NOS últimos seis meses a situação do crime violento, assaltos a bancos e assassinatos de cidadãos e polícias agravou-se no nosso país, com maior incidência nas cidades de Maputo e Matola. Custódio Pinto, comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), na sua primeira aparição ao público, explicou ontem, em entrevista ao “Niotícias” que é preciso entender que estamos perante o crime organizado. Os seus membros fazem tudo ao seu alcance para se infiltrarem nos vários órgãos de soberania para melhor fazer passar as suas intenções. A par disso, para aqueles que atravessam o seu caminho, o objectivo tem sido de os silenciar para apagar provas, assim como para afectar a moral dos membros da Polícia. E é o que está acontecer. Por outro lado, o recrudescimento do crime tem a ver, segundo Custódio Pinto, com o desenvolvimento, pois, muitas vezes, traz outros desafios. Quando ontem a preocupação era o telefone celular, hoje não o é mais. O televisor foi em tempo algo de valor e, passado algum tempo, deixou de o ser. A cada dia os criminosos procuram coisas de maior valor, como dinheiro, isto porque têm ambição de conseguir mais e melhor. Esta situação deve-se ao desenvolvimento e outros aspectos conjunturais. “Com a circulação livre de cidadãos, tanto dentro como fora do país, isso leva que algumas situações venham de fora. Porém, a Polícia está a fazer tudo ao seu alcance para estancar o crime, razão pela qual não se pode dizer que a operatividade terá baixado. Pelo contrário, as medidas que estão a ser tomadas a médio e longo prazos se farão sentir”, sublinhou o comandante-geral da PRM, na entrevista cujos extractos mais significativos passamos a transcrever em seguida. Maputo, Terça-Feira, 28 de Agosto de 2007:: Notícias.
OBS:Como me parece que o Notícias não tem um arquivo on-line das edições anteriores resolvi postar a entrevista completa de modo a que fique acessível nos próximos dias. Vou sublinhar as passagens que achei “interessantes” nas respostas do comandante. A intenção é chamar atenção para a plausibilidade do argumento e não de influenciar a vossa própria leitura.
Uma nota prévia, no entanto, vai para as fracas perguntas do jornalista que perde assim uma boa oportunidade de explorar mais informação e a formulação, do comandante, do problema da criminalidade. Perguntas inpertinentes/irrelevantes do tipo [Nunca se mostrou desanimado com o que está a acontecer?] Mesmo que eu fosse o comandante, um pacato sociólogo, a resposta seria em tom bravo: - Claro, não me deixo intimidar por bandidos!]. Vai ver que ele só volta piar daqui a 12 meses? [Que mensagem de esperança é que deixa....]; é isso mesmo que interessava ao jornalista saber? Porque não o perguntou, por exemplo, porque anda silencioso quando pelas funções que exerce devia por obrigação falar ao povo? Enfim, leiam a entrevista na integra e depois discutamos.
NOT - Nunca se mostrou desanimado com o que está a acontecer?
CP - Nunca. Mas devo dizer que sempre estamos sujeitos a influências externas com objectivo de nos fazer desacreditar, mas a nossa tarefa é avançarmos cada vez mais até cumprirmos o nosso objectivo.
NOT - Que mensagem de esperança pode deixar para os moçambicanos, uma vez que é muito raro ouvi-lo a falar?
CP - Estamos a trabalhar. A nossa Polícia devolverá a tranquilidade necessária ao cidadão, sobretudo na cidade e província do Maputo. Há medidas que estão a ser tomadas. Gostaríamos também que por parte do cidadão recebêssemos algum apoio que não é necessariamente material, mas sim moral, encorajando a Polícia. A corporação que veio do povo, jurou servi-lo com ou sem dificuldades. Precisamos de carinho, porque muitas vezes não encontramos isso.
NOT - Uma das razões de fraca credibilidade da Polícia é o baixo índice de apresentação de resultados operativos, sobretudo dos casos de crimes violentos e assaltos a bancos. A Polícia diz que está quase a apresentar dados e não os faz. Qual é o ponto de situação das gangues de assaltos a bancos?
CP – Temos nas nossas celas vários indivíduos indiciados e tudo nos leva a crer que participaram nalguns assaltos. Continuamos a trabalhar, o que nos tem dado alguma luz para chegarmos a outros elementos dos grupos. É um trabalho complexo, mas é nossa tarefa reunir mais provas sobre a participação deles. Neste momento decorre um trabalho que vai, de certa maneira, levar-nos ao encalço de todos os que têm estado a participar nos assaltos. Por enquanto não podemos falar de números, mas o grupo integra ainda indivíduos que participaram em muitos outros assaltos, como roubo de viaturas. Os que se encontram detidos são suficientes para nos indicarem com quem participam nos assaltos aos bancos.
NOT - De certo modo confirma-se que Agostinho Chaúque está por detrás de parte dos assaltos? O que sabe a Polícia sobre este homem?
CP - Esse é um trabalho ainda em investigação. Não é oportuno falar disso.
NOT - Já se fez algum estudo aprofundado para se saber quem são, na verdade, os criminosos, os seus líderes? Para saber se são antigos militares, polícias ou cidadãos estrangeiros, maioritariamente sul-africanos, como se diz por aí?
CP - Do estudo feito não há nada que nos possa levar a dizer que há militares por detrás destes problemas. No entanto, sabemos que muitos moçambicanos aprenderam a trabalhar com armas de fogo. A guerra levou a que muitos moçambicanos, mesmo que não fossem militares ou polícias, aprendessem a trabalhar com armas de fogo, uns porque foram milicianos, outros porque fizeram parte das forças locais. Pelo que dizer que são ex-militares por detrás destes crimes violentos, não é verdade. Há muita gente que sabe trabalhar com armamento. Quanto à participação estrangeira, ainda não identificamos nenhuma, embora tenhamos informações sobre quadrilhas que actuam no país e que têm ligações com bandos que actuam nos países vizinhos, como Zimbabwe, África do Sul, Zâmbia, entre outros.
NÃO HÁ RECUO
Maputo, Terça-Feira, 28 de Agosto de 2007:: Notícias
NOT - Senhor comandante, diz-se que nalgum momento houve um recuo nas estratégias definidas para determinadas acções. Cita-se o exemplo de se ter recuado no projecto de colocação de graduados da ACIPOL nas chamadas esquadras-modelo, mesmo depois de devidamente nomeados. Que razões estiveram por detrás de tal decisão?
CP - Não é verdade. Os jovens graduados estão a ser colocados nas esquadras, postos policiais e nos distritos. Com eles trabalham os antigos para passar o testemunho e experiência, embora alguns não tenham formação superior, mas o que viveram profissionalmente conta muito.
NOT - Nos últimos tempos faz-se muita menção a esquadrões de morte na Polícia. Eles existem ou não?
CP - As execuções sumárias não são tarefa da Polícia. Existem casos de má actuação da Polícia, de agentes que não observam as normas estabelecidas, não se trata de ordens de algum comando instituído. Infelizmente, tem acontecido que na tentativa de neutralizar algum criminoso que esteja em fuga, ocorrem falhas que, sendo humanas, resultam em acidentes. Falhas são falhas e nalgum momento elas devem ser admitidas. O excesso de zelo muitas vezes leva-nos a situações desagradáveis. Portanto, não existem orientações do Comando-Geral para acabar com a vida de alguém, pelo contrário, pautamos pelo respeito aos direitos humanos.
NOT – Que ideais tem em relação ao futuro da corporação? Que dificuldades está a encontrar para as materializar?
CP - Continuar a trabalhar para devolver a tranquilidade nas urbes mais assoladas. Não existem dificuldades de implementação dos planos, apenas precisamos da colaboração de todos para que isso se concretize.
NOT - Fala-se de bandidos que ao mesmo tempo eram informadores da Polícia, indivíduos que, com a nova organização estratégica operacional terão ficado de fora, acabando por se transformar em criminosos com a vantagem de conhecer o “modus operandi” da Polícia. Até que ponto é que este raciocínio é correcto?
CP - Ainda não chegamos a essa conclusão. Os nomes que nós temos tido não nos levam a essa conclusão. Pode ser, mas devemos entender o fenómeno do crime no global. O seu combate não pode ser visto apenas como responsabilidade exclusiva da Polícia. O seu combate começa em casa, com a educação dos nossos filhos, continua na escola, no bairro, com participação activa de todos com vista a eliminar os males dentro da sociedade. É verdade que nós trabalhamos quando temos informação, buscámo-la, mas se ela vier de pessoas que sofrem e que vivem o problema, podemos alcançar os resultados desejados. O que tem acontecido é que os criminosos estão em casa, nos bairros, são conhecidos, mas infelizmente não são denunciados. Quando nós começamos a segui-los surgem levantamentos com movimento de direitos humanos e outros que até são necessários na nossa sociedade.
NOT - Por tudo que se tem falado sobre o seu trabalho, que o senhor comandante não tem musculatura suficiente para aguentar com os desafios que se impõem, entre outras coisas, alguma vez chegou a equacionar a hipótese de abandonar o cargo?
CP - É difícil comentar aquilo que os outros dizem. Não sei o que é que eles querem dizer e se cada vez que eu saio devo convidar jornalistas para me acompanharem. Não sei se cada actividade que eu faço deve ser reportada. Não sei realmente o que é que querem dizer com comentários dessa natureza. No entanto, não é aparecendo nos jornais que o problema da criminalidade se vai resolver. É o trabalho em execução e ele tem que ter resultados que não são imediatos. É preciso acreditar na Polícia por que está a trabalhar.
CRITIQUEM, MAS NÃO OFENDAM
Maputo, Terça-Feira, 28 de Agosto de 2007:: Notícias
NOT – O senhor comandante está a desvalorizar as críticas que lhe são lançadas, sobretudo pela comunicação social?
CP - Não estou a desvalorizar. Há muita coisa boa que tem sido revelada. Há muitas opiniões positivas e que até têm servido para as nossas análises. O que pode ser negativo é atingir as pessoas. Sinto que as pessoas, sobretudo os jornalistas não devem fazer espectáculo com as incursões dos criminosos. Quando o futebolista é aplaudido ele joga melhor. Isto é o que se tem dado a entender nalguns trabalhos jornalísticos. Reportam-se crimes de forma espectacular, o que em nada contribui para o seu combate, antes pelo contrário, desencorajam a força e anima os malfeitores. Há casos positivos por parte da comunicação social que muitas vezes relata factos e acontecimentos de situações sobre as quais não nos tenhamos apercebido.
NOT – Senhor comandante, não entende que, sendo o chefe máximo da Polícia, nalgum momento deve aparecer e dizer algo que tranquilize as pessoas?
CP - Tenho porta-vozes que o fazem da melhor maneira. Eles dizem aquilo que eu mando. Não podemos pôr o crime como a questão do dia. Temos que ser patriotas. Isso leva a que os que querem vir a Moçambique recuem,[Não resisto mais a não comentar: coitadinhos de nós que somos daqui.] porque da maneira como se fala algumas pessoas voltam do aeroporto, pensando que se desembarcam no solo moçambicano serão assaltados ou mortos. Na verdade chegam aqui e andam, aliás, como nós próprios o fazemos. A comunicação social deve jogar um papel positivo. Primeiro para desencorajar o crime, segundo, para educar a nossa população no sentido de participar no seu combate.
NOT – O facto de ser militar não o leva a ser considerado um “estranho” no meio dos generais e oficiais da Polícia?
CP - Não sei por que é que isso tenha de ser referenciado sempre, principalmente na comunicação social. O facto de eu ser militar não diz nada. Para além de que eu estou numa instituição paramilitar e não militar. Os companheiros que estão na Polícia são militares também, e muitos outros que compõem ou que foram fundadores da PRM. Temos e falamos a mesma linguagem, fomos formados da mesma maneira, temos o mesmo sentido patriótico. Portanto, isso é o que se pensa lá fora. Estamos num ambiente de camaradas e temos uma tarefa a cumprir. Nunca me senti fora do meu ambiente.
NOT – E qual tem sido o ambiente de relacionamento com o seu “vice” e outros quadros?
CP – Tem sido bom. Trabalhamos em sintonia, porque o nosso objectivo é criar uma equipa coesa.
NOT – Também se diz que o senhor comandante não tem exercido o seu poder, que costuma esperar que seja o Ministro do Interior a decidir. Até que ponto isso é verdade?
CP - Isso também é falso. Para além de que nas nossas reuniões operativas ele não participa.
NOT - Não acha que o seu trabalho está a ser sabotado por determinados círculos dentro da corporação, isto a avaliar pelo que está a acontecer?
CP - Nunca senti qualquer ambiente de sabotagem. Temos estado a trabalhar embora haja dificuldades, que chegam a afectar aquilo que é o resultado que perseguimos.
HÉLIO FILIMONE