manuel acha-se o máximo e não percebe o ridículo a que se submete. A sua música é um ruído que incomoda muitos ouvidos. O meu é um desses ouvidos, talvez por falta de categoria de percepção e acepção. Há quem goste dessa música só por que é conveniente se dizer que se gosta de música que se auto-proclama genuína e tradicionalmente moçambicana. Existem aqueles outros que gostam, porque gostam. Acho que ninguém deve questionar isso. Foi por isso que pedi desculpas logo no início. Gostem, mas não imponham essa música como a nossa bandeira. Não tem esse direito. Essa música não é nem mais nem menos moçambicana que as outras. Essa música folcroriza-nos!
Eu lanço aqui o repto: prove-me a que há de tradicional na sua música, senão a sua proclamação! Um músico que não se reconhece naquilo que produz é um músico alienado. Seu produto é um fetiche! É uma ilusão que consiste em tradicionalizar sua música, revelando sua aparência folclórica e ocultando sua essência de produto cultural sujeito a mudança como qualquer outro. Espero que lhe façam chegar este texto, mesmo que ande pela Europa. Afinal, nós Africanos, também temos acesso a Internet e não é por magia!

Maximo Dias e Andre Matsangaissa!

Numa revelação que se pode considerar de bombástica Máximo Dias, político Moçambicano, na oposição, afirma ter participado na fundação da RENAMO com André Matsangaissa. Transcrevo na integra a notícia retirada da Edição de hoje do Jornal Notícias.
Dos 16 anos: Máximo Dias assume culpa pela guerra – e diz ter sido o fundador da RENAMO juntamente com André Matsangaíssa.




O PRESIDENTE do MONAMO, Máximo Dias, revelou esta segunda feira, em Maputo, que ele e André Matsangaissa fizeram parte do grupo de cidadãos que fundaram a então Resistência Nacional Moçambicana, em 1976 na cidade da Beira, província de Sofala.
Este político que é deputado da Assembleia da República, por força da coligação União Eleitoral, revelou ainda que André Matsangaissa pode ter sido morto pela própria Renamo, enquanto movimento de guerrilha, por alegadamente nunca ter aceite a forma como os seus companheiros de luta conduziam a guerra que dilacerou o tecido económico e social moçambicano.
Segundo suas afirmações, metade dos 32 anos da independência nacional foram gastos com a gestão da guerra dos 16 anos, movida pela Renamo contra a governação da Frelimo.
“Metade dos 32 anos da independência foi com a guerra civil, eu sou um dos responsáveis da guerra e assumo a responsabilidade. Eu fui um dos fundadores da Renamo, juntamente com André Massangaissa e outros companheiros”, revelou, esclarecendo, por outro lado, que Afonso Dhlakama não é membro fundador daquele antigo movimento de guerrilha.
Segundo deu a conhecer a então Resistência Nacional Moçambicana foi fundada na cidade da Beira, em 1976. Informou ainda que já em 1978, ele fugiu para Portugal, via África do Sul, país este onde permaneceu durante 15 dias antes de seguir viagem para a Europa.
Disse que nunca revelou que foi um dos fundadores da Renamo, mesmo em 1976, quando interrogado pela Frelimo, teria negado, alegadamente porque o ambiente político não era favorável.
“Nós quando fundamos a Renamo não pretendiamos destruir o país, mas obrigar a Frelimo a mudar a sua política de exclusão, mas os então regimes da África do Sul e da Rodésia, aproveitaram-se deste movimento tranformando os guerrilheiros nacionalistas em mercenários de baixo custo, destruindo pontes, cortando linhas transportadoras de energia eléctrica e cometendo outros desmandos”.
Segundo Máximo Dias, o então regime da África do Sul e da Rodésia nunca estiveram interessados em apoiar a Resistência Nacional Moçamicana, no sentido de tomar o poder, “mas o que na verdade queriam, era usar este movimento para desorganizar a administração da Frelimo. Sempre tive choques com o então regime de Apartheid, porque cedo me apercebi da sua intenção desestabilizadora”.
O nosso interlocutor revelou ainda que quando André Matsangaissa e seus companheiros fundaram a Renamo não esperavam que a luta durasse 16 anos. “Não era essa a nossa intenção, mas conduzidos pelo “Apartheid” e Ian Smith, do regime rodesiano, a guerra acabou levando todo este tempo, uma vez que tinham outros interesses”.O nosso entrevistado explicou que apoiou a Frelimo até 1976, ano em que viria a se juntar-se a André Matsangaíssa para a fundação da Renamo. “Depois, em Portugal, fundei o meu partido, o MONAMO”.
Reiterou que a sua formação política deixará de existir por, alegadamente, não concordar com o actual modelo de democracia.

Breve porém crítica reflexão sobre a noção de sociedade civil![2]

Sociedade

Continuo a reflexão sobre a noção de sociedade civil sugerida pelas perguntas do jornalista Beúla do Jornal Savana, após um interregno por alguns dias. No último artigo, introdutório, disse que iria começar por abordar a origem da noção de sociedade civil. A primeira coisa que me ocorreu foi falar da composição morfológica da expressão. Sociedade + civil. Como se pode constatar, sem muito esforço de imaginação, é uma palavra composta. Seus componentes são os termos sociedade e civil. Sociedade é aqui usada como um substantivo enquanto civil é o que qualifica esse substantivo. É, por isso, um adjectivo. Em outras palavras, e em termos lógicos, é possível pensarmos que existe a sociedade sem o qualificativo civil, i.é, sociedade não-civil.

Por seu turno podemos pensar na sociedade com outros qualificativos. Sociedade matriarcal, patriarcal, global, local, tradicional, moderna, desenvolvidas, subdesenvolvidas, tribal, industrial, e por ai em diante. Esse trabalho de classificação dos diferentes tipos de sociedade ocupou estudiosos de várias disciplinas, em particular, os sociólogos. Pode-se imaginar que haja uma diversidade e relatividade de critérios para definir este ou aquele tipo de sociedade na base deste ou daquele critério. Em quase todos os sentidos sociedade não pode, portanto, ser tomado como algo universalmente dado, adquirido, conhecido. As diferenças entre sociedades que são marcadas por esses adjectivos precisam ser argumentadas. Esse exercício torna o empreendimento de definir sociedade [civil] uma tarefa nada fácil. Será um conjunto de características objectivas e “fixas” que determina a existência ou não de uma sociedade?

Peguemos no seguinte exemplo. É comum pensar-se e até definir-se sociedade fazendo alusão a um espaço delimitado pelas fronteiras equivalentes ao Estado-nação. Assim poderíamos falar da sociedade Moçambicana, Sul-Africana, Americana e por ai em diante. Nós não escolhemos em que sociedade nascer, mas podemos influenciar e até escolher em qual delas viver. O sociólogo Elísio Macamo, por exemplo, não escolheu nascer em Moçambique, mas muito provavelmente escolheu viver na sociedade alemã. Ainda assim, neste sentido, apenas nos referimos ao espaço físico e não necessariamente a trama de relações que se constituem num processo de interacções entre os indivíduos que partilham aquele espaço. Esta concepção de sociedade apesar de pratica e por isso usada no dia-a-dia inclusive por muitos de nós, sociólogos, é contestada quando se trata de levar as coisas um pouco com o rigor que a nossa disciplina exige. Há casos em que nem esta concepção, baseada nas fronteiras políticas do Estado-nação, é descritiva da situação real. Pense-se na sociedade palestina, onde ainda não existe Estado. O que quero dizer é que apesar de no nosso dia-a-dia lidarmos com essa noção leiga de sociedade os sociólogos, e não só, não a tomam como algo de fácil definição. Eles que o digam! Parece que cada um tem a sua própria definição. Os que não querem ter dores de cabeça contentam-se com as definições práticas do dia-a-dia do tipo:

“sociedade é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade”.

É uma definição geral e leiga, mas que serve para os propósitos da comunicação e do entendimento quotidiano. Imaginem que alguém dissesse que sociedade é um permanente “fazer – desfazer e refazer” ou simplesmente um permanente “vir-a-ser", como a define o filósofo e sociólogo alemão, Georg Simmel. Alguns iam, com certeza, pensar que essa pessoa estaria, provavelmente, a delirar. Na verdade essa concepção de sociedade como sendo algo em permanente devir (mudança), algo precário, contingente, era uma forma de reclamar uma visão não organicista de sociedade como a que defendiam Spencer e Comte, precursores da sociologia, e menos idealistas de sociedade, i.é, algo sem existência “real”, ou até limitá-la as fronteiras políticas de um Estado-nacão. Uma boa parte dos sociólogos concordaria, por isso, que sua disciplina estuda o social que pode ser tratado a diferentes níveis como por exemplo, a díade da interacção, os grupos sociais, grandes organizações sociais e até sociedade, mas com um sentido estritamente definido.

Para Simmel, por exemplo, a sociedade, consiste de uma intricada rede de relações entre indivíduos que estão em constante interacção uns com os outros.

Na opinião de Simmel a sociedade surge das acções recíprocas (que implicam necessariamente interacção com pelo menos um outro indivíduo) que criam as características inexplicáveis se os considerarmos isoladamente. Podemos, por enquanto, contentarmo-nos com a definição que atribui um lugar especial a acção dos indivíduos para produção da sociedade. A vantagem de adoptar esta definição é que ela não se preocupa com a totalidade dos indivíduos que vive em determinado lugar. Assim falar de sociedade Moçambicana não significa, necessariamente, falar da totalidade de indivíduos residentes no espaço físico delimitado pelas fronteiras geopolíticas do Moçambique actual. Penso que esta noção vai nos permitir conceber a sociedade civil de maneira mais útil.

Civil

Passo agora a abordar o termo civil. Adjectivo. Civil deriva da palavra latina civillis, de cívico, e que implica a ideia de participação política na vida da polis, cidade. Em outras palavras, civil significa o exercício de direitos políticos de cidadania. Em suma, e literalmente, sociedade civil seria, se tomarmos o sentido leigo da definição de sociedade, um conjunto de pessoas que compartilham propósitos, preocupações e costumes e que interagem entre si constituindo uma comunidade e que gozam ou exercem os seus direitos cívicos de participação politica enquanto cidadãos. Continuo ainda a tentar delinear a origem e o sentido da expressão sociedade civil. Depois dos reparos em relação as noções de sociedade e de civil, separadamente, no próximo artigo vou me referir a origem filosófico-histórica da noção composta de sociedade civil.




Origem filosófico-histórica da sociedade civil

É atribuído ao filósofo alemão Georg W.F. Hegel o cunho do termo sociedade civil ao usá-lo na sua obra intitulada "Elementos da Filosofia do Direito". Ao fazê-lo Hegel pretendia distinguir a sociedade civil do Estado. O Estado concebido como a instituição reguladora que tornou possível a operação de separação da sociedade civil daquele. Com o termo sociedade civil Hegel queria se referir a uma fase no relacionamento dialéctico entre opostos, nomeadamente a macro-comunidade [o Estado]e a micro-comunidade [Família]. Mas os termos são entidades historicamente construídas podendo, por isso, ganhar novas significações e conotações em diferentes espaços e tempos. Essas mudanças no sentido, em função do contexto e da contingência histórica, levou a que a expressão se referisse a uma amálgama de fenómenos ou entidades. Vários autores dedicaram-lhe atenção desde a época das luzes até tempos mais recentes. Os propósitos deste breve exercício não justificam esse recuo histórico-temporal. De modo geral a sociedade civil para os pensadores, filosófico-históricos, do século XVIII representava não uma promessa de redenção ou perfeição mas a esperança de um progresso controlado. A sociedade civil surge assim em diferentes contextos históricos, simultaneamente, como resposta a um problema mais geral fundamentalmente o de evitar um Estado Leviathan (ditador-totalitário) que comprometesse as liberdades individuais. Não obstante esta visão optimista do papel da sociedade civil existem outras que lhe colocam algumas reservas.

Marx, por exemplo, contrariando todo o optimismo libertário, via na sociedade civil uma pluralidade de instituições se desenvolvendo no espaço entre o [Mercado] e o [Estado] como algo que não passava de uma fraude burguesa. Se nos lembrarmos, o modelo analítico de Marx para explicar o devir histórico não previa nenhum espaço para qualquer força intermediária [classes médias] que serviria de amortecedor na colisão dialéctica entre a burguesia e o proletariado que levaria ao fim teleologicamente previsto da extinção da sociedade de classes. Uma visão neomarxista, mais igualmente céptica em relação ao papel da sociedade civil, é aquela de pensador político, o Italiano Gramsci. Para Gramsci hegemonia é o conceito que descreve a dominação que uma classe impõe sobre outras através da combinação de meios políticos e ideológicos. Apesar da força política – coerção – ser sempre importante, o papel da ideologia em conseguir o consentimento das classes dominadas poder ser mais significante. Assim, o balanço entre a coerção e o consentimento vai variar de sociedade para sociedade, principalmente nas sociedades capitalistas. O [Estado] é, então, o instrumento da força coerciva, que ganha o consentimento por meio da dominação ideológica, conseguida pelas instituições da sociedade civil, nomeadamente a família, a igreja, as uniões de comercio e por ai fora. Assim, quanto mais proeminente forem as instituições da sociedade civil maior serão as probabilidades de a dominação por via ideologia ser conseguida. Vimos deste modo que a sociedade civil não é, necessariamente, uma força contra-hegemónica.

Como se pode notar a noção de sociedade civil foi e é aplicada pelos teóricos políticos e filósofos de acordo com diferentes critérios e em contextos histórico-filosófico distintos. Actualmente, e em particular em África, deparamo-nos com o retorno desta noção, dizem alguns círculos africanistas, com aquela conotação contra-hegemónica. No próximo texto vamos ver quais são as instituições e/ou organizações que corporizam e agenciam essa noção contra-hegemónica de sociedade civil, com enfoque para a experiência do nosso país.

Tuesday, June 26, 2007

As falácias de Langa sobre América!

Achei a crónica do Jornalista Jeremias Langa do Jornal O País online interessante, mas problemática em alguns dos seus argumentos. Interessante porque, e minha opinião, sendo os EUA um país complexo e diverso com um lugar preponderante na geopolítica mundial vale a pena saber sempre um pouco mais sobre eles. Problemática por que os argumentos de Langa parecem assentar em algumas premissas analíticas falaciosas. Sublinhei as passagens que considero mais problemáticas. Leia-no, aqui, e encontrámo-nos lá mais a baixo.

"Na semana passada, dei enfoque às questões económicas para explicar o receio da administração americana em pôr termo à imigração ilegal nos Estados Unidos da América. Agora, olhemos para o outro lado do problema - para o que os americanos temem que lhes aconteça a médio-longo prazos: o impacto sócio-cultural da convergência de mais de 12 milhões imigrantes ilegais ao seu país. O primeiro impacto inevitável é o cruzamento de hábitos e costumes diferentes. País desenvolvido que são, os EUA teme, por via disso, uma espécie de “intoxicação cultural” com repercussões inimagináveis a longo prazo.
Por outras palavras, os seus filhos vão misturar-se com os filhos dos imigrantes nas escolas, deturpando o seu genuíno inglês; vão (já estão) ser obrigados a aprender espanhol para se comunicar devidamente com os imigrantes nos restaurantes, bares, hotéis e em todos os lugares públicos; o seu hip-hop vai ser trocado ou sofrer fusão com a valsa e outros ritmos, enfim.
E como os hispânicos têm uma cultura de natalidade diametralmente oposta à dos americanos, daqui por alguns anos, serão de certo a maioria em país alheio e, a América, orgulhosa da sua cultura única e homogénea, será (está a ser) um país profundamente heterogéneo, culturalmente “descaracterizável”, falando uma mistura de inglês e espanhol que bem pode vir a ter o nome de “inglenhol”.
É este o preço que a América tem a pagar pelo interesse que tem em manter os imigrantes ilegais no seu país para servirem como mão-de-obra barata, como, aliás, o tem sido até agora. Um preço muito alto, diga-se. Estarão os EUA preparados a pagar tão elevado preço? É esta a discussão que se trava em todos os seis Estados que tenho tido o privilégio de visitar, ao longo destas últimas três semanas.
Num recente debate na Fox Tv, alguém propôs que se fossem autorizados a se manter no país, os imigrantes deviam ser obrigados a falar inglês no lugar do espanhol. É uma proposta infeliz de os “matar” culturalmente.
O problema é que nos Estados Unidos da América não há nenhuma língua oficial e o inglês é apenas a língua correntemente usada em vários ambientes. Portanto, ninguém é obrigado por lei a saber ou a falar inglês, onde quer que seja. E não sabendo inglês, pode fazê-lo na língua em que se sentir mais confortável para se comunicar. Por isso, os cerca de 12 milhões de hispânicos que aqui vivem, fazem questão de se comunicar em espanhol o máximo que podem.
Na verdade, o espanhol é agora uma espécie de segunda língua em todos os Estados Unidos da América, integrada inclusivamente no sistema de ensino. Na minha passagem pelo Texas, visitei o Plano East Sénior High School, que no modelo americano de ensino é um colégio que prepara os estudantes para a universidade. De um conjunto de cinco idiomas que os estudantes têm oportunidade de escolher para aprender como segunda, em paralelo com o inglês, 90% escolheram... o espanhol. E percebe-se porquê: por necessidade de comunicação, dado que o castelhano ganhou uma enorme valorização com a entrada massiva de imigrantes ilegais no país.
Ou seja, se a América decidir aceitar os imigrantes ilegais como cidadãos americanos, terá de os aceitar também na sua diversidade cultural; terá de lhes permitir que construam escolas específicas e todas as infra-estruturas que respondam aos seus padrões culturais. E mantendo os imigrantes ilegais (e já agora, também os legais) os seus padrões culturais, torna-se inevitável o tão receado cruzamento cultural pela maioria dos americanos.
Dito de outro modo, os países desenvolvidos criaram a globalização para imporem os seus hábitos e costumes aos países desenvolvidos. Não esperavam é que, no auge da sedução pelo bom, os ditos subdesenvolvidos, sem darem por isso, pudessem acabar por fazer o reverso da moeda e serem eles a impor aos mais desenvolvidos os seus hábitos e costumes. Curioso, não é?" Vide: Fonte!
Ao invés de desenvolver um outro texto argumentativo para contrapor os argumentos de Langa resolvi fazer algo, talvez, menos complicado, mas mais prático. Interpelar!

Lembrei-me da leitura que fiz já lá vão uns bons anos de “Da democracia na América”. Um dos livros que mais tive gosto de ler sobre a constituição e natureza [da democracia na América] e porque não do povo americano. Da autoria, do pensador político Francês, Alexis de Tocqueville, o livro publicado em dois volumes, tornou-se um clássico, e por isso, incontornável para quem quer saber um pouco mais sobre os EUA.

Eu confesso que na América eu vi mais do que a América; eu vi a imagem da democracia mesmo, com suas inclinações, seu caráter, seus preceitos, e suas paixões, o suficiente para aprender o que devemos temer ou o que devemos esperar do seu progresso." Alexis de Tocqueville, 1834.

Devia ser um livro, em minha opinião, de leitura obrigatória para quem ter uma ideia do que é história moderna da América, não obstante os séculos que se passaram após sua escrita. Existem, hoje, na verdade, centenas de livros sobre a história mais recente daquele país. Mesmo assim, nenhum dado desses livros alteraria algumas premissas fundamentais na origem da América da qual fazemos quase todos os nossos juízos. Vou por isso ser mais incisivo, e até sarcástico, nos breves comentários que fazem a minha interpelação.

a) "O primeiro impacto inevitável é o cruzamento de hábitos e costumes diferentes”. Langa fala como se a o referido cruzamento de hábitos e custumes diferentes fosse algo recente. Esse cruzamento consta de obras como a de Tocqueville e são constitutivos da América moderna, tal e qual a conhecemos. É portanto um erro de raciocino considerá-la algo novo. Os cruzamento são constitutivos e não algo novo na América, mesmo que recentemente se tenha intensificado a selecção de quem vai à América legalmente.

b) “...Intoxicação cultural”. O que Langa quer sugerir com esta expressão, penso que, esta patente no seu texto. Os emigrantes ilegais trazem consigo uma cultura estranha e por isso indesejada! Mas como é que se define o que é culturalmente genuíno do que não o é, nos EUA de hoje? É na base de quê? Língua, Raça, Religião, Região? Langa não diz nada sobre isso.

c) “...Por outras palavras, os seus filhos vão misturar-se com os filhos dos imigrantes nas escolas, deturpando o seu genuíno inglês”. Costuma-se, na brincadeira, dizer que os Americanos, em relação a Inglaterra são, como o Brasil em relação a Portugal, na modificação criativa que fizeram da língua. E isso é secular. O que é que Langa chama de Inglês genuíno? Aquele próximo ao sotaque Britânico?Duvido! Duvido que exista um único americano nascido e crescido lá com sotaque próximo ao Britânico. Sotaque Britânico? Qual? Aquele de Londres? De New Castle? Ou aquele outro do País de Gales, para não falar do Irlandês?

d)0 “O seu hip-hop vai ser trocado ou sofrer fusão com a valsa e outros ritmos, enfim”. Langa fala do Hip-Hop como se este fosse genuíno e nunca tivesse sofrido influencias, misturas. Ora o Hip-hop não sofreu misturas. O hip-hop é uma mistura, incessante e permanentemente em modificação sem deixar nunca de sê-lo.É uma mistura na sua essência.

e) “A américa, orgulhosa da sua cultura única e homogénea. Se existe alguma coisa que a América moderna (mesmo que tomemos como marco o ano de 1776, data da sua independência) nunca foi é UNICA E HOMOGÉNEA. Leia-se Toqcueville.

Estas são algumas falhas que acho gritantes no raciocínio de Langa na sua crónica sobre a América. Essas falácias põem em causa todo o seu argumento pois deixam muitas zonas de penumbra. O que não quer dizer que a América actual não se debate com problemas de imigração clandestina e ilegal. O que não quer dizer também que se vive uma democracia de exaltação da diversidade. Há clivagens fortes na sociedade Americana de raça, classe, género e por ai fora. Mas essas clivagens, mesmo existindo, não se colocam do jeito que Langa faz no seu texto, criando ilusões de homogeneidade e genuidade onde tudo é mistura.

Vale a pena ler!




Da autoria de Vlademir Zamparoni, historiador brasileiro com fortes vínculos de pesquisa e amizade com Moçambique desde início da década de 1980, e com a Prefácio de Alberto da Costa e Silva, surge um livro sobre a história do Colonialismo e Racismo em Moçambique. Com a chancela da EDUFBA e do CEAO de Salvador/Bahia. Leiam o prefácio e, com certeza, concordaram comigo que vale a pena ler! Infelizmente o livro não está disponível ao grande público em Moçambique. Esperámos que seja feito cá seu lançamento. O recadinho está dado “camarada” Zampa!














Friday, June 22, 2007

O lado sociológico de Tussito!

Tussito é como ficou popularizado o apelido do apresentador, na língua Ronga do canal televisivo privado Miramar, Samuel Matusse. Seu apelido, Matusse, é comum na zona sul de Moçambique, mas o diminutivo, Tussito, empresta-lhe um ar de exclusividade. Um verdadeiro comunicador, nos mass media, se revelou Tussito nos seus programas de diálogo interactivo naquele canal. Recordo-me do nome, de pelo menos dois, de seus programas: “Dialogando com Matusse” e “Terceira Idade”. Nunca antes ouvira alguém falar nas línguas locais com o a vontade e fluência de Tussito. Um Ronga “puro” sem o habitual intercalar com palavras Portuguesas. Dzi kanela Xizonga! Outros aspectos interessantes dos programas de Tussito são a versatilidade dos temas e as características sociológicas de seus convidados. Desde o aborto, o celibato, o roubo, divórsio, a intrigas entre famílias, enfim, tudo que cabe na categoria de problemas sociais da vida quotidiana suburbana e rural constituem tema de debate no seu programa. Aí reina o senso comum, no bom sentido do termo, o bom senso. Os seus convidados, maioritariamente, religiosos ou autoridades morais em seus colectivos imediatos e secundários (família e igreja) são dos bairros suburbanos de Maputo (Mafalala, Xipamanine, e arredores). Os guardiãs da moral duma sociedade que se queixa tanto da perda desses mesmos valores. Sempre que oiço esta ideia de perda de valores ocorre-me uma teoria que aprendi em física ainda no secundário segundo a qual: "No mundo nada se perde, tudo se transforma". Mas logo me esquecia disso e embalava-me na animosidade das intervenções dos telespectadores para comentar isto ou aquilo, para opinar. Opinar. Sim, opinar. E ai me vinha outra lição escolástica: a opinião não pensa. Pensa que sabe, mas não sabe, no entanto fala. Não sabendo, então, por que falam? “Hi mavonela ya mina” (na minha maneira de ver, igual a na minha opinião), e tocavam a comentar normativamente. Os jovens de hoje são assado e cozido, já não respeitam este e aquele custume e/ou preceito moral e por aí em diante nos mais variados assuntos. Afinal, não é proibido não ter opinião. Ai é que me enganava. É que os convidados de Tussito são experts de opinião. Produzem opinião, mesmo não sabendo. Mas ai está. O que é saber? Pergunta para muitas linhas, melhor parar por aqui. Os curiosos de certeza sabem se virar. Assim fui acompanhando, e continuo a fazê-lo sempre que posso, os diálogos de Tussito. Afinal, descobrira uma boa maneira de aprimorar mais uma língua, o Xizonga e expor-me a lógica do bem intencionado bom senso.

Hoje surpreendentemente, pelo agrado, descobri uma outra faceta de Tussito. Escreve. E, escreve bem. O artigo que vides acima é de sua autoria e foi publicado no semanário Zambeze desta semana. Tussito faz uma análise interessante da mudança de contextos sócio – políticos que tornam favoráveis ou não a censura de certas músicas. Tussito oferece-nos um quadro interpretativo para percebermos que uma música não é censurável penas pelo seu sentido ou conteúdo intrínseco, mas pelo contexto sócio-político em que esse conteúdo é interpretado e cantado. Quanto a mim, Tussito levanta um debate interessante. Pelo menos muito mais elaborado, teoricamente, do que as infrutíferas acusações sobre a originalidade da música, por exemplo. Através da leitura de Tussito podemos saber das características particulares de determinados momentos históricos por que passou o nosso país. Podemos apercebermo-nos das mudanças de regimes e por ai em diante. Enfim, podemos dar conta da transformação social que ocorreu e ocorre na nossa sociedade. E isso também é tarefa dos sociólogos. A música moçambicana sofreu uma grande transformação rítmica e de conteúdo, uma verdadaira revolução silenciosa, mas com barulho. Acho que nós, os sociólogos de carteira, ainda não demos conta disso. E essa revolução, que se manifesta hoje na emergência de “novos” ritmos como os Mpanza, Xitsuketa, Patrãoes entre outros aspectos como, por exemplo, o conteúdo das músicas, pode ser apenas a crista de algo mais profundo que ocorreu na nossa socieade. Algo que estravaza o esteril debate da “guerra de gerações”. Presisamos ainda de uma sociologia da Música. É assim, ao ler este texto de Tussito, que descubro nele o seu lado de sociólogo, mesmo sem as credencias académicas! Essas abrem muitas portas, menos a da “imaginação sociológica”!

Oposição com disposição!

Yacus: Ôh Raulas, então esses andam ai a dizer que eu me aliei ao inimigo. E tu o que achas dessa oposição destrutiva?
Raulas: Não os ligues pá, são uns invejosos não te querem ver na boa.
Yacus: Esses tipos ainda não aprenderam que para fazer oposição é preciso ter disposição. E disposição não se tem com fome.
Raulas: Um gole.
Yacus: Um golito, irmão.

o Papo na FMF!

Ôh sô monstro salgado, comigo na presidência da FMF bolo não lhe vai faltar. Noss conheça nagoss! Agora que mamba dele já começar morder, muita dineiro ha-de vir na noss lado. Noss não vai squeçer você. Nosss tem experiência de nagoço. Noss vai começar vender, vender jogador na estrangeiro. Ganhar muita dinheiro. Outro mais beneficio, noss vai ter jogador internacional para jogar na noss selecão. Eu ganhar eleçoes. Bom. Bom vida noss vão ter. Esses que estan falar: fraude, fraude. Deixar falar, non saber o que querer! Esses non gostar futebol.

Wednesday, June 20, 2007

Tese de Doutoramento sobre pensamento teológico de Eduardo Mondlane!

Participei, recentemente, a 15 de Junho, numa cerimónia de graduação na Universidade do Cabo (University of Cape Town) onde me encontro a fazer o Doutoramento. No habitual caderno de graduados publicado pela universidade consta o resumo de algumas teses de doutoramento. Chamou-me atenção após a procissão do graduando Robert Neil Faris o título da tese que lhe conferia o grau de doutoramento em estudos religiosos (Religious Studies). A changing paradigm of mission in protestant churches of Mozambique: a case study of Eduardo Mondlane. Traduzido significa: A mudança de paradigma da missão da igreja protestante em Moçambique: O estudo do caso de Eduardo Mondlane.

Hoje é dia vinte de Junho de 2007, data em que se Eduardo Mondlane estivesse vivo completaria 87 anos de idade. Eduardo Mondlane foi Sociologo e Antropologo. Lembram-se! Foi daqueles, como alguns de nós optou pelas ciências [sociais] que não “sabem fazer”, como diz o actual Reitor da maior universidade do país que leva o honroso nome de Mondlane. Mondlane não precisou "saber fazer", no sentido que se nos exige hoje, mas soube acima de tudo pensar na possibilidade existencial de um Moçambique emancipado, e de pensar acima de tudo sociologicamente. Leiam seu livro Lutar por Moçambique, por exemplo, e vejam se saber pensar não é uma maneira, e talvez mais útil, de saber fazer. Em homenagem a Mondlane vou traduzir o resumo da tese de Neil sobre o pensamento teológico de Mondlane como forma de difundi-la. Segundo o autor da tese o pensamento de Mondlane mudou o paradigma da missão dentro das igrejas protestantes de Moçambique.

Robert Faris é um ministro (pastor) da Igreja Presbiteriana no Canada e actualmente Director Executivo do Conselho das Igrejas em Educação Teológica do Canada, baseada em Toronto. Entre 1989 e 1994 foi emissário da Igreja Presbiteriana em Canada para trabalhar com a Igreja Prebiteriana de Moçambique, ensinando no Seminário Ecuménico de Ricatla perto de Maputo em Moçambique de qual a experiência resulta a sua tese.

A tese de Faris retrata a mudança de paradigma da missão dentro das igrejas protestantes de Moçambique e particularmente na Igreja Presbiteriana de Moçambique na medida em que esta caminha rumo a autonomia dentro do contexto do projecto colonial Português. Nesta mudança de paradigma, tanto os Cristãos Moçambicanos como os missionários Suíços foram forçados a redefinir o papel da igreja na luta de libertação em geral, particularmente depois da formação da Frente de Libertação de Moçambique em 1962. Apesar deste ser um estudo histórico e crítico, o enfoque é teológico e muito particularmente missionário (missiological) e emprega os paradigmas da missão identificados por David Bosch.

O principal enfoque do trabalho é um exame da vida e pensamento de Eduardo Mondlane, primeiro presidente da FRELIMO. Mondlane estudou na Africa do Sul, Portugal e nos Estados Unidos na base de bolsas de estudos das Igreja e a sua ligação com a igreja continuou até a sua morte.

Seu pensamento teológico, particularmente seu entendimento do papel da igreja no contexto do colonialismo, desafiou e teve impacto nas comunidades protestantes de Moçambique e do movimento ecuménico global, particularmente no desenvolvimento do programa do Conselho Mundial das Igrejas para o Combate ao Racismo.

Breve porém crítica reflexão sobre a noção de sociedade civil![1]

O jornalista Beúla, do semanário Savana, colocou-me um desafio em forma de perguntas, num comentário deixado aqui neste blog. Na altura, por que me encontrava de viagem, não o pude responder, tendo prometido fazê-lo assim que desenrascasse algum tempinho. Pois bem, com este texto inicio uma tentativa de resposta as questões levantadas por Beúla. Começo por recordar as questões para melhor situar o leitor que nos vai acompanhar.

“Já agora, Patrício, afinal a quem se refere ou nos referimos quando dizemos "Sociedade Civil", Que a Sociologia diz sobre pomposa "Sociedade Civil". Se as ciências sociais dizem algo sobre a "Sociedade Civil", é possível identificar esse algo em Moçambique? Como se manifesta?Levanto essas questões a propósito dos membros da CNE indicadas pela "Sociedade Civil" (Beúla).

Pessoalmente consegui contabilizar, pelo menos, dois grupos de perguntas que Beúla coloca. Vou designar o primeiro grupo de questões de âmbito ontológico e ao segundo de questões âmbito sociológico. Todas estão de alguma maneira relacionadas, mas podendo ser igualmente tratadas de forma independente. As questões ontológicas procuram saber o que é, i.é, a essência de alguma coisa. Neste caso seria a questão de saber o que é sociedade civil. No entanto, a questão foi formulada de outra forma pelo jornalista. A quem nos referimos quando dizemos Sociedade Civil? Com esta questão Beúla quer saber: a) quem é a Sociedade Civil? b) Quem são as pessoas ou indivíduos que a constituem? Parece-me, logicamente, impossível referirmo-nos a “quem é”, sem nós questionarmos “ o que é”[ sociedade civil?]. Aí reside o aspecto ontológico da questão. O segundo grupo de questões é de âmbito mais restrito, ou se quisermos, disciplinar pois se refere ao contributo que determinadas ciências, [como as sociais] - essas que para algum sectores miope-progressistas são inúteis – podem dar para compreendermos esse fenémono chamado sociedade civil. O que é que a sociologia diz e nos poder dizer sobre a sociedade civil? É possível observar empiricamente esse dito no contexto Moçambicano? Por exemplo, “a sociedade civil” que participou na selecção dos membros da CNE é a mesma "sociedade civil" dos ditos sociológicos? O que distingue aquela “sociedade civil” da sociedade? Como se pode ver podemos derivar várias perguntas das perguntas, pertinentes, colocadas por Beúla. A sua pertinência reside, entre outros aspectos, no facto de nos proporcionar uma oportunidade para reflectirmos sobre coisas aparentemente óbvias. Daquelas coisas que sabemos até nos perguntarem o que são e logo descobrirmos que não sabíamos o que são. Sugiro então que comecemos pela origem histórico-etimológica da palavra "sociedade + civil". O próximo texto vai tratar da origem do termo sociedade civil. [Até Breve!].

De Gustibus non est disputandum [1]

"There’s no disputing about taste".
“There’s no accounting for taste.”
"Gostos não se discute".
O que acham, caros leitores, podemos discuti-los? A imagem retrata o Músico que mais gosto, na arena musical nacional!
Antes de me responderem sugiro que leiam este texto.

Criada Academia de Ciências!

“Segundo fonte daquele órgão, são objectivos desta instituição contribuir para o desenvolvimento da ciência e tecnologia em Moçambique, divulgar os avanços científicos nacionais e universais, prestigiar a investigação científica de excelência feita no país, elevar a ética profissional e a valorização social dos cientistas nacionais, bem como estreitar os vínculos dos cientistas entre si, com a sociedade e com o resto do mundo”.Maputo, Quarta-Feira, 20 de Junho de 2007:: Notícias. Leia aqui

Textos que vale a pena ler de novo!

Os leitores dos artigos e livros de Elísio Macamo devem se recordar do seguinte título, “Desenvolver o País com Desculpas”, posto a um de seus artigos. O artigo consta de um dos livros do autor, "Um País Cheio de Soluções", lançado em 2006 sob chancela da produções Lua, colecção meianoite. É um texto que vale a pena ler de novo. Uma das razões que me leva a sugerir a releitura deste texto é a sua actualidade. O texto debruça-se sobre um fenómeno social (comportamental) rotineiro na nossa experiência quotidiana. A desculpa. Acima de tudo o texto ensaia uma análise sociológica para esse fenómeno. Funcionalista, mas sociológica. Fica, talvez, por saber “como é possível a desculpa?”. Quais são as condições sociológicas que propiciam sua produção social? A segunda razão que me leva a sugerir este texto é que ele já está, e bem, escrito. Neste sentido pretendo sugerir aos leitores ferramenta sociológica, presente no texto, para lerem a carta que coloquei e anexo. Trata-se da carta de um estudante, do qual tratei de apagar o nome, dirigida à docente. Leiam-na e analisem.[NB:Clique na imagem para ampliar].
Desenvolver o país com desculpas

Peço desculpas aos estudantes de sociologia da UFICS pelo protagonismo negativo que vão ter aqui. Peço igualmente desculpas aos nossos linguistas por trespassar um território que eles já deviam ter explorado. Enfim, peço desculpas aos leitores por abordar uma questão que era melhor ignorar. Pedir desculpas, quer seja a propósito quer não, parece o passatempo favorito dos moçambicanos. Melhor ainda, desculpar-se e não pedir desculpas. Pedir desculpas é o que agentes da polícia de trânsito, empregados de balcão e os funcionários que atendem o público nas repartições deviam fazer, mas não fazem. E têm desculpa para isso.

Esta reflexão vem a propósito da experiência de ensino na UFICS. Onde ensino a maior parte do tempo, na Alemanha, os estudantes entregam os seus trabalhos a tempo. Há um e outro caso de atraso, mas geralmente quando é assim, o atraso é antecipado e acordado previamente comigo. Em Moçambique, é diferente. Há sempre um bom número de estudantes que não entrega os seus trabalhos a tempo e, pior do que isso, não vê a necessidade de acertar a questão comigo previamente. E isso não acontece só com trabalhos de avaliação. Acontece também com outro tipo de compromissos, por exemplo, artigos para publicação ou encontros de trabalho.

Invariavelmente, julgam ter uma boa desculpa: falecimento na família ou no círculo de amigos; malária ou outra doença; falta de acesso ao computador; rumores de que o trabalho foi desmarcado, etc. O aspecto interessante destas desculpas não está nem no tipo nem no facto de serem feitas. O interesse está na expectativa de que surtam o efeito desejado. O mais curioso ainda é que essa expectativa se confirma, vezes sem conta. As desculpas funcionam. Mais uma vez, não funcionam por se tratar de falecimento, doença ou dificuldades materiais. Isso, quando muito, só mostra a escala de valores sociais entre nós. Nem funcionam porque as pessoas se lembraram de pedir desculpas. Elas funcionam, começo a pensar, porque são um elemento central da nossa vida em sociedade em Moçambique. Sem desculpas, gostaria de sugerir, o nosso país parava de funcionar. Vou também sugerir que com desculpas, a longo prazo, o nosso país vai também deixar de funcionar.

A função social da desculpa.

O nosso país já não anda, nem desanda. Os estudantes servem-se dum lubrificante útil das relações sociais deste país. Desde empregados domésticos, passando por operários e camponeses, até aos funcionários públicos e o próprio país, investimos, em Moçambique, mais tempo, energia e criatividade em encontrar uma boa desculpa para não termos feito o que devíamos ter feito do que em tentar fazer. Há momentos em que tenho pesadelos: vejo metade da população moçambicana em cortejos fúnebres – é engraçado que ao funeral ninguém chega atrasado – e a outra metade a disputar lugar no caixão. Na pedra duma campa gigante está escrito o seguinte: “não te disse que tinha malária?”. As desculpas funcionam porque são parasitárias e fazem chantagem. Elas são parasitárias na medida em que desafiam o ouvinte ou receptor a construir ele próprio o seu verdadeiro significado. Para justificar o não cumprimento dum compromisso profissional é suficiente dizer “tive um falecimento” ou “tive malária”. Compete à pessoa a quem esta frase é dirigida construí-la como desculpa. É como se fosse uma premissa num argumento, cuja conclusão deve ser deduzida com recurso a toda competência social que um indivíduo tem. Assim, quando alguém diz “tive falecimento” a minha responsabilidade é de fazer as devidas associações: perdeu um ente querido; a sua rotina está quebrada; tem que atender a obrigações familiares; falecimento é algo muito importante na nossa tradição; se não cumprir com as obrigações familiares corre riscos metafísicos, etc. Portanto, está completamente justificado.

As desculpas fazem chantagem na medida em que transferem ao ouvinte ou receptor a responsabilidade de tirar as devidas conclusões. Quem não é capaz de tirar as devidas conclusões é socialmente incompetente. Se em resposta a alguém que me dissesse “tive falecimento” eu dissesse “estou-me nas tintas” ninguém iria aplaudir o zelo profissional que por ventura estivesse por detrás dessa reacção. Antes pelo contrário, considerar-me-iam analfabeto social, uma pessoa iletrada em relações sociais. A dedução que tenho que fazer perante as premissas apresentadas por uma desculpa é sempre: logo, está justificado. Felizardos são os estrangeiros no nosso país, cuja incompetência social lhes proteje das desculpas. O parasitismo e chantagem têm uma função social muito importante. Fazem das desculpas uma explicação. E o que está explicado, está bem. Isto tem uma longa tradição no nosso país. Pelo menos isso. Os portugueses colonizaram-nos porque não estávamos unidos; militámos na PIDE porque fomos obrigados; punimos alguém durante a luta armada porque era da linha reaccionária; metemos no campo de reeducação porque era Xiconhoca; mutilámos porque éramos contra o socialismo; queimámos porque o exército também fez; perdemos um jogo ganho com a Zâmbia porque estávamos cansados. Nos tempos de Samora dizer “insuficiências” era suficiente para explicar tudo; a falta de “condições” era tudo, como quando um camponês, ao tentar descrever-me o perfil de Jesus Cristo, disse “bom, ele não tinha condições”.

A força das normas sociais

Enquanto reflicto sobre o verdadeiro significado das desculpas esforço-me por resistir à tentação de lhes atribuir um estatuto cultural. A maior parte das pessoas com quem tenho conversado sobre o assunto não tem quaisquer tipos de escrúpulos a esse respeito. Para elas as desculpas fazem parte dum sistema cultural tipicamente africano que é, ainda para mais, responsável pelo nosso atraso. O tipo bem como o mero uso de desculpas para justificar omissões fazem parte dum sistema de valores e normas que se opõe vivamente ao tipo de sistema político e económico necessário à satisfação das necessidades básicas dos membros da sociedade. As desculpas, diriam os antropólogos, obedecem a uma lógica directa e imediata de acção (face-to-face). Elas reflectem um fraco nível de formalização.

Explicações culturalistas revelam mais sobre os preconceitos da pessoa que as faz do que sobre o assunto em questão. Não é que não tenham um cunho de verdade. É preciso, contudo, trazer esse cunho à superfície. A explicação que eu próprio encontro para a cultura da desculpa não prescinde totalmente de preconceitos culturais. Ao contrário destes, porém, ela vê os elementos culturais numa perspectiva dinâmica, como coisas que se constituem no nosso quotidiano. Noutros termos, as desculpas têm o uso que têm na nossa sociedade porque elas se revelaram úteis. Foram integradas na nossa experiência de lidar com outras pessoas, instituições e condições naturais. No processo revelaram-se extremamente úteis. A famosa frase dos anos oitenta “ganhar experiência” pode explicar o que tenho em mente.

Ganhar experiência significa duas coisas. Primeiro, significa identificar uma situação específica, isto é não confundi-la com nenhuma outra. Uma viagem para o exterior como membro duma delegação, para usar o contexto privilegiado do uso dessa expressão, não é uma viagem de sensibilização da população à aldeia comunal. Segundo, ganhar experiência significa antecipar acontecimentos. Isto é, prever a reacção dos outros e agir de acordo com essa previsão. O que dá segurança e previsibilidade à nossa acção quotidiana é precisamente esta sedimentação da experiência. É a natureza regular e padronizada de situações do dia a dia que nos permite dar o mundo por adquirido. Por norma, isto é feito por via de convenções. Ou por outra, através da nossa experiência damos à regularidade e à padronização o estatuto duma convenção. Em situações de contacto imediato, em que conhecemos muito bem as pessoas com quem estamos a lidar, basta a qualidade das nossas relações para dar força de convenção a essa regularidade e padronização. Mas como o mundo social é feito de mais do que as nossas relações imediatas é preciso um outro tipo de garantias para que as convenções sejam eficazes como tal.

É assim que para além da minha ou da palavra do leitor é necessário um mecanismo impessoal que garanta a observação duma convenção. As burocracias têm esse papel. Na realidade, todo o tipo de institucionalização de relações sociais, a saber polícia (ordem), hospital (saúde), escola (educação), sistema político (debate público), etc. constitui uma maneira impessoal de garantir a observação duma convenção que tem a sua génese na acumulação quotidiana de experiência. Quanto mais complexa for uma sociedade, maior necessidade tem ela destes mecanismos impessoais. Os apelos morais, muitas vezes informais, têm mais força de Macamo para Macamo do que de Macamo para Sousa, Capurchande, Sitoi ou Nipassa. Têm mais força no bairro do Tavene dentro de Xai-Xai do que na Mafalala, em Maputo, ou na Manga, na Beira. Têm, provavelmente, mais força no Sul do que no Centro ou Norte. E por aí fora. Ser moderno significa, na sua forma mais elementar, a simples garantia do funcionamento destes mecanismos impessoais como forma de dar maior previsibilidade ao quotidiano. A diferença entre tradição e modernidade, neste caso, e nisto os antropólogos estão mais do que certos, é a diferença entre a força duma norma social e a força dum dever. A primeira é pessoal, a segunda é impessoal. Provavelmente, o nosso problema de desenvolvimento reside justamente na tradução de normas sociais em deveres.

As desculpas fazem parte do universo cultural das normas sociais. Se eu ou o leitor não nos sentimos bem com a ubiquidade das desculpas é porque nós, muito provavelmente, observamos o critério do dever na nossa acção quotidiana. Com isto não quero sugerir que seja irracional observar o critério da norma social. Na verdade, tudo até indica que é mais racional agir assim. Em Moçambique. De cada vez que cumpro a minha palavra, muitas vezes à custa de noites perdidas e fricções familiares, surpreende-me a surpresa dos que não esperavam pelo cumprimento da palavra. Isso acontece com mais gente, mas fica mal dizer em voz alta porque atenta contra a ética dominante da norma social.

Para defender essa ética tudo vale: desde acusações de feitiçaria até ao ostracismo aberto. A questão que se coloca é de saber porque é tão ubíqua a norma social apesar de sermos uma sociedade complexa? Pessoalmente ainda não tenho resposta, apenas palpites. Suponho que a explicação deste fenómeno seja tão circular quanto vicioso o círculo da nossa existência. Predomina a norma social porque o dever ainda não se impôs; o dever ainda não se impôs porque a norma social teima em se manter bem viva. Eis um problema.

Porquê o círculo vicioso? Suponho que tenha a ver com a precariedade da nossa existência. O universo cultural do dever, no nosso país, é menos seguro e previsível do que o universo cultural da norma social. O recurso ao directo, imediato e informal constitui uma melhor economia de esforços do que o recurso ao indirecto, distante e formal. No caso concreto das desculpas, pela sua própria estrutura, elas produzem a norma social. O parasitismo e a chantagem de que vivem são parte integrante da sua economia política. Através da sua função explicativa criam as condições necessárias à sua própria reprodução. Se aceito “tive falecimento” como desculpa e explicação é porque aceito as normas e os valores que se atribui ao fenómeno aludido. Aceito fazer parte dessa comunidade moral.

Abaixo as desculpas!

Se o problema das desculpas se circunscrevesse apenas aos estudantes seria grave, mas não tão grave ao ponto de merecer a nossa atenção. Podíamos até dizer, como de certeza estarão alguns leitores a pensar, que essas desculpas é que nos tornam diferentes dos outros. De resto, dirão, somos africanos e faz parte da nossa identidade respeitar os defuntos. Sim, mas faz parte também da nossa condição humana respeitar compromissos profissionais. O que torna o problema das desculpas grave é a sua forte tendência de se tornar numa verdadeira cultura. Isto é, ao invés de se manifestar como um entre vários aspectos dum sistema cultural, como diriam alguns, desculpar-se passa a ser a marca distintiva dos moçambicanos.

Há vários exemplos disso que mostram a gravidade da questão. A atitude do ministro do
interior, a julgar pelo que foi noticiado pela imprensa, no julgamento do caso Carlos Cardoso é altamente sintomática dessa cultura. Quando Anibalzinho se escapuliu o ministro disse, segundo a imprensa, qualquer coisa como “isso acontece em qualquer parte do mundo”. Na altura, alguns observadores classificaram o comentário de arrogante. E se calhar até têm razão. Mas também pode se dizer que o ministro estava a recorrer ao grande lubrificante das relações sociais que é a desculpa no nosso país. Por mais disingénua que tenha sido a afirmação tratava-se duma desculpa no bom estilo moçambicano: parasitária e chantagista. Parasitária porque como bons cidadãos que somos devíamos ter a competência social para reconhecer que se até em países mais desenvolvidos do que o nosso criminosos se evadem como é que não se podem evadir das nossas cadeias? Chantagista porque nos convidava a tirar a conclusão de que o que aconteceu era perfeitamente normal sob pena de nos passar um atestado de loucura por expectativas exageradas.

E de desculpa em desculpa o país vai se afundando na sua própria inércia: Não temos meios; não temos fundos; o financiamento não veio a tempo; não temos capacidade institucional; não temos pessoal; faltaram viaturas adequadas; o governo não investe na nossa região; choveu muito; choveu pouco; não choveu; já era tarde; calhou mal; os outros governos africanos não nos apoiaram; não havia verba; somos pobres; as estradas estão cheias de buracos; morreu o tio do amigo do meu colega; tive malária, etc., etc. Para cada uma destas situações há todo um arsenal de explicações. O que se esquece é que uma explicação é bem diferente duma desculpa. Esta parece-me uma nota bastante negativa para terminar a reflexão. Contudo, se me ponho a procurar uma explicação para as reais dificuldades que enfrentamos no nosso dia a dia com a confusão que se faz entre explicação e desculpa corro o sério risco de apenas arranjar desculpas para desculpas.

Notícias, 14 de Agosto de 2003



Monday, June 18, 2007

Não fomos choramingar - diz o PRG!

O procurador da República, Joaquim Madeira, na foto, concedeu uma longa entrevista ao Jornalista Felisberto Matusse que pode ser lida em partes aqui[1] , aqui [2] , aqui [3] e aqui [4]. No centro da entrevista está a seu último e controverso informe à Assembleia da República. No entanto, a propósito do mesmo, leia a minuciosa análise ao informe do PGR, feita em oito partes, por Elísio Macamo, aqui.

Entrevista com sociólogo Ulrich Beck!

Durante a socialização académica “primária” temos a oportunidade de conhecer, através de seus escritos, muitos autores, em particular os da nossa especialização. Com alguns desenvolvemos uma relação de indiferença, com outros de empatia e com outros ainda de simpatia. Empatia e simpatia descrevem a relação que estabeleci com a obra de Ulrich Beck. Na verdade acho que chegou mesmo a passar disso, idolatrei-o, coloquei-o num certo nível em que criticá-lo era praticamente impossível. Tudo que lia dele me dava a sensação de “pura” perfeição. Beck é, provavelmente, o sociólogo de quem mais obras já li. Afinal usei sua teoria na tese de licenciatura. Hoje quando me considero na transição da adolescência para a uma juventude académica releio Beck com mais discernimento. Leia aqui uma entrevista que, explica a sua proposta de sociedade de risco, concedeu a IHU On-Line.