Faz algum tempo que não estou a escrever para o blog. Assunto não me falta, mas o tempo é escasso principalmente para acompanhar os debates que se geram após a postagem de textos. O debate, para mim, é o que mais interessa no blog. Os textos são apenas o veículo. Ainda que não prometa regressar ao debate, tão cedo, uma razão especial faz-me regressar com este texto. Conheci a pessoa, a música e a personalidade de João Cabral. É algo que julgo ter valido a pena dedicar-lhe alguma parte do meu tempo. Por isso, partilho parte desse encontro com os meus prezados leitores.
Os rios são largos de água numa eterna viagem ao longo de canais fluviais rumo ao mar, lago ou outro rio. Na viagem, partidos da fonte, são compelidos pelas margens que lhes indicam o sentido da marcha, mas também arrastam obstáculos. Os rios se fartam, as vezes, quando as águas já não cabem no confinado leito transbordam as margens e deluviam nas ribeirinhas. A estória que estão degustando com os olhos é a de um rio cujas águas são feitas de sonhos. Sonhos sonhados, sonhos ir-realizados, sonhos material-izados, sonhos vividos, sonhos celebrados, sonhos que fazem sonhar. Sonhos de João Cabral Armando.
Os Sonhos de João Cabral (JC), como qualquer rio, tem a sua fonte. A montanha, de onde brotam as águas do Rio Cabral, chama-se Chamanculo. “Chama-nkhulo” é nossa Harlem. Harlem?Situada na cidade de Nova York, nos arredores de Manhattan, nos Estados Unidos, a região de Harlem foi um verdadeiro jazigo cultural marcado pela presença forte da comunidade afro-americana. De Harlem se extraia a imaginação e criatividade artistico-cultural do século XX que estravazava os limites da imaginação e deu origem ao chamado renascimento de harlem (Harlem Renaissance) em alusão a extraordinária produção cultural. Quem quisesse realizar o seu sonho artístico rumava à Harlem. Chamanculo foi/é, portanto, a nossa Harlem Moçambicana, o lugar que iluminou algumas das mentes mais criadoras da nossa curta história enquanto comunidade de destino, antes e depois da independência nacional. Nomes que e-levaram o nome de Moçambique a patamares que só a torrente de rios fartos de sonhos podiam fazer chegar. Eusébio Ferreira, o nosso maior futebolista de sempre; Lurdes Mutola, a mais medalhada atleta de sempre; Zé Craveirinha, nosso poeta mor. Há mais nomes, mas este texto, lembrem-se, é para falar da estória de um rio, o dos sonhos de um Jovem. Um Jovem chamanculiano cujos sonhos já inundaram Chamanculo e avançam para a conquista do mundo.
“River of Dreams” – ou rio de sonhos- é a materialização de um sonho cujos efeitos vão além do seu sonhador. Escrevo estas linhas ao som das melodias do primeiro disco compacto de JC. Escutá-lo, na sua combinação harmónica de sons, faz-nos embarcar numa viagem de sonhos. Faz-nos sonhar. Cabral largou a carreira de informático - licenciado que é pela, “maior e mais antiga”, Universidade Eduardo Mondlane - deixou familia e a bela cidade de Maputo para em Cape Town seguir o sonho de uma carreira de músico profissional. Pós-graduado, pela reputada escola de música da Universidade da Cidade do Cabo, em ‘Jazz perfomance’. Sua destreza vai para além daquilo que se pode aprender numa escola. Diga-o quem já o viu dedilhar a rítmica guitara e fazer brotar sons originais, mas dos quais se reconhecem também influências de grandes executores como George Benson, Wes Montegomery, Joe Pass, Djavan, Emílio Santiago, Nelson Faria, enfim, cito alguns apenas, mas não podia deixar de mencionar a sua fonte mais próxima, Jimmy Dludlu. Escutar rio de sonhos de Cabral é como ir a um restaurante para tomar um aperitivo e acabar servido num buffet.
Vamos então ao menu e deixemo-nos viajar nas águas calmas e rítmicas do rio de sonhos. A canoa é uma guitara rítmica, o remo o meu computador, o camandante de bordo a minha imaginação! Embarcamos assim:
1) Invocation - é o interlúdio. Um anúncio do nascimento de um bebé. Uma evocação aos ancestrais para que o acompanhem na viagem da vida cujas águas podem ser turbulentas caso o rio se farte. Um bom apreciador de música Afro-Jazz, da nossa música, com influências globais, percebe logo no “intro” que vai embarcar num viagem de sonhos rítmicos.
2) Va Jula Kutsaka (querem festejar) - faz o segundo número. A chegada de um bebé é motivo de alegria e de festa (de celebração). Ainda que as condições da vida possam ser adversas para que se celebre a nova visita anúncia a esperança e deve ser celebrada com alegria. Ninguém melhor que as crianças querem ser alegres, mas com o rio de sonhos essa possibilidade é democraticamente destribuida pelas gerações.
3) Tsepo Baya Bayo - aqui o rio aconselha às mulheres. É o terceiro número. Uma ou duas desilusões amorosa(s) podem ser o caminho para encontrar o verdadeiro príncipe encantado. Eish, precisa tanto? “We le le le leh...“Inga vona a vafana va tsimbelaka a nyangane” ...! Hummm, só escutando mesmo. Há coisas indiscritíveis, coisas que se perdem nas palavras ou palavras que se perdem nas coisas. Como posso descrever-vos os sons de um saxofone, soprado na companhia rítmica de um solo, ah e a conga tamborilando com os gritos de Xixel Langa (filha de peixe...) que deu um gostinho da sua extraordinária voz?
4) Darleny - é o quatro - número - não aquele onde nos deitamo sobre a cama para ter pesadelos quando lamentamos os amores impossíveis. Darleny é daqueles amores que apenas podemos tê-lo na imaginação ou realizá-lo platónicamente. Só aquele (“swing”) rítmo de samba que se escuta lá ao fundo para ajudar-nos a anestisiar a alma. De bónus ainda se escuta à voz, de Theo, que parece ter encarnado Steve Wonder!
5) Mama Mina - um músico que não evoca o amor a mãe ainda não está completo. Cabral fá-lo no quinto número. Mais palavras para quê? Eu escrevia estas linhas celebrando o amor que tenho pela minha!
6) La Cabralinhas - todos temos aquele bichinho, meio ‘narcisico’, escondido algures na profundeza do nosso ser. A música em si é que não tem nada de narcísica. É mesmo para levantar o mais morribundo dos seres a sacudir o esqueleto! ....Sa-pam- piri-para-bim-bam, Sa-pam- piri-para-bim-bam ! Lá vamos na sexta paragem!
7) African Soul - existe mesmo uma alma africana? Ah, filosófico! Esta música parece uma dedicatória à Thabo Mbeki, ex-presidente da África do Sul e a sua ideia de renascimento africano. Não precisamos provar à ninguém que podemos ser sábios, a “nossa maneira”! Interessante mesmo é o som do trompete de Lwanda Gogwana e a viola baixo do impecável Hélder Gonzaga. Oh, esta viagem anima, nem me apercebi que passamos à sétima paragem!
8) Lembranças 1 - Hélder Gonzaga é um grande baixista que o destino quiz que fosse da pérola do índico e o mesmo destino encarregou-se de emprestá-lo ao búzio do atlântico, onde se celebra o casamento com o índico, no Cabo. Shaggy Scheepers, pianando a gosto; Orlando Venhereque, o tenor; Tony Paco, mais um dos Pacos, e Bebe na voz, são convocados por Cabral para chorar um amor partido, ido e puffff! E como diz a gíria, africano quando sofre dança. Nada melhor que uma ‘boa’ kwasa-kwasa para o efeito analgésico.
9) Lembranças 2 - depois da tempestade vem a bonança. E aqui se celebra a persistência na luta pelas coisas boas da vida - sejam elas quais forem. Uma fusão boa “afro-salsaiana“ faz nos requebrar mesmo com o “laptop” sobre as pernas! E chegamos ao número nove.
10) Afro-Town - a décima começa com o vigor da voz de Xixel Langa (já disse, filha de peixe...., Xixel é filha do grande compositor e cantor Hortêncio Langa, também emprestada ao Cabo. Não será o Cabo a nova Harlem, desta vez africana?). ”Ta na moya wa ku swenga” anuncia um ambiente gospel, mas também um convite para celebrar a vida. O que melhor que vestir da melhor roupa de que dispomos, aprumarmo-nos e ir escutar um bom Jazz numa tarde de Domingo, seja no afro-bar ou no Gil Vicente. Buena Vista Social Club, cá no Cabo, é uma proposta quando ao fim ao cabo ao cabo regressamos.
11) John Cabs’ Hymn - quando não temos explicação para algo o último recurso, para alguns, é DEUS! Assim se justifica este número, o décimo primeiro. Um rítmo que arrebenta com a marrabenta misturada com alguma salsa. Eh we, teka ni ku nyika... matswa mazambane...!
12) Chamanculo – Cabral não se podia permitir fechar este disco sem homenagear o pedaço de terra que conserva seu cordão umbilical. O lugar onde a primeira brincadeira de “papá-mamã” aconteceu. O décimo segundo é, portanto, dedicado à Harlem, melhor Chamanculo. Destaco a grande execução do pianista.
13) Calling – onde existe amor há vida! Onde há vida há sonhos, onde há rio de sonhos há abundância de vida. É a décima terceira paragem (é) para pensar na vida!
14) Joy of life – e no décimo quarto a celebração da vida continua. Rio de sonhos é uma celebração rítmica, melódica e harmoniosamente dedicada à vida. Escutem o disco e depois digam-me se não estou certo.
15) My kwela – diz-se que não é possivel mergulhar duas vezes na água de um rio. É que aquelas estão sempre numa eterna viagem. A vida também é assim, uma viagem no tempo sem retaguardas. Cada instante é singular e precário, não se repete. Escutar rio dos sonhos é um momento singular, uma experiência intransmíssivel. Nem estas notas vos poderam proporcionar a experiência individual de sentir a música de Cabral. É isso, nesta viagem pelo rio de sonhos de Cabral não se agrada apenas ao ouvido, mas mexe-se com todos os outros sentidos até o dito “sexto...”!
16) Xidzilu Xanga – na vida ou em algum momento dela nos perguntamos se viver faz algum sentido. As tristezas que nos acometem, as dores que sentimos, podem estar por detrás desse questionamento para o qual cada um de nós busca respostas a sua maneira. Uns saem fortes e dispostos para enfrentar novos desafios, outros simplesmente desistem da vida ou a aquela deles. Em conversa com João Cabral disse-o que o disco, que acabara de escutar, mais do que revelar ambiguidade da vida e da nossa experiência existêncial, é um celebração dessa ambiguidade, pois a vida sem contradições seria morte. O album de Cabral, que acabei de vos apresentar, é dedicado, postumamente, entre outras pessoas, à sua irmã - Suzete Graciete. É da dor pela perda dessa irmã que o rio dos sonhos transbordou de um sonho e choro individual em um som e coro universal: música. Rio de sonhos é um sonho vivido, um sonho realizado um sonho por realizar, um sonho transmitido e partilhado, um sonho que faz sonhar, um sonho que da vida. Ao escutarem o rio dos sonhos de João Cabral Armando, não se inibam, deixem-se sonhar. Quando os sons ecoarem nos vossos ouvidos vivam, porque só sonha quem está vivo e só vive quem sonha.
Continuem a sonhar - Keep on dreaming! [Visite o site de JC aqui]
Patrício Langa
Cape Town, 10 April 2009
23 comments:
Uff Patricio,
Obrigado por este post tão contagiante. Conheço o Jõao Cabral aliás Jojó, foi meu explicador de matemática, na altura estudante de informática na uem.
O título escolhido para o album não podia ser melhor, ele tinha um sonho, um sonho que alimentava a sua vida, que dava sentido a ela. O Jojó guardou o diploma de informático e correu atrás, ele provou que não se podem deixar morrer os sonhos.Está de parabéns, desejo-lhe muitos sucessos e esperamos pelo cd aqui na terra.
Olá Yndongah
Ah, com que então conheces o JC?
Achei o CD lindo , com certeza uma mais valia para os amantes do MozJazz.
Abraço
Patrício meu “patrício”, excelente postagem esta, pena que a descubro hoje, mas nunca é tarde. Interessante esta coisa de nos criar simpatia por alguém que nunca ouvimos e acima de tudo, esse desejo de querer ouvir e viajar no mesmo rio, na mesma onda, no mesmo sonho.
Interessante esta de largar um diploma, uma vida, para lutar por aquilo em que acreditamos, um verdadeiro acto de coragem e quando sai um produto como este que descreves, sempre se dirá, valeu a pena....e valeu também a sua escrita fluida com enfeites das nossas acácias, com sabor a nossas coisas.
Parabens ao Cabral e a si Patricio que o aproximaste de nós, fica agora o TPC de sentar a beira de um rio qualquer que a mente pode inventar, sorvendo o wiskinho e olhando para nada, mas com certeza de que vou ouvir e perceber o Cabral.
Parabéns uma vez mais......
Oi. Macamo.
Obrigado pelos elógios que me cabem. Lavam a alma.
Quanto a música do JC, recomendo mesmo que a escutes.
Não é música preservativa ( usa-se uma vez e deita-se fora) é música para preservar.
Aquele abraço
Kanimambo pelo Post PLanga,
Pouco conheco o Cabral, vio m alguns jam session ainda com Dreads...sumiu...soube que estava em Cape Town, atraves das redes sociais (facebook) soube que estava a trabalhar duro para seu primeio disco...em maputo, o Jornal pais, assinado pelo jornalista Edmundo C., sobre qe seu disco estaria no mercado....Hoje fico feliz em saber que esta concretizado o sonho...Meus PARABENS CABRAL...depois vem a terra promover o CD, Forca ai....
PLanga foi bom trazeres este "Tsutsu" para a malta..MEU KANIMAMBO.
Pota
Esqueci de dizer que o Cabral ja esta no Maos de Mocambique...
Estimado Ouri.
É bom ver-te por aqui.
O Cabral está neste momento em Maputo tentando promover o seu album.
Vou escrevê-lo para que te procure e quem sabe te conceda uma entrevista.
Abraço.
oi patrício,
não te assustes. sou mesmo eu. ando também muito ocupado e sem ideias (hehehe). o cabral, por acaso, tocou na sexta-feira na rua d'arte. já podes imaginar. boa música e de qualidade. tenho em mim, que são artistas como ele que a mcel devia patrocinar. ainda bem que ela agora patrocina a mingas ao invés de mediocridades.
abração
Bayano, Bayano, Bayano.
Ainda bem que confirmas o que escrevo no meu texto.
O JC é mesmo bom.
Abraço
Patrício, ainda volto a ti sobre esta postagem (inspirado no RIVER OF LOST DREAMS de Jimmy Dludlu em homenagem a Moses Molelekwa, escuto os discos de Jimmy todos os dias + escapou-me o Corners of My Soul, que o Samito Nuvunga me deve de presente,hehehe). Acho que o Amosse, nosso brioso blogger das líricas (de lyrics), vai inspirar-se bastante com esta postagem. A qualquer altura ainda partilho as minhas leituras/conversas com líricas de Jimmy Dludlu e Moreira Chonguiça. Patrício, obrigado pelo post, vou já atrás do João Cabral e seu Rio de Sonhos. (I'm also a dreamer, and I see that i'm not the only one, and see that today we've joined ourserlves, and the country will be just one).
Meus caros Patrício e patrícios, imaginem vocês uma MOZAMBIQUE JAZZ ORCHESTRA que reunisse Jimmy Dludlu, o finado Gito Balói, o ex-Tananas Jorge Domingos (o nosso Carlos Santana), o Nanando, o Ivan Mazuze, a Wanda Baloi, o Jacko Maria, o Moreira Chonguiça, o Jeff Maluleke, o Caifaz, a Irinah, o Simba e o Muzila, o Alípio Cruz/Ótis, o John Hassan, a Mingas...como diz a malta juvenil: iriamos "fazer shits" ALL AROUND THE WORLD.
A tal auto-estima da moçambicanidade seria por aí elevada e não por promoções de MC Rogers e marketing de rainhas de pandzas...
Um dado: no top das 10 Mais da RDP-África, semana passada, apareciam o Paulo Flores com seu ex-Combatentes, aparecem os cabo-verdianodescendentes como BOSS AC, aparecem são-tomenses, guineenses e outros angolanos, mas Moçambicanos nada! Ou será que Portugal e a CPLP(sobretudo pela comunidade africana, cepelepiana, palopiana) não é mercado para a nossa música feita cá no País. Porque Jimmy Dludlu, Moreira Chonguiça, João Cabral não precisam de Portugal para nada, têm outras latitudes e a própria África do Sul que até se apropria (com alguma licitude, discutível, claro) deles e de suas obras como produtos da sua música.
Com aquela MOZAMBIQUE JAZZ ORCHESTRA o "Made in Mozambique" seria FOR REAL, eu cantaria com o Alipio Cruz/Ótis o seu "hino" I'M FROM MOZAMBIQUE, ao invés de apenas dzukutar e mapandzar em discotecas all over the world celebrando o exotismo/erotismo da nossa música.
Por ora, i'll just keep on dreaming, big time!
Obrigado Patrício,
Aquele abraço
Oi. Milton.
Estás a sonhar? Vieste com todas! Não, não; essa de meter os bons no mesmo “team” não dá. Lembraste do que aconteceu o “Real Madrid”, quanto pegou os melhores jogadores do mundo para montar seu “Dream Team”. Meu caro patrício Milton, MOZAMBIQUE JAZZ ORCHESTRA, não deixa de ser um sonho interessante, principalmente pelos pesadêlos que alguns mestres de cerimónia nos fazem passar. Como se diz por aí « fazer mais como se o próprio 'prubrema' estamos a viver com ele ». abraço
Patrício, lembro-me do dia em que falamos da imperatividade de as grandes empresas moçambicanas públicas e privadas apoiarem a música moçambicana. É uma vergonha que os vários Cabrais que vivem aqui neste nosso chão vivam quase na indigência quando a Mcell, a vodacom, a EDM e outras apoiam aquilo que designas por música preservativa.
Era bom que pessoas como José Mucavel, José Guimarães, Salim Muhamed, Jorge Mamad, Djakas, Cabral, Mingas, Sox, Chico António, Chidiminguane, António Marcos, Eyuphuru... fossem patrocinados pelas nossas grandes empresas, incluindo os bancos "moçambicano". O prestígio destas empresas disparava de forma inimaginável.
GM
Meu caro Patrício, isto é mesmo manifestaçao de um dreaming (eu sou um dreamlover) mas talvez produto da inquietação face ao reinado e primado da música e das organizações pandza! o MozJazzFest foi exemplo claro disso. temos nào só de nos conformarmos em escutar essa boa música nossa em nossas casas mas também protestar pra que se valorize a mesma.
Patrício, só uma achega, Eusébio e Jo'sé Craveirinha, tal como Fanny Mpfumo, são criaturas da Mafalala, creio eu que também o Daíco (o "goodfather" dos nossos guitarristas) e o João Cabaço (Mafalala Ku Tale Mati; Mamana Wako). Mas o Chamanculo tem Lurdes, tem Jimmy Dludlu, tem Mário Coluna, tem Nanando...Roubando do meu bom escriba amigo Nelson Saúte (MAPUTO BLUES, um dos meus predilectos de poesia), e inspirando-me em SOWETO BLUES (Miriam Makeba, Mama Africa), o CHAMANCULO BLUES também tem é uma marca, não sei o que é o quê se o "Nhlama-Nkhulo" ou a Mafalala a nossa Harlem ou a nossa New Orleans ou Chicago, mas é um facto que aqueles bairros emblemáticos são viveiros artistico-culturais dos nosso embondeiros. Ode a Mafala, ode ao Chamanculo!
Voltando a MOZAMBIQUE JAZZ ORCHESTRA, bem, se eu fosse agente de marketing cultural, criava-a como um momento único anual, uma espécie de ORGASMO ou OVERDOSE...e se eu estivesse nesse mercado faria um business plan e propunha à VODACOM/VODAFONE para rivalizar com a mCel...dando-nos um evento único de Jazz mais para o deleite do público e elevação da nossa música do que propriamente para efeitos de puro marketing e branding! (O colocar Lizha James no MozJazzFest, em detrimento de uma Irinah ou de um Simba, é um exemplo claríssimo e inelutável desse objectivo puramente mercadológico da mCel...)
Um dos grandes problemas dos promotores de espectáculos cá no país é que particam aquilo que eu chamo de MARKETING LESA RELAÇÕES PÚBLICAS (pôr Jimmy Dludlu no cardápio do MozJazzFest como um dos guitarristas que iam actuar, sem terem contrato com ele é não só uso indevido e não autorizado da imagem de Jimmy Dludlu como ainda burla para com o público...é promoção de mau relacionamento com o público/promessas falsas e com o próprio Jimmy Dludlu!).
Em suma, não se pode fazer MARKETING, sobretudo nesta área artístico-cultural como é a música, sem noções fortes e senso de relações públicas. Bem, acho que fui demais, deixei de me deleitar com o puro PRAZER DO RIO DE SONHOS (Roland Barthes, o prazer do texto) que nos proporcionas e fui contaminado pelo meu PATOLÓGICO DEVER DA CRÍTICA.
Aquele abraço patrício!
Caro Patrício,
A descrição que fazes sobre as músicas é resultado: (i) do que vem escrito no disco, (ii) da conversa com o Cabral; (iii) da sua imaginação ao escutar o disco; (iv) ou as três alternativas em simultâneo? Bom se for imaginação então acabas de pintar um picasso. Depois de ouvir o disco, espero que me saia um da Vinci ou um Moonet. Por acaso conheci o Cabral na UEM onde estudei e no Chamanculo, onde nasci e cresci.
Os interessados podem escutar Chamanculo e Joy of Live do João Cabral no http://www.myspace.com/joaocabralguitar . Aliás, podem escutar e conhecer muitos músicos Moçambicanos que se encontram na diáspora a estudar música ou a trabalhar na música. O Milton nomeou apenas alguns. Afinal, são tantos. Pessoalemente sou amante do jazz contemporâneo (fusion-jazz), especialmente do afro jazz. Desde 1997, que comecei a gostar deste género musical, especialmente nos momentos das leituras da faculdade ou de bate-papos entre amigos. Para mim Cape Town é a capital africana do jazz, assim como é Montreaux para Europa. Parte dos melhores de África passa(ra)m por aí. E quando falámos do jazz Sul Africano então, Eishh. Para citar alguns, Abdullah Ibrahim (Dollar Brand), os finados Sipho Gumede, Moses Khumalo e Moises Taiwa Molelekwa (os dois últimos, jovens génios), Salaelo Selota, o incontornável Zim N’gqawana, Paul Hanmer... O mérito do sul africano reside em ter conseguido domesticar o jazz; fundir o jazz à música ligeira e à música folclórica. A prova disso, é o professor Pops Mohamed, só para citar um entre tantos. Estes condimentos, faz o jazz sul africano Sui Generis. Para mim este é um dos melhores jazz do mundo. Não há como ouvires os acordes deste jazz e não dizeres: isto é nosso, é africano.
Josué J. Muchanga
Josué, que bela lição de Afro Jazz nos proporcionas!!! Eish, Roland Barthes tem razao (O PRAZER DO TEXTO)!!! Esta nossa blogosfera está a relevar muitos bons "story tellers", analistas de uma diversidade de temas e áreas. Viva a blogosfera, maningue!
Josué, você, tal como o Jorge Matine, é mesmo um chamanculiano pá, tenho inveja de ti, eu que sommerschildiano de primeira infância e alto-maense de segunda infância, de adolescência e de maioridade. Sabes Josué, para quem como eu nasceu, cresceu e viveu sempre em Maputo e na cidade de Cimento, vejo-me bastante "castrado" culturalmente, pois não bebi das raízes que muitos de vocês patrícios "born in the ghetto" e ou oriundos do País real (províncias). É notável como os que conhecem e gostam de boa música e intelectualmente mais instruidos (leituras) vêm do bairro, trazem os ecos dos becos. Mbuyangwani eu!
Aquele abraço patrício!
Milton,
Só agora me apercebi que prosseguiste com os comentários.
Concordo com as observações que fazes quanto as origens de algumas das nossas figuras legendárias. Para mim as fronteiras entre Mafalala e Chamanculo se diluem no ar e na fertilidade da imaginação. Abraço
Caro Muchanga.
Nada se cria, tudo se transforma, concordas?. O que escrevi foi fruto da leitura e audição do disco de JC. As minhas categorias de percepção artística não me permitem perceber a genialidade de Picasso.
Aquele abraço
Caro GM
Continua longo o caminho para liberdade, nas suas mais diversas dimensões.
Abraço
Aceito Patrício, em principio. A medida que o tempo passa, as evidências históricas apontam igualmente nesse sentido. Aliás, já o quimíco Lavosier tinha se pronunciado sobre este princípio. E como díria um jogador de cartas, é como barralhar e voltar a distribuir as cartas. Hum, vontade não me falta de problematizar esta questão. Sabe, tenho reservas sobre preposições universais. Para mim a universalidade da proposição é condicional [da]. Só é válida sob certos pressupostos. Contudo julgo que o debate não se mostra pertinente nem oportuno. É uma questão bicuda, daí que remeto a conversa para outras núpcias.
Abraços
Josué J. Muchanga
Caro Patrício, volto em breve com mais subsídios. E que tal reflectirmos sobre o papel de Cape Town na formação artístico-cultural e científica (pelos menos das Ciências Sociais) do homem africano. Cape Town (que nunca pisei) tem qualquer coisa de místico, parece A PREDESTINADA, assim como existem por aí A FORMOSA, a A BELICOSA, A BOÉMIA, há que escrever um Cape Town Blues...nem que seja pelo dedilhar dos nossos magos da guitarra ou pelos sopros dos nossos
Roubando novamente do meu bom escriba amigo NELSON SAÚTE, sem que para tal tenha pago os "copyrights", esses que têm a magia de transformar sentimentos em sons que reproduzem novos sentimentos e pensamentos nos que lhes ouvem, são os MESTRES DO AMOR IMPROVÁVEL. Alumiam-nos,
Se podemos pedir ao Jimmy Dludlu: "Toca guitarra mano Jimmy, até doer dedo!", eu te suplico Patrício, escreve lá um CAPE TOWN BLUES, nem que seja apologético, mas CAPE TOWN te merece esse texto.
Patrício, já tens livros publicados? Por que não condensas e coliges teus textos (com mais algum aprofundamento metodológico e de conteúdo, na mesma escola do prof. Elísio Macamo) e transformas em livros? Está na hora de te lermos com mais vagar, devagar, devagarinho...
Aquele abraço!
Caro Milton.
“Cape Town Blues” é um título sugestivo. Apesar de estar aqui faz algum tempo não sei se seria a pessoa mais indicada para o que sugeres. Não conheço boa parte da história do Jazz de Western Cape (Cabo Ocidental). O que sei é que por aqui se produz um Jazz de fazer inveja, pois esse gênero musical é tradicional aqui. A escola de música da UCT, por exemplo, apesar de dar música classíca deve a sua fama aos Jazzistas que já formou. Bom, há uma espécie de simbiose, aqui, pois alguns Jazzistas têm a autoridade que têm justamente por terem por lá passado. Mas existe o jazz popular, dos bares, dos bairros, e esse é outra estória! Há alguns músicos moçambicanos que encontraram acolhimento aqui. Muitos reconhecem a primeira vista Jimmy mas há tantos outros, os Pacos, (do Tucan Tucan), Chonguiça, Jaco Maria (paí da Wanda Baloi), a lista é longa . Talvez fosse interessante estudar a sua trajectoria e história de vida. Bom, quanto aos meus livros (por vir). Fico bastante lisonjeado e grato pela sugestão de publicar o que escrevo. Na verdade, só não publiquei textos em forma de livro por mera questão de oportunidade e, diga-se, de preguiça também. Tenho alguns artigos académicos publicados (fora do pais) em revistas de especialidade. Tenho pelo menos dois livros académicos completos (escritos). Neste momento, termino um em co-autoria com um colega Queniano. Enfim, quando chegar a oportunidade vão começar a sair.
Mais uma vez muito obrigado pelo gesto.
Aquele abraço.
Milton, sobre o Jazz (livro) : To be Continued!
Patricio, tenho andado longe da blogosfera, pois tenho me dedicado mais a escritos e leituras em casa - estou naquela fase que para muitos e'de desespero ou desesperanca, o desemprego, mas espero que passe logo. Obrigado por teres respondido ao meu repto. Aguardo pelos teus livros.
Aquele abraco
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