O lado moral da questão
Impostos são o grande motor da história. Reinos, impérios, regimes e sistemas erigiram-se, mantiveram-se e caíram graças a, ou por culpa de impostos. O imposto foi sempre uma manifestação de poder. É por isso que se chama imposto. De livre vontade ninguém ia contribuir para o bem-estar colectivo. Curiosamente, apesar de imposto o imposto está, parcialmente, na origem de formas representativas de governo. É só ver o caso americano. A que se deveu a guerra de independência? Aos impostos! Foi porque os colonos diziam que não podiam pagar impostos sem o direito de representação (no tax without representation) que eles se insurgiram contra a corôa britânica. Isto é, o poder que exige o pagamento de um imposto compromete-se com o contribuinte. Se não quer ficar arbitrário, despótico e rapinoso tem que dar ao contribuinte alguma coisa em troca. O imposto é o princípio essencial da democracia representativa, creio.
Mas o assunto é complicado e tem estado na base de toda uma discussão filosófica sem fim. Há quem ache que imposto é roubo oficial. No fundo, até porque é. Sempre foi. É só pensar em toda a história europeia. A aristocracia sempre exigiu pagamento de todo o tipo de impostos para satisfazer os seus caprichos. Há famílias aristocráticas na Europa que enriqueceram à custa, por exemplo, da venda de seus próprios súbditos para exércitos estrangeiros. Muitos dos que andaram pelas guerras coloniais nas nossas Áfricas não eram servidores leais das suas nações. Eram obrigações fiscais que enchiam os bolsos dos seus “donos”. Não admira a ideia de Marx e Engels de acabar com a propriedade privada para acabar com todos os impostos. Ao proporem isto no seu Manifesto Comunista juntamente com a ideia de Proudhon de que propriedade era roubalheira, eles estavam a reagir a uma experiência bastante negativa do imposto. Estranhamente, hoje são os círculos mais à direita do espectro político que exigem a eliminação de impostos.
Muitos apoiam-se em Adam Smith para exigir o não pagamento de impostos. Fazem recurso à sua ideia da mão invísivel do mercado para dizer que só o mercado é que pode corrigir desequilíbrios na distribuição de riqueza e oportunidades. Esquecem-se de um pormenor muito interessante. Para além de filósofo, Adam Smith era funcionário do serviço de impostos! Ele sabia da importância do imposto. Tanto sabia ele que até chegou a propor quatro critérios que deviam orientar a cobrança de impostos: (1) comportável, isto é as pessoas deviam ser capazes de o pagar (1 Metical por dia dá para pagar); (2) previsível, isto é que não dependa do humor dos detentores do poder; (3) razoável, isto é que não seja para punir pessoas pelo que fazem (neste caso o imposto de mobilidade seria um problema...); e, finalmente, (4) um imposto não devia ser complicado; o que Adam Smith tinha em mente aqui era a ideia de que um indivíduo não devia precisar de um assessor de impostos para saber como pagar o imposto; no nosso caso, a complicação deve ter em mente diminuir as oportunidades que algumas pessoas teriam de “viver” da cobrança, vulgo “corrupção”.
A nossa questão é de saber o que justifica a cobrança de impostos e se importa que essa coisa tenha alguma relação com o que é tributado. Não sei. Por mim, se os princípios que sustentam o Estado assentam na ideia de que é responsabilidade desse Estado criar condições para que cada um de nós resolva os seus problemas, não vejo porque o Estado não poderia arranjar seja qual fosse o motivo para cobrar os impostos que lhe vão permitir fazer isso. Será este um caso dos fins que justificam os meios? Não sei? Será que não importariam as injustiças cometidas contra certos grupos no interior da sociedade? Não sei. Podia-se, em princípio, cobrar imposto de beleza, elegância, lazer, ar, água, mobilidade, preguiça, etc. O que importa, num primeiro momento, é ter receitas para o Estado. Num segundo momento importaria, naturalmente, ter de discutir o uso que se faz dessas receitas. O mais importante parece-me ser a possibilidade que o pagamento de imposto nos oferece de tornar a acção do Estado nosso assunto. Quem paga imposto está a comprar o direito de participação nos assuntos públicos. É uma das formas mais potentes de “empowerment”, julgo. E, se calhar, o nosso problema em Moçambique é que somos poucos a pagar impostos, fora o IVA que penaliza os pobres sem lhes dar direitos de participação.
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