Este gajo só pode ser da Frelimo/Renamo. Esta é a forma mais categórica de classificar politicamente alguém no cenário político Moçambicano. Reflecte um grau elevado de convicção. Há aqueles outros que colocam a coisa de forma menos directa, mas igualmente redutora: - a quem este gajo esta tentar agradar? Isto é quando, invariavelmente, não perceberam “bem” as conclusões que se defende. Existem aqueles outros que já construíram uma percepção identitária fixa, estruturada, inerte, de alguns daqueles que escrevem com certa regularidade e publicam nos nossos espaços públicos de debate de ideias. Estes já nem se dão a maçada de ler. Simplesmente sentenciam: - este gajo é da Renamo/Frelimo. A terceira é sempre nula. Não há indivíduos neutros, não há meio-termo. Não há indivíduos que interessam apenas pelo País. Que são do País e prontos. O nosso sistema político coopta-nos ou nós nos deixamos cooptar por estas categorias apriorísticas a qualquer leitura que pretendamos fazer da nossa realidade social. Há, provavelmente, boas razões para que as coisas estejam assim, mas não queria explorá-las aqui. Interessa-me falar é das consequências dessa maneira de ver o mundo.
O nosso país não é feito da soma dos da Renamo com os da Frelimo. A Frelimo e a Renamo são apenas duas partes das muitas partes do todo. São somente duas forças políticas que não podem representar e/ou decalcar a forma de pensar de todo mundo, mesmo que assim o desejassem. É verdade que há uma forte tendência para a bi-polarização do campo político. Ocorre assim em muitas outras democracias mundo fora. Mas a bi-polarização do pensamento, da esfera pública parece-me mais problemática do que aquela do campo político. É que a primeira não é possível, se não por ilusão totalitaria. Os nossos argumentos não podem ser avaliados e validados apenas em função de se acomodarem a um pre-conceito situacional em termos político partidários, universalizado e imposto a todos. Os que não conseguem se livrar desse ídola estarão sempre sujeitos a limitação que os seus sentidos impõem a sua mente. É preciso acompanhar esse espírito maligno de volta.
Recentemente, escrevi um texto no qual analisava o conteúdo da música do cantor Azagaia. A minha intenção era, apenas, a de chamar atenção para a ilusão da transparência das suas conclusões ou suposições. Fiz isso recorrendo a distinção, que me pareceu oportuna sugerida pelo sociólogo Elísio Macamo, entre desabafo e crítica social. Penso que esse é um exercício fundamental que todos deviamos fazer nas nossas intervenções públicas. Quando é que estamos a sugerir um descrição crítica do país e quando é que estamos a desabafar. Provavelmente, as duas coisas preenchem uma necessidade actual no país. O problema, pelo menos para mim, começa quando uma se faz passar por outra. Foi só para isso que quis chamar atenção.
De repente, pelos comentários que recebia de alguns dos meus respeitados leitores, via-me projectado no para um dos lados do espaço político bi-polarizado do nosso país. Alguém chegou a considerar os meus artigos de “Sociologia Frelimista”! Continuo a procura de uma razão plausível para tal designação ou melhor para o sentido da própria expressão. Estudo sociologia vaí quase uma década e nunca me deparara com tal sociologia. Eu não sou de ninguém. Ou melhor, o meu pensamento, as minhas ideias, as minhas convicções são da minha cabeça, do exercício que os meus neurónios fazem para através dos instrumentos analíticos que vou aprendendo no decurso da vida tendar dar conta do real. É claro que falo de algum lugar social, como todos, de classe, género, “raça” e por aí em diante. Esses lugares, no entanto, não são necessáriamente determinantes do meu pensamento. Não é a minha existência (social) que determina a minha consciência, mas a combinação entre a minha consciência crítica e a minha existência (social) influenciam o meu pensamento. Isso não significa ser neutro, mas também não significa pertencer a algum lugar desse esquema bi-polarizado, bi-partidarizado, do campo político nacional.
1 comment:
Caro Patrício,
Vamos a isso. Hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos e revejo no Art 19 da carta. Todos temos direito à opinião e de expressão. O teu artigo, de alguma forma, acaba sendo um apelo para a consolidação do princípio de liberdade e opinião e de expressão. O que devemos fazer é lutar contra o crescente maniqueismo na nossa esfera pública.
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