“A mão invisível”: validar argumentos criticando espantalhos!
Leia o texto anterior aqui.
O espantalho é uma falácia que consiste em caricaturar a opinião oposta para que seja assim fácil de a refutar.
“Enquanto alguns andam por aí em terríveis golpes de rins para mostrar que, afinal, nada se passa no país (salvo pontos de vista enfeitiçados por mãos invisíveis outros, como o Sr. J. Lacitela, acham que sim, que há coisas que se passam no país ”(C.S).
Estamos aqui perante o espantalho da “mão invisível”. O autor desta frase ao invés de debater com aqueles que realmente tem algo a dizer sobre a plausibilidade das suas teses sobre os fenómenos que estuda esquiva-se criticando espantalhos. A “mão invisível”, por exemplo, é um dos espantalhos a que se recorre frequentemente, como se a sua crítica validasse posições contrárias. A “mão invisível” surge em quase todos os debates cruciais no nosso país sobre, desflorestamento, linchamentos, corrupção, manifestações etc, quase sempre impedindo o próprio debate. O debate que realmente se devia fazer fica refém da insistente refutação do óbvio.
Se por um lado a “mão invisível” é, de facto, um recurso que alguns políticos usam para se ilibar de sua responsabilidade perante algum problema, e por isso importante de denunciar- para isso era suficiente o trabalho dos jornalistas- por outro lado ficar pela denúncia como faz o sociologismo é insuficiente, problemático e empobrece o papel que a crítica social poderia desempenhar na nossa sociedade. É insuficiente porque as posições sobre as razões, por exemplo, das manifestações do dia 5 de Fevereiro não se reduzem a visão representada pela “mão invisível” e externa [não sei como se conseguiu detectar a sua exterioridade se invisível]. Apresentar as coisas dessa maneira é induzir-nos para um falso dilema, reducionista. Reduzir as opções possíveis da explicação das manifestações a “mão-invisivel” e ao argumento da revolta como reacção a irresponsabilidade (por incapacidadeou falta de vontade política) do Estado (governo) em resolver os problemas do povo é um falso dilema dizia. Onde caberia, por exemplo, a hipótese acusatóriaque foi sugerida há dias de que os “críticos de Azagaia” ao fazê-lo estariam a incitar mais violência? Que sugestão! Qual é a forma mais explicita de incitar a violência? É criticar a fraqueza argumentativa das letras de Azagaia ou insistir na TINA?: não há outra alternativa senão a revolta porque o “povo” está cansado de sofrer?
Esta postura, no meu entender, torna-se ainda mais problemática quando o sociologismo usa o espantalho para legitimar, a sua visão do mundo, análises metodologicamente problemáticas. Limitando as opções, remete-nos a debater o supérfluo. Deixamos efectivamente de apreciar as várias explicações possíveis e até mais plausíveis, em alguns casos, para os problemas do país. Se as outras explicações não fossem plausíveis não assistiríamos a situações em que as propostas metodológicas por detrás dessas explicações fossem usadas para reduzir o enviesamento metodológico das teorias que querem dar conta de tudo.
No estudo sobre os linchamentos, por exemplo, sugerimos várias vezes que se fizesse a etnografia dos bairros para evitar homogeneizar o que só é homogéneo na sua aparência. Estudar as caracteristicas dos bairros, a sua estrutura organizacional seria um elemento crucial para perceber os mecanismos que se operam para ocorrência de linchamentos. Alguns acharam que estivessmos a desvalorizar a pesquisa quando sugerimos isso. Ainda assim, não surpreende pois que hoje se esteja a fazer a morfologia dos bairros que se consideram propensos aos linchamentos. Essa decisão metodológica “não é um raio que caiu do céu azul”. É para isso que serve o debate de ideias. Fazer e etnografia dos bairros foi uma sugestão feita por alguns de nós, mesmo que tal sugestão hoje não seja publicamente reconhecida por razões passionais. Essas mesmas razões não deixarão de revelar os níveis de integridade intelectual na nossa esfera pública e académica.
Retomando o espantalho. Não é preciso ser sociólogo para saber que o discurso de um político não é equivalente ao de um analista político. É apanágio dos políticos, em qualquer parte do mundo, produzir bodes expiatórios. Há dias assistia a uma debate, pelo canal televisivo público da Africa do Sul, SABC 3, sobre as eleições que se aproximam no vizinho Zimbabué. Um dos convidados do painel era o embaixador do Zimbabué na Africa do Sul e o segundo era o irmão do presidente da Africa do Sul, o economista e analista de relações internacionais, Moelestsi Mbeki. O embaixador do Zimbabué, como era de se esperar, passou o programa todo a imputar as responsabilidades do que se passa no seu país a “mão-externa”, desta vez visível porque britânica e americana personificada em Blair e Bush. Por falar em Blair. Li, ontem, algures que o escritor o Mia Couto questionava as razões da contínua derrapagem da economia zimbabueana e da falta de fundamento das justificativas de Mugabe que acusa Blair mesmo depois da sua saída do poder. Se a posição de Mia tiver sido bem representada, então, é argumentativamente problemática. Não é pelo facto de Blair já ter saído do poder que o efeito da sua política em relação ao Zimbabué cessa imediatamente. É só pensar na cimeora de Lisboa! É apenas uma questão de lógica. Não estou a sugerir que Mugabe tenha razão ao acusar Blair, mas pode até ter.
Voltando ao debate da SABC, o interlocutor do embaixador não perdeu sua saliva tentando refutar o óbvio, fez uma incursão sobre as análises de outros académicos sobre a situação do Zimbabué e com elas confrontou suas ideias. Já o nosso sociologismo não faz isso. Evita o debate frontal com outros académicos e passa a vida refutando, o óbvio, espantalhos. O discurso dos políticos costuma estar repleto do que o sociólogo Elísio Macamo, criativamente, designou de “falas sem consequência”. Quer dizer, um problema ligado à incapacidade de articular a fala com o que acontece em resultado da fala.
Os sociólogos podem, sim, desmascarar essas “falas sem consequência” comuns no dirscuso dos políticos e não só, mas isso não valida a explicação que poderão avançar para os fenómenos que pretendam dar conta. Existem interlocutores analiticamente mais competentes para debater o mérito de uma explicação de um fenómeno social que não sejam os políticos. Concluído, portanto, o recurso ao espantalho é mais uma característica do que designei de “autorealização profética”. A falsa definição de uma situação evocando um comportamento que faz a falsa concepção original tornar-se “verdadeira", portanto, um recurso falacioso para legitimar argumentos problemáticos sem discutí-los seriamente. Para evitar debater com os interlocutores analiticamente competentes criam-se os espantalhos não só para caricaturar o argumento adversário como para legitimar profecias. É Autorealização profética.
O espantalho é uma falácia que consiste em caricaturar a opinião oposta para que seja assim fácil de a refutar.
“Enquanto alguns andam por aí em terríveis golpes de rins para mostrar que, afinal, nada se passa no país (salvo pontos de vista enfeitiçados por mãos invisíveis outros, como o Sr. J. Lacitela, acham que sim, que há coisas que se passam no país ”(C.S).
Estamos aqui perante o espantalho da “mão invisível”. O autor desta frase ao invés de debater com aqueles que realmente tem algo a dizer sobre a plausibilidade das suas teses sobre os fenómenos que estuda esquiva-se criticando espantalhos. A “mão invisível”, por exemplo, é um dos espantalhos a que se recorre frequentemente, como se a sua crítica validasse posições contrárias. A “mão invisível” surge em quase todos os debates cruciais no nosso país sobre, desflorestamento, linchamentos, corrupção, manifestações etc, quase sempre impedindo o próprio debate. O debate que realmente se devia fazer fica refém da insistente refutação do óbvio.
Se por um lado a “mão invisível” é, de facto, um recurso que alguns políticos usam para se ilibar de sua responsabilidade perante algum problema, e por isso importante de denunciar- para isso era suficiente o trabalho dos jornalistas- por outro lado ficar pela denúncia como faz o sociologismo é insuficiente, problemático e empobrece o papel que a crítica social poderia desempenhar na nossa sociedade. É insuficiente porque as posições sobre as razões, por exemplo, das manifestações do dia 5 de Fevereiro não se reduzem a visão representada pela “mão invisível” e externa [não sei como se conseguiu detectar a sua exterioridade se invisível]. Apresentar as coisas dessa maneira é induzir-nos para um falso dilema, reducionista. Reduzir as opções possíveis da explicação das manifestações a “mão-invisivel” e ao argumento da revolta como reacção a irresponsabilidade (por incapacidadeou falta de vontade política) do Estado (governo) em resolver os problemas do povo é um falso dilema dizia. Onde caberia, por exemplo, a hipótese acusatóriaque foi sugerida há dias de que os “críticos de Azagaia” ao fazê-lo estariam a incitar mais violência? Que sugestão! Qual é a forma mais explicita de incitar a violência? É criticar a fraqueza argumentativa das letras de Azagaia ou insistir na TINA?: não há outra alternativa senão a revolta porque o “povo” está cansado de sofrer?
Esta postura, no meu entender, torna-se ainda mais problemática quando o sociologismo usa o espantalho para legitimar, a sua visão do mundo, análises metodologicamente problemáticas. Limitando as opções, remete-nos a debater o supérfluo. Deixamos efectivamente de apreciar as várias explicações possíveis e até mais plausíveis, em alguns casos, para os problemas do país. Se as outras explicações não fossem plausíveis não assistiríamos a situações em que as propostas metodológicas por detrás dessas explicações fossem usadas para reduzir o enviesamento metodológico das teorias que querem dar conta de tudo.
No estudo sobre os linchamentos, por exemplo, sugerimos várias vezes que se fizesse a etnografia dos bairros para evitar homogeneizar o que só é homogéneo na sua aparência. Estudar as caracteristicas dos bairros, a sua estrutura organizacional seria um elemento crucial para perceber os mecanismos que se operam para ocorrência de linchamentos. Alguns acharam que estivessmos a desvalorizar a pesquisa quando sugerimos isso. Ainda assim, não surpreende pois que hoje se esteja a fazer a morfologia dos bairros que se consideram propensos aos linchamentos. Essa decisão metodológica “não é um raio que caiu do céu azul”. É para isso que serve o debate de ideias. Fazer e etnografia dos bairros foi uma sugestão feita por alguns de nós, mesmo que tal sugestão hoje não seja publicamente reconhecida por razões passionais. Essas mesmas razões não deixarão de revelar os níveis de integridade intelectual na nossa esfera pública e académica.
Retomando o espantalho. Não é preciso ser sociólogo para saber que o discurso de um político não é equivalente ao de um analista político. É apanágio dos políticos, em qualquer parte do mundo, produzir bodes expiatórios. Há dias assistia a uma debate, pelo canal televisivo público da Africa do Sul, SABC 3, sobre as eleições que se aproximam no vizinho Zimbabué. Um dos convidados do painel era o embaixador do Zimbabué na Africa do Sul e o segundo era o irmão do presidente da Africa do Sul, o economista e analista de relações internacionais, Moelestsi Mbeki. O embaixador do Zimbabué, como era de se esperar, passou o programa todo a imputar as responsabilidades do que se passa no seu país a “mão-externa”, desta vez visível porque britânica e americana personificada em Blair e Bush. Por falar em Blair. Li, ontem, algures que o escritor o Mia Couto questionava as razões da contínua derrapagem da economia zimbabueana e da falta de fundamento das justificativas de Mugabe que acusa Blair mesmo depois da sua saída do poder. Se a posição de Mia tiver sido bem representada, então, é argumentativamente problemática. Não é pelo facto de Blair já ter saído do poder que o efeito da sua política em relação ao Zimbabué cessa imediatamente. É só pensar na cimeora de Lisboa! É apenas uma questão de lógica. Não estou a sugerir que Mugabe tenha razão ao acusar Blair, mas pode até ter.
Voltando ao debate da SABC, o interlocutor do embaixador não perdeu sua saliva tentando refutar o óbvio, fez uma incursão sobre as análises de outros académicos sobre a situação do Zimbabué e com elas confrontou suas ideias. Já o nosso sociologismo não faz isso. Evita o debate frontal com outros académicos e passa a vida refutando, o óbvio, espantalhos. O discurso dos políticos costuma estar repleto do que o sociólogo Elísio Macamo, criativamente, designou de “falas sem consequência”. Quer dizer, um problema ligado à incapacidade de articular a fala com o que acontece em resultado da fala.
Os sociólogos podem, sim, desmascarar essas “falas sem consequência” comuns no dirscuso dos políticos e não só, mas isso não valida a explicação que poderão avançar para os fenómenos que pretendam dar conta. Existem interlocutores analiticamente mais competentes para debater o mérito de uma explicação de um fenómeno social que não sejam os políticos. Concluído, portanto, o recurso ao espantalho é mais uma característica do que designei de “autorealização profética”. A falsa definição de uma situação evocando um comportamento que faz a falsa concepção original tornar-se “verdadeira", portanto, um recurso falacioso para legitimar argumentos problemáticos sem discutí-los seriamente. Para evitar debater com os interlocutores analiticamente competentes criam-se os espantalhos não só para caricaturar o argumento adversário como para legitimar profecias. É Autorealização profética.
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