Monday, February 11, 2008

Decisões difíceis (4C)

Concluo hoje a publicação da série de textos sobre “Decisões Dificeis” de Elisio Macamo. O último texto reflete brevemente sobre o lado sociológico dos “tumultos” que ocorreram em Maputo e Xai-Xai na semana passada.

O lado sociológico

Os recentes tumultos em Maputo e em Xai-Xai em torno do aumento das tarifas de transporte levantam sérios problemas de natureza política, mas também do pelouro da sociologia. No primeiro caso, estamos perante a necessidade de discutirmos a responsabilidade do Estado, um debate ao qual sempre conseguimos fugir desde que ficamos independentes. Sendo assim, ficamos reféns de expectativas que dificilmente o nosso Estado pode realmente satisfazer ao mesmo tempo que a nossa classe política, literalmente, se engasga. No segundo caso, nomeadamente no que diz respeito à sociologia, estamos perante o desafio de elaborar uma sociologia política capaz de descrever e analisar as relações de dominação que caracterizam a nossa sociedade para entendermos a substância da autoridade e legitimidade.
Esta sociologia faz muita falta. Manifestações ocorrem em todo o lado. Manifestações violentas também. Até aqui o que aconteceu nos últimos dias entre nós não constitui nenhuma excepção. Todavia, constitui excepção o desfecho que a coisa vai ter. O desfecho, na verdade, não vai atacar o problema de base que está na origem desta e de outras manifestações que vão de certeza ocorrer nos próximos tempos: a relação entre o Estado e a sociedade. Política não consiste apenas em realizar eleições e garantir a liberdade de expressão. Política consiste também em definir o quadro dentro do qual os indivíduos e grupos podem articular os seus interesses de uma maneira que não comprometa a viabilidade do sistema político. A indústria do desenvolvimento e alguns sectores da nossa sociedade têm a tendência de promover a ideia de que o desenvolvimento significa acabar com a conflitualidade. Esta ideia é problemática e é capaz de estar na origem de algumas dificuldades que temos em estruturar o nosso campo político. Com o desenvolvimento os conflitos não acabam. Podem acabar os velhos conflitos, mas novos surgem, pois o desenvolvimento ele próprio produz tensões, colisão de interesses e divergências.
O que aumenta com o desenvolvimento é a capacidade de resolver os conflitos que vão surgindo. Sendo assim, penso que esta problemática do transporte nos mostra aquilo que ainda não sabemos muito bem em relação à nossa própria sociedade. Que noções de autoridade e legitimidade predominam entre nós? Quem são os indivíduos e grupos que determinam e são portadores dessas noções? Como é que elas se articulam com a definição de um espaço público de afirmação de interesses e de expressão individual e colectiva? Que factores concorrem para que um assunto seja de interesse público? Que características é que esse assunto possui? Como é que de preocupações individuais surgem preocupações colectivas? Que outras instâncias, para além da autoridade estatal, existem para a manifestação de autoridade e legitimidade?
Estas são algumas das questões que podemos colocar para começarmos a entender o que se passa à nossa volta. As imagens dos tumultos são dramáticas. Não obstante, o pior que poderíamos fazer agora era correr para conclusões na ausência deste conhecimento mais profundo. Os políticos precisam de agir já. Nós os académicos devemos tomar o tempo necessário para entendermos o que está em questão. É pouco e fútil para muitos de nós, mas é a única maneira responsável de não deitar mais combustível no fogo com análises apressadas.

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