Estou a iniciar esta reflexão, sobre o ensino técnico-vocaional e o papel das universidades, de forma, bastante, exitante. Não sei se terei vagar para levá-la ao fim que
almejo. Primeiro, porque esse
fim ainda não está bem claro para mim mesmo. Segundo, porque não sei se terei tempo suficiente para acompanhar o debate que, eventualmente, a série poderá suscitar nos meus habituais leitores e comentadores. No entanto, o assunto já me vem incomodando faz algum tempo. As notícias que tenho lido na imprensa só me dão vontade de deixar de fazer tudo o resto e concetrar-me neste assunto. (In)felizmente, não me posso dar ao luxo de ser ‘
bloguista profissional’ – a tempo inteiro. Hoje recebi e li duas notícias que me fizerem decidir iniciar a publicação dos textos. A primeira notícia é de que ontem a Televisão de Moçambique (TVM) passou um debate sobre o ensino técnico-vocacional. Não sei quem foram os painelistas convidados e nem que argumentos expuseram e/ou defenderam. A pessoa que me falou do debate apenas disse-me que foi-‘
quente’- interessante. Pela iniciativa de trazer o assunto para o debate público a TVM está de parabéns. A segunda
Notícia é daquelas que já não me surpreende vindo de quem vem. Trata-se de um acordo entre o Ministério da Defesa Nacional (MDN) e a '
nossa primeira e mais antiga...' Universidade Eduardo Mondlane (UEM) para formar mancebos na unidade que a última instituição criou lá para a província de Inhambane (Vilankulo) onde pretende
(de)-(in)-formar desenvolvimentistas rurais. No discurso de praxe os responsáveis pelas duas instiutuições, MDN e UEM, reiteraram o esforço e dedicação das suas instituições no
combate a 'dita-cuja!' (Já imaginam de que estou estoua falar?).
Assim, ao decidir prosseguir, estou a lançar me numa aventura para a qual já ouve aviso de possível ‘
mau’ tempo à navegação. O que
almejo, com esta reflexão, é questionar alguns pressupostos por detrás do, aparente,
res-surgimento da ‘
obcessão’ pelo ensino técnico e vocacional no nosso país. Pretendo, portanto, sugerir que as origens dessa, aparente, ‘
obcessão’ ou pelo menos o seu
res-surgimento não é um ‘
raio caído do céu azul’. Existe um
apóstolo da ilusão – que vou apresentar no próximo texto – de que o ensino técnico-vocacional é a varinha mágica para erradicar a
dita-cuja (Já descobriram?). O
apóstolo da ilusão não só têm a ilusão de que é possível acabar com a pobreza – escreveu até um livro com esse título – como conseguiu empurrar essa idea para o centro das prioridades e da agenda das Nações Unidas (NU) de Kofi Annan, ex- secretário geral – inventando a estória dos
Objectivos do Desenvovilmento do Milénio (ODM), para os quais mesmo acelerando o passo até atingir a velocidade da luz iremos alcançar. O mesmo também consegui
mobilizar fundos (gosta da força desta expressão) para materializar o seu sonho imaterializável. É daí que surge
o bolo (
o fundo mobilizado) para investir no ensino técnico-vocacional nos nossos países e toda a retórica que ouvimos, miméticamente, reproduzida pelos nossos políticos:
acabar com a....eh, eh, eh!
Por outras palavras, a preocupação do Ministro da Educação e Cultura, Aires Ali, com o '
saber prático'- para não dizer ciências 'práticas' não é por acaso. Os seus ataques as ciências sociais, naquilo que um dos seus assessores considerou representarem um
padrão “distorcido” de formação de quadros nas nossas instituições de ensino superior por se registar maior ingresso e graduações nas ciências sociais também não é por acaso. Os discursos presidenciais, que enfatizam a necessidade de a nossas universidades formarem “
combatentes da pobreza absoluta” têm no meu entender a mesma origem. O ‘
vanguardismo’ dos Reitores das universidades – em particular o da Universidade Eduardo Mondlane – na tentativa de tornar os cursos mais relevantes para o
combate a pobreza absoluta (pronto, já sabem quem é a dita-cuja) tem igualmente a mesma orígem. Alguém imagina onde é que o Ministério da Educação foi buscar “tanto” dinheiro para abrir as politécnicas, reabilitar os institutos tecnico-médios e a própria UEM para andar a espalhar
escolas pelo país adentro? Alías, essa é uma tendência, vertiginosa, que perpassa quase todos os países
condenados, a todo custo, a –
erradicar a ‘dita-cuja’ – a acelerar o passo para o tão almejado desenvolvimento. De onde será que vem esta ‘
nova’ preocupação com o ensino técnico-vocacional? Quais são as implicações que isso está a trazer para as instituições de ensino superior no nosso país? Uma delas, e que irei explorar em próximos textos, é que estamos a ser
pagos para não pensar. Ao longo destes textos vou tentar produzir uma espécie de teória –
de conspiração – para fazer sentido destas questões.
Acabo de ler a notícia que fez manchete do
Jornal Médiafax edição de 07 de Maio 2008 e que diz o seguinte:“
currículos africanos estão desajustados”. O título procura expressar a constatação do Secretário Executivo da Associação para o Desenvovimento da Educação (ADEA),
Mamadou Ndoye, segundo a qual os modelos curriculares implementados em África não correspondem nem respondem as preocupações do continente hoje. Para
Ndoye, sendo nossa preocupação primórdial
combater a pobreza absoluta no continente, devia-se incentivar cursos ligados a esse fim, o que na sua opinião não está acontecer.
Ndoye não é o único que - por achar que
o combate a pobreza absoluta deve (reparem no sentido normativo) constituir uma prióridade dos países africanos - o ensino, a todos os níveis, mas em particular o superior
deve - submeter-se aos desígnios desse desiderato político. Faltou dizer que
Ndoye falava por ocasião de VIII Bienal da ADEA que teve lugar em Maputo recentemente. Na sessão de abertura, o presidente da República, havia feito tónica principal do seu discurso a necessidade de se investir no ensino técnico-vocacional para que os graduados tenham maiores oportunidades de emprego e por essa via possam contribuir para o
combate a dita-cuja!
A minha preocupação nesta série não é saír em defesa das ciências sociais. A minha preocupação, também, não é disputar a relevância do ensino técnico-vocacional no nosso país. A minha questão é saber até que ponto a relevância do ensino técnico-vocacional, assim como o papel do ensino superior no geral e das universidades em particular, se justifica pela razão que lhe é, políticamente, atribuida de
combater a pobreza absoluta? Por outras palavras, o país podeia procurar razões mais plausíveis e acima de tudo
internas para justificar o
res-surgimento da preocupação com o ensino técnico-vocacional que não sejam, necessária e imperiosamente, o
combate a dita-cuja! A ideia e a convicção de que se
combate a pobreza absoluta através do ensino técnico-vocacional e de uma universidade cujo propósito primordial é esse mesmo desiderato político não é nossa. Nós ainda não formulamos o problema que fará do ensino técnico-vocacional e de uma universidade orientada para os saberes práticos a solução. Penso que a reflexão sobre o ‘
des-ajustamento’, e/ou ‘
distorção’ da formação de quadros, dos curricula e da missão das instituições de ensino técnico-vocacional assim como das universidades fária mais sentido se escapasse desse
bode expiátório que consiste na falsa - e distractiva - dicotomia entre ‘
saberes práticos’ e ‘
saberes-não práticos’, ciências '
práticas' e ciências (sociais) '
não-práticas' e se concentrasse numa questão, quanto a mim, fundamental a saber:
Que conhecimento é mais valioso para o cidadão de hoje em Moçambique, África e no mundo? Na verdade está não é uma pergunta nova, no entanto, as suas respostas estão longe de ser simples, e não equivocadas. O título que atribuí a série sugere que o próprio conhecimento está ausente da equação no debate. Andamos a perder tempo a debater competências técnicas que podem ser adquiridas mesmo sem ir a universidade. Se conseguir demonstrar isso, então, o meu desiderato com esta reflexão será o de sair em defesa do ‘
retorno’ do conhecimento!