Wednesday, August 6, 2008

Passar ou chumbar [3] (Fim).

Ninguém pode ser excelente em tudo.

Naqueles contextos em que existe alguma visão do que se pretende com os alunos estabelecem-se os critérios de como se irá definir qualidade para determinado fim. Criam-se condições para que, ainda no primeiro ciclo, se comece a prever as possíveis trajectórias profissionais dos alunos. Não se pode esperar que todos sejam médicos, juristas, motoristas, carpinteiros, sociólogos e por aí em diante. Não existe sociedade alguma feita só de Doutores! Ninguém pode saber e fazer tudo. O sonho de Marx do homem comunista, auto-suficiente, que de manhã é machambeiro e pescador, de tarde carpinteiro, ferreiro, cozinheiro e por ai em diante ruiu sem se concretizar.

Ninguém pode ser tudo e excelente em tudo! Já no século XIX, o fundador da Sociologia da Educação e da própria Sociologia, o sociólogo Émile Durkheim, havia observado que uma das funções da escola era preparar os indivíduos (socializando-os) para as diferentes tarefas (selecionando-os) que uma sociedade caracterizada por uma cada vez maior e complexa divisão social do trabalho preconiza. Uns iriam, obviamente, ser sapateiros, outros pedreiros, pastores, médicos e por ai em diante. Durkheim achava que não haveria funções mais importantes que as outras, pois existiria uma diferenciação funcional que requereria grande interdepêndecia e cooperação entre elas resultante da especialização. A esse tipo de interdepêndecia designou-lhe de ‘solidariedade orgnânica’.

Se a qualidade, para o ministro da educação, significar alcançar uma meta pré-estabelecida (por exemplo 100% de aprovação) por mais bizaro que isso pareça, então, esse é o seu critério de qualidade! Se a qualidade for definida como equidade de género, então, o critério irá considerar a proporcção de graduados por sexo. Qualidade pode também significar ir ao encontro das expectativas dos consumidores. Se a expectativa dos pais e ecarregados de educação for a de que seus filhos não reprovem nunca; essa pode, então, ser a medida da qualidade. O que estou a tentar dizer é que em função do que se definir (políticamente) como qualidade, então, determinados críterios serão chamados a intervir. Num outro passo pode-se debater sobre a validade e fiabilidade de tais critérios. É aí onde o papel de outros intervenientes (grupos de interesse) na sociedade se devia fazer sentir. Não devia ser prerrogativa do ministro da educação e um grupelho de conselheiros (que podem ser maus) a tomar essa decisão. Quais são mecanismos de participação e representação dos diferentes interesses nas questões que dizem respeito a educação no nosso país? É aqui onde reside o problema e a todos os níveis, do primário ao superior!


Estas são questões cruciais que ainda não começamos a debater de forma séria na nossa esfera pública. O ministério da educação toma decisões fundamentais, as vezes cabeludas, sobre a educação sem um debate que envolva os diferentes grupos de interesse da nossa sociedade. Faz-se isso muitas vezes consultando – consultando? - auscultando, parece melhor, um grupelho de indivíduos que chamam de “stakeholders”, alguns “ditos” especialistas, uma sociedade civil orgânica (é possível indicar com os dedos das mãos a sociedade cívil em Moçambique). Esse é o problema bicudo e que repetidamente se têm dito aqui que deriva de uma característica problemática do nosso sistema político em termos de (sub)representação dos vários interesses.Como e em que medida é que o interesse do machambeiro ou do filho, do médico, do carpinteiro, do professor universitário estão reflectidos e representados nessa medida dos 100%? Não admira, potanto, que as pessoas que tomem decisões sobre o que o sistema de educação deve ser para o povo, não tenham seus próprios filhos estudando nesse sistema. Estão, aqui, na RSA ou noutros países cujo sistema reflecte melhor suas expectativas e interesses. É suposto o ministério (ministro) da educação saber o que é “bom” para todos! É nesse contexto que surgem medidas como a dos 100% de aprovação. [fim].

2 comments:

Júlio Mutisse said...

Devo ser dos pais que mais vezes vão a escola dos filhos acompanhar a progressão/desempenho destes.

Nas reuniões de pais e encarregados de educação, perante a queixa da professora de que não há o devido acompanhamento dos pais relativamente ao desempenho de seus filhos ouvi pais afirmarem "se não se chumba".

Isto é/foi, mais um indicativo de que foram desenhadas políticas lá e deixaram parte dos envolvidos na ignorância do que se pretende dessa política. Resultado, temos pais se "cagando" para a educação dos filhos porque, NÃO SE CHUMBA.

Agora vem o ministro falar de 100% de aproveitamento. Não me admiraria que, na próxima reunião, um encarregado de educação do pior aluno da turma exigisse da professora a "progressão" do seu educando para que esta não comprometa a meta do Ministro, ou que esta se sinta obrigada a não pôr em causa a meta do chefe.

Premiariamos a burrice e a incompetência em detrimento da qualidade.

Elísio Macamo said...

caro júlio, caro patrício, concordo com a tendência geral do vosso argumento. não estou, porém, certo em relação à implicação de que os 100% do ministro significam o fim da qualidade. o ministro pode decretar essa aprovação em 100% como orientação às escolas, direcções de educação, encarregados de educação e professores para que eles decidam os critérios de preservação da qualidade. é possível que ele não tenha visto as coisas desta maneira, mas o contrário também é possível.