Sunday, October 5, 2008

Campo literário e a cultura de debate

O meu colega e amigo José Pimentel Texeira (JPT) publicou, no seu Ma-Shamba, um texto interessante sobre o espaço literário moçambicano. Está aí um daqueles lugares sacrosantos – outrora dominado pelos consagrados – e que resiste ao debate aberto de si próprio. Um espaço que recusa b’andlha. A AEMO (associação do escritores Moçambicanos) em particular, e o espaço literário Moçambicano, no geral, constitituem, no meu entender, um espaço social sui-generis de produção e legitimação da intelligentsia que tivemos e mantemos hoje no país. A aversão a crítica e a confusão entre debate e discussão é apenas um exemplo. Não se críticam génios, seguem-se-lhos! Quem os crítica só pode querer “aparecer” ou desqualificá-los. Não se pergunta o que é que a pessoa esta a dizer, qual é o mérito da questão que coloca. Não; pergunta-se: - quem é esse tipo? Quem ele pensa que é? Principalmente se o con-sagrado nunca se cruzara com o crítico em espaços como a AEMO. É desse espaço, mas não só, que suponho ter, senão surgido, pelo menos, ganho corpo alguma das característcas da actual cultura de debate de ideias nosso espaço público. Os Jornais e a academia, claro, seriam o outro espaço. Mas reparem que quem domina(va) num espaço também o fazia nos outros dois, particularmente no campo das letras. Os nossos escritores eram e continuam a sê-lo, em alguma medida, os jornalistas e os professores da faculdade de letras.

Penso que precisamos de uma sociologia do espaço/campo literário (artístico) Moçambicano para percebermos algumas das características da nossa esfera pública e da cultura de debate nele desenvolvido. Assim, a maneira como Pierre Bourdieu fez no seu polémico mais inovador livro “As regras da arte” precisariamos compreender melhor a génese e estrutura do nosso campo (artístico) literário. No caso Francês Bourdieu reconstrói a história da literatura francesa da segunda metade do seculo dezanove. Ao fazê-lo trás ao decima as regras que regem escritores e instituições literárias no seu país desmistificando, como lhe é característico, a ilusão do gênio criador todo-poderoso e apresentando os fundamentos para uma teória da produção artística.

No nosso caso, temos também os nossos “génios” criadores- a “consagrada familia”. Dessa família nem todos ganharam legitimidade pela genialdade da sua criatividade e produção literária, por exemplo. Nem todos se consagraram pela genialidade das suas ideias. No meu entender, hipotético, muitos ganharam legitimidade e autoridade de que desfrutam hoje, em espaços como a AEMO, pela cultura de debate que esta proporciona. Era génio quem estava moral e politícamente do lado certo. Daí a AEMO ter desenvolvido uma relação de simbiose particular com o poder político. Essa característica, se alastrou para a academia. Aqui também eram ou são os mesmos actores que predominam.

Sem querer tirar mérito, aos escritores, professores e jornalistas consagrados, sem querer aniquilar seu génio criador sob os efeitos das determinates sociais que espaços como a AEMO possam ter representado paras as suas criações e reduzir a obra desses ao meio AEMO, por exemplo, penso que precisamos de um estudo mais profundo sobre estes espaços para comprendermos melhor a nossa cultura de debate hoje. Quais são (eram) as regras da arte literária, ou melhor, quais era as condições de produção de um artísta ou escritor no nosso meio? E de um intelectual? Como se legitimam?

Recomendo igualmente a leitura do seguinte texto aqui e debates aqui.

10 comments:

Anonymous said...

alô patrício


tenho "frequentado" a blogosfera a alguns meses e penso que nela podemos ver o mesmo fenómeno que fazes menção neste artigo.

acredito que cada sociedade faz a sua cultura. cada conjunto de pessoas que "vive" num determinado contexto cria o modus vivendi que o caracteriza e ao longo do tempo vai moldando-o segundo as suas mudanças. se a AEMO era um espaço onde o debate crítico tinha lá espaço primordial é porque aqueles que aí "viviam" agiam nesse sentido; cultivavam no seio deles o espírito crítico e estavam atentos e concentrados nos argumentos uns dos outros para que estes tivessem as bases necessárias. se hoje deparamos com uma mudança na cultura deste espaço é porque a sociedade que o compõe terá também mudado.

o mesmo pode-se verificar nos blogs que temos acesso. veja por exemplo a cultura deste blog e do "diário de um sociólogo". que diferenças encontras?

uma na minha opinião é essencial. o grau de criticidade que este exige contrariamente aquele e veja que ninguém controla a postagem dos comentários tanto num lado como noutro. é a forma como os outros leitores reagem a cada comentário que cria a cultura crítica deste espaço e naquele isso não se verifica.

abraços

Júlio Mutisse said...

Meus caros,

Quando comecei a frequentar a blogosfera o fenómeno que descreves era recorrente. As richas eram o pão nosso de cada click em determinados blogs e na confrontação entre ideias divergentes.

Noto um cero abrandamento dessas tendências. Se calhar porque a cultura de debate começa a enraizar-se em nós e a percebermos a necessidade e utilidade do debate de ideias para o nosso próprio crescimento intelectual e para o bem da nação que não pode, nem deve, multiplicar-se ou reproduzir-se na unanimidade.

É verdade que muitos dificilmente deixarão de considerar vozes autorizadas em tudo em que opinem. Isso é provavelmente porque durante MUITO tempo foram vistos e tidos assim.

Mas os tempos e as vontades mudam e começam a surgir pessoas com capacidade não de interpelar as pessoas (que nos merecem todo o respeito) mas as ideias que, enquanto tais, podem ser "pistoladas" questionadas, mas sempre com respeito a quem as emite.

O Haid foca em algo essencial. A cultura de debate. Muitos se habituaram durante muito tempo a enunciar "verdades" e não a debater ideias. O advento da constituição de 1990 e a abertura à democracia e à tão propalada liberdade de expressão e opinião, bem como a crescente aparição de cidadãos críticos e com formação, veio "ameaçar" o espaço dos "donos" da verdade.

Foi de um membro da AEMO que ouvi pela primeira vez "quem é Júlio S. Mutisse?" notem que não discutia (através do jornal que esta coisa de blogs entre nós é nova) o nome do aclamado escritor. Discutia o que tinha dito dos nossos heróis.

Mas vamos chegar lá. Vamos chegar a uma época em que discutiremos os assuntos sem nos preocuparmos se é Mondlane, Langa, Mutisse ou Macamo.

Temos que ver a Bandla com uma espécie de máscara que esconda a pessoa e releve as suas ideias.

chapa100 said...

alo patricio! andei fora da blogsfera e volto e ja encontro um bandla activo. os meus parabes pela tua capacidade de renovacao de ideias.

eish...falar da AEMO implicaria falar da critica? e como falar da critica literaria sem falar da AEMO?

ontem vi a grande entrevista na STV com o pinto naguib, ele falou do papel da critica e foi bom saber que o campo critico existe. existe no artista e a propria arte tem o papel critico.

Elísio Macamo said...

"as richas eram o pão nosso de cada click...". fizeste o meu fim de semana, júlio! concordo com o que vocês escrevem. noto também uma mudança na qualidade de debate, ainda que apareçam por aí pessoas que teimam em não querer discutir. ontem visitei o outro blogue mencionado pelo haid mondlane e deparei com um comentário em que o prof. serra chamava atenção a uma das intervenientes para moderar o tom. ansiei tanto por um comentário dessa natureza no momento das richas há alguns meses atrás, um simples distanciamento em relação aos ataques pessoais que se fizeram a mim em defesa da sua infalibilidade. mas está de parabéns por este acto corajoso e digno. estamos a mudar. jorge, estive em xai-xai e não te vi.

Júlio Mutisse said...

É difícil encontrar o Jorge em Xai-Xai. É capaz de ser mais fácil encontrá-lo em Xigubo ou noutro "polo" que não seja Xai-Xai.

Estamos a crescer.

Patricio Langa said...

Oi. Jorge.
Parece que és procurado!
Obrigado por passares por aqui e deixares o teu “olhar”!
O nosso desafio é fazermos uma crítica cada vez mais crítica.
Quer dizer, uma crítica mais congruente com o sentido de crítica.
Abraço

Patricio Langa said...

Oi. Elísio.
Gostava de ter a mesma impressão quanto a mudança para melhor da qualidade da crítica e do debate. O professor Serra não sera o único indicador dessa mudança, se bem que pelo espaço e prestígio que têm na nossa esfera pública seria desejável notar essa atitude da sua parte. Achei muito estranho a ambiguidade e incongruência com que tratou um professor da faculdade de educação da Universidade Eduardo Mondlane. Esse professor, psicólogo, fez uma pesquisa se não me engano para o seu mestrado, sobre percepções de crianças de três escolas primárias da província de Maputo em relação à beleza feminina. Uma percentagem significativa das crianças mostrou preferir as cores claras. O estudo, mas principalmente a maneira como o autor foi inicialmente tratado no Blog do professor Serra causou uma série de reacções emocionais que se traduziram no ataque pessoal a pessoa do pesquisador e não ao estudo em si. Que os demais comentadores tivessem atacado o pesquisador nem me importava tanto.A maior parte dos que lá comentam só fazem isso. O que achei estanho, hoje essa postagem está alterada, é que o professor Serra ao questionar os problemas metodológicos do estudo fez questão de frizar que o autor era professor de metodologia na faculdade de educação tendo inclusive publicado seu programa de ensino no blog. Implicitamente estava-se a questionar como é que um pesquisador que produz um estudo com problemas metodológicos pode ser professor de metodologia na UEM. Já não se estava a discutir a metodologia do estudo, mas o professor de metodologia na UEM. Eu recordo-me de ter questionado a metodologia do estudo sobre os linchamentos feito pela Unidade de Diagnóstico Social e orientado pelo professor Serra, mas nem por isso me autorizei a questionar as qualidades do professor Serra enquanto professor de metodologia no departamento de história da UEM. Assim que se apercebeu disso, mudou tudo se! Hoje o psicólogo Vera CRUZ, autor do estudo, tem dedicado a si uma série: a “Cruz do Vera Cruz” onde se analísa a reacção das pessoas ao estudo de Vera Cruz. Hoje os preconceituosos são os comentadores e não mais o professor. O verdadeiro sinal de mudança começa quando se aceita que se cometeu um erro. Ainda há gente atenta aos detalhes!

Elísio Macamo said...

patrício, acho isso muito estranho. isto revela também a falta que revistas científicas fazem para podermos fazer recensões críticas de livros e estudos. as recensões em blogues ou em jornais não são suficientes. há sempre o risco de não sermos suficientemente profundos para honrar o esforço dos autores.

Patricio Langa said...

Elísio.
Sim, a falta de revistas ciêntíficas constitui uma lacuna muito grande. Mas a esta postura, no debate crítico de ideias, também pode ser transposta para as revistas ciêntíficas. E ai até terão outro tipo de autoridade. Enfim, espero que esteja enganado.
Abraço

Anonymous said...

alo a todos.

andei um pouco longe da blogoesfera mas vim dar "uma vista de olhos".

gostaria de chamar a atencao a um aspecto que reparei com a divulgacao do estudo do dr Vera Cruz.

Tanto nas intervencoes dos telespectadores, feitas aquando da ida do dr. Cruz a STV como no blog do prof Serra, muitas das REACOES (APAIXONADAS) procuravam descredibilizar o estudo; alguns telespectadores pediam ate que o dr Cruz nao abordasse esse Tema pois "...o povo mocambicano ja ultrapassou isso".

percebi ao longo de muitas destas reacoes que a interpretacao que se fazia do estudo e que este dizia que as mulheres brancas sao mais bonitas que as negras e tal afirmacao mexeu com a auto-estma das pessoas (incluindo academicos).

na minha forma de ver, este estudo ressuscitou uma questao RECALCADA no incosciente da nossa sociedade. ainda vivemos com o fantasma do colonialimo, racismo e subvalorizacao da raca negra. Ao trazer aquela conclusao o dr Cruz levou a sociedade a trazer a conscincia o "evento traumatico" pelo qual a sociedade passou.

perspectiva ousada a minha, sei. mas penso ser util comecarmos a analisar tambem este tipo de reacoes que se verificaram apos a divulgacao do estudo.

pergunto-me: que outros fantasmas mais teremos? que outros acntecimentos temos RECALCADOS, que nao foram devidamente elaborados?

estas sao questoes que precisamos comecar a analisar.

abracos a todos