O ensino técnico-vocacional
Como previa o debate está a ‘aquecer’. E eu não estou a conseguir dar conta do recado em termos dos interessantes comentários que vão surgindo. Quero chamar a atenção dos leitores para o debate que está a decorrer no primeiro post desta série aqui. Os comentários e as análises bem conseguidas de Jonathan Mccharty, Obed L. Khan e de um anónimo (que pena pois suas ideias são tão inofensívas e interessantes) e as minhas respostas estão a alimentar o debate. Quando iniciei a série anunciei que almejava alcançar alguns objectivos, nomeadamente: a) reflectir sobre o papel do ensíno técnico-vocacional e das universidades em Moçambique. Ao fazer isso pretendia fazer uma espécie de arqueólogia e geneológia do que designei de res-surgimento da preocupação com o ensino técnico-vocacional no país. Sugeri, no texto seguinte – O apóstolo da ilusão – que as origens do discurso que enfatiza a necessidade de um ensino técnico virado para - o “saber fazer” - a solução dos problemas resulta de uma formulação problemática e de um diagnóstico técnicista e externo do que constituem os problemas de desenvolvimento no nosso país.
Dessa maneira propõe-se soluções técnicas para problemas que talvez não precisam, necessáriemante, desse tipo de soluções. Por outras palavras, queria sugerir que se o problema da pobreza absoluta, e já agora do desenvolvimento, fosse um problema técnico Moçambique e tantos outros países já não estariam em vias, mas desenvolvidos. Não é que sejamos ‘ricos’ em técnica. É que a aplicação de soluções técnicas encontra sempre, ou quase sempre, a insubordinação da natureza-societal da realidade sobre a qual se quer intervir técnicamente. Esse parece-me, então, passar a ser o maior problema. O problema para o qual somos desencorajados de pensar. Atribuí a origem dessa formulação técnicista dos problemas as ideias do economista americano Jeffrey Sachs, mas não se restringem a ele, e a sua influência nos corridores de formulação de políticas e decisões, 'one size fit all', em Nova York junto as Nações Unidas.
De facto as suas ideias consubstanciam aquilo que hoje são os Objectivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), o documento com as receitas técnicas sobre “o-que-fazer”. Por exemplo, no sector da educação uma das respostas dos ODM sobre 'o -que- fazer' é o ensino técnico. A minha questão é saber até que ponto a relevância do ensino técnico-vocacional, assim como a insistência de que ensino superior, no geral, e as universidades, em particular, devem o previlegiar se justifica pelo fim que lhe é, políticamente, atribuido – a de combater a dita-cuja? Questionei no primeiro texto se não seria útil nos perguntarmos que tipo de conhecimento é mais valioso e válido para o – combate a pobreza absoluta – desenvolvimento? Porque não mesmo, que tipo de conhecimento é mais valioso para o cidadão em Moçambique, na região e no ‘mundo actual’ (onde todo mundo diz que se deve ter em conta o mundo)? Ainda vou explorar as implicações do provincisnismo do técnico que nós é proposto. Por exemplo, perguntando, e quando a profécia se realizar e acabarem com a pobreza absoluta o que vão fazer aqueles que foram ensinados a "saber-fazer" ela acabar? Corre-se o risco de os combatentes reinventarem-na para têr o que fazer. Senão eles viram os próximos pobres.
As vezes vale a pena voltar ao sentído etimológico das palavras para lhes recuperamos o(s) sentido(s) orginal(ais). Só temos a ganhar com isso pois clarificamos os termos dos nossos argumentos/debates. Esse é o caso com o termo técnico. Deriva da palavra Grega Techné que, geralmente, se refere a capacidade, habilidade ou arte. A técnica é, no entanto, uma capacidade, habilidade ou arte (estou a usar estes termos como sinónimos) ‘incorporada’ no indivíduo e que pode ser externalizada em objectos (coisas) tangíveis. Os ‘swikelekedane’ de Malangatana seriam, assim, a externalização objectificada da sua técnica ‘incorporada’ (capacidade, habilidade ou arte) de pintura. Para o contexto do nosso debate importa introduzir de imediato a distinção entre as associações que se fazem entre a técnica com o ‘saber-fazer’ (que o ministro da educação advoga), algo com as mãos ou com aquilo que o Reitor, o eclesiástico, da ‘maior e mais antiga’ chama de ‘saber-prático’, por um lado, e a espistemê que significa conhecimento, mas que pode ser entendido como téoria, por outro lado. A distinção que estamos habituados a ouvir entre ciências (sociais) teóricas e as ciências (naturais) práticas, entre teória e prática, de modo geral, deriva dessas associações, até certo ponto, problemáticas (mas não vou elaborar sobre esse aspecto aqui).
O debate em torno do res-surgimento do ensino técnico-vocacional, que visa o combate a pobreza absoluta, recupera portanto um cepticismo antigo acerca da relevância do conhecimento teória (conhecimento) em relação a prática (saber-fazer) porque se crê que a teoria está de alguma maneira distanciada da realidade, portanto, não ajuda a resolver os problemas ‘práticos’ da população. Esquece-se, imediatamente, que o que constitui problema ‘prático’ para as populações não é um dado aquirido ou estabelecido pela prática (técnica), mas pelo conhecimento (teória) ( e até certo ponto pela política). As ciências sociais são, por causa dessa perversão, consideradas uma perca de tempo porque se aconchegaram na província da teória. Desse modo elas não nos podem dizer como ou a 'fazer-coisas’ que ajudem a combater a dita-cuja, mesmo que nos possam ajudar a questionar o ‘que-fazer’. Aí está! É que 'o- que-fazer' já foi estabelecido por pessoas como Sachs. Portanto, aqueles que acham que não há mais o que compreender, há é que transformar o mundo. É a variante internacional dos defensores dos deserdados. Malta Sachs vai mais longe sugerindo que os países como o nosso perdem tempo ao investirem numa universidade que se dedica a produção de conhecimento (teória) quando o que mais precisam é de ‘saber-fazer’ (técnica). Os milhões de dolares ( os interessados podem visitar os site do Banco Mundial e o da UNESCO para ver quantos fundos foram mobilizados para o ensino técnico desde 2005) que estão a ser investidos no ensino técnico-vocacional, portanto, não são para 'saber- o- que fazer' mas para fazer! Fazer oquê? Fazer aquilo que nos dizem para fazer. Quem nos diz? Aqueles que pensam por nós. É por isso que no primeiro texto sugeri que estamos a ser 'pagos para não pensar'. E ao que tudo indica estamos satisfeitos! (Continua).
Como previa o debate está a ‘aquecer’. E eu não estou a conseguir dar conta do recado em termos dos interessantes comentários que vão surgindo. Quero chamar a atenção dos leitores para o debate que está a decorrer no primeiro post desta série aqui. Os comentários e as análises bem conseguidas de Jonathan Mccharty, Obed L. Khan e de um anónimo (que pena pois suas ideias são tão inofensívas e interessantes) e as minhas respostas estão a alimentar o debate. Quando iniciei a série anunciei que almejava alcançar alguns objectivos, nomeadamente: a) reflectir sobre o papel do ensíno técnico-vocacional e das universidades em Moçambique. Ao fazer isso pretendia fazer uma espécie de arqueólogia e geneológia do que designei de res-surgimento da preocupação com o ensino técnico-vocacional no país. Sugeri, no texto seguinte – O apóstolo da ilusão – que as origens do discurso que enfatiza a necessidade de um ensino técnico virado para - o “saber fazer” - a solução dos problemas resulta de uma formulação problemática e de um diagnóstico técnicista e externo do que constituem os problemas de desenvolvimento no nosso país.
Dessa maneira propõe-se soluções técnicas para problemas que talvez não precisam, necessáriemante, desse tipo de soluções. Por outras palavras, queria sugerir que se o problema da pobreza absoluta, e já agora do desenvolvimento, fosse um problema técnico Moçambique e tantos outros países já não estariam em vias, mas desenvolvidos. Não é que sejamos ‘ricos’ em técnica. É que a aplicação de soluções técnicas encontra sempre, ou quase sempre, a insubordinação da natureza-societal da realidade sobre a qual se quer intervir técnicamente. Esse parece-me, então, passar a ser o maior problema. O problema para o qual somos desencorajados de pensar. Atribuí a origem dessa formulação técnicista dos problemas as ideias do economista americano Jeffrey Sachs, mas não se restringem a ele, e a sua influência nos corridores de formulação de políticas e decisões, 'one size fit all', em Nova York junto as Nações Unidas.
De facto as suas ideias consubstanciam aquilo que hoje são os Objectivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), o documento com as receitas técnicas sobre “o-que-fazer”. Por exemplo, no sector da educação uma das respostas dos ODM sobre 'o -que- fazer' é o ensino técnico. A minha questão é saber até que ponto a relevância do ensino técnico-vocacional, assim como a insistência de que ensino superior, no geral, e as universidades, em particular, devem o previlegiar se justifica pelo fim que lhe é, políticamente, atribuido – a de combater a dita-cuja? Questionei no primeiro texto se não seria útil nos perguntarmos que tipo de conhecimento é mais valioso e válido para o – combate a pobreza absoluta – desenvolvimento? Porque não mesmo, que tipo de conhecimento é mais valioso para o cidadão em Moçambique, na região e no ‘mundo actual’ (onde todo mundo diz que se deve ter em conta o mundo)? Ainda vou explorar as implicações do provincisnismo do técnico que nós é proposto. Por exemplo, perguntando, e quando a profécia se realizar e acabarem com a pobreza absoluta o que vão fazer aqueles que foram ensinados a "saber-fazer" ela acabar? Corre-se o risco de os combatentes reinventarem-na para têr o que fazer. Senão eles viram os próximos pobres.
As vezes vale a pena voltar ao sentído etimológico das palavras para lhes recuperamos o(s) sentido(s) orginal(ais). Só temos a ganhar com isso pois clarificamos os termos dos nossos argumentos/debates. Esse é o caso com o termo técnico. Deriva da palavra Grega Techné que, geralmente, se refere a capacidade, habilidade ou arte. A técnica é, no entanto, uma capacidade, habilidade ou arte (estou a usar estes termos como sinónimos) ‘incorporada’ no indivíduo e que pode ser externalizada em objectos (coisas) tangíveis. Os ‘swikelekedane’ de Malangatana seriam, assim, a externalização objectificada da sua técnica ‘incorporada’ (capacidade, habilidade ou arte) de pintura. Para o contexto do nosso debate importa introduzir de imediato a distinção entre as associações que se fazem entre a técnica com o ‘saber-fazer’ (que o ministro da educação advoga), algo com as mãos ou com aquilo que o Reitor, o eclesiástico, da ‘maior e mais antiga’ chama de ‘saber-prático’, por um lado, e a espistemê que significa conhecimento, mas que pode ser entendido como téoria, por outro lado. A distinção que estamos habituados a ouvir entre ciências (sociais) teóricas e as ciências (naturais) práticas, entre teória e prática, de modo geral, deriva dessas associações, até certo ponto, problemáticas (mas não vou elaborar sobre esse aspecto aqui).
O debate em torno do res-surgimento do ensino técnico-vocacional, que visa o combate a pobreza absoluta, recupera portanto um cepticismo antigo acerca da relevância do conhecimento teória (conhecimento) em relação a prática (saber-fazer) porque se crê que a teoria está de alguma maneira distanciada da realidade, portanto, não ajuda a resolver os problemas ‘práticos’ da população. Esquece-se, imediatamente, que o que constitui problema ‘prático’ para as populações não é um dado aquirido ou estabelecido pela prática (técnica), mas pelo conhecimento (teória) ( e até certo ponto pela política). As ciências sociais são, por causa dessa perversão, consideradas uma perca de tempo porque se aconchegaram na província da teória. Desse modo elas não nos podem dizer como ou a 'fazer-coisas’ que ajudem a combater a dita-cuja, mesmo que nos possam ajudar a questionar o ‘que-fazer’. Aí está! É que 'o- que-fazer' já foi estabelecido por pessoas como Sachs. Portanto, aqueles que acham que não há mais o que compreender, há é que transformar o mundo. É a variante internacional dos defensores dos deserdados. Malta Sachs vai mais longe sugerindo que os países como o nosso perdem tempo ao investirem numa universidade que se dedica a produção de conhecimento (teória) quando o que mais precisam é de ‘saber-fazer’ (técnica). Os milhões de dolares ( os interessados podem visitar os site do Banco Mundial e o da UNESCO para ver quantos fundos foram mobilizados para o ensino técnico desde 2005) que estão a ser investidos no ensino técnico-vocacional, portanto, não são para 'saber- o- que fazer' mas para fazer! Fazer oquê? Fazer aquilo que nos dizem para fazer. Quem nos diz? Aqueles que pensam por nós. É por isso que no primeiro texto sugeri que estamos a ser 'pagos para não pensar'. E ao que tudo indica estamos satisfeitos! (Continua).
6 comments:
Caro Patrício, está escapando aos linchamentos aí na África do Sul?
A minha posição sobre a relevância ou não da educação técnicoprofissional é que ela é necessária. É necessária numa dose maior do que tem sido feito até aqui. E essa constatação não se apoia nas recomendações de Sachs, nem mais nem menos.
Estive a ler um livro biográfico sobre Mugabe, cujo título traduzido para Português poderia ser "Jantar com Mugabe". Devo abrir um parêntesis para dizer que achei o livro problemático. Tenta explicar os problemas de um país na base da psique do seu líder. Não faz uma análise mínima das relações de propriedade no Zimbabwe e das contradições que essas relações de propriedade podem ter produzido. O que está a acontecer no Zimbabwe explica-se pelo facto de Mugabe ter tido uma infância infeliz (foi abandonado pelo pai) e por eventuais torturas porque passou nos 11 anos em que este imprisionado. É isto que nos ensina a fecunda autora.
Contudo, li nesse livro algo que me pôs a reflectir mais uma vez na importância da educação técnicoprofissional. A autora refere no seu livro que Mugabe propiciou um dos países mais educados de África. Só que a educação que Mugabe propiciou tinha que, inevitavelmente, conduzir à frustração. As pessoas entravam no ensino primário, continuavam pelo secundário e pre-universitário e terminavam com os mestrados mais diversos. Só que a economia não tinha potencial para absorver toda esta elite académica.
O sistema de ensino zimbabweano, tal como o nosso, não tinha uma consistente derivação para a área técnicoprofissional. Ou seja, tinha muitos economistas, muitos sociólogos, muitos médicos, muitos gestores, mas tinha poucos carpinteiros, poucos canalizadores, poucos técnicos de rega e drenagem, poucos engenheiros capazes de fazer uma ponteca de madeira, poucos capatazes e por aí além.
Semelhante sistema de ensino tinha que (contribuir para) criar problemas em algum momento. Todos aqueles doutores não absorvidos tinham, no entanto, aprendido a articular ideias com competência. E usavam esse conhecimento para desafiar o governo também com competência.
Não estou a dizer que a educação técnicoprofissional seja a panaceia para todos os nossos problemas de pobreza. Também não creio que alguém o haja dito. Não pode, entretanto, ser eliminado pura e simplesmente como nós fizemos no passado. Lembram-se que até as escolas de artes e ofícios quase desapareceram? Um país não pode progredir só com doutores. Também precisa do tal conhecimento do "saber-fazer".
O desenvolvimento será propiciado por isso e, também, por se olhar para as relações de produção, as relações de troca dentro e fora do país, as condições de distribuição de renda, as infra-estruturas físicas e muito mais. Nisso concordo contigo.
É necessário, no entanto, olhar com mais atenção para a educação técnicoprofissional, apesar de Sachs e do seu acesso aos corredores de poder mundial.
Obed L. Khan
Caro Obed.
Obrigado pela sua excelente interpelação. A sua referência ao Zimbábue vem a calhar. Esta a sugerir-me que o Zimbábue não estava ‘bem’, antes da actual crise política-economica, por que não tinha esses técnico-profissionais, pois não? Ainda assim, não lhes faltava nenhum dos produtos derivados dessas artes (carpintaria, serrelharia, sapateiros etc). Não está, também, a sugerir que gente qualificada representa uma ameaça ao governo? Está recupar o argumento do Ministro da Educação de Moçambique, segundo o qual há distorção na formação, e emprestá-lo ao Zimbábue para explicar o facto do país estar como está hoje? Porque se forem estas as testes devo dizer que são bastante problemáticas. Todavia, prefiro dar benefício a dúvida até ter certeza de que é isso mesmo que está a sugerir!
Hoje, o zimbábue está de cócoras. E não é pela ausência desses carpinteiros, canalizadores técnicos profissionais etc. Os carpinteiros, serralheiros, (gente com baixa qualificação e que provavelmente saibam fazer alguma coisa) vem para RSA a correr e não conseguem emprego. Quando o conseguem é algo que os própios sul africanos podem fazer. Seu nível de competitividade no mercado de trabalho é bastante baixo e por isso são jogados para bairros como Alexandra e lá, incinerados, vítimas de xenofobia. Os produtores de conhecimento, os Zimbábuenos qualificados, estão todos a conseguir empregos nas universidades, nas grandes industrias, nos institutos de pesquisa na RSA e no mundo inteiro. Não associemos a crise Zimbábuena com o problema de distorção na formação. Uma coisa não têm nada a ver com a outra. Além de que tenho sérias dúvidas em relação a ideia do descontentamento, ou pelo menos das causas, das pessoas altamente qualificadas no Zimbábue. O problema do Zimbábue, há-de, concordar comigo, começou como, e é ainda, um problema político. A sua raíz económica ( se quizer pensar na questão da terra) não está tão pouco relacionada com o problema da qualificação (técnica ou teórica) dos zimbábueanos.
Bom, Caro Obed. A questão não é escolher entre produzir “conhecimento” ou “saber-fazer” (técnica). Não se trata de optar por um em detrimento de outro. Referi desde o ínicio da reflexão que a minha questão não é por em causa a necessidade de termos um ensino técnico-vocacional. Não! Claro que precisamos desse ensino. Só que, não precisamos pelas razões pelas quais nos dizem que precisamos e pelas quais estamos a conseguir dinheiro para resssucitar o ensino técnico. Essa razão problemática! Na verdade, até há uma questão de exclusão política da prerrogativa que deviamos de definir o que é problema para nós. Se fosse o Obed (digo os Moçambicanos através de suas instituições) a definir porque é que o ensino técnico é uma necessidade para o país a história seria outra. O que acontece é que não é o Obed (os Moçambicanos) quem o define. E quem o define fá-lo pelas razões mais dúbias como tentei colocar no meu texto. Ao fazê-lo exclui a possibilidade de pensarmos. E nós, a UEM, Ministro da Educação etc, estamos, simplesmente, a fazer eco disso. Repare que durante, praticamente, toda a decade 80 e metade da de 90 noventa o ensino superior para os países africanos era considerado um luxo. Nenhum doador dava dinheiro para se abrir universidade. Por causa da pressão de pessoas que se recusam a fazer eco ( como está a contecer com a UEM, MINED) conseguiu-se reverter essa tendência. É por isso que assistimos ao surgimento de novas instituições de ensino superior a partir de meados da década de 90. No entanto, a ideia de que nós não precisamos de produzir o tipo de conhecimento e habilidades que uma universidade, em principio, “devia” produzir permanece viva. Daí a insistência de que se deve investir no ensino técnico. Bom, vou elaborar melhor isto no próximo texto. Só queria esclarecer que não sou eu quem está a sugerir que se sacrifique a produção de conhecimento pelo ensino-técnico.
Caro Patrício, claro que não estou a sugerir que pessoas formadas sejam uma ameaça ao governo. Eu próprio possuo qualificações académicas relativamente elevadas e não sou nenhuma ameaça ao regime (haverá prova maior que esta?).
O que estou a sugerir é que pode constituir-se num grande factor de instabilidade económica, social e política formar milhares de doutores numa situação em que a economia real não os possa absorver. Sei que esta preposição não é muito simpática, sendo por isso susceptível de ser desafiada até por razões emocionais.
Defendo a ideia de que deve haver um equilíbrio (que hoje não existe em Moçambique) entre formação de cariz universitária e formação técnicoprofissional. Debaixo dos doutores teria, em minha opinião, que existir uma "classe" profissional de ligação com os pedreiros, canalizadores, carpinteiros, ferreiros que tu dizes existirem em grandes quantidades (aqui e no Zimbabwe)
O que eu digo é que falta quem faça o enquadramento adequado desses profissionais para que a economia se torne produtiva e competitiva. Os doutores não têm essa vocação.
Vou lhe dar alguns exemplos. Diga-me Patrício, se dependesse dos teus critérios estéticos, tu poderias comprar o mobiliário que está exposto na esquina entre as avenidas Joaquim Chissano e Guerra Popular? Presumo que a tua resposta seja não! Porquê? Simplesmente porque aquele mobiliário parece ter sido feito debaixo do cajueiro. Falta-lhe simetria, falta-lhe a precisão do mobiliário que encontramos, por exemplo, na Home Center.
A grande diferença, Patrício, é que o mobiliário que nós compramos na Home Center (que não é lá grande coisa, diga-se) é desenhado e confeccionado por carpinteiros - se é que lhes podemos dar este nome - que foram à escola, dominam a computação e outros equipamentos modernos. Os nossos carpinteiros, apesar de serem numerosos, não são competitivos.
Veja as nossas palhotas Patrício. Compare-as com as casas feitas de material não convencional (paus, capim e caniço) dos "bóeres"! Há alguma semelhança? Claro que não! Qual é a diferença? Ensino técnico que às vezes é de nível superior. É ensino profissional ministrado em universidades e institutos superiores.
Este tipo de educação, juntamente com a formação de doutores, é que fazem mover uma economia. Alongo-me assim porque sei de muita boa gente que torce o nariz ao tipo de iniciativas como o da Escola Superior de Vilankulo. É este tipo de escolas que vai ensinar-nos a fazer melhores palhotas, a produzir melhor mobiliário, a construir as minhas queridas pontecas de troncos, etc.
A importância deste tipo de ensino independe de quem quer que seja que tenha falado dele. Incluindo Sachs. Não é este indivíduo que determina a relevância deste tipo de saber no nosso país. A simples constatação dos factos conduz-nos ao tipo de conclusões que eu faço.
Obed L. Khan
Caro Obed.
Esqueci-me de mencionar no comentário anterior que têm razão no diz respeito a pobreza do livro sobre Mugabe. Tive ocosaião de acompanhar um entrevista da autora num dos canais de televisão (SABC3) e deixa a desejar. No entanto, este assunto é marginal ao ponto que estamos a debater.
Assim como o Obed, também acho que deve existir “equilibrio” entre formação universitária e formação técnico-profissional. A questão porém é saber em que é que consiste esse equilíbrio. No número? Nas necessidades? Quais são as necessidades de um tipo e do outro? Em função de quê são (foram) definidas essas necessidades? Quem as definiu? O meu argumento parte do princípio que esse exerício ainda não foi feito. Já foi? Quando? Por quem? Os relatórios que o MINED têm sobre o reintrodução do ensino técnico começaram a ser feitos depois de 2004/5 para justificar o uso do dinheiro do BM que já estava disponibilizado para esse fim. Foi em 2004 que o Banco Mundial com dinheiros da Inglaterra (lembre-se que Tony Blair também reuniu um painel de 17 ‘missinários’ que produziu um relatório sobre o que nós deveriamos fazer para deixar de ser pobres, parecido aos ODM?) e do governo Noruegues ( que tem tanto do petro-dollares e não sabe o que fazer com esse dinheiro por isso empresta a nós através de agências como o BM) lançaram um projecto para rever a experiência do ensino técnico-vocacional para o desenvolvimento dos países da Africa Sub-Sahariana ( TVET- Tecnical Vocational Education and Training). Guebuza e Ali tornaram-se Governo logo a seguir. Essa mola já estava lá! Não hávia em que pensar mais. Havia sim é que fazer das ciências (sociais) não práticas um problema que justifica o uso desse dinheiro no ensino técnico. Quando Aires ali fez aquele discurso esncândaloso na aula inaugural na UEM estava a fazer gracinha para essa ‘grana’!
Antes esse assunto do ensíno superior era tabu. O governo (de Chisssano) mal queria ouvir falar disso. Recordo-me o falecido economista, Rui Baltazar, era praticamente rídicularizado quando levantava a questão da necessidade de um ensino técnico. Não estou a dizer que concordasse com a sua visão. Apenas estou a dizer que a agenda da sua reintrodução não é nossa. Hoje, o Obed pode me dizer que foi apropriada. No entanto, não pode negar a sua a origem. Até porque foi apropriada com os defeitos de fábrico. A ideia de ressuscitar o ensino técnico surge, para nós, como um ‘raio de ceu azul’. Aliás, como tentei demonstrar na série (que ainda não acabei)! Não é nossa ideia. Nunca foi! Não fomos nós Obed, não foi o ministério da Educação que estudou no terreno e identificou os problemas no país que caressem da solução que o ensino técnico em princípio pode resolver. Essa ideia surge de uma crença, uma convicção de que nós precisam. O Obed diz que não têm nada a ver com Sachs. Bom, sim e não. Eu usei Sachs apenas por representar o protótipo do formuladores dessas soluções técnicas para nossos problemas.
Caro Obed, eu não sou economista. Não percebo, bem , o que pretende dizer quando diz que esses cursos técnicos é que fazem mover a economia, ou quando diz que formamos tantos ‘doutores’ que ficam desenquadrados da economia. Que eu saiba, Moçambique apresenta a taxa mais baixa (menos de 5%) de quadros superiores. Isso independentemente de serem técnicos ou “doutores”! Ainda assim, há agronómos, veterenários, que trabalham feito cietistas sociais nas ONG’s e não só. Outros são caixas nos bancos. Existe problema de formação a todos os níveis e não apenas no ensino técnico. Outrossim, não existe nenhuma relação, necessária, comprovada, entre ensino técnico e “desenvolvimento” (ou combate a pobreza). Pode até existir, e esse é o caso de alguns países como a Estónia, Filipinas, a India a título exemplar, que se considera que estão a fazer um progresso significativo nas suas economias onde se nota uma correlação forte entre a formação superior e os indices de dsenvolvimento. No entanto, não há uma relação causal que se atribua, simplesmente, ao ensino técnico. Ainda hoje se est’a estudar outros factores que estão a concorrer para o ‘sucesso’ desses países.
Portanto, a questão que coloca da mobilia da esquina e da home center é mesmo estetica e não, necessariamente, económica, muito menos, ligada a formação. Obed está confundir, aqui. técnica com tecnologia. Técnica é habilidade, capacidade arte, (incorporada).Tecnologia é todo instrumento que adicionamos a mão para produzir algo através da técnica. O que faz aqueles tipos da esquina produzirem com a qualidade estética que o fazem não é a sua fraca técnica, mas a escasses de técnologia. Essa é que faz a diferença do mobilia da esquina e da home center e não a qualificação técnica dos ‘Boers’, muitos dos quais nunca puzeram pé numa universidade! A escola de Innhambane não vai ensinar ninguém a produzir tecnologia. Porque para produzir tencologia precisas produzir “conhecimento”, inovação. E isso é o que estão a dizer que nós não precisamos fazer incentivando escolas como a de Inhambane. Escolas como de Inhambane, posso lhe garantir, não vão produzir pessoas que conheçam o príncipio do funcionamento das coisas (Que respondem a questões como: O que é? Porque?). As escolas, como a de Inhambane, vão produzir na melhor das hipóteses ‘técnicos’ que vão trabalhar em escritórios. Não fui a Inhambane, mas se a própria faculdade de engenharia produz engenheiros que não sabem o que é uma sargeta, imagino as condições de Inhambane. Esse provincianismo do ensino superior ainda nos vais custar caro!
Esta é apenas uma pre-resposta. Espero elaborar um pouco melhor mais tarde. É assim, CONHEÇO PEDREIROS ANALFABETOS QUE PODEM CONSTRUIR UM PRÉDIO DE 5 ANDARES OU MAIS. ESTE FACTO PORÉM NÃO NOS PODE FAZER NEGAR A IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO INDUSTRIAL OU DA FACULDADE DE ENGENHARIA. Isto é a propósito dos "bóeres" analfabetos que constroem grandes e confortáveis "palhotas" sendo embora analfabetos. AQUELA TECNOLOGIA QUE USAM FOI PESQUISADA E DESENVOLVIDA EM ESCOLAS OU INSTITUTOS SUPERIORES, OU MESMO EM UNIVERSIDADES.
Não foram estabelecidas com precisão as necessidades de graduados com a educação técnicoprofissional, como muito bem tu podes notar. Mas não foi, também, estabelecida a necessidade de economistas, sociólogos, médicos e outros "doutores". Nem por isso, no entanto, dizemos, em relação aos universitários, que a sua formação foi induzida de fora. Lembrar que a educação técnicoprofissional foi, sempre, uma prioridade de Moçambique (isto não significa que não existissem algumas pessoas que ridicularizavam o falecido Ruy). O PPI dava um grande destaque a este tipo de formação. O país chegou a ter uma secretaria de estado para lidar com este subsistema de formação. Mobilizamos, como país, muita ajuda da URSS, RDA e outros países quer em professores, quer em equipamentos e laboratórios. Os equipamentos que podemos encontrar nas escolas industriais e respectivos institutos têm origem "socialista". Só que nunca foram substituídos. Porquê? Simplesmente porque estes equipamentos são muito caros e ninguém nos queria ajudar a comprar. Devo referir, Patrício, que a educação técnicoprofissional é quase cinco vezes mais cara que a educação geral.
O facto de o ocidente ter decidido, agora, apoiar este tipo de educação não o faz autor da ideia. Eles podem, até, ter desenvolvido teorias, ideias e filosofias para justificar o dispéndio do dinheiro deles. Isso não os faz, no entanto, mentores dessa prioridade.
Um exemplo, nós sempre quisemos construir barragens. Os ocidentais diziam que isso era contra o ambiente e, por isso, recusavam-se a apoiar qualquer iniciativa nesse sentido. Agora eles parecem mais dispostos a apoiar. O facto de um Sachs qualquer desenvolver um conjunto de "teorias" sobre a importância das barragens, não faria dele o mentor dessa perioridade para o nosso país.
Este texto foi escrito com muuita pressa. Deve ter mutas gralhas. Perdão por isso.
Obed L. Khan
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