Em finais do ano passado (2007), convidei o Jurista Ilidio Macia para fazermos uma reflexão juridico-sociológica sobre a questão da (des)honestidade académica no nosso país. Convite que foi, gentilmente, aceite. Por razões académicas, não tive tempo suficiente para prosseguir com a ideia para a qual já havia feito algumas notas. Espero um dia poder(mos) continuar com a referida reflexão. Este assunto ressurge a próposito de uma “polémica” que se arrasta há algum tempo sobre o plágio de um livro do Professor Rafael da Conceição, cuja publicação anuncei aqui . O debate sobre o plágio da capa do livro do professor Rafael pode ser acompanhado aqui.
Na mesma altura, o Jornal eletrônico, Canal de Moçambique, havia postado um texto reportando o caso de um estudante, de uma instituição de ensino superior privada, suspeito de ter copiado a tese de licenciatura na faculdade de direito da UEM. Leia aqui. Pensei, na altura, que o assunto era sério demais para ser deixado apenas ao nível do debate jornalístico. O Jornalista Luis Nhachote fizera um trabalho notável ao abordar o assunto. No entanto, pensei que o assunto estivesse a ser tratado de forma algo superficial, resumindo-se ao aspecto jurídico da ausência de legislação para punir plagiadores. A superficialidade devia-se, também, a escassez de dados e crítérios claros sobre o que se estava a chamar de plágio. Havia, também, lacunas em termos da informação que nos pudesse ajudar a compreeder efectivamente o que acontecerá. Todavia, pensei que esse episódio seria um “bom” ponto de partida para sugerir uma reflexão além da jornalística sobre a honestidade académica no nosso país.
“Nos ombros de gigantes”!
Esta expressão é a tradução do Inglês “On the Shoulders of Giants”, atribuida ao físico e cientista Isaac Newton. Preencher os hiatos de conhecimento já existente é a razão de ser do empreendimento académico. O processo de produção de conhecimento na academia implica, quase sempre, o recurso as ideias de outras pessoas. Na academia, assim como em muitas outras esferas da vida, o que conta mais é a inovação e não, necessariamente, a invenção do pneu. O pneu já foi inventado: costuma-se dizer. Nos escritos académicos, em particular, só têm pretensão de originalidade quem não é bem lido. Os bem lidos sabem reconhecer a fonte de suas ideias mesmo quando inovadoras. É por isso importante distinguir o que é nosso produto (ideia) do que é emprestado. A honestidade académica consiste, portanto, no uso legítimo e apropriado das ideias de outras pessoas para produzirmos as nossas próprias e contribuir-mos dessa maneira para a inovação e progresso do conhecimento. As instituições de ensino superior desenvolveram, por isso, um conjunto de instrumentos metodológicos que nos permitem usar correctamente as ideias de outras pessoas sem as plagiar. Refiro-me aos sistemas de referência das fontes bibliógráficas e as regras de citação. Esses dispositivos, no entanto, não se restringem apenas as instituições de ensino superior. Algumas organizações profissionais também adoptam mecanismos que consideram convenientes para permitir o uso de seus produtos intelectuais assim como para regular esse mesmo uso protegendo a propriedade intelectual de seus autores. Por exemplo, o patenteamento de marcas de produtos e/ou tecnologias serve para isso.
Os académicos, incluido os estudantes, devem, pelo menos deviam, estar familiarizados com os diferentes modelos de regras de citação e referencias bibliográficas disponíveis através de guiões e códigos de ética que as universidades disponibilizam. A ética académica é um aspecto fundamental pois define o que é considerado certo e o que não é na vida académica. É também um acto de muita responsabilidade. É que o trabalho académico, seja o de profissionais assim como dos estudantes, é acima de tudo uma forma de conduta humana. Assim sendo, essa conduta deve se conformar as normas e valores partilhados naquele meio. Como em qualquer outra esfera da vida em sociedade, certos tipos de conduta são moralmente aceites enquanto outras não. Podíamos nos questionar sobre quem decide o que é moralmente aceite ou não na conduta e na vida académica. A resposta seria a própria comunidade académica. Como dizía, a pouco, ao longo do tempo a comunidade académica nas universidades e as associações profissionais, em particular, desenvolveram códigos de conduta para regular o comportamento de seus membros. Esses códigos de conduta podem variar de instituição para instituição e até de disciplina para disciplina. Por exemplo, existem instituições como a universidade Eduardo Mondlane que não têm um guião específico de regras de citação e ética de pesquisa para os sociólogos. Nessas circunstâncias os sociólogos da UEM podem recorrer e se orientar pelas regras estabelecidas pela Associação Internacional de Sociologia (AIS) se quiserem fazer parte dessa comunidade. O mesmo se aplicaria para outras disciplinas, cada uma com seu grau de especificidade.
Esta expressão é a tradução do Inglês “On the Shoulders of Giants”, atribuida ao físico e cientista Isaac Newton. Preencher os hiatos de conhecimento já existente é a razão de ser do empreendimento académico. O processo de produção de conhecimento na academia implica, quase sempre, o recurso as ideias de outras pessoas. Na academia, assim como em muitas outras esferas da vida, o que conta mais é a inovação e não, necessariamente, a invenção do pneu. O pneu já foi inventado: costuma-se dizer. Nos escritos académicos, em particular, só têm pretensão de originalidade quem não é bem lido. Os bem lidos sabem reconhecer a fonte de suas ideias mesmo quando inovadoras. É por isso importante distinguir o que é nosso produto (ideia) do que é emprestado. A honestidade académica consiste, portanto, no uso legítimo e apropriado das ideias de outras pessoas para produzirmos as nossas próprias e contribuir-mos dessa maneira para a inovação e progresso do conhecimento. As instituições de ensino superior desenvolveram, por isso, um conjunto de instrumentos metodológicos que nos permitem usar correctamente as ideias de outras pessoas sem as plagiar. Refiro-me aos sistemas de referência das fontes bibliógráficas e as regras de citação. Esses dispositivos, no entanto, não se restringem apenas as instituições de ensino superior. Algumas organizações profissionais também adoptam mecanismos que consideram convenientes para permitir o uso de seus produtos intelectuais assim como para regular esse mesmo uso protegendo a propriedade intelectual de seus autores. Por exemplo, o patenteamento de marcas de produtos e/ou tecnologias serve para isso.
Os académicos, incluido os estudantes, devem, pelo menos deviam, estar familiarizados com os diferentes modelos de regras de citação e referencias bibliográficas disponíveis através de guiões e códigos de ética que as universidades disponibilizam. A ética académica é um aspecto fundamental pois define o que é considerado certo e o que não é na vida académica. É também um acto de muita responsabilidade. É que o trabalho académico, seja o de profissionais assim como dos estudantes, é acima de tudo uma forma de conduta humana. Assim sendo, essa conduta deve se conformar as normas e valores partilhados naquele meio. Como em qualquer outra esfera da vida em sociedade, certos tipos de conduta são moralmente aceites enquanto outras não. Podíamos nos questionar sobre quem decide o que é moralmente aceite ou não na conduta e na vida académica. A resposta seria a própria comunidade académica. Como dizía, a pouco, ao longo do tempo a comunidade académica nas universidades e as associações profissionais, em particular, desenvolveram códigos de conduta para regular o comportamento de seus membros. Esses códigos de conduta podem variar de instituição para instituição e até de disciplina para disciplina. Por exemplo, existem instituições como a universidade Eduardo Mondlane que não têm um guião específico de regras de citação e ética de pesquisa para os sociólogos. Nessas circunstâncias os sociólogos da UEM podem recorrer e se orientar pelas regras estabelecidas pela Associação Internacional de Sociologia (AIS) se quiserem fazer parte dessa comunidade. O mesmo se aplicaria para outras disciplinas, cada uma com seu grau de especificidade.
Estudar a desonestidade!
A desonestidade académica é um assunto de extrema importância que no contexto Moçambicano ainda não recebe a devida atenção. Um exemplo flagrante dessa falta de atenção é a absoluta inexistência de qualquer tipo de estudo que nos dê uma ideia da formas de manifestação do fenómeno nas instituições de ensino. As vésperas dos exames de admissão para as universidades públicas têm sido as únicas e raras ocasisões em que figuras ligadas a universidade e ou a imprensa se referem, também de forma indirecta e esporádica, a questão da des-honestidade académica. A fraude académica - expressão que nos é mais familiar, por extravio de provas/ exames antes das datas oficiais de sua realização - constitui a forma, aparentemente, mais visível que surge no discurso público sobre a desonestidade académica em Mocambique. Fora disso, pouco ou quase nada se sabe e se fala das diferentes formas em que se manifestar a deshonestidade académica e muito menos os recursos jurídico-legais e institucionais que sancionam esse tipo de práctica. Eis, portanto, um campo que precisa ser explorado.
A desonestidade académica é um assunto de extrema importância que no contexto Moçambicano ainda não recebe a devida atenção. Um exemplo flagrante dessa falta de atenção é a absoluta inexistência de qualquer tipo de estudo que nos dê uma ideia da formas de manifestação do fenómeno nas instituições de ensino. As vésperas dos exames de admissão para as universidades públicas têm sido as únicas e raras ocasisões em que figuras ligadas a universidade e ou a imprensa se referem, também de forma indirecta e esporádica, a questão da des-honestidade académica. A fraude académica - expressão que nos é mais familiar, por extravio de provas/ exames antes das datas oficiais de sua realização - constitui a forma, aparentemente, mais visível que surge no discurso público sobre a desonestidade académica em Mocambique. Fora disso, pouco ou quase nada se sabe e se fala das diferentes formas em que se manifestar a deshonestidade académica e muito menos os recursos jurídico-legais e institucionais que sancionam esse tipo de práctica. Eis, portanto, um campo que precisa ser explorado.
7 comments:
Patrício, é interessante esta abordagem. Mais ainda se pensarmos nas duas vertentes de protecção que podemos analisar quando falamos de desonestidade intelectual: (i) a protecção do autor e/ou (ii) a protecção da obra em si?
Existem, juridicamente, mecanismos de protecção dos criadores. Quando falamos de direitos dos autores estamos a falar disso mesmo. Este é um capítulo específico da propriedade intelectual que tem como objectivo geral proteger a capacidade criativa das pessoas.
Tudo isto requer estudo no sentido de saber até que ponto os instrumentos legais existentes são eficazes na protecção dos intelectuais e suas obras.
Voltarei ao assunto. Preciso consultar profundamente a legislação relevante, ver o que temos a nível institucional (estou a pensar no IPI por exemplo) etc. Chega de plágios
caro patrício, o assunto é grave e precisa de ser estudado, também nos moldes sugeridos pelo júlio. preocupa-me, contudo, a rapidez com que muitos comentadores concluíram se tratar de plágio por parte dos autores. eu já publiquei dois livros na imprensa universitária e quem fez a capa foi a própria imprensa. pediu-me simplesmente para dizer se gostava ou não. confesso que não teria sido capaz de saber se a mesma capa teria sido utilizada por outra pessoa. penso que devemos tomar isso em consideração também. contudo, se os autores tiverem feito isso conscientemente e sabendo que era em violação da legislação, então é grave.
Estimado Júlio.
Obrigado pelo teu interessantissimo comentário. Tens toda a razão. Na verdade, é isso que propus ao Ilidio(eu é que depois não dei seguimento). Concordo que devemos explorar todas a nuances possíveis do assunto. A juridica é sem dúvida uma a considerar. Aguardo os teus subsídios Júlio.
Caro Elíso.
Um dos aspectos que menciono no texto é a falta de dados detalhados sobre o que aconteceu, por exemplo, no caso do estudante do ISCTEM. O mesmo sucede com o caso dos livros de Luis Cezerilo e da pedagoga Brasileira. A imprensa pode ter alguma responsabilidade nisso, mas qual? De quem? Era preciso conhecer os mecanismos de funcionamento da Imprensa. No entanto, ainda sobre os livros de Cezerilo e da Pegagoga Brasileira, na altura do lançamento, eu já chamava atenção para a extrema coincidência do título dos livros com a de uma música de Caetano Veloso sem nenhuma referência a este último. Digo isto para não falar do próprio lívro de Cezerilo que é um atentado a razão! A coisa, não só parece, é mesmo grave.
PS: Se o Mangue (desaparecido da blogosfera) estivesse disponível poderia dar nos subsídios sobre o controle que se faz das teses (e material bibliográfico). O que está a acontecer é um atentado a propriedade intelectual com estudantes (das universidades privadas) – nada nos garante que isso não ocorra internamente – a cópiarem teses já feitas. Como se controla isso? E com a Internet como se faz o controle?
patrício, acho que a regulamentação é importante. contudo, mais importante seria um espaço de debate académico mais aberto e directo. infelizmente, esse espaço em moçambique é bastante limitado. não temos muitas oportunidades (revistas, conferências, debates) de confrontarmos ideias. mesmo aqui na blogosfera fazemo-lo com muita reluctância. mas isso poderia disciplinar os académicos e consolidar a ética académica. neste momento, privilegiamos o princípio de que a originalidade consiste em esconder bem as nossas fontes. penso que precisamos de pensar o assunto ao nível do desafio que ele constitui para o próprio espaço de debate académico.
sobre o plágio na internet: aqui na minha universidade todo o trabalho escrito tem que ser apresentado também em forma digital que depois é passado por um programa que controla se há passagens tiradas da internet. leva muito tempo, mas usado aleatoriamente desencoraja os estudantes a copiarem.
Caros colegas e amigos Patricio e Elisio
o que se passou com a historia da capa do meu livro e realmente grave. Entao concordo que devemos discutir sobre honestidade intelectual. Concordo convosco. Mas so alguns esclarecimentos: eu so publiquei dois livros pequenos, um na Imprensa universitaria (UEM) e outro na Promedia. Nos dois casos eu levei os materiais e ideias para a capa. Sempre que escrevo penso no livro, na capa e no titulo que mudo cinquenta vezes nesse processo. Nos dois casos participei activamente, acho eu, na feitura da capa. Mas tambem sei que ha casos em que o autor so espera a proposta da capa. Mas de qualquer modo: nunca vi nem ouvi falar de capas iguais para dois livros diferentes. Seria um contracenso, porque a capa e parte do livro, acho eu, se calhar, ingenuamente. De qualquer modo isto chama a nossa atencao para a existencia de praticas que podem e devem ser questionadas. E confesso que eu nao gosto de falsas promessas nem de falsos comentarios, nem de falsos debates, nem de falsas analises... Eu sempre cito e cito e cito e nao tenho problema nenhum de aceitar que nem sempre penso como querem que euy pensa. Factos sao factos e cada um analiza-os conforme os entender. Um abraco academico e puro...
Tenho acompanhado o que se tem escrito e dito sobre a capa do livro do prof.Rafael da Conceicão e achei curiosa a observacão feita por Elísio Macamo,quando se refere à "rapidez com que muitos comentadores concluíram tratar-se de plágio por parte dos autores"(...) porque na realidade,Sérgio T.(que trabalha para a Imprensa Universitária),disse ter sido contactado por Cezerilo,ex-Director da mesma Imprensa,pedindo-lhe que fizesse uma capa igual à do livro do Prof.Rafael.
E por estas "coisas" se saberem,é que considero de extrema importância este "pequeno-grande"debate,que tem vindo a decorrer na blogosfera há já vários meses,com a esperanca,para muitos,de que se torne motivo suficientemente forte aos olhos da Imprensa Universitária e que conduza o(s) culpado(s) juridicamente (ou não) a respeitar os direitos de autor e a alterar a capa.
É importante que a ética da educacão académica,esteja assente em bases de integridade,honestidade e coerência,para que a propriedade intelectual a que J.Matisse se refere,seja efectivamente respeitada,protegendo assim,a capacidade criativa de cada indivíduo.
Orlando Wendél
meus caros, penso que há aqui um mal-entendido. considero grave o plágio e penso que precisa de ser discutido e sancionado. o meu primeiro comentário referia-se ao que li no blogue referenciado pelo patrício. não vi nenhuma informação sobre o que sérgio tique disse. foi nessa base que chamei a vossa atenção para a possibilidade de não ter havido intenção de plágio por parte dos leitores. escrevi isso a pensar em mim próprio e na experiência de publicação. todos os livros que publiquei (na imprensa universitária e noutros lugares) têm capas que não são da minha autoria. acrescentei, contudo, que se os autores copiaram conscientemente a capa, então isso era grave. o meu segundo comentário já não tem a ver com a controvérsia sobre a capa do livro de rafael da conceição. tem a ver com o que me parece ser necessário para que haja menos espaço para pessoas plagiarem. portanto, no que diz respeito à capa repito a minha convicção de que é assunto grave ainda mais agora que parece claro que o autor sabia que estava a copiar. devemos, porém, também reflectir sobre maneiras de proteger gente como sérgio tique para que não seja obrigada a violar leis.
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