Na página dos leitores de hoje, do Jornal Notícias, o Sr. Leonel Magaia, escreve, num texto interessante, sobre o que considera ser, num neologismo vernáculo, de “massinguitização” da Mulher. Um crítica aos videos clips de algumas músicas, que na sua óptica, coisificam a mulher.
“Belo” tema este. Quem me dera os estudantes de sociólogia, das diferentes faculdades onde a disciplina é ensinada no país, variassem as ‘imperativas teses’ sobre as representações sociais sobre HIV/SIDA nos….; “O papel da redução da pobreza no...” com análises sociólogicas de coisas aparentemente óbvias como os videos clips e até a música produzida no país. A ‘imaginação sociólogica’, tão cara a C. Wright Mills, as vezes passa por mostrar porque o óbvio é óbvio. Revelar o que se esconde por detrás do óbvio pode nos mostrar com que linhas se costura a nossa sociedade. Tenho para mim que assistimos uma verdadeira “revolução silênciosa” no campo da música. Que passa despercebida. Há características do “social”, da nossa produção de sociedade, das mudanças e resistências a mudança que parecem se revelar ‘bem’ através através da música e dos videos. O que acham? Numa altura em que nós vangloriamos, por ter um parlamento com cerca de 43% de Mulheres, o que isso signífica a lúz da leitura feita por Magaia, por exemplo? É no parlamento ou na música onde podemos encontrar os sinais da mudança estrutural das relações de género na nossa sociedade? Bom, pode até ser nos dois espaços. Mas valeria a pena pensar nisso. É um desafio que lanço aos canditados a sociólogo. Há muito mais do que a “pobreza da pobreza absoluta”! Aténção, não estou a dizer que concordo com a análise do Sr. Magaia, principalmente com as distinções que introduz entre moderno versus tradicional, local versus importado assim como o seu tom normativo e moralista. No entanto, isso não desvaloriza aquilo que acho ser seu argumento central: a coisificação da mulher! O que achais?
Enfim leiam, na íntegra, com o texto reproduzido do Sr. Magaia, a "massinguitização da Mulher”.
N’UM VAL’PENA! - Clips, ou a coisificação e massinguitização da mulher?
Hoje trago uma abordagem sobre os video-clips da música moçambicana, ou, se quisermos, da música feita em Moçambique.
Maputo, Quinta-Feira, 7 de Agosto de 2008::
Notícias A música e a dança (a chamada arte das musas) podem ser consideradas como uma prática cultural e humana. Parece ponto assente que não se conhece nenhuma civilização que não possua manifestações culturais e humanas próprias. E Moçambique não foge à regra.
Ademais, quem quiser fazer uma abordagem sobre a música de Moçambique, um aspecto trivial deve ter em conta: a música em Moçambique é uma das mais importantes manifestações deste país. A dança, com fortes características bantu e influência árabe, normalmente acompanha cerimónias sociais e tradicionais.
Por outro lado, a música comercial em Moçambique tem fortes influências no moderno, usando, quase sempre, ritmos e tecnologias importados de outras culturas. Isso equivale a dizer que a discussão sobre se o que se faz e se canta por cá é música moçambicana ou não, se calhar é muita areia para o meu camião.
Se calhar. Não por défice de abordagem, mas porque passou a ser uma discussão fútil e despida de elementos válidos de observação. É que anda aí boa malta, gente jovem, com boas intenções, julgo eu, a associar ritmos tradicionais com fórmulas importadas de música. Ao que resulta chamam música moçambicana. É uma fusão que até acaba por resultar interessante, na medida em que põe o pessoal aos pulos e a abanar o esqueleto. Principalmente os mais jovens. Mas não passa disso, apenas ficámos pelo abanar do esqueleto. Tudo o resto que pressupõe a associação de música e arte não encontramos. Não encontramos nessas ditas músicas moçambicanas a construção de consciências sociais sãs e recomendáveis. Não encontramos a simbiose entre o lazer e a aprendizagem. Em suma, não encontramos temática. Salvo algumas gratas e raras excepções. Porque tudo o resto é ruído compassado e sistematizado.
E porque estamos perante um caso de sistematização de ruídos, fica evidente que a música não pode funcionar se não for percebida, se não for estabelecido um diálogo entre o compositor/músico e o ouvinte. Se calhar é na procura desse diálogo que alguns músicos moçambicanos enveredam pela associação, por exemplo, da tradicional marrabenta, que não é apenas uma música de dança, mas com uma letra com grande conteúdo social, a culturas importadas. Esta simbiose parece-me de uma aberração gritante e de uma lucidez suspeita. E até é uma pena esta lacuna de identidade porque Moçambique, de entre os países africanos de expressão portuguesa, tem uma maior herança musical registada. Já nos longínquos anos de 1930/40 havia artistas gravando e vendendo com uma facilidade impressionante, até para os países do chamado Primeiro Mundo. Na globalidade dos países falantes da língua portuguesa, Moçambique foi sempre o quarto a ter gravações regulares de artistas locais, a seguir a Portugal, Brasil e, pasme-se, Goa. A música então disponível era uma espécie de fusão, mas com elementos musicais de raiz reconhecidamente moçambicana, a partir de uma imensa variedade de ritmos de marimba, corais, solos de mbira (piano de polegar), guitarras, entre outros. Nesse aspecto, meus senhores, façamos vénia a Portait, o último de Jimmy Dludlu e, porque não, ao estoicismo de Didácia.
Mas, tal como disse, não quero e não vou discutir o conceito de música moçambicana.
Interessa-me falar sobre os video-clip das músicas (e até podia ser sobre algumas promoções publicitárias) que passam nas nossas televisões.
Acho extremamente violento o que nos apresentam como sugestão para o lazer. O que mais intriga é que a mulher virou símbolo de degradação moral e social. Ou seja, se quiseres fazer um clip não te esqueças de usar (o termo é mesmo esse, sem aspas, usar) a mulher. E quanto menores trajes tiver melhor. Ela deverá servilmente bambolear-se e mostrar provocantemente as suas partes pudendas. Não interessa se a letra ou tema nos indica tratar-se de música religiosa, triste, alegre, o que quer que seja. A mulher (semi)nua está lá, escrava e comercialmente usada. Em poses de strip tease naturalmente obscenos e de um profundo desrespeito. Ficámos constrangidos quando, em momento de lazer e em família, nos queremos deliciar e aprender do que a televisão tem para nos mostrar. Os putos arregalam os olhos e babam diante de tamanha e inusitada desnudez e, sobretudo, pelo despropositado menear e remexer dos bumbus d´as menina bonita, khoma lá! E depois fazem perguntas embaraçadoras. Resultado: o pai assobia para o lado, tipo não está a perceber nada, a mãe desaparece para a cozinha, os irmãos mais velhos sorriem matreiros e malandros ante a vergonha dos pais.
Ninguém se recorda que o consumidor e contribuinte tem também os seu direitos. Ninguém se recorda que a intromissão arbitrária na vida privada do cidadão, da sua família, do seu domicílio, os ataques à sua honra e reputação, ainda que sejam por via da televisão, pressupõem crime. Ou alguém duvida que aquelas imagens, que chocam com a nossa honestidade intelectual, são a marca evidente de atropelos a alguns dos direitos fundamentais do Homem e que são um caso de agressão psicológica? E todos nós sabemos que a agressão psicológica consegue ser mais violenta e dolorosa que a física. Aliás, contra tais agressões toda a pessoa tem direito a protecção da lei. Onde estão então as leis de defesa do consumidor?
Onde está a função social e educativa desses pseudo vídeo-clips?
Já alguém defendia que o contexto em que vivemos é reflexo da globalização. Mas então se assim é, por que é que não criámos estratégias de defesa à nossa integridade cultural? Por que não adoptamos estratégias antropofágicas, ou seja, filtrarmos os efeitos da globalização consumindo o digno e aproveitável e rejeitando o nocivo. E aqui, meus senhores, digam-me se não têm saudades da censura prévia? A censura até podia ser um mal, mas só vinha por...bem.
Porque, verdade seja dita, tratar comercialmente as nossas irmãs, desnudá-las em frente às câmaras de televisão e aos olhos de crianças, jovens e idosos, em nome dos efeitos da globalização, isso só pode mesmo ser massinguita!
E depois chamamos a isso cultura...nacional!
Era o que faltava!