o fenómeno TINA no debate de ideais em Moçambique!
Introdução
Existem explicações que só são verdadeiras porque já se criam “verdadeiras”. Na verdade, o que quero sugerir é que existem explicações para fenómenos sociais que só se validam nas condições que elas próprias criam para se validarem. Não há outra alternativa se não a sua autorealização. Já me explico. O título da série de artigos que inicio hoje vai reflectir sobre alguns exemplos desse tipo de explicações, mas também dos recursos que usa para se validar. É um título meio complicado pelos termos pouco familiares (ao público em geral) mas que procura captar a ideia central do argumento. Com explicação, espero, vai ficar claro a que me refiro com cada termo. Começo pela expressão a “auto-realização profética”. É uma tradução que faço do inglês para “Self-fulfilling prophecy”. Uso essa expressão aqui no sentido que lhe é atribuído por um grande sociólogo Americano a quem a sociologia deve muito. Trata-se de Robert King Merton, falecido em 2003. Merton produziu uma vasta e importante obra que qualquer sociólogo que se preze devia conhecer. No seu livro intitulado “Teoria e Estrutura Social”, Merton apresenta as principais características da “autorealização proféctica”. Bom, este é um detalhe menos importante para perceber o que Merton queria sugerir com essa expressão que espero estar a traduzir correctamente. Não é preciso ser sociólogo para perceber a ideia, basta se estar interessado. Os que me seguirem no raciocínio que apresentarei estarão a dar um passo para percebe-la. Não é por isso que se devem comprometer com as minhas conclusões.
A “auto realização profética” é uma predição que, directa ou indirectamente, causa a sua própria “verdade”. É uma ideia que parece meio complicada, a primeira vista, mas no fundo é simples e inteligível. Vou tentar explicá-la colocando uma outra ordem nas palavras. É uma predição que só é verdadeira porque, directa ou indirectamente, ela própria (a predição, portanto) cria as condições para que seja verdadeira. A profecia, portanto, cria condições para sua própria realização. Os que ainda não compreenderam a ideia não precisam se preocupar, lá mais para frente virão os exemplos. Imagino que alguns se estejam a perguntar o que queria dizer Merton com tal expressão. Na verdade essa expressão nem foi inventada por Merton. O que ele fez foi aplicá-la num outro contexto. A concepção Mertoniana de “autorealização profética” deriva de um teorema que tenho citado em alguns dos meus textos segundo o qual: “se alguém define uma situação como real, essa situação será real nas suas consequências”.
Vamos supor que alguém com conta no BIM se chateia por causa da ineficiência dos serviços das caixas electrónicas ATM e resolve abordar a funcionária no balcão na tentativa de levantar o seu dinheiro. Esta, por seu turno, diz-lhe com aquela cara de poucos amigos habitual nos balconistas em Moçambique: - não há s-i-s-t-e-m-a! Aflito, porque precisava imediatamente de dinheiro, depois de murmurar alguns impropérios que a boa educação o impediu de fazer em voz alta, o cliente decide dizer à alguns conhecidos que o BIM está sem liquidez (sem dinheiro) e que por isso inventou a estória da queda do sistema, que muitos aceitam sem mesmo saber de que sistema se trata. A notícia se propaga por sms (é o que está a dar, até para convocar manifestações) e de repente todos os grandes clientes do BIM vão, em simultâneo, ao banco em busca de seu dinheiro. E aí formam-se aquelas “bichas” infinitas habituais por alturas de final do mesmo quando os trabalhadores recebem seus salários. O BIM, que afinal recuperara o sistema, vê-se a braços com uma multidão querendo levantar tudo que têm de reservas bancárias. O BIM começa a pagar, mas por causa da notícia da falta de liquidez que se espalhou– mesmo não sendo verdadeira – o valor disponível acaba por não satisfazer a procura que afinal cresceu de repente. E o BIM acaba mesmo ficando sem liquidez (sem dinheiro). Esta é uma estória. Hoje, claro, os bancos já estão mais precavidos para gerir este tipo de imprevistos que praticamente já não se verificam este tipo de episódios que eram bem comuns em tempos ídos podendo levar bancos a falência. A moral da estória, no entanto, é de que uma falsa concepção de um problema pode criar esse problema. Imaginemos a mesma situação em relação aos linchamentos. A confirmação de que se trata de um indivíduo de conduta duvidosa se confirma com o próprio acto linchador, por causa da “auto-realização profética”.
A “autorealização profética” é, portanto, a falsa definição de uma situação evocando um comportamento que faz a falsa concepção original tornar-se “verdadeira”. É evidente que este princípio de validação é problemático e perpetua um erro de raciocínio. No entanto, não é a repetição por cada vez mais pessoas de um erro, mesmo quando estas pessoas têm algum tipo de poder e prestigio que o raciocínio, por si, vai-se tornar correcto. É claro que para o profeta a repetição por cada vez mais pessoas da sua profecia é mais uma prova que convém para se assegurar da validade da sua predição. E aí entra a TINA: não há outra alternativa. A “autorealização profética” e a TINA são duas boas companheiras de cama. Mas quem é a TINA? É outra tradução que faço da língua inglesa para a expressão “There Is No Alternative”. A TINA ficou famosa no governo da DAMA de ferro Britânica: refiro-me a Margaret Thatcher. Para Thatcher, após as greves que abalaram a economia britanica entre os anos de 1989/1991, não havia outra alternativa senão implementar uma política repressiva com a fórmula neo-liberal de pôr toda sociedade sob as forças do mercado. Assim, a dama de ferro apregoava a profecia da auto-regulação do Mercado. O que é que a “autorealização profética” e a TINA tem a ver com o debate de ideias no espaço público (em particular o blogosferico) em Moçambique? A resposta é que tem a ver com a predominância de um tipo de explicações para os fenómenos sociais que assenta numa postura de “auto-realização profética” adoptada por alguns de seus mais activos intervenientes que não deixa espaço para outras alternativas de explicação. Tudo: os linhcamentos, as manifestações, o crime, a pobreza, tudo mais alguma coisa, é explicado pela mesma "fórmula geral" e racionalizadora dos fenómenos. Uma “grande téoria” que subsume toda realidade. É uma teória que no seu procedimento para se validar procura dar conta de toda a realidade, como se isso fosse possível. Faz análises em cima dos acontecimentos. Na verdade faz uma seleção construtiva ou construção selectiva de factos que os apresenta - em breaking news - como sendo o decalcar da própria realidade. Como os acontecimentos nunca fazem greve, então TINA: não há outra alternativa senão força-los ao imperativo dos nossos quadros analíticos preconcebidos. Por que é profética a teoria até consegue antecipar-se aos próprios acontecimentos. Porque informada por uma visão, pretensamente, sociológica revolucionária essa postura produz truísmos que designarei de “sociologismo revolucionário”. O sociologismo – que se faz sobre as manifestações de 5 de Fevereiro e os linchamentos em Moçambique – é auto-profético na sua realização. As suas predições só são verdadeiras porque, directa ou indirectamente, ela própria cria as condições para que sejam “verdadeiras”. Como faz isso? Nos textos que se seguem vou explorar alguns exemplos de tantos que consigo extrair dos recursos argumentativos e racionalizadores do sociologismo revolucionário. [Continua].
Introdução
Existem explicações que só são verdadeiras porque já se criam “verdadeiras”. Na verdade, o que quero sugerir é que existem explicações para fenómenos sociais que só se validam nas condições que elas próprias criam para se validarem. Não há outra alternativa se não a sua autorealização. Já me explico. O título da série de artigos que inicio hoje vai reflectir sobre alguns exemplos desse tipo de explicações, mas também dos recursos que usa para se validar. É um título meio complicado pelos termos pouco familiares (ao público em geral) mas que procura captar a ideia central do argumento. Com explicação, espero, vai ficar claro a que me refiro com cada termo. Começo pela expressão a “auto-realização profética”. É uma tradução que faço do inglês para “Self-fulfilling prophecy”. Uso essa expressão aqui no sentido que lhe é atribuído por um grande sociólogo Americano a quem a sociologia deve muito. Trata-se de Robert King Merton, falecido em 2003. Merton produziu uma vasta e importante obra que qualquer sociólogo que se preze devia conhecer. No seu livro intitulado “Teoria e Estrutura Social”, Merton apresenta as principais características da “autorealização proféctica”. Bom, este é um detalhe menos importante para perceber o que Merton queria sugerir com essa expressão que espero estar a traduzir correctamente. Não é preciso ser sociólogo para perceber a ideia, basta se estar interessado. Os que me seguirem no raciocínio que apresentarei estarão a dar um passo para percebe-la. Não é por isso que se devem comprometer com as minhas conclusões.
A “auto realização profética” é uma predição que, directa ou indirectamente, causa a sua própria “verdade”. É uma ideia que parece meio complicada, a primeira vista, mas no fundo é simples e inteligível. Vou tentar explicá-la colocando uma outra ordem nas palavras. É uma predição que só é verdadeira porque, directa ou indirectamente, ela própria (a predição, portanto) cria as condições para que seja verdadeira. A profecia, portanto, cria condições para sua própria realização. Os que ainda não compreenderam a ideia não precisam se preocupar, lá mais para frente virão os exemplos. Imagino que alguns se estejam a perguntar o que queria dizer Merton com tal expressão. Na verdade essa expressão nem foi inventada por Merton. O que ele fez foi aplicá-la num outro contexto. A concepção Mertoniana de “autorealização profética” deriva de um teorema que tenho citado em alguns dos meus textos segundo o qual: “se alguém define uma situação como real, essa situação será real nas suas consequências”.
Vamos supor que alguém com conta no BIM se chateia por causa da ineficiência dos serviços das caixas electrónicas ATM e resolve abordar a funcionária no balcão na tentativa de levantar o seu dinheiro. Esta, por seu turno, diz-lhe com aquela cara de poucos amigos habitual nos balconistas em Moçambique: - não há s-i-s-t-e-m-a! Aflito, porque precisava imediatamente de dinheiro, depois de murmurar alguns impropérios que a boa educação o impediu de fazer em voz alta, o cliente decide dizer à alguns conhecidos que o BIM está sem liquidez (sem dinheiro) e que por isso inventou a estória da queda do sistema, que muitos aceitam sem mesmo saber de que sistema se trata. A notícia se propaga por sms (é o que está a dar, até para convocar manifestações) e de repente todos os grandes clientes do BIM vão, em simultâneo, ao banco em busca de seu dinheiro. E aí formam-se aquelas “bichas” infinitas habituais por alturas de final do mesmo quando os trabalhadores recebem seus salários. O BIM, que afinal recuperara o sistema, vê-se a braços com uma multidão querendo levantar tudo que têm de reservas bancárias. O BIM começa a pagar, mas por causa da notícia da falta de liquidez que se espalhou– mesmo não sendo verdadeira – o valor disponível acaba por não satisfazer a procura que afinal cresceu de repente. E o BIM acaba mesmo ficando sem liquidez (sem dinheiro). Esta é uma estória. Hoje, claro, os bancos já estão mais precavidos para gerir este tipo de imprevistos que praticamente já não se verificam este tipo de episódios que eram bem comuns em tempos ídos podendo levar bancos a falência. A moral da estória, no entanto, é de que uma falsa concepção de um problema pode criar esse problema. Imaginemos a mesma situação em relação aos linchamentos. A confirmação de que se trata de um indivíduo de conduta duvidosa se confirma com o próprio acto linchador, por causa da “auto-realização profética”.
A “autorealização profética” é, portanto, a falsa definição de uma situação evocando um comportamento que faz a falsa concepção original tornar-se “verdadeira”. É evidente que este princípio de validação é problemático e perpetua um erro de raciocínio. No entanto, não é a repetição por cada vez mais pessoas de um erro, mesmo quando estas pessoas têm algum tipo de poder e prestigio que o raciocínio, por si, vai-se tornar correcto. É claro que para o profeta a repetição por cada vez mais pessoas da sua profecia é mais uma prova que convém para se assegurar da validade da sua predição. E aí entra a TINA: não há outra alternativa. A “autorealização profética” e a TINA são duas boas companheiras de cama. Mas quem é a TINA? É outra tradução que faço da língua inglesa para a expressão “There Is No Alternative”. A TINA ficou famosa no governo da DAMA de ferro Britânica: refiro-me a Margaret Thatcher. Para Thatcher, após as greves que abalaram a economia britanica entre os anos de 1989/1991, não havia outra alternativa senão implementar uma política repressiva com a fórmula neo-liberal de pôr toda sociedade sob as forças do mercado. Assim, a dama de ferro apregoava a profecia da auto-regulação do Mercado. O que é que a “autorealização profética” e a TINA tem a ver com o debate de ideias no espaço público (em particular o blogosferico) em Moçambique? A resposta é que tem a ver com a predominância de um tipo de explicações para os fenómenos sociais que assenta numa postura de “auto-realização profética” adoptada por alguns de seus mais activos intervenientes que não deixa espaço para outras alternativas de explicação. Tudo: os linhcamentos, as manifestações, o crime, a pobreza, tudo mais alguma coisa, é explicado pela mesma "fórmula geral" e racionalizadora dos fenómenos. Uma “grande téoria” que subsume toda realidade. É uma teória que no seu procedimento para se validar procura dar conta de toda a realidade, como se isso fosse possível. Faz análises em cima dos acontecimentos. Na verdade faz uma seleção construtiva ou construção selectiva de factos que os apresenta - em breaking news - como sendo o decalcar da própria realidade. Como os acontecimentos nunca fazem greve, então TINA: não há outra alternativa senão força-los ao imperativo dos nossos quadros analíticos preconcebidos. Por que é profética a teoria até consegue antecipar-se aos próprios acontecimentos. Porque informada por uma visão, pretensamente, sociológica revolucionária essa postura produz truísmos que designarei de “sociologismo revolucionário”. O sociologismo – que se faz sobre as manifestações de 5 de Fevereiro e os linchamentos em Moçambique – é auto-profético na sua realização. As suas predições só são verdadeiras porque, directa ou indirectamente, ela própria cria as condições para que sejam “verdadeiras”. Como faz isso? Nos textos que se seguem vou explorar alguns exemplos de tantos que consigo extrair dos recursos argumentativos e racionalizadores do sociologismo revolucionário. [Continua].
PS: Poderei fazer alterações ao texto!
No comments:
Post a Comment