Wednesday, October 29, 2008

Conhecer e classificar [1]

“A ti hau ti lhecana macovo”


Esta frase, em Shangan, certamente mal escrito, quer dizer que os macacos riem-se, uns dos outros, dos seus olhos encovados.Cada um se acha bonito pois não consegue ver seu próprio rosto. Quando diante do espelho pensa que está a ver seus homólogos. Na blogosfera moçambicana há uns que agem desta maneira. Vivem colocando os outros, em caixinhas, em seus esquemas de percepção e classificação. Nesse exercício eles são a medida de todas as coisas porque se julgam perfeitos. Já me explico. Antes porém permitam-me uma confissão. De todos que se põem a tentar dizer alguma coisa sobre o que são ou devem ser os blolgs, simpatizo-me com a postura de JPT (José Pimentel Teixeira). Se bem o interpreto, JPT, é daqueles que defende a ideia de que "cada qual é como cada um", e por isso bloga a sua maneira. Não há padrões, não há regras inegociáveis, muito menos modelos perfeitos. Esta postura não deixa espaço para os adivinhos das intenções de quem quer que seja ao blogar. Uma vez mais o julgamento pelas intenções “ocultas”. Preferem as acusações de feitiçaria a maneira de Azagaia, para quem já lhe estão a escrever as letras. Nem pensar deixam que o jovem o faça usando seus próprios neurónios.


Tenho para mim que o mesmo princípio não se aplica no debate de ideias. Um debate de ideias, para fazer sentido, tem que obedecer a algumas regras. É claro que tais regras são negociáveis. Ainda que seja para se concluir que a regra é a ausência de regras. Essa, em si, já é uma regra. Há uns que emulam o dito “senso-comum” como se essa fosse uma forma de conhecimento desregrada. É uma maneira de impor-nos classificações sem debatê-las, sem nos permitirem avaliar a plausibilidade dos critérios que usam nessas classificações. Alguém classifica um acto de corrupto e não aceita debater os critérios da sua classificação, com o argumento (problemático) de não querer julgar o senso comum, portanto, não querer ser “sabichão”. O que está a fazer essa pessoa senão a furtar-se ao debate?


Classificar é uma forma de conhecimento, sentenciou há muito Durkheim. No entanto, aí está mais uma regra, só quando sistematizadas as divisões e distinções de ideias (e não de intenções ocultas como está ser sugerido para os bloguistas), relacionadas umas as outras, podem formar esquemas de classificação. Há, portanto, formas de classificação sistemáticas e aquelas não sistemáticas. A primeira forma assenta na avaliação dos critérios de classificação. A segunda é especulativa. A qualidade do conhecimento depende da avaliação que se faz dos critérios da classificação. Se alguém classifica um acto de corrupto só estará a produzir conhecimento se obedecer a primeira forma de classificação. O debate de ideias permite-nos avaliar, analisar, a plausibilidade dos critérios usados para se chegar a essa classificação. [Continua].

13 comments:

Ximbitane said...

Ui, dedo na ferida como dói! Clap clap pelo artigo. Há muitos macacos que só sabem se rir da cauda dos outros esquecendo-se ou ignorando que como macacos que são, os rabos são todos vermelhos.

Patricio Langa said...

X!mbit@ne.
Obrigado pelo comentario.
Devo-lhe um comentario na postagem anterior. achei-o tambem interessante. voltarei ao assunto. estou em maputo e aqui o tempo voa, quando e escasso.
Perdoe-me a falta de acentuacao.
abracos

Anonymous said...

Boa Patricio, somos todos perfeitos e imperfeitos até que nos provem o contrário. claro com plausibilidade dos argumentos.

Tau Tau Tau passemos para outra fase bloguistas. Como bem diz meu amigo Egidio Vaz "Não sou bloguista profissional"

Nao sendo realmente profissional irei insistir num proverbio "dos santos comuns", que quanto a mim sentencia e aconselha-nos a saber ouvir e não a temer

Há um provérbio na língua sena que diz o seguinte ndzerumbawiri: o bom juízo é o de duas pessoas

(Literalmente quer dizer que o juízo são dois) este provérbio pretende referir que uma pessoa sozinha engana-se.

É preciso contrastar opiniões, consultar e ouvir os outros. A palavra e sabedoria de varias pessoas merecem atenção respeito-contrariamente a mentalidade de sabe tudo.

Uma outra cartada para amigos do blogue é apresentada por um grande senhor das ciências sociais

O professor Irving L. Horowitz propõe que se coloque de lado o falso dualismo ciência e valor, objectividade e interesse humano.

Pois para Jaccard a objectividade excessivamente assumida tende a proporcionar, em decorrente do seu próprio vazio, dependências sem consciência a doutrinas de pensamento ou a resignações que nada ostentam de cientifico.

Entre o dogmatismo revelado por uns e o parcialismo omitido de outros, há espaço para uma ciência do homem na medida em que se reconheça as suas possibilidades e os seus limites.

O que falta realmente neste mundo do blogue é começar a sermos directos na nossa critica ou proposta de critica. Para finalizar cito bayano valy quando refere que "palavra de nenhum outro homem é final"

Abraços

Anonymous said...

Obrigado pela referência. "cada qual é como cada um" como diz o meu povo, cada um bloga como quer, traduzo eu. E pode, acrescente-se. O que o bloguismo tem é isso da fruição da palavra escrita, democrática por isso, criativa por isso. Também por isso nos velhos tempos iniciais do bloguismo por cá (no Ideias para Debate do Machado) defendi a alijar das regras e normas na blogotextualização, não me esquecendo do peso simbólico dos actores da palavra escrita, dos constrangimentos que uma excessiva "regulamentação" (fluída) iria provocar nos que a ela queriam aceder - o sempre interessante momento do "abrir o blog". Também por isso o meu enorme apreço pelo Nkhululeko, que tem um olhar (Quando exerce) crítico fulminante - e tão antropossociológico - instalado numa retórica tão diversa.
Mas isso, claro, não é uma posição contra nenhuma outra formulação do "poder ser" blogal, é apenas uma desconfiança face ao "dever ser" (em forma e em conteúdo)

Anonymous said...

["cada qual como cada um", há ali um "é" em demasia]

Patricio Langa said...

Caro Rildo.
Obrigado por deixares aqui o teu comentário. Há muito que já havia deixado de postar este tipo de textos. No entanto, nunca houve folga. Houve sempre indirectas as quais uma e outra vez reagia. Agora vamos até aonde for preciso. Um dia a cultura do debate vai vencer.
Volte sempre.

Patricio Langa said...

Caro JPT.
Sim, cada um é como cada qual e vice-versa. Para quem não faz do blog uma profissão ou uma fase do culminar da profissão, mas um passatempo individual, ainda que sério, não “há crise” (como se diz por aqui) blogar como cada um quiser. Afinal cada blog é uma alma, é uma postura, é um “olhar”....! No entanto o debate, no blog, é inter – subjectivo, é interactivo. Há troca de ideias. Procura-se comunicação. Aí cada um deveria admitir ceder uma parte do seu “anarquismo” para a própria possibilidade desse diálogo. Caso contrário não há debate. De resto concordo com cada um blogar a sua maneira.
abraço

jpt said...

Ora aqui está um desacordo, e é aí que "há gato" ou melhor, há hiato. Eu acho que pode haver diálogo ["pode"] - explícito, pois o implicito é ainda mais possível pelo facto da apreensão via entre-leituras - entre diversas formulações da comunicação, diversas formas de onnstruir o texto (o meu elogio ao andré, acima, não era inocente. Mas tambem não o apontava como "paradigmático"). Isto não é a apologia do "vale tudo" mas é a reclamação de um alargamento da pertinência formal.

Desculpar-me-ás a contradição que está implícita nesta minha crítica. Pois enquanto defendo amplitude nos modos aduzo uma exigência de cariz "ético". Eu gosto muito de uma postura bloguística (muito dominante no outro universo bloguístico que frequento, o português) que é a da entre-ligação (os "links"). É certo que fazer elos (os tais "links") se tornou uma espécie de idolatria, há mesmo link hunting (como uma vez defini). No bloguismo moçambicano não - o que aliás se traduz nos baixos índices do technorati, medidor das ligações que são, também, informes sobre diálogos havidos e indutoras de leituras. Mas mais do que isso as ligações têm uma dupla dimensão: por um lado são uma expressão de reclamação de "isonomia", ultrapassam os estatutos prévios ao bloguismo, recusam a transposição das hierarquias estatutárias para esta actividade. Eu dou um exemplo: se quero dar uma pancada (como já dei) nos blogs OS Tempos Que Correm ou Abrupto (que são de meus antigos professores) ponho ligação - eles serão informados da minha pancada, e os leitores saberão do conteúdo exacto do que estou a fazer. Se quero criticar ou elogiar alguém (um ex-ministro ou um nick anónimo - e há lá maior desvalido sociológico do que um mero anónimo?) idem. Por outro lado é uma forma de respeito aos leitores - dou a todos os instrumentos para que percebam do que se está a falar. E partindo do princípio - que me parece óbvio, ainda para mais em internet - que não se trata de um "clube privado", onde só se entra após ter acesso à (prestigiada) chave de descodificação. Dar as chaves de descodificação dos textos é então não só a consciência do espaço aberto comunicacional como também uma reclamação da democraticidade deste espaço, todos são (a priori) bem-vindos [se começarem a disparatar já será outra coisa].

Remate: esta série de "posts" teus é sobre Carlos Serra no seu Diário de Um Sociólogo. Eu compreendo isso, vários dos leitores compreenderão - algum que aqui chegue poderá não compreender se não pertencer a este universo leitor ["se estiver a entrar"]. será excluído, devido ao seu estatuto [novato, exógeno]

Mais, se os posts são explicitos (para a "comunidade de inteligilidade") o comentário de Rildo Rafael ainda o é mais, invadindo até as práticas profissionais de "alguém" - o que eu entendo muitissimo desagradável (mesmo que haja antecedentes no blogomundo, mesmo até que o tenha acontecido no fantasmagórico bloguista em causa). Ora o que em ambos os casos acontece é uma sub-nomeação do objecto da crítica - se a crítica é justa ou injusta, isso é outra coisa, não estou aqui para criticar blogs em geral e não me agrada nada a crítica profissional dos bloguistas via blogs. uma sub-nomeação é uma sub-individualização (algo que começa com a utilização da indeterminação de pronomes e acaba na aus~encia de nomes)

Longo texto o meu, mas de teor antropológico ou sociológico ou político, como preferires. Mas não me parece que possa haver a reclamação de normas para o diálogo, para a crítica, que sejam compatíveis com a indeterminação do objecto da crítica, com o seu rebaixamento pela sub-nomeação, indeterminação individual. Não por regras de cortesia, mas sim por uma concepção anti-democrática e anti-equitativa da utilização da palavra e do direito à leitura compreensiva.

cumprimentos

jpt said...

Peço imensa desculpa a todos, mas em particular ao comentador Rildo Rafael - foi uma distracção, o comentário que referi acima é da autoria de C. Banú e não o dele, e está colocado no post seguinte.

Aproveito esta minha errata para sublinhar, caso necessário seja, que a minha arenga é para esta Agora, mas claro que é minha opinão para todos os blogs - em especial quando opinam sobre outros.

dobro as desculpas ao P.Langa e ao R. Rafael e duplico os cumprimentos

Anonymous said...

Caro JPT, espero que o Rildo e o Patrício já te tenham desculpado. Fez bem bem em vincar que o seu último comentário não era para eles mas, para mim.

Permita-me tecer estas considerações:
O blogodebate - pelo menos em Moçambique - apareceu e deu oportunidade a todos, para que trocassem seus pontos de vista, contornando a "velha desculpa" de falta de espaços de publicação de textos, de crítica, de desabafos, etc...
Houve interessante debate na altura - no idéias para debate -, sobre regras de participação no blogodebate, mas no final vincou a idéia - a meu ver - de que a única regra plausível era a do respeito pela troca directa e isenta de idéias. Ou seja, que não bastava discordar de um facto, mas também, indicar as razões concretas, e de forma directa, sobre a discordância em relaçao a esse facto. Sem nunca atacar a pessoa.
Na sequência, vários compatriotas criaram seus blogues, e nisso não houve necessidade de regras sobre que posturas epistemológicas cada um devia seguir.
O princípio "ético" me parecia implícito e consensual: respeito pelas idéas e pela pessoa do outro, mesmo na discordância.

O que depois sucede, é que os primeiros a blogar inventam regras e logo depois se apressam a ir contra as mesmas.
Nisso, começam a criar "séries", "aforismas", etc., sobre outros, para mostrar discordância em relação a procedimentos, sem nunca colocar o debate de forma directa. Mas sempre em estrategias de ataque "ad hominem", de forma indirecta.
...até hoje.

O JPT tem a vantagem em relação a quem estiver a entrar neste debate, portanto novato, pois sabe de quê e de quem se trata.

Meu problema é só este: porquê o JPT, se é a favor de posts explícitos, em relação aos destinatários, não coloca também a inquietação do outro lado? do lado de quem também vive "mandando indirectas aos outros, em forma de séries e aforismas? WHY!!!


Abraços.

C.Banú

PS- não estou a ser advogado de ninguém, é o meu ponto de vista, em relação às posturas nos nossos blogues e bloguistas.

Patricio Langa said...

Caro JPT.
Não tem porque se desculpar. Temos trocado ideias desde os tempos do "Ideias parta debate" do Machado de forma cordial. Sem ataques pessoais. Não me recordo de alguma vez termos estabelecido alguma regra – explicita – de como nos deviamos tratar. Discordamos algumas vezes. Sempre que o fizemos apresentamos as razões para nossas posturas divergentes.Umas vezes acordamos em discordar. Partimos de princípio que somos todos movidos pelo interesse do esclarecimento dos nossos “pontos de vista”. Essa é uma regra – tácita - mas regra. Não me recordo de alguma vez teres caricaturado, mal representado, aforismado, ou coisa parecida meus argumentos nem eu os teus. Enfim, até hoje mantemos essa postura de cordialidade no debate.

Concordo com a crítica que me endereça, mesmo que a considere parcial e algo "in-justa". Se reparar vai notar que em post anteriores sempre que me referia a algum blog fazia o link. Notei porém que de todas as vezes que in-directamente fui mencionado num determinado espaço o seu autor sempre passou a ideia de nunca ter visitado meu espaço. Isso ocorre mesmo que o conteúdo de seus textos o desmintam, mesmo que o registo de que me visitou o desminta. Há vários exemplos disto. Ainda assim acho a sua observação pertinente, um novato pode ficar meio perdido. Tentei não usar as mesmas “armas”, mas o mimetismo as vezes se impõe. Não fui eu quem começou a quebrar essas regras de cortesia.

Não sou a favor de se mencionar ou por em causa a profissão das pessoas no blog. Aliás, eu critiquei essa atitude em relação ao tratamento que se dispensou a um professor de metodologia faculdade de educação da UEM que ousou publicar suas ideias. Reparei a sua reacção imediata na altura. Como vinda de si, não achei extraordinária pela postura a que nos habitou. Para ser sincero, eu prezo o professor Carlos Serra ainda que, hoje, ache que o bloguista roubou-nos um – prometido – sociólogo. Como se esses fossem mutuamente exclusivos.
Aquele abraço

Anonymous said...

Caro JPT

Não tem porque se desculpar.
Foi uma mera distração, algo normal. Contunue com a mesma chama neste debate de ideais.

Um abraço e comprimentos
Rildo rafael

jpt said...

PL - pois, eu apresentei uma "posição política", uma "posição de princípio", sobre o blogar. Depois haverá a "fenomenologia blogal" ...
C. Banú - ao seu desafio só posso responder que aqui estou a conversar com o PL (e com os seus leitores, claro) - coisa que vem sendo hábito, ainda que não quotidiano. Isso não implica que me (auto)considere tutor bloguístico, de caixa de comentários em caixa de comentários a pregar a minha homilia.
um bom fim da semana e melhor fim-de-semana para todos