Friday, November 14, 2008

E se África fosse os Estados Unidos de Obama?

A opinião de Mia Couto, sobre qualquer assunto, não é qualquer opinião. É uma opinião consagrada. É consagrada por dimanação duma autoridade merecida como, pelo menos para mim, um dos maiores escritores Africanos. É, portanto, uma opinião respeitada mesmo antes de se lhe extrair a primeira crítica. Essa condição da opinião de Mia torna qualquer outro opinante, principalmente um ilustre desconhecido como eu, suspeito nas suas intenções ao interpelar Mia. Falo por experiência própria. A primeira vez que o interpelei foi em 2005 com um texto intitulado “ Os alienados do Mia”. Nesse texto divergia sobre algumas concepções, de identidade de “raiz”, apresentadas pelo nosso romancista Mor. Os acólitos incondicionais de Mia caíram-me por cima. Disseram-me que Mia nunca podia estar enganado no seu raciocínio. Perguntaram-me quem eu era para questionar Mia. Afinal, Mia é Mia. Foi o próprio Mia, na sua humildade característica e honestidade intelectual, que saiu publicamente em minha defesa distanciando-se dos acólitos incondicionais. Fê-lo numa edição do Savana que infelizmente nunca a pude ler, mas não me faltaram repórteres. Aí, também, reside a grandeza de Mia. De seu altar, mais do que merecido de consagrado escritor, se mostra de espírito aberto ao debate crítico de suas próprias ideias, de sua opinião, aceitando a diferença de pensamento. Existe algum indicador da grandeza de um intelectual acima desta atitude? Acho que não. Mia aí também é um exemplo a seguir. É, portanto, com a mesma abertura de espírito para o debate crítico de ideias que volto a interpelar Mia.

Num texto muito bem escrito, como não podia deixar de ser, vindo de quem vem, publicado na edição de 14 de Novembro de 2008 do semanário Savana, Mia faz uma reflexão em torno da seguinte questão: E se Obama fosse africano? Como se pode depreender pelo título trata-se de uma asserção condicional interrogativa. Obama não é africano. Ainda que exista a possibilidade de que o seja por adopção de nacionalidade em qualquer um dos países africanos cuja lei o permita. A pergunta de Mia é portanto uma pergunta retórica. É uma pergunta para introduzir um raciocínio analógico. A analogia consiste na comparação das possibilidades que Obama teria de ser eleito presidente, como o foi nos Estados Unidos, caso fosse candidato em um dos países africanos. É neste aspecto da análise de Mia, a comparação dessa possibilidade, que pretendo discordar do nosso escritor.

Permitam-me resumir o argumento de Mia para que me possam acompanhar e talvez perceber o meu ponto de discórdia com a comparação que nos é proposta na análise. Espero que o faça com justiça. A ideia central do texto de Mia é de que se Obama fosse candidato as eleições num dos países africanos não teria as possibilidades que o permitiram tornar-se presidente eleito dos Estados Unidos no dia 4 de Novembro de 2008. As premissas que sustentam esta conclusão, ainda que hipotética e condicional, são retiradas de uma série de exemplos que pretendem demonstrar, com raras excepções, todo tipo de entraves que impenderiam o sucesso de um Obama africano. Pois bem, são precisamente essas condições que fazem da África, África e dos Estados Unidos, Estados Unidos. No entanto essas condições não se auto explicam. São precisamente as condições que precisam ser explicadas. Sei que ainda não fui suficientemente claro.

Mia está a comprar as condições de possibilidade de eleição de um candidato com o perfil de Obama nos Estados Unidos, um país, com África. Na verdade aqui também devia ser com os países africanos individualmente. Ian Khama, filho do primeiro presidente do Botswana, Seretse Khama, têm as mesmas características fenótipicas de Obama, e é presidente daquele país. Bom, dir-me-ão que Botswana é a suíça africana, a excepção. Não preciso falar sequer de Fradique de Menezes em São Tomé e Príncipe e dir-me-ão logo que é terra de “mulatos”, ainda que a maioria seja considerada negra.

A comparação de Mia assenta na ideia de que o que foi possível nos EUA não seria possível em muitos países africanos. Não seria possível em muitos países africanos por, fundamentalmente, seis razões: 1) os equivalentes de George Bush em África mudariam a constituição para se perpetuarem no poder, impedindo assim a possibilidade de qualquer Obama. Mia, perfila exemplos como o Gabão de Omar Bongo, A Líbia de Muammar Khadafi, o Zimbabué de Robert Mugabe, Angola de José Eduardo dos Santos, para citar alguns presidentes há mais de 20 anos no poder. 2) Os equivalentes do partido democrata de Obama, na oposição, em África não teriam espaço para fazer campanha e expor seu programa alternativo de governação. O Zimbabué surge como o exemplo paradigmático 3) Em África as elites no poder imporiam leis restritivas a candidatura de cidadãos considerados não originários, ao contrário dos EUA onde bastaria ter nascido em solo das terras do tio SAM. Desta vez o exemplo vem da Zâmbia onde o primeiro presidente Kenneth Kaunda se viu impedido de fazer política por lhe terem identificado origem Malawiana. 4) A cor da pele de Obama também seria motivo de impedimento da sua candidatura em África, mas uma vez por culpa das elites que usariam do mesmo argumento da autenticidade para o impedir de se candidatar. 5) A questão moral da homo-sexualidade, para qual Obama tomou uma posição liberal, seria também um entrave a sua candidatura africana. 6) E, finalmente, na eventualidade do Obama africano ganhar as eleições, caso fosse deixado concorrer com todos os inconvenientes até aqui apresentados, se mesmo assim concorresse e ganhasse depois teria que se sentar a mesa de negociações para discutir um GUN (Governo de Unidade Nacional) para partilha do poder com os derrotados. Não me vou referir aqui as excepções apresentadas por Mia. Os seis pontos fazem a regra do campo político em África na visão de Mia.

É precisamente aí onde a “porca torce o rabo”. Podemos comparar o campo político africano (eu preferia dizer de países africanos), que tornaria impossível um Obama, com aquele dos Estados Unidos, que possibilita Obamas? Mia fê-lo, então, é possível. Mas os termos de comparação são os mais adequados? Aí começam as surgir as minhas dúvidas. Antes porém, deixem-me dizer, claramente, que Mia está certo na descrição fenomenológica que faz do campo e do jogo político africano. Todos aqueles exemplos que inviabilizariam a candidatura, com sucesso, do Obama africano não são mera fantasia. O processo político africano é actualmente marcado por essas vicissitudes.

O que o argumento de Mia não nos permite entender é o por quê de as coisas serem assim. Na verdade Mia até nos dá uma dica, nomeadamente a de que estamos reféns da manipulação de políticos e elites políticas “corruptas, desmesuradamente ambiciosas, gananciosas”, eu acrescentaria, que tiram partido da desordem criada intencional e instrumentalmente. São estas elites que minam todo um contexto institucional que propiciaria a possibilidade de Obamas africanos, na óptica de Mia. Será? Esta é uma análise útil para percebermos, por exemplo, como são possíveis esses políticos ou essas elites politicas? O que torna possível os Mugabes? O que as torna possíveis em África e impossíveis nos EUA? São mesmo impossíveis nos EUA? Se Bush tivesse possibilidade de ser Mugabe e se perpetuar no poder nos EUA não o faria? O que faz Bush, na altura de ceder o poder, ser diferente de Mugabe? Alguns apressadamente dir-me-ão que a democracia americana funciona. Sim, aceito. Mas o que a faz funcionar? E o que faz a africana não funcionar? Oh, os políticos e as elites políticas africanas! É redundante.

São estas repostas que a analogia, apressada, de Mia não nos permitem ultrapassar. A Analogia vare para baixo do tapete as condições estruturadas, estruturais e estruturantes da acção dos políticos e das instituições democráticas que se desenvolveram historicamente nos EUA para permitir que hoje Obama seja possível. Alexis de Tocqueville, um pensador político e historiador Francês do século XIX, foi um dos que tentou dar conta dessas condições estruturais. Em dois volumes tentou perceber como é possível a democracia na América. Porque é que aquelas coisas que parecem dar errado noutros contextos, são possíveis na América? A eleição de Obama podia ser uma dessas excepções da democracia na América. Tocqueville, nas suas análises conclui que as democracias têm tendência de degenerarem em “despotismos moderados” ou na “tirania da maioria”. O que impedia isso de ocorrer nos EUA era a influência forte da religião. A religião protestante nos EUA influenciou a maneira como se faz política pela sua separação do poder governamental, o que todos os partidos políticos acordaram. Essa relação de separação do Estado com a religião concorreu para uma cultura política distinta da que por exemplo se vivia na França. Enfim, este é apenas um exemplo de uma explicação a partir das condições estruturais e estruturantes neste caso da relação entre política e religião. O mesmo raciocínio seria válido para pensar a impossibilidade de um Obama africano.

Essas condições histórico-sociológicas foram negligenciadas no argumento de Mia e fazem da sua analogia um exercício problemático. Mia está assim a comparar alhos com bugalhos. Quer dizer, para que a analogia de Mia fosse logicamente válida teria de haver equivalência entre os termos do que se está a comparar num aspecto relevante dessa comparação. As analogias têm uma forma de enunciação própria que segue o modelo: (A) está para (B) assim como (C) está para (D). Referem-se a semelhança entre duas coisas, mas não a sua igualdade. Os EUA não precisariam ser iguais a África, e nem teriam como. No entanto, as condições que estruturam o campo politico e condicionam a acção dos políticos é fundamental para a comparação que Mia pretendeu fazer. Uma analogia não é valida se o que estiver a ser comparado não for semelhante nalgum aspecto relevante.

No caso do texto de Mia que aspecto relevante torna a comparação válida? As elites politicas? Os políticos? África? As leis? A democracia? Podemos admitir que essas são entidades que existem em ambos os casos. Mas, o mais importante do ponto de vista analítico seria perceber como se produziram, como se estruturam e como condicionam a acção dos actores sociais envolvidos nesses espaços políticos. Existe alguma diferença fundamental entre o político africano e o americano? Se existe, em que consiste essa diferença? Quanto a mim, essa diferença, se existe reside no contexto institucional em que eles actuam, não na sua condição “genética” de político africano. Mia parece essencialisar o comportamento dos políticos e das “elites politicas africanas”. E ao fazê-lo deshistoricisa o comportamento dos políticos naturalizando-os. É como se o político africano fosse por natureza ditador, corrupto, ganancioso e por aí em diante e o Americano o inverso. E mais, há um aspecto interessante e até contraditório no argumento. Ao mesmo tempo que eles são assim, com raras excepções, também se tornam assim quando deixam de fazer parte do povo.

O povo, africano, para Mia é imaculado. Apenas aqueles poucos que ascendem cargos políticos é que sofrem uma mutação genética no poder. De novo a questão seria porque? Mas aí já estaríamos a entrar num círculo vicioso, pois a resposta seria são corruptos porque tem o poder e têm o poder porque são corruptos. Enfim Mia está na verdade a comparar 300 anos de constituição de instituições democráticas com duas décadas. A ideia de elites predadoras também precisa de alguma ponderação. Esse é um defeito de raciocínio que, infelizmente, está generalizado inclusive entre académicos de grande craveira. Quem lê o livro, bastante aplaudido no Ocidente, de Patrick Chabal e Jean Pascal Daloz, “Africa Works: Disorder as a political Instrument”, vai encontrar o lado académico desse mesmo argumento. No mesmo dia da vitória de Obama, diz Mia em seu texto, “África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmensurada de políticos gananciosos (onde é que não os há?). “Depois de terem morto a democracia estão matando a política, resta a guerra em alguns casos”. “Outros, a desistência e o cinismo”. Estes exemplos de Mia fazem a base empírica do argumento de Chabal e Daloz. Perguntem aos americanos quantas guerras antecederam a sua democracia secular, quantas pilhagens houve até desenvolverem instituições credíveis (e mesmo assim caíram na maior crise corrupta do sistema bancário); quantos políticos desonestos se descobrem hoje na terra do tio SAM; quantos corruptos são denunciados e tantos outros escapam; perguntem aos americanos como se lida com os lobbyistas. Aí veremos que o problema não reside apenas na condição genética de político africano. Não estou a sugerir com isto que a África tenha que passar pela mesma trilha. Estou simplesmente a sugerir que África devia ser analisada por seus próprios termos. Não existe nenhuma possibilidade de se pensar num Obama africano, assim como é absurdo pensar-se, ainda que se faça, numa África que são os EUA.

17 comments:

Anonymous said...

Caro Patricio!
Confesso que sou tambem um "alienado de P. Langa". A maneira como domesticas o seu pensamento é algo de invejar. Tambem sou um fa de Mia, declarado no cartório. Elisio Macamo (quem tambem ja fui ao cartório e me declarar seu fa) disse numa das suas obras que quando alguem concorda com tudo que dizes ou é parva, ou esta a se preparar para te apunhalar. Nesta brilhante analise mostras nao ser nem parvo e nem ter forcas para apunhalar um mosquito sequer. Nao tenho o habito de comprar jornal(nao estou falando do habito de ler!!!) mas ontem quando sai a rua decidi que ia comprar o jornal da semana (Zambeze) mas acabei me rendendo ao Savana (por causa do comentario de Mia, é claro).
"A opinião de Mia Couto, sobre qualquer assunto, não é qualquer opinião", concordo. Ha certos individuos cujas ideias tornam-se instituicoes, Mia é um deles. Se os
"acólitos incondicionais" tornassem-se "acólitos criticos e autocriticos talvez as coisas seriam diferentes, ha quem possa dizer que nem acólitos seriam.
As colocaçoes de Mia sao, na apreciacao de mais um "ilustre pé descalço"(eu), muito essencialista. Talvez o essencialismo seja o calcanhar de Mia. Um dos principais instrumentos da sociologia, e nao só, é o método (E.Macamo e C. Serra teem insistido muito nesta tecla). A ausencia de um metodo claro é que faz confundir alho com bagalho, olhem que nao estou a qurerer defender um imperialismo sociologico, toda ciencia guia-se por algum metodo. Assim evitamos atirar na camera escura, como tem dito o professor J.C. Colaço.
Para fingir nao ser parvo e nem estar a me preparar para te apunhalar, acho que o facto de a democracia americana ter 300 anos e as "africanas" apenas 20 nao seja um facto, em si, que impeça uma possivel comparaçao. 300-20=280.
280 sera sempre a diferenca da idade da "nossas" democracias com a estadunudense, assim nunca seria possivel comparar.


Do geito, nostalgico, que os docentes falam da UFICS faz com que nós da FLCS fiquemos com ciumes. Um grande abraco.

Patricio Langa said...

Cara(o) Mukwazi.
Obrigado pelo seu interessante comentário. Ainda bem que já descobriu que se alienou a mim também. É o primeiro passo para recuperar seu sentido crítico. Na verdade o seu comentário mostra que não é meu “acólito incondicional” e provavelmente de nenhum dos outros que menciona. Eu próprio, não tenho remorso algum em admitir que sou grande admirador de Mia Couto, de Elísio Macamo e do lado sociológico (apenas desse) de Carlos Serra. No entanto, essa admiração não pode ir até ao ponto do acólitismo incondicional. Isso não ajudaria em nada aos próprios admirados. O Elísio esta correcto quando diz que daqueles que concordam connosco incondicionalmente não aprendemos nada. Essas pessoas não alargam nossos horizontes, pelo contrário, estreitam-no.

Não acho que o essencialismo seja o calcanhar de Aquiles de Mia, muito menos que seja apanágio da sociologia denunciá-lo. A trajectória intelectual de Mia é marcada pela preocupação em desnudar essencialismos, culturais e biológicos. A sociologia têm vários adeptos do essencialismo e mesmo assim não deixa de ser sociologia. O problema não é ser essencialista, é pensar essencialmente. Mia definitivamente é dos melhores exemplos de quem não pensa essencialmente, pois está aberto ao debate crítico de suas próprias ideias.

Mukwazi tem razão na critica que me faz em relação a comparação dos 300 anos da democracia Americana com os pouco menos de 20 das africanas. Não há nada, que impossibilite essa comparação. No entanto, o que eu quis sugerir, e talvez não tenha sido claro, é o que está por detrás dos números 300 e 20. Existe uma história de construção de instituições democráticas bem distintas e que deviam ser tomadas em consideração na altura de comparar Bush com Mugabe, por exemplo.
Finalmente, eu também falo com nostalgia da UFICS. Considero-me um produto “orgulhosamente UFICSIANO”. A UFICS foi um genuíno laboratório de pensamento crítico e é muita pena que tenha sido abortado. No entanto isso não deve tirar as esperanças dos FLCSIANOS de se tornaram na digna sucessora da UFICS.
Abraço.

Nelson said...

Profundo sir. Roubei-te o texto para o meu mundo.

Patricio Langa said...

Caro Nelson.
Obrigado, aquele abraço.

jpt said...

Acho que o texto de Mia Couto tem características de diálogo com uma euforia não reflectida que se generalizou [ex: a um colega amigo que me enviou um email uma série de fotos engrandecedoras de Obama [e muito típicas do imperialismo cultural americano, já agora] tive que lhe responder perguntando-lhe se alguma vez o tinha eu incomodado com as minhas opções político-partidárias. Como diziam os brasileiros, as pessoas "não se enxergam", interromperam a análise].

O texto do Mia será heurístico, por assim dizer: o que legitima a discussão crítica que tu encetas; mas também relativiza um pouco a crítica que lhe fazes. rincipalmente ao filiá-lo (ou irmaná-lo) no texto de Daloz e Chabal.

Uma pequena nota: "Perguntem aos americanos quantas guerras antecederam a sua democracia secular ...". Em termos de Estado norte-americano apenas uma: a da independência, portanto a fundadora da democracia local.

Um comentário a propósito de Obama e do texto do Mia: apesar de Botswana (o caso sociológico, não tanto a "mulatagem" mas a estrutura social, de STP é bem diferente) é interessante questionar a importância do fenotipo nas classificações "políticas" nos países africanos, em particular em Moçambique. Lembro-me de na então UFICS assistir a um seminário de um professor estrangeiro provocando a audiência sobre a categoria "racial" de Colin Powell (negro nos EUA, mulato aqui [e muito claro, com tudo o que o preconceito de elite e popular o faria subalternizar eticamente a "mamba"]). Já agora, e ainda que lateral ao teu texto, provoca-me o esgar triste tanto discurso anti-republicano (velha atitude anti-EUA) por motivos obamescos, esquecendo Lincoln, Powell e Rice. Como disse acima, Obama provocou a interrupção de análise. Dizia um amigo meu moçambicano no dia seguinte Às eleições: "daqui a seis meses vão começar a dizer que ele é mulato". Respondi-lhe eu: "seis meses?!"

jpt said...

comentário acima foi escrito por mim, que costumo aparecer como jpt [noutra conta de email, desculpa a confusõa]

Patricio Langa said...

Caro JPT.
Obrigado pelo comentário.
É daqueles comentários que me deixa pouco espaço para comentar. Concordo que o texto tenha surgido num contexto de euforia pela vitória de Obama. É um texto jornalístico, para um público amplo, e provavelmente Mia tenha querido aproveitar a ocasião para nos chamar atenção para o que ocorre no nosso próprio continente. Aceito tudo isso. No entanto, o núcleo central da sua argumentação, que eu entendo como sendo os “politícos” ou as “elites politicas” como sendo o princípio e o fim dos nossos problemas, pareceu-me problemático. Quanto aos reparos que fazes, só te posso agradecer.
Abraço

Patricio Langa said...

Caro JPT,
Visite este site: http://www.usahistory.com/wars/
Abraço

Elísio Macamo said...

patrício, excelente texto este que acabas de publicar. acho que o mia couto vai gostar de ler isto, pois tu honras o seu pensamento e aceitas de forma educada e crítica entrar na reflexão que ele propõe. gosto, especialmente, da tua insistência nos termos de análise e no cuidado que devemos ter com as comparações. e isso não é para tornarmos a áfrica imune a críticas, mas sim para termos medida no que criticamos. excelente o teu reparo de que muitas respostas que pensamos dar são circulares. essa tem sido também a minha insistência no debate das coisas do nosso país. não é que não existam todos os males que são apontados, mas a questão é sempre de saber como abordá-los de forma útil. o mia couto tem o privilégio de ser alguém que é ouvido e, nesse sentido, ele está de parabéns por levantar este tipo de discussões. ficaremos a dever mais ainda a ele se ele encorajar este tipo de interpelação crítica e não ser como alguns conceituados da praça que ficam simplesmente amuados. o debate de ideias é isto mesmo. parabéns aos dois!
caro jpt, a guerra da independência não foi a única. houve várias guerras contra os índios, contra os espanhois, franceses e, também importante, grandes batalhas entre agricultores e criadores de gado, e entre estes e caminhos de ferro e, mais tarde, companhias de petróleo. os eua fundaram a sua democracia na violência e essa violência nunca terminou. ganhou outro carácter, mas continua. de si, jpt, li o melhor texto sobre obama nestes horríveis meses em que fomos massacrados por esta propaganda americana. refiro-me ao texto em que insistia na ideia de que os europeus tinham o direito de reclamar obama para si. o que me incomoda nas análises que temos lido por aí é saber o que diriam se obama tivesse perdido. racismo? estupidez americana? e estas são pessoas que têm um instinto anti-americano bastante apurado. acho, pessoalmente, que powell e rice foram muito mais significativos do que obama.

Patricio Langa said...

Caro Elísio.
Obrigado pelo comentário. Como concordo não me vou alongar no meu comentário. Vou apenas enfatizar a atitude de abertura de Mia para o debate. É uma atitude didáctica até para quem o interpela. A nossa esfera pública tem uma relação muito problemática com a crítica. Ela é vista como uma afronta pessoal ou como um exercício de desqualificação e não como um convite para o debate. Mia interpreta a crítica no verdaderio sentido que a crítica representa. E isso só pode fazer bem para a nossa incipiente cultura de debate.
Abraço

jpt said...

1. Insisto no sublinhar da pertinência deste teu texto, tal como Macamo diz. E também pelo facto de Mia Couto ser um cultor do debate cívico. Insisto, e nisso concordamos - como vejo no teu último comentário -, que o contexto do texto também interessa: e ele é um texto "de jornal" e "de ocasião", questão que me parece importante quando o associas a um complicado texto de reclamação académica (daloz e chabal).

2. Agradeço aos dois as refereências ao historial guerreiro americano. Mas insisto: comentei a formulação - "Perguntem aos americanos quantas guerras antecederam a sua democracia secular" e disse "em termos de Estado americano só uma, a de independência". Não é uma questão de purismo historiográfico. Mas é uma constatação que abre portas para muitas questões - laterais ao assunto do post, claro, mas que interessam: o conteúdo da "questão colonial" na América (e que se lá está resolvida não o está em países de processos similares, com particular relevo no tão extrovertido "pós-colonial" Brasil, sobre o qual neste assunto recordo um interessantissimo texto de Geffray numa velha lusotopie. O país colonizado sem colonos, perguntava ele); mas acima de tudo levanta a questão da ideia de pureza que damos à "democracia" (e concomitantemente, questiona o implícito de PLanga, que terão sido necessárias inúmeras guerras para a formulação de um sistema democrático). Esta é o sistema desde a origem nos EUA (foi ali uma revolução fundacional, quase um mito originário) mas isso assentou antes [previamente ao Estado americano, ainda que com as nuances do seu processo de transição para nação "pós-colonial" [passe o horroroso termo] e depois em processos de repressão, agressão, colonialismo e genocídio interno, bem como de lutas externas. Não estou a fazer críticas anacrónicas (aliás daqui não respingam laivos de anti-americanismo). Apenas constato que o regime democrático, que defendo, não é historicamente uma virgem cÂndida (e não terá que o ser hoje em dia nos termos actuais) e que se reforçou nessa prática militar.

3. sublinho ainda um ponto teu. Até pelas implicações de leitura da obra literária de Mia Couto: "O povo, africano, para Mia é imaculado." Concordo. E é um traço recorrente na literatura (E no pensamento intelectual e até das ciências sociais) moçambicano. Há uma projecção de uma pureza popular, com efeitos na conceptualização do que é a tradição, a ruralidade, a "moçambicanidade" e seus antónimos que, pelo menos para um europeu, parece muito oitocentista. Muito típico da "construção da nação" de então, mas também húmus desse pensamento que tu queres denunciar, da "mitificaçaõ" por oposição da malevolência urbana, moderna (no caso, "políitica"). É uma escorregadela evolucionista, de laivos de puritanismo cristão, mas acima de tudo assente no estatuto burguês (estrato/classe social; urbano). Que consagra o deficit popular (africano) - menor humanidade pois menor maldade, acho.

4. Comprei esta semana a Newsweek (normalmente só a leio quando viajo de avião e a oferecem). Pela capa - as primeiras eleições globais, dizia. E é isso mesmo - e nisso concordo com a linha de EM. Obama é interessante por razões simbólicas, claro (e pelo que demonstra das transformações da sociedade americana. Demonstra. Provocará decerto, mas só lá está porque as houve) [e claro, afastando o fundamentalismo cristão do poder, o que teria acontecido com vários outros candidatos]. Mas a "euforização" posterior só obscurece. Principalmente quando vemos as colunas anti-"globalização" caírem no extremo globalizado, obamizando-se.

Sob o ponto de vista das relações "raciais" internas aos EUA estou com EM: na maior potência mundial, num país tão militarizado, pragmática, cultural e ideologicamente [isto do maior exército do mundo ser voluntário imprime muito filme, como se sabe e notamos nas estações públicas e privadas televisivas] é muito significativa a ascensão de Powell e Rice. Obama é um corolário. Carismático, claro.

Finalmente, não sei se está no youtube, mas será interessante regressar ao evento. A cerimónia dos Oscares (aparelho ideológico da sociedade?, como se diria há umas décadas) que consagrou a "afro-americanidade" (aparelho ideológico da sociedade por via de falsos conceitos antropológicos?): denzel washington, a muito agradável Halle Berry (que me agrada ideologicamente), o oscar de carreira para sidney poitier, tudo apresentado pela chata Whopi Goldberg. De súbito, incorrecto fenotipo, um oscar de carreira para Robert Redford (ícone dos meus tempos, até do cinema crítico de então). Atente-se nas "bocas" pejorativas da Goldbert: "lá no meu bairro gostávamos muito dele", qualquer coisa assim. Lembro-me bem de assistir à cerimónia (em diferido, estava a observar o momento político, não sigo oscares) e do meu triste espanto diante daquilo - em época que nem sonhava com um tal de obama.

Este, e para além da saída da extrema-direita cristocêntrica do poder, é a questão que mais me interessa seguir. "Agora é o nosso tempo" ou "agora é o nosso tempo"? Qual o conteúdo do "nosso"? Não nos EUA, que é processo que já vem sendo. Mas nos efeitos "globais" do festival terminado.

desculpa o longo comentário
cumprimentos
jpt

Patricio Langa said...

Caro JPT.
Obrigado pela insistência. Longo, mas pertinente o teu comentário. Não me vou rerferir aos vários pontos que levantas e bem. Vou cingir-me a dois aspectos apenas.
1) “ele é um texto "de jornal" e "de ocasião" “questão que me parece importante quando o associas a um complicado texto de reclamação académica (daloz e chabal).”
Permita-me uma pequena correção. No meu texto coloco, talvez não de forma suficientemente clara, o texto de Mia e o de Daloz e Chabal em patamares distintos. Não estou a dizer que Mia devia ter feito um raciocínio académico para o Jornal, pelo contrário, estou a dizer que o tipo de raciocínio ou melhor o argumento é comum até em académicos de craveira. Há diferença nisto, ainda que minuciosa. Refiro-me aqui a ideia de olhar para os políticos ou para as elites políticas africanas de uma maneira funcionalista e até essencialista. Cumprem a sua função instrumental da desordem por um lado, por outro, existe um ultraracionalismo na sua acção, sendo aqueles bastante calculistas na relação que estabelecem entre meios (corrpução, desordem programada e utilitarista) e fim (perpectuar-se no poder) para manter o status quo . Esta maneira de pensar desvaloriza o contexto institutional em que as pessoas agem e os condiciona de alguma maneira.
2) Normamente dizemos que a democracia Moçambicana teve seu início em 1994 com as primeiras beleições gerais multipartidárias. Para a Renamo deve ter iniciado com a sua rebelião, sendo 1994 apenas a data oficial. Os Sul-africanos idem. 232 anos representam a contagem a partir de 1776 nos EUA. Essa data, no entanto, para parafrasear marx, não é “um raio caído do céu azul”. O site que lhe enviei começa a contar guerras a partir de 1637 veja este que se refere as guerras pós 1775/6 http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_United_States_military_history_events.


Abraço.

Bayano Valy said...

caros,
o debate está quente e interessante. é bom que se olhe para os contextos e as condições estruturantes. uma das primeiras coisas era o mia olhar para a constituição moçambicana e compará-la à americana. o que veria? tinha que depois olhar para o nosso sistema político por ai para fazer a comparação. tens razão patrício: os termos de comparação não são os mais apropriados.

Anonymous said...

Caro Patricio Langa

Parabéns ao Mia Couto e Patrício Langa pelo debate aberto. Obrigado patricio por me ter alertado para ver o teu cometário ao texto do Mia. Infelizmente após a sua leitura não correspondeu aquela espectativa que criaste em mim ao telefone “vais gramar” Não acredito que efectivamente o Mia Couto, que reconhecidamente o é, tenha tido inteção deliberada de fazer uma comparação analógica dos factos como parece ser nos teus extratos do texto dele. Eu não li com rigor analítico o texto do Mia, exactamente por estar no jornal, mas pareceu-me uma simples forma de “chorar” a nossa realidade apreciando a realidade dos Americanos. Quem nos dera ser Americanos! Teriamos Obamas, não seriam “proibidos” estatutariamente de concorrer, ficariam somente 4 ou 8 anos no poder sem alterar a constituição...e por ai fora, sem querer analogicamente comparar as duas situações pois, como muito bem dizes e o Bayano Valy testemunha, os termos de comparação não são os mais apropriados. Acredito que o Mia também concorda com esta posição.
A Graça Machel disse a RTP-Africa que a primeira manifestação de Mandela foi de que ninguem é proibido de sonhar. Deixe o Mia sonhar com uma Africa politica e democraticamente Americanizada ontem pois, hoje já é tarde e estamos a sofrer na pele. Sabes muito bem que sou teu fa declarado, e não sou de Mia Couto como és, embora gosto de ler o que ele escreve. Aliás este, é um outro debate que eu deveria abrir comigo mesmo, se devo comparar-te com Mia Couto ou não. Porque tomando o teu argumento dos termos de comparação vocés são incomparáveis pelas mesmas razões históricas e estruturais que sublinhas.
Um abraco. Jaime Langa

Anonymous said...

Caro P. Langa, parece que isto esta cada vez mais interessante. Conversava com um amigo de Salvador, Bahia, no msn menssager ontem quando direpente mergulhamos num dos temas do momento, OBAMA é claro!, eis que ele me diz que tem um texto muito interressante sobre o assunto e escrito por um africano. Era o texto de Mia sobre o qual fazes um debate interessante aqui. Realmente, a opiniao de Mia nao é uma opiniao qualquer (nao estou querendo dizer que é um dogma, se bem que alguns o tomam como tal). Sobre o essencialismo baseio-me na visao que Mia trouxe neste texto, nos 7sapatos sujos e na carta aberta a Bush. Nao me vou alongar re-analisarei minha posicao e voltarei mais tarde.
Um grande abraco a todos.

Koluki said...

Ola',

Acabo de descobrir este post atraves do Voices Without Votes no GVO.
Interessante que, tendo escrito o meu post despois deste e sem o ter visto ate' agora, quase tem o mesmo titulo...

Anonymous said...

Mia Couto, o Grande Mia, não centrou a questão na raça. O que ele fala é da democracia e da forma de a exercer (os Atenienses morreriam de vergonha) nos dois lados do Atlântico. Essa é a questão fulcral. o resto de que falam é, para Ele, marginal. A trilogia branco-preto-amarelo está gasta. Aliás sou daltónico e contra as desiguldades. Se a cor me interessasse optaria pelo vermelho, não por questões políticas mas por febre clubística.
E, já agora, não transformem os comentários em teses académicas, e se o querem fazer, espero maior moderação no volume escrito e originalidade, e não decalques de outras teses como é apanágio em meio académico. Estas hiperboles linguísticas remetem-me para a minha infância e entristecem-me. Nessa altura, brancos, muito pobres e marginalizados, eu e os meus amigos tinhamos uma brincadeira que poderá chocar alguns. A virilidade era medida pelo comprimento do jacto urinário. Hoje molho os sapatos...