Wednesday, February 20, 2008

Senso-comum erudito!


Este texto é um comentário alargado ao texto de Elísio Macamo "Xithlangu II" que pode ser lido aqui.

Li e reli a postagem que o “Diário de um sociólogo” faz sobre o estudo dos linchamentos e a atitude dos que opinam mesmo sem ter estudado o fenómeno. Eu sou um dos que vai continuar a opinar mesmo sem ter feito estudos empíricos sobre linchamentos. Li também a entrevista do vangloriado sociólogo Brasileiro, tendeciosamente, trazida para debate. Como bem diz o Elísio Macamo repetem lugares comuns. É a isto que chamo de senso-comum erudito. Dizer lugares comuns com linguajar sociológico, neste caso! Eu participei do primeiro seminário publico onde se apresentaram os resultados do estudo sobre os linchamentos em Maputo e Matola. Fiz a minha intervenção alí na sala, em público usando o microfone. Não mandei indirectas. Solicitei, ao professor Carlos Serra, a quando da tão publicitada visita da investigadora brasileira dos linchamentos, que nos providenciasse o texto preliminar antes da apresentação publica para permitir um melhor debate sobre o assunto. Solicitação para a qual tive resposta positiva, mesmo que nunca se tenha cumprido. No primeiro seminário, Carlos Serra e a sua equipe multidisciplinar, tomaram notas das intervenções dos participantes. Não foi o único a falar nesse dia, várias pessoas na sala colocaram questões metodologicas pertinentes. Recordo-me por alto que o Jornalista Ercinio Salema questionara o uso das notícias saidas no jornal como indicador fundamental para sugerir a variação dos niveis de ocorrência do fenémeno. A ideia de Salema era simples, mas crucial. Nem sempre os jornalistas estão com a mesma disposição para reportar sobre os linchamentos. Os dados do jornal são por si só insuficientes para inferir sobre a variação dos níveis de ocorrência dos linchamentos. Num país como o nosso onde se acredita que o governo é ominipresente e omnipotente, pode ser que um jornalista achasse que algum "superior" não iria gostar de saber que houve mais um linchamento para não comprometer a imagem da polícia e, simplesmente, não reportar. Se os jornalistas não reportassem, não haveria linchamentos, alertava Salema. A intenção mais uma vez não é sugerir o não recurso as notícias, mas alertar para o cuidado da leitura que se faz(ia) a partir desse dado problémático. O reportado não é o real, é uma selecção construção do real. Nesse caso o critério de selecção é uma aspecto metodológico fundamental a considerar.

O jornal Savana que se encontrava no local entrevistou-me após o seminário. Repeti precisamente o que havia dito em público para a equipe de pesquisa liderada por Serra. Assim como o Elísio, levantei questões, metodológicas, sérias sobre o trabalho. O estudo tirava conclusões demasiado ousadas para tão problemática metodologia. Um exemplo disso surgia da própria amostra. Carlos Serra, e sua equipe, entrevistara 27 (?) pessoas. Todos(?) ou boa parte dos esntrevistados eram funcionários da Universidade Eduardo Mondlane. Dizia o estudo que eram residentes nos bairros (locais do crime) onde ocorrem os linchamentos. A relação de poder – formal - que existe entre Carlos Serra e os trabalhadores da UEM seria um primeiro aspecto a considerar sobre a fiabilidade dos dados produzidos por essas pessoas. Podiamos questionar até que ponto elas estavam a vontade para falar o que falaram? Podiamos questionar se não responderam aquilo que imaginavam que o ilustre professor (seu superior hierarquico na UEM) esperava delas.
Estudo mais cuidadoso apresentaria o critério de selecção dessas 27 pessoas, mesmo assim. O que se fez foi apenas justificar que não era possível falar com as pessoas no local porque tinham medo de represálias, dai o recurso aos trabalhadores. Usou-se no seminário a expressão: cultura do silêncio, para se referir ao medo de falar! A palavra parece rebuscada para se referir a algo vulgar! Quem queriria falar depois de um linchamento? Mesmo eu- académico- numa situação dessas feichava a boca a sete chaves! Esta observação não era para dizer que não se devia ter entrevistado esses trabalhadores. Queria apenas dizer que havia grande a possibilidade (probabilidade) de obter respostas enviasadas e portanto seria importante considerar outras alternativas metodológicas. Falei também de um problema recorrente com a tentativa insistente e persistente de racionalizar ao invés de explicar/compreender os fenómenos. Enfim, falta muita modestia nas conclusões do estudo sobre os linchamentos.
Quem disse que naqueles lugares onde não existem desigualdades sociais - se é que existem esses locais, ou pelo menos em que aquelas não são acentuadas extremas - não há linchamentos? A própria entrevista do sociológo Brasileiro, citada por C.S, apresenta uma tese que contrária esta ideia. Há linchamentos urbanos, por exemplo. Voltemos aos 27 trabalhadores. Que competência esses têm para falar dos lincamentos em seus “supostos bairros”? O que representa a sua opinião? Porque esses e não outros? Eu dizia, algures, que o linchado assim como o suicida Durkhemiano já não estão para contar a história. E aí o que se faz? É um desáfio metodológico. Uma etnografia dos “locais do crime”, por exemplo, no mímino, seria um forma de começar. Eu cresci no bairro da Liberdade, Matola. Um bairro com caracteristicas similares aos considerados "suburbanos"- periféricos pelo estudo. Sim, pode ser. Mas no enorme bairro da liberdade, a disposição, o tipo de casas, “a classe social” dos habitantes, só para citar alguns exemplos do local é bastante diversificada. Remeter todos os habitantes dos bairros "periféricos" para a categroria homegéna de deserdados, vivendo em condições de precaridade social embelezado coma ideia de um Estado ausente é querer tapar o sol com a peneira. Não existe uma tendencia linchatória na liberdade, por causa dessas ccondições, mesmo que por lá ocorram, de vez em quando, linchamentos. Não é preciso ter feito estudos empíricos sobre linchamntos para seguir a lógica de um argumento. Se fosse preciso estudos empiricos para tudo não teriamos a "grande teoria"- também problemática – dos sismos sociais. É preciso modestia para fazer ciência!
Recomendo, mais uma vez, aos leitores deste espaço para que leiam a reacção de Elísio Macamo aqui.

2 comments:

Elísio Macamo said...

patrício, acho uma pena que sejamos muito poucos a reagir a estes atentados. isto é grave e deprimente ao mesmo tempo. podemos sempre criticar os outros, mas quando somos nós a sermos criticados tornamo-nos agressivos. penso que é legítimo ignorar uma crítica mal feita ou mal intencionada, ainda que essa constatação possa enriquecer o debate de ideias. chamar simplesmente nomes às pessoas para evitar esse debate parece-me mau para a própria higiene das conclusões que cada um de nós vai tirando. cada vez mais estou convencido da ideia de que o nosso maior desafio e problema em moçambique é a própria qualidade da nossa crítica. o governo é apenas uma desculpa para não pensarmos com maior seriedade. ainda hoje vi mais um texto incoerente a ser promovido no blogue em questão. aliás, dois. estamos mal.

Patricio Langa said...

Elísio.
É preciso dar oprtunidade as pessoas que passam por estes espaços de poderem saber que existem outras posturas. Enquanto continuarnos a fazer isso seremos atacados das mais váriadas formas. As nossas intenções sempre lhes saltaram para primeiro plano enão o de-mérito do que dizemos. Felizmente, a razão não depende da maioria, que neste caso já nem acredito que seja porque as pessoas não são idiotas.