Sunday, March 30, 2008

A consagrada família: crítica da critíca crítica contra autoproclamados defensores dos deserdados!

Cada vez mais me conveço que a maior pobreza absoluta – a mais incidiosa e perniciosa que se abate sobre Moçambique – é aquela da sua "massa" crítica. O pior é que essa pobreza é a mais difícil de combater, pela sua própria natureza. É reflexiva (cognitiva) e não material! Não há uma linha que a relativisa ou a absolutisa através da contagem de dolares ou calorias consumidas diáriamente. Não há PARPA para erradicar os efeitos de uma forma perniciosa de pensar e de fazer crítica. A solução que se aventava aprópriada, por alguns de nós, "os críticos dos críticos", portanto, a do debate de ideias que inclui o debate dos critérios do debate– é, perversamente, rejeitada pelos críticos. A única crítica considerada, pelos críticos, de válida é aquela que têm no Governo seu maior e principal alvo. E, nisso, não reside apenas concepção reducionista da realidade, mas uma pobreza analítica de assustar. É que nessa crítica ao Governo, e já agora, aos "críticos dos críticos", repetem-se, incansavelmente, os mesmos erros de procedimento e de raciocínio no debate de ideias. Um desses erros de procedimento, por exemplo, e que não me canso de apontar é o julgamento das intenções. De certeza, que os críticos, ao lerem este texto a primeira coisa que lhes vai ocorrer é julgarem a minha intenção ou não de defender o Governo. Vão querer saber de que lado estou. Vão dizer, como já o fizeram, que quero aparecer, contrariamente a eles, os críticos, que já são consagrados. Já escrevi, sobre isto antes aqui. Como já fui, várias vezes, acusado de estar a querer fazer gracinhas ao Governo, e não tenho nada a perder, insisto na seguinte observação. Se não existisse Governo, no nosso país, não teriamos críticos, pelo menos, da qualidade que temos. Criticar o Governo é a razão de existir de alguns que se intitulam de críticos. E mais, os tais críticos se consagraram e se legitimam, justamente, pela razão que os produz: criticar o Governo! Não é a plausibilidade de seus argumentos que serve de crítério. É a sua declarada “ boa intenção” a favor dos deserdados que conta. Nem se lembram ao criticar que as mesmas exigências que fazem ao outros possam ser usadas para si próprios. Se os críticos- bem intencionados - criticam aos críticos dos críticos; o que dizer dos críticos dos críticos dos críticos? Os críticos, já agora, fazem a Consagrada Família que abunda na nossa esfera pública e a empobrece pelos seus métodos.
Acabei de ler um texto do colunista do Jornal Savana, Afonso dos Santos, da edição de 28 de Março 2008, que não só confirma o que acabei de escrever na introdução como recordou-me de um debate filosófico, interessante, do século XIX entre Karl Marx e o teólogo alemão Bruno Bauer. Conto-vos, rapidamente, a história para os situar. Lá no pretérito ano de 1844 Karl Marx e Friendrich Engels, que haviam se conhecido recentemente e se tornado grandes amigos, decidiram escrever o seu primeiro texto em conjunto. O texto era uma resposta aos ataques desferridos pelo teólogo alemão Bruno Bauer e seus colaboradores ao movimento de massas da época. O que inicialmente deveria ser apenas um panfleto, transformou-se em uma das obras mais importantes desses dois autores - A Sagrada Família. Marx é o autor da maior parte do livro e sua crítica aos irmãos Bruno e Edgar Bauer - e a filosofia dos jovens hegelianos nos anos 40 do século XIX - tem um sentido irônico perceptível já no título, que parodia uma imagem bíblica universalmente conhecida "A Sagrada Família".

A dupla irónia da Con-sagrada família!

Na verdade, de Marx e Engels, só retomei apenas o título sugerido pelo texto de Santos – “Os críticos dos críiticos” – e não a sua, problemática, tese. A posição de Marx e Engels, em A sagrada família, é próxima a daqueles que, hoje, em Moçambique acham que não é altura de compreender, mas de agir! Os filsósofos passaram a vida a tentar interpretar o mundo, é altura de transformar. É essa posição de Marx e Engels e que tenta ser, anacrónicamente, transposta para o contexto Moçambicano. Uma posição, como sabeis, com a qual não estou nada de acordo.
Os críticos, não os “cêcês”, como Santos designa aos "críticos dos críticos", tem aversão aos que acham que o que Moçambique mais precisa, neste momento, não é de críticos que fazem o mais fácil dentro da sua prerrogativa de críticos: críticar o governo. Isso qualquer um pode fazer! Agora, uma crítica analíticamente prudente e políticamente responsável não se faz com ataques fáceis ao Governo e, já agora, aos cêcês! O fraco desempenho do Governo podia até ser atribuido a fraca qualidade da crítica que lhe é feita pelos seus críticos.
Na verdade, há alguns críticos que fazem crítica ao governo no sentido prudente e reponsável a que me refiro. Devo introduzir aqui uma breve distinção para nos entendermos. Vou distinguir entre dois tipos de críticas: uma “crítica política perniciosa e irrresponsável” e a outra “crítica analítica prudente e responsável”. Os críticos, não os “cêcês", claro, fazem a "crítica política perniciosa e irresponsável" Os críticos dos críticos – agora sim, os "cêcês”- procuram fazer uma “crítica analítica prudente e responsável”. A crítica política – têm muito das características do desabafo. É uma crítica que assenta mais em convicções, do que em evidências de base analítica. É uma crítica que se declara de “boas intenções” a favor dos deserdados. É uma crítica que assenta sua na colecção e apresentação de acontecimentos- numa velocidade que estonteante que tenta competir com a ocorrência dos mesmos – e não aceita discutir os críterios da selecção desses mesmos acontecimentos. É uma crítica que apaixonada por argumentos que ad-hominem (ataques pessoais). É uma crítica que quer transformar o mundo, antes do o compreender! Bom, estas são apenas algumas características da crítica que predomina a nossa esfera publica.
A crítica analítica, pelo contrario, não acha que é perder tempo esclarecer os termos da crítica (do debate) e têm o fim analítico de tornar os acontecimentos (a realidade) que apresenta mais inteligíveis. Reconhece a limitação da sua abordagem, portanto, não é totalitária e intolerante. É uma crítica que não descaracteriza o argumento de seus interlocutores para facilmente os refutar. É uma crítica que procura produzir um conhecimento prudente para uma debate de ideias decente (e até para uma vida decente), parafraseando Boaventura de Sousa Santos!


Quando li e reli o texto de Santos o que mais se relevelou, além do jogo de palavras, foi uma crítica política perniciosa e irresponsável (um desabafo disfarçado). Uma crítica feita de argumentos ad-hominem. Uma crítica que tenta advinhar as intenção dos autores, ao invés de se concentrar na plausibilidade ou não dos seus argumentos. É uma crítica que mal-representa o argumento dos outros, ao invés de procurar comprendê-los. É uma crítica mesquinha no sentido de que não se dirije directamente aos seus interlocutores. É uma crítica que representa o tipo de crítica que empobrece a crítica no nosso país.

Exemplos, aqui, ajudariam a entender de que falo. Há algumas semanas o sociólogo Elísio Macamo publicou um análise crítica e instrutiva sobre a corrpução. Não houve, que eu saiba, um único crítico que o interpelou nos seus argumentos. Não ouve! Alguém pode me contestar? Algum tempo depois surge Santos, de forma intelectualemente desonesta, a desvirtuar a analíse de Macamo. Pior, não o faz com frontalidade. Fá-lo de forma, sarcástica, e portanto, perniciosa para o debate. Não está convidar Macamo para debater seus argumentos, interpelando-os. Não! Está precisamente recusando o debate debatento do jeito que se debate em Moçambique, Mal!

Mas, no fim de contas, os cêcês têm razão numa coisa: já é tempo de parar de criticar a corrupção. É preciso passar a entender que, analisando bem, a corrupção não é corrupção”!

Em nenhum momento Macamo, em sua análise, afirma que não se de deve críticar a corrpução ou os corruptos. Nada disso. A afirmação, sarcástica, de Santos, simplesmente, descaracteriza o argumento de Macamo. Está claro, pela sua leitura, que Santos não entendeu o que Macamo quiz dizer. E isso é comum nos críticos da praça – quando não entendem algo atacam. Como se não entender fosse “pecado”. Pecado, para usar uma linguagem religiosa, é disvirtuar o sentido dos argumentos dos outros só para dizer que críticou. Críticar, por criticar, é coisa fácil. Há quanto tempo se cantarola-la sobre corrupção no país? Agora, propor uma abordagem analítica para tentarmos tornar o fenómeno inteligível, como fez Macamo, requer mais do que “boas intenções” e atacar pessoas. Requer prudência e responsabilidade na análise crítica.

A crítica de Santos é uma crítica com argumentos extremamente problemáticos. Mais um exemplo.

“...liquidar o sistema de transportes públicos, para poder enriquecer com a posse de transportes privados, muitas vezes em mau estado e até ilegais; praticar fraude fiscal; – tudo isto e muito mais, nada disto pode ser considerado verdadeiramente corrupção”.

Alguém me poderá convecer que o problemático problema dos transportes no nosso país - e não só – a Africa do Sul, têm dos piores serviços de transportes públicos, reside na razão apresentada na passagem acima por Santos? É preciso muita falta de imaginação – melhor, é preciso muita imaginação - para achar se o governo liquidou o sistema de transportes públicos para os ministros poderem lucrar com “chapa 100”! Penso que estas duas passagens são suficientes para ilustrar o meu argumento. A medida que lia, e lia o texto de Santos mais convencido ficava de que o maior problema do nosso país é mesmo a sua massa crítica. Estamos mal, mesmo!

Viva os críticos dos críticos!











Friday, March 28, 2008

Breve retorno!

E os acontecimentos que não se manifestam?!

As vezes desejava que os acontecimentos também se zangassem, como os Moçambicanos, e fizessem manifestações violentas. É que assim eles se paralisavam, como aquelas fazem ao país. Todavia, como sabeis, os acontecimentos não fazem manifestações e como tal tivemos desde que me ausentei do blog vários dignos de referência e análise. Por exemplo, houve exonerações relâmpago de ministros, para as quais não faltaram explicações. Como habitual, especulativas e redundantes na sua essência analítica. Em cada exoneração, os nossos analístas, repetem a mesma ladainha com linguajar metafórico diferente. Chicotada “psicológica”, “vassourada”, Guebuziana e por ai em diante. Pouco nos damos a pensar no nosso sistema político de forma analíticamente criativa. Poucos se questionam, por exemplo, sobre o que significa exonerar no nosso contexto. Se dantes debatiamos a ausência de exonerações, hoje debatemos a exagero das mesmas. Os critérios para sabermos quando é que o exagero é exagero, nada! Isso é assunto para lunáticos. Não acompanhei, mas acredito que depois das exonerações discutiu-se sobre se a medida do presidente era acertada ou errada. Quando é que uma medida de Guebas é acertada ou errada, no entanto, diariam alguns, é matéria para filosofos. E assim vai o país! A mais recente das medidas Guebuzianas foi a exoneração do Ministro da defesa. Para está as teorias 4x 4 - ( só para lembrar, chamo T4x4 aquelas que explicam tudo, e cujo princípio analítico reside na matriz- só pode ser!) – a todo custo encontraram relação forçosa com o 22 de Março do ano passado. Pode até existir! Mas que relevância analítica isso têm, se não sabemos e nunca dsicutímos os críterios que regulam e/ou normatizam a acção do presidente? Tudo, que se fez, e se faz ainda é especular.

Bom, não e minha intenção fazer um rescaldo de acontecimentos que me ultrapassaram. No entanto, permitam-me mais alguns palavrinhas. Ziqo! “Maboazuda” voltou a subir e desta vez a maneira de Dog-Style (estílo de cão). As T 4x4 encontraram logo um modelo racionalizador da coisa e ziqo virou um “ismo”. sugeriu-se algures a ideia de que no país ninguém estuda sexualidade. E eu que achava que malta Emídio Gune e Sandra Manuel -, só para citar dois exemplos bem conhecidos - um mestrando e outro mestrado e com o doutoramento em curso com tema sobre a sexualidade – fossem Moçambicanos!

Houve mais acontecimentos que não se manifestaram. Aconteceram! O grande Zimbabwe. Não aquele do Monoputapa, claro! O do uncle Bob(tio Bob), está na ordem do dia. É mesmo uma questão quente. Estava há dias na cidade Brasileira de Porto-Alegre no Estado do Rio Grande do Sul e o espírito do Mugabe me perseguiu. Depois de uma caipirinha lá veio o debate sobre o Tio BOB! Regressado ao Cabo, não se fala em outra coisa é só fazer “catla” num sinal de rádio ou TV e lá está o Zimbabwe. Infelizmente, neste assunto também abunda a mesma pobreza analítica. Ninguem, melhor poucos estão a debater as eleições no Zimbabwe. A questão central - como vi num programa de TV, hoje, que supostamente reportava os preparativos das eleições – é Mugabe must go! (Mugabe deve ir). Eu também acho que Mugabe devia partir. Só não acho, como alguns analístas, que Mugabe partir perdendo é a única possibilidade de as eleições serem livres e justas. É que o critério de legitimidade das eleições passou a ser a saida de Mugabe. Se Mugabe ganha logo – necessariamente - as eleições foram fraudulentas. Este e o critério de justiça dos críticos de Mugabe! Claro, como Mugabe já está demonizado – não custa sustentar que as eleições foram fraudulentas. Na verdade é no acto da vitória de Mugabe- se assim acontecer- que elas se tornaram fradulentas. Assim como será no acto da sua derrota- se isso acontecer- que num golpe mágico se tornaram livres e justas! Enfim, imagino o que imaginam de mim por pensar assim! Na conversa que tive em Porto-Alegre disse uma coisa que repito aqui: Mugabe é um probléma sério, mas não é o problema sério do Zimbabwe!

Hoje fico por aqui. Na verdade vim apenas, de forma abrangente, pedir perdão aos meus leitores assíduos pela longa ausência sem aviso prévio. Reparei ao abrir a caixa de mensagems do meu correio eletrônico que são inúmeras as pessoas que clamam pelo meu regresso. Alguns até vaticinavam o fim do “Olhar...”. A interrupção das postagens, na verdade, deve(u)-se a minha ausência por motivos académico-profissionais.

Para semana estarei em Maputo, onde penso entre outras coisas proferir duas palestras num dos campus universitários. Em tempo útil irei anunciar os temas, data e local, aqui neste espaço.
Até breve!






Thursday, March 6, 2008

Autorealização proféctica [3]:

Lá do alto das nuvens e da brisa da filosofia do sexo dos anjos!


Uma crítica que tem sido, insistentemente, lançada para aqueles que, como eu, refletem sobre Moçambique de fora das suas fronteiras geopolíitcas – as vezes sinto-me mais dentro do país do que alguns daqueles que estão na terra firme da pátria amada – é de que estamos deslocados da realidade “verdadeira”. Não conhecemos Moçambique “real”. Subentendo que queiram dizer que não conhecemos, na realidade, os problemas do país. Nem vou entrar aqui em debates sobre o que significa realmente conhecer “realmente” um país. Se significa ter estado em todas as localidades, postos administrativos, distritos, províncias e depois na “nação”. Se significa ler todos os jornais publicos e privados. Se significa conhecer todos e cada Moçambicano. Se significa conhecer as estatisticas do INE. Se singifica conhecer os problemas dos moçambicanos? Quais? De todos? De alguns? Como e quem estabelece o que constitui problema para os moçambicanos? Enfim, o que significa conhecer Mocambique “real”? Quem me conseguir esclarecer esta dúvida prometo publicar seu texto, em primeira mão, aqui no blog!

Bom, aqueles que acham que já estou a começar a colocar em causa a existência dos problemas, melhor pararem de lêr por aqui. Com efeito, para consusbtanciar a pressumpção de que não conhecemos o país dizem que nos limitamos a fazer uma filosofia que não ajuda a resolver os problemas imediatos do “povo” que anda sedento de soluções práticas e imediatas. Soluções que não se compadessem com a vontade “imaterialista” de filosofar. Quando sugerimos que ao invés de restringir o debate de ideias sobre - as manifestações, os linchamentos, o lixo, a corrupção, a pobreza e por ai em diante - as “acusações de feitiçaria” ao governo, por que isso é limitar o âmbito analítico para compreender as questões, dizem que estamos a ser “puxa saco” do governo, que queremos ser ministeriáveis. Como alguns de nós não se vêem a regressar para o país, num futuro imediato, quem sabe estamos a lutar para ser embaixadores de Moçambique nos países que nos acolhem.

No entanto quanto mais prossegue o debate e os “pseudo-estudos” por aqueles que dizem estar no país "real” e que por isso acham conhecer os problemas “reais” do país, mais evidências dão de que o que o país mais precisa neste momento é, mesmo, discutir o sexo dos anjos. Se por sexo dos anjos quiserem se referir, por exemplo, a filosofia política que informa a relação entre o nosso Estado e a sociedade. Se por sexo dos anjos quiserem se referir aos príncipios morais, legais políticos que estabelecem a relação entre o cidadão e o Estado. Hoje, mais do que nunca, parece me que é crucial perdermos – na verdade seria ganhar – parte do nosso tempo não buscando soluções para as manifestações, a criminalidade, o lixo, os linchamentos etc, mas pensando em que medida esses fenómenos constituem problemas que precisam das soluções que lhes estamos a forncer de forma problemática. Enfim, é tempo de filosofar!

Há dias li uma postagem, no Diário de um sociólogo, que me conduziu através de um link para um outro site. O site continha a entrevista de um antropólogo, Português, Fernando Florêncio, que dirige uma equipe que está a estudar a relação entre as “autoridades tradicionais” e o Estado em alguns países africanos. Moçambique é um dos países estudados e do qual já existe uma obra publicada que leva o título: “Ao Encontro dos Mambos - Autoridades tradicionais vaNdau e Estado em Moçambique”. Leiam algumas frases que retirei do site [que infelizmente já não consigo localizar] e encontrámo-nos lá mais a baixo:

O Estado nos países africanos tende a perder protagonismo, porque não consegue corresponder aos anseios dos cidadãos, e é substituído por outros actores nas comunidades rurais, pela igreja, ONG, autoridades locais ou mesmo organizações sócio-profissionais”.

“A população olha para o Estado com desconfiança, porque não tem capacidade para levar a cabo as funções primárias exigidas. Não é um actor que seja legítimo para as populações, porque não é relevante a trazer benefícios, que tem sido da responsabilidade de actores laterais”.

“esses actores locais que substituem o Estado acabam por «transmitir a mensagem que lhes é mais conveniente», e por essa via “assumem um enorme poder, tendo a capacidade para travar ou acelerar o desenvolvimento das zonas rurais”.

“…a investigação, que termina no final do corrente ano, visa “conhecer e avaliar como determinados actores políticos tradicionais interferem na política do Estado considerando o facto de a maioria da população destes países viver em zonas rurais”.

«A grande contribuição deste estudo é a obtenção de dados empíricos sobre comunidades rurais africanas escassamente estudadas”, refere o investigador, realçando que esses actores laterais acabam por ter «um papel decisivo na construção do Estado e na sua legitimidade junto das populações».

“Com «Dinâmicas Sociais na Estruturação dos Espaços Políticos e Contextos Rurais Africanos» os investigadores pretenderam estudar quatro países que após a independência adoptaram regimes marxistas-leninistas, embora esta particularidade «não sirva de termo de comparação», porque cada um o levou à prática de forma diversa, concluiu”.

“O Estado moçambicano, à semelhança do Estado colonial, invoca as autoridades tradicionais vaNdau como veículo de penetracão, controlo da população rural, e de legitimação do próprio Estado. Processo esse que se institucionalizou em 2000. As autoridades tradicionais participam assim activamente no processo de formação do Estado distrital, que se constitui como uma arena política local, onde interagem diferentes actores. A tese desenvolvida nesta obra pretende sublinhar que as autoridades tradicionais vaNdau desempenham uma pluralidade de papeis sociais, políticos, administrativos, jurídicos, simbólicos. É nessa multidimensionalidade de papéis que se joga a legitimidade das autoridades tradicionais, face às populações que representam”.

Espero ter feito justiça ao autor do texto, em termos de não ter alterado o sentido do exposto, pois não o apresento na mesma sequência que aparecia no site. Enquanto escrevia este texto consegui localizar outro site que faz referência ao mesmo estudo das “Dinâmicas Sociais na Estruturação dos Espaços Políticos e Contextos Rurais Africanos”.

O propósito deste texto, o meu portanto, não é fazer uma resenção crítica ao estudo. O propósito é chamar atenção para duas práticas que informam o debate de ideias na nossa esfera pública. Para tal vou precisar de recorrer a algumas as frases do estudo.

A primeira prática é a que denunciei logo no início. Consiste em acusar os que tentam formular os problemas no nosso país numa perspectiva que seja pertinente para sua compreensão e possível melhor abordagem das soluções de lunáticos. A perspectiva que defendo é aquela que se distancia, como referi, da visão manietada e reducionista de que o "real, no nosso país, se reduz ao Estado (Governo), ao mesmo tempo que se recusa discutir o que é que esse Estado representa para nós. Filosofia política. Quer dizer, é uma posição que apenas vé no Estado - (provavelmente do ponto de vista Marxista, interpretado de forma problemática) -um grupo de “impostores” que administram os recursos públicos a seu belo prazer explorando aqueles que deviam se beneficiar do produto social da sociedade.

É uma posição que asssenta, fundamentalmente, na crítica da distribuição desigual do produto social, sem se questionar o que e como é produzido. Se não é produzido é emprestado, para devolver com juros, ou doado. Produzido, emprestado ou doado há problemas de distribuição. Pode até ser que haja. Mas aí teriamos que nos perguntar porque há destribuição desigual? A resposta como sabeis é a mesma. Há destribuição desigual por que quem administra esses recursos se apropria da maior porção. Há várias teóricos neomarxistas que subscreveriam este argumento e talvez com alguma - plausibilidade - razão. No entanto, aí está, a realidade não se reduz a visão marxista da realidade. A concepão Marxista de Estado, por exemplo, é bastante limitada para dar conta dos problemas que informam os aspectos constitutivos do Estado em Moçambique e da relação entre aquele e a sociedade. Uma vez mais, essas teorias e seus limites só se podem debater discutindo o sexo dos anjos. Não podemos querer impor uma leitura Marxista do Estado e depois não estarmos dispostos a debatê-la. É essa atitude de intolerância que informa os que acham que fazem bem ao país recusando o debate. É essa atitude de intolerância que faz com que se legitimem argumentos pelos fins morais que eles visam – acabar com a destribuição desigual- sem debater esses mesmo fins. Porque é que os fins têm que ser esses e não outros? Uma vez mais, não temos alternativa senão debater o sexo dos anjos.

Recusando debater o sexo dos anjos só lhes resta uma saida: acusar o Estado (governo)! Por isso todos os problemas para os quais se busca a solução, linchamentos, manifestações, criminalidade, lixo, cheias, etc passam por reponsabilizar o Estado (governo). A sociedade sumiu, não mas existe! A sociedade é perfeita, teve apenas o azar de cair nas mãos dum Estado (governo) imperfeito, impostor. O país vai mal por causa do Estado (governo) que não têm vontade política de resolver os problemas do povo. É por isso que para alguns académicos não há mais o que compreender, mas sim transformar. Por isso essa aversão a filosofia. Não devemos debater o que é que significa o Estado (governo), mas devemos criticá-lo. Debater a relação entre Estado e a sociedade é visto como uma manobra dilatória de intelectuais, comprometidos com o governo, que vivem fora do país e que estão acomodados nas torres de marfim das universidades discutindo o sexo dos anjos.

A segunda prática, na falta de melhor termo, vou designar de deslocação da “autoridade” do seu contexto de legitimação ou de enunciação. É uma ideia um pouco complicada, mas já explico. É recorrente no nosso debate de ideias alguns académicos usarem textos de autores com autoridade numa determinada área e trazê-los para um contexto distinto do seu para legitimar argumentos problemáticos. Dou um exemplo. Quando se esta a debater, por exemplo, a plausibilidade da “teoria geral manifstações” segundo a qual aquelas ocorrem em resposta a indiferença do Estado (governo) perante o crescentes níveis de desigualdade social, busca-se um médico – cuja autoridade reside no reconhecimento que tem de seus pares por ser “bom” cirurgião – para vir corroborar essa teória. Digo médico como podia dizer jornalista, Jurista ou outro profissional qualquer que tenha autoridade derivada da sua actividade.

O facto de um médico ou outro profissional qualquer reputado aparecer na imprensa a emitir sua opinião sobre fenómenos sociais com frases do tipo: “quem não olha muito profundamente para os problemas do povo é que pode ter fé que isto está bem” não valida o argumento da “teoria geral das manifestações”. O que ocorre, no mínimo, é tornar o debate mais difuso e superfluo. As ciência sociais, segundo Anthony Giddens, sociólogo Britânico, são o exercicio de "dupla hermenéutica". Quer dizer, são ciências que lidam com uma realidade que está sempre a ser interpretada pelos sujeitos. Por isso a sua interpretação pelo cientista social é sempre uma reinterpretação, uma dupla hermenéutica. Duvido que exista um único moçambicano que não tenha uma interpretação (opinião) sobre a causa das manifestações. Esse é uma primeiro nível de interpretação. O segundo nível, o da dupla hermenéutica, segundo Giddens, é aquela que cabe ao cientista social fazer. Agora digo eu: não é o senso comum que cedo ou tarde se torna conhecimento ciêntifico, pelo contrário, é o conhecimento científico que cedo ou tarde se pode tornar senso comum. Para quem é novidade, hoje, a teoria da gravidade?

O texto já vai longo, mas não prometi que fosse ser curto. Dizia, portanto, que estamos perante, a deslocação da autoridade do seu contexto de legitimação. A deslocação da autoridade pode se dar no próprio contexto de legitimação, mas fora do contexto de enunciação. Já me explico. No caso das frases que citei acima, sobre a perda de protagonismo do Estado, elas são usadas fora do contexto de enunciação. A referência a ideia da perda de protagonismo do Estado é trazida para autorizar a idea de que as manifestações do dia 5 de Fevereiro assim com a “onda” de linchamentos é corroborada pela teória da ausência do Estado. Ao fazer essa deslocação aqueles que quiserem interpelar o problemático argumento da “teória geral das manifestações e dos linchamentos” terão, primeiro, de interpelar o argumento do estudo do antropólogo Florêncio que não está aqui em causa e assenta em premissas bem distintas daquelas da “teória da geral....”. Atenção: não estou a sugerir que o argumento da perda de protaginismo do Estado para as ONGs e por ai em diante é plausível. Esse é outro debate que na verdade não esta em causa aqui repito. Uma das diferenças básicas é que o argumento da perda de protagonismo refere-se a contextos rurais. Isso também, por si, não válida o argumento. No entanto, esse aspecto é crucial para distanciá-lo do problema das manifestações e dos linchamentos que ocorre no contexto peri- suburbano.

A “teoria geral das manifestações e dos linchamentos” sugere que esses fenómenos são manifestação a ausência do Estado. Se a “população” olha-se para o Estado com disconfiança, como também é sugerido, por não lhe reconhecer capacidade para lever a cabo as funções primárias, o mais lógico seria que ninguém se chateasse justamente pelo facto do Estado, alegadamente, não cumprir com tais “obrigações” por que afinal já se sabe que nunca faz e que por existe quem as faça (em substituição) com satisfação.

Os linchamentos e as manifestações de Fevereiro para alguns teóricos (apressados) são a reacção da população a ausência do Estado. Parece existir algum paradoxo aqui. É que a Zanga do "povo" parece surgir precisamente da razão oposta. Quer dizer, espera-se do Estado para além daquilo que ele pode oferecer. O que assistimos depois do dia 5 de Fevereiro foi um Estado (governo) – provavelmente aconselhado por aqueles que dizem que está perder protagonismo - tentando correr atrás do prejuizo e reforçando as falsa expectativa de que pode fazer tudo. Voltamos sempre ao sexo dos anjos, i.é, a relação entre o Estado e a sociedade, que não queremos debater porque filosofia.

O argumento da substituição do Estado é até interessante, mas parece-me problemático, principalmente, se deslocado do contexto de enunciação. As ONGs tem uma lógica de funcionamento própria que se enquadra na maneira como os nossos países (Africanos) se tornaram vulneráveis a acções intervencionistas externas. O que as ONGs estão a tomar, provavelmente, não seja – talvez e só - o espaço do Estado, mas o espaço dos próprios actores sociais, i.é, da população! O espaço de liberdade e autonomia para resolver seus próprios problemas. Nesse sentido, as ONGs não estão, necessáriamente, a subsituir o Estado, mas ao cidadão na formulação dos seus próprios problemas.

Não é preciso muito exercício para se ter ideia do limite que é o alcance da administração Estatal no espaço territorial que é hoje Moçambique. O Estado não chega a esses locais ou fá-lo com dificuldade por causa da sua própria incapacidade congénita. Ai o desafio que se coloca a administração Estatal não é temer que seja substituido por actores paralelos. O desafio do Estado aí é político-regulatório. Que se abram igrejas, ONGs, e por aí em, diante, mas que essas sejam reguladas por princípios politico-legais que se estabeleçam na relação entre o Estado e a sociedade. Principios, esses, que só aqueles que pensam no sexos dos anjos acham pertinentes debater. Um Estado sem recursos têm saber negociar a sua própria legitmidade.

Para terminar, vejo uma postagem que contradiz todo o discurso da ausência do Estado. Desta vez temos “Mais Estado para o Estado”! O problema colocado é até pertinente. Todavia, esse problema só poderá ser debatido, com alguma utilidade, se estivermos dispostos a discutir o sexo dos anjos, quer dizer a relação entre o Estado e a sociedade. Um debate que comporta, portanto, uma certa dose de filosofia política. Não preciso de dizer que alguns dos problemas levantados aqui refletem o efeito da "autorealização profética". É tempo de filosofar!



Wednesday, March 5, 2008

A autorealização profética [2]:

“A mão invisível”: validar argumentos criticando espantalhos!
Leia o texto anterior aqui.

O espantalho é uma falácia que consiste em caricaturar a opinião oposta para que seja assim fácil de a refutar.

Enquanto alguns andam por aí em terríveis golpes de rins para mostrar que, afinal, nada se passa no país (salvo pontos de vista enfeitiçados por mãos invisíveis outros, como o Sr. J. Lacitela, acham que sim, que há coisas que se passam no país ”(C.S).

Estamos aqui perante o espantalho da “mão invisível”. O autor desta frase ao invés de debater com aqueles que realmente tem algo a dizer sobre a plausibilidade das suas teses sobre os fenómenos que estuda esquiva-se criticando espantalhos. A “mão invisível”, por exemplo, é um dos espantalhos a que se recorre frequentemente, como se a sua crítica validasse posições contrárias. A “mão invisível” surge em quase todos os debates cruciais no nosso país sobre, desflorestamento, linchamentos, corrupção, manifestações etc, quase sempre impedindo o próprio debate. O debate que realmente se devia fazer fica refém da insistente refutação do óbvio.

Se por um lado a “mão invisível” é, de facto, um recurso que alguns políticos usam para se ilibar de sua responsabilidade perante algum problema, e por isso importante de denunciar- para isso era suficiente o trabalho dos jornalistas- por outro lado ficar pela denúncia como faz o sociologismo é insuficiente, problemático e empobrece o papel que a crítica social poderia desempenhar na nossa sociedade. É insuficiente porque as posições sobre as razões, por exemplo, das manifestações do dia 5 de Fevereiro não se reduzem a visão representada pela “mão invisível” e externa [não sei como se conseguiu detectar a sua exterioridade se invisível]. Apresentar as coisas dessa maneira é induzir-nos para um falso dilema, reducionista. Reduzir as opções possíveis da explicação das manifestações a “mão-invisivel” e ao argumento da revolta como reacção a irresponsabilidade (por incapacidadeou falta de vontade política) do Estado (governo) em resolver os problemas do povo é um falso dilema dizia. Onde caberia, por exemplo, a hipótese acusatóriaque foi sugerida há dias de que os “críticos de Azagaia” ao fazê-lo estariam a incitar mais violência? Que sugestão! Qual é a forma mais explicita de incitar a violência? É criticar a fraqueza argumentativa das letras de Azagaia ou insistir na TINA?: não há outra alternativa senão a revolta porque o “povo” está cansado de sofrer?

Esta postura, no meu entender, torna-se ainda mais problemática quando o sociologismo usa o espantalho para legitimar, a sua visão do mundo, análises metodologicamente problemáticas. Limitando as opções, remete-nos a debater o supérfluo. Deixamos efectivamente de apreciar as várias explicações possíveis e até mais plausíveis, em alguns casos, para os problemas do país. Se as outras explicações não fossem plausíveis não assistiríamos a situações em que as propostas metodológicas por detrás dessas explicações fossem usadas para reduzir o enviesamento metodológico das teorias que querem dar conta de tudo.

No estudo sobre os linchamentos, por exemplo, sugerimos várias vezes que se fizesse a etnografia dos bairros para evitar homogeneizar o que só é homogéneo na sua aparência. Estudar as caracteristicas dos bairros, a sua estrutura organizacional seria um elemento crucial para perceber os mecanismos que se operam para ocorrência de linchamentos. Alguns acharam que estivessmos a desvalorizar a pesquisa quando sugerimos isso. Ainda assim, não surpreende pois que hoje se esteja a fazer a morfologia dos bairros que se consideram propensos aos linchamentos. Essa decisão metodológica “não é um raio que caiu do céu azul”. É para isso que serve o debate de ideias. Fazer e etnografia dos bairros foi uma sugestão feita por alguns de nós, mesmo que tal sugestão hoje não seja publicamente reconhecida por razões passionais. Essas mesmas razões não deixarão de revelar os níveis de integridade intelectual na nossa esfera pública e académica.

Retomando o espantalho. Não é preciso ser sociólogo para saber que o discurso de um político não é equivalente ao de um analista político. É apanágio dos políticos, em qualquer parte do mundo, produzir bodes expiatórios. Há dias assistia a uma debate, pelo canal televisivo público da Africa do Sul, SABC 3, sobre as eleições que se aproximam no vizinho Zimbabué. Um dos convidados do painel era o embaixador do Zimbabué na Africa do Sul e o segundo era o irmão do presidente da Africa do Sul, o economista e analista de relações internacionais, Moelestsi Mbeki. O embaixador do Zimbabué, como era de se esperar, passou o programa todo a imputar as responsabilidades do que se passa no seu país a “mão-externa”, desta vez visível porque britânica e americana personificada em Blair e Bush. Por falar em Blair. Li, ontem, algures que o escritor o Mia Couto questionava as razões da contínua derrapagem da economia zimbabueana e da falta de fundamento das justificativas de Mugabe que acusa Blair mesmo depois da sua saída do poder. Se a posição de Mia tiver sido bem representada, então, é argumentativamente problemática. Não é pelo facto de Blair já ter saído do poder que o efeito da sua política em relação ao Zimbabué cessa imediatamente. É só pensar na cimeora de Lisboa! É apenas uma questão de lógica. Não estou a sugerir que Mugabe tenha razão ao acusar Blair, mas pode até ter.

Voltando ao debate da SABC, o interlocutor do embaixador não perdeu sua saliva tentando refutar o óbvio, fez uma incursão sobre as análises de outros académicos sobre a situação do Zimbabué e com elas confrontou suas ideias. Já o nosso sociologismo não faz isso. Evita o debate frontal com outros académicos e passa a vida refutando, o óbvio, espantalhos. O discurso dos políticos costuma estar repleto do que o sociólogo Elísio Macamo, criativamente, designou de “falas sem consequência”. Quer dizer, um problema ligado à incapacidade de articular a fala com o que acontece em resultado da fala.

Os sociólogos podem, sim, desmascarar essas “falas sem consequência” comuns no dirscuso dos políticos e não só, mas isso não valida a explicação que poderão avançar para os fenómenos que pretendam dar conta. Existem interlocutores analiticamente mais competentes para debater o mérito de uma explicação de um fenómeno social que não sejam os políticos. Concluído, portanto, o recurso ao espantalho é mais uma característica do que designei de “autorealização profética”. A falsa definição de uma situação evocando um comportamento que faz a falsa concepção original tornar-se “verdadeira", portanto, um recurso falacioso para legitimar argumentos problemáticos sem discutí-los seriamente. Para evitar debater com os interlocutores analiticamente competentes criam-se os espantalhos não só para caricaturar o argumento adversário como para legitimar profecias. É Autorealização profética.

Tuesday, March 4, 2008

ICT's e Ensino Superior em Africa!

Um relatório sobre o estado das Tecnologias de Informação e Comunicação (ICTs) em Africa, produzindo por mim e outros colegas de países africanos, foi posto a disposição do público aqui na Africa do Sul, mas também em versão Online. O relatório faz uma revisão das politicas nacionais e internacionais em relação ao uso das ICT's para melhorar o processo de ensino e aprendizagem nas instituições de ensino superior. Áreas comuns sobre os aspectos positivos e as fraquezas com relação a aptidão para Educação Tecnologica nos países que participam da Parceria para o Ensino Superior em Africa (PHEA) são exploradas. Os referidos países são Egipto, Gana, Quenia, Madagascar, Moçambique, Nigeria, Africa do Sul, Tanzania e Uganda. O relatório sublinha os desafios para o uso das ICT’s no ensino superior nos paises da PHEA. Finalmente, são tiradas lições e exploradas possibilidades de colaboração entre os países.
Para ler o relatório clique aqui.

Numa outra pesquisa, ainda em curso, estudamos a relação entre o Ensino Superior e o Desenvolvimento Economico em seis países Africanos, entre os quais Moçambique.

A autorealização profética [1]:

o fenómeno TINA no debate de ideais em Moçambique!

Introdução


Existem explicações que só são verdadeiras porque já se criam “verdadeiras”. Na verdade, o que quero sugerir é que existem explicações para fenómenos sociais que só se validam nas condições que elas próprias criam para se validarem. Não há outra alternativa se não a sua autorealização. Já me explico. O título da série de artigos que inicio hoje vai reflectir sobre alguns exemplos desse tipo de explicações, mas também dos recursos que usa para se validar. É um título meio complicado pelos termos pouco familiares (ao público em geral) mas que procura captar a ideia central do argumento. Com explicação, espero, vai ficar claro a que me refiro com cada termo. Começo pela expressão a “auto-realização profética”. É uma tradução que faço do inglês para “Self-fulfilling prophecy”. Uso essa expressão aqui no sentido que lhe é atribuído por um grande sociólogo Americano a quem a sociologia deve muito. Trata-se de Robert King Merton, falecido em 2003. Merton produziu uma vasta e importante obra que qualquer sociólogo que se preze devia conhecer. No seu livro intitulado “Teoria e Estrutura Social”, Merton apresenta as principais características da “autorealização proféctica”. Bom, este é um detalhe menos importante para perceber o que Merton queria sugerir com essa expressão que espero estar a traduzir correctamente. Não é preciso ser sociólogo para perceber a ideia, basta se estar interessado. Os que me seguirem no raciocínio que apresentarei estarão a dar um passo para percebe-la. Não é por isso que se devem comprometer com as minhas conclusões.

A “auto realização proféticaé uma predição que, directa ou indirectamente, causa a sua própria “verdade”. É uma ideia que parece meio complicada, a primeira vista, mas no fundo é simples e inteligível. Vou tentar explicá-la colocando uma outra ordem nas palavras. É uma predição que só é verdadeira porque, directa ou indirectamente, ela própria (a predição, portanto) cria as condições para que seja verdadeira. A profecia, portanto, cria condições para sua própria realização. Os que ainda não compreenderam a ideia não precisam se preocupar, lá mais para frente virão os exemplos. Imagino que alguns se estejam a perguntar o que queria dizer Merton com tal expressão. Na verdade essa expressão nem foi inventada por Merton. O que ele fez foi aplicá-la num outro contexto. A concepção Mertoniana de “autorealização profética” deriva de um teorema que tenho citado em alguns dos meus textos segundo o qual: “se alguém define uma situação como real, essa situação será real nas suas consequências”.

Vamos supor que alguém com conta no BIM se chateia por causa da ineficiência dos serviços das caixas electrónicas ATM e resolve abordar a funcionária no balcão na tentativa de levantar o seu dinheiro. Esta, por seu turno, diz-lhe com aquela cara de poucos amigos habitual nos balconistas em Moçambique: - não há s-i-s-t-e-m-a! Aflito, porque precisava imediatamente de dinheiro, depois de murmurar alguns impropérios que a boa educação o impediu de fazer em voz alta, o cliente decide dizer à alguns conhecidos que o BIM está sem liquidez (sem dinheiro) e que por isso inventou a estória da queda do sistema, que muitos aceitam sem mesmo saber de que sistema se trata. A notícia se propaga por sms (é o que está a dar, até para convocar manifestações) e de repente todos os grandes clientes do BIM vão, em simultâneo, ao banco em busca de seu dinheiro. E aí formam-se aquelas “bichas” infinitas habituais por alturas de final do mesmo quando os trabalhadores recebem seus salários. O BIM, que afinal recuperara o sistema, vê-se a braços com uma multidão querendo levantar tudo que têm de reservas bancárias. O BIM começa a pagar, mas por causa da notícia da falta de liquidez que se espalhou– mesmo não sendo verdadeira – o valor disponível acaba por não satisfazer a procura que afinal cresceu de repente. E o BIM acaba mesmo ficando sem liquidez (sem dinheiro). Esta é uma estória. Hoje, claro, os bancos já estão mais precavidos para gerir este tipo de imprevistos que praticamente já não se verificam este tipo de episódios que eram bem comuns em tempos ídos podendo levar bancos a falência. A moral da estória, no entanto, é de que uma falsa concepção de um problema pode criar esse problema. Imaginemos a mesma situação em relação aos linchamentos. A confirmação de que se trata de um indivíduo de conduta duvidosa se confirma com o próprio acto linchador, por causa da “auto-realização profética”.


A “autorealização profética” é, portanto, a falsa definição de uma situação evocando um comportamento que faz a falsa concepção original tornar-se “verdadeira”. É evidente que este princípio de validação é problemático e perpetua um erro de raciocínio. No entanto, não é a repetição por cada vez mais pessoas de um erro, mesmo quando estas pessoas têm algum tipo de poder e prestigio que o raciocínio, por si, vai-se tornar correcto. É claro que para o profeta a repetição por cada vez mais pessoas da sua profecia é mais uma prova que convém para se assegurar da validade da sua predição. E aí entra a TINA: não há outra alternativa. A “autorealização profética” e a TINA são duas boas companheiras de cama. Mas quem é a TINA? É outra tradução que faço da língua inglesa para a expressão “There Is No Alternative”. A TINA ficou famosa no governo da DAMA de ferro Britânica: refiro-me a Margaret Thatcher. Para Thatcher, após as greves que abalaram a economia britanica entre os anos de 1989/1991, não havia outra alternativa senão implementar uma política repressiva com a fórmula neo-liberal de pôr toda sociedade sob as forças do mercado. Assim, a dama de ferro apregoava a profecia da auto-regulação do Mercado. O que é que a “autorealização profética” e a TINA tem a ver com o debate de ideias no espaço público (em particular o blogosferico) em Moçambique? A resposta é que tem a ver com a predominância de um tipo de explicações para os fenómenos sociais que assenta numa postura de “auto-realização profética” adoptada por alguns de seus mais activos intervenientes que não deixa espaço para outras alternativas de explicação. Tudo: os linhcamentos, as manifestações, o crime, a pobreza, tudo mais alguma coisa, é explicado pela mesma "fórmula geral" e racionalizadora dos fenómenos. Uma “grande téoria” que subsume toda realidade. É uma teória que no seu procedimento para se validar procura dar conta de toda a realidade, como se isso fosse possível. Faz análises em cima dos acontecimentos. Na verdade faz uma seleção construtiva ou construção selectiva de factos que os apresenta - em breaking news - como sendo o decalcar da própria realidade. Como os acontecimentos nunca fazem greve, então TINA: não há outra alternativa senão força-los ao imperativo dos nossos quadros analíticos preconcebidos. Por que é profética a teoria até consegue antecipar-se aos próprios acontecimentos. Porque informada por uma visão, pretensamente, sociológica revolucionária essa postura produz truísmos que designarei de “sociologismo revolucionário”. O sociologismo – que se faz sobre as manifestações de 5 de Fevereiro e os linchamentos em Moçambique – é auto-profético na sua realização. As suas predições só são verdadeiras porque, directa ou indirectamente, ela própria cria as condições para que sejam “verdadeiras”. Como faz isso? Nos textos que se seguem vou explorar alguns exemplos de tantos que consigo extrair dos recursos argumentativos e racionalizadores do sociologismo revolucionário. [Continua].
PS: Poderei fazer alterações ao texto!