ESCREVI no primeiro artigo desta série que me dirijo sobretudo aos jornalistas. Estes profissionais têm uma das mais ingratas missões no nosso país. Sobre eles recai a grande responsabilidade de educar a esfera pública através da promoção duma cultura crítica e sã de debate. Ao mesmo tempo, porém, eles estão sujeitos às leis dos mercados, o que significa na prática que o motivo do lucro nunca pode ser deixado de lado. É doloroso, por exemplo, percorrer os anúncios classificados dos principais jornais do país e constatar que eles têm de publicar coisas que ofendem de forma violenta o nosso direito à razão. Acresce-se à necessidade de sobrevivência material o problema da formação dos próprios profissionais. É verdade que em termos de formação dos jornalistas houve nos últimos 25 anos grandes avanços. Não obstante, a quantidade qualitativa é ainda demasiado pequena para se fazer sentir na qualidade geral de intervenção dos profissionais do sector.
Não admira, pois, que a forma de tratar certos assuntos seja por vezes bastante nociva à saúde do debate nacional. Para além do problema ainda fortemente presente de cronistas com esquemas analíticos inflexíveis e nunca reciclados pela formação académica dirigida, temos este grande problema de repórteres que não parecem ter consciência da grande responsabilidade que a produção de informação é e, pior ainda, que não fazem ideia de como podem se servir da massa científica social – que entretanto já existe entre nós – para prestarem melhor serviço ao público. Muitos continuam a operar com esquemas de produção de informação que revelam lacunas na sua formação crítica, mais do que problemas de domínio do seu ofício.
Alguns problemas políticos bicudos que de vez em quando temos tido no país devem-se por vezes a estas insuficiências jornalísticas. A título de exemplo posso referir o problema que o líder da oposição se tornou para a esfera política, problema esse grandemente ligado à corte que lhe foi feita por alguns jornalistas com a sua insistência em apresentá-lo como grande militar. Para que ninguém me acuse de estar com inveja dos seus feitos militares acrescento desde já que o que me preocupa – e sempre me preocupou nessa questão – foi e é a nossa incapacidade analítica de colocar os seus feitos militares no contexto geral em que ocorreram, isto é tendo em conta a (fraca) qualidade do seu adversário. A insistência nisto levou a que ele, humano que é, começasse a acreditar ser detentor dessas qualidades e, por um processo longo de encadeamento, se tornasse impenetrável ao conselho de outros mais abalizados noutros assuntos.
Pesa igualmente sobre os cientistas sociais a responsabilidade de colaborar com os jornalistas no fomento duma atitude mais crítica na abordagem dos assuntos da nossa terra. O maior recurso que o cientista social tem ao seu dispor nessa tarefa não é a resposta na ponta da língua para a interpelação jornalística. O seu maior recurso é a possibilidade que tem de dizer, sem vergonha, que não sabe. Mas quando um cientista social diz não saber alguma coisa não está simplesmente a demonstrar humildade – cá entre nós: nenhum cientista social é humilde, começando por mim mesmo! Quando ele diz que não sabe não se está a render aos fenómenos. Não saber significa saber fazer o tipo de perguntas que são necessárias para que se comece a perceber um fenómeno. Não sei, por exemplo, o que está a acontecer na “Quisse Mavota”. Sei, contudo, que preciso de perguntar se a queda das alunas pode ser descrita como desmaio; sei que preciso de saber mais sobre o perfil individual de cada uma das alunas com esses assomos; preciso de saber que elementos são fundamentais para ter uma ideia clara do fenómeno que as pessoas querem saber.
Ganhar o hábito de colocar este tipo de perguntas bem como encorajar outros a ganharem esse hábito é fazer jornalismo responsável e de qualidade. Precisamos de encorajar a atitude crítica na nossa sociedade. Essa atitude passa, sobretudo, por incutir no maior número possível de pessoas a ideia de que é menos grave não perceber uma coisa do que percebê-la mal. Quem cultiva o sentido crítico pode viver à vontade sabendo que não tem explicação para um fenómeno. Quem se recusa a cultivar esse sentido crítico precisa do conforto das explicações e torna-se, por via disso, bastante vulnerável a charlatães.