Thursday, October 2, 2008

Psicologia versus senso comum

Está aqui...! Esta é para os Psicólogos, mas não só. Espero que venham, à B’andhla, responder ao desafio colocado em carta de opinião - um lugar privilegiado, este, nas minhas visitas ao matutino, “governamental”(Não me esqueci do adjectivo), Notícias – pelo leitor Belmiro Uageito. Nos anos lectivos de 2003 e 2004 tive o privilégio de dar aulas de Introdução as Ciências Sociais a um grupo de estudantes do curso de psícologia oferecido na Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane. Hoje, suponho, uma boa parte desses meus ex-estudantes é psicólogo/a – ou pelo menos, formado/a em psicologia. O que tem a dizer? A psicologia é uma arte, como sugere Uagenito? É ciência? Arte pode ser ciência ou ciência arte? O que é arte, neste caso? Bom, o que é ciência? Charlatães? Ah, esses parece existirem em todas as profissões, até na ginecologia. O que propícia esse fenómeno, no nosso contexto? Quais são as condições de produção dessa figura? Qual é o problema que o Uagenito está a levantar? Haid, está ai o desafio.

SR. DIRECTOR!

Todos nós no dia-a-dia ouvimos falar de psicologia e de psicólogos, mas na verdade ainda resta muita confusão entre a sua verdadeira conotação científica e o significado que muita das pessoas lhe dá. Pensa-se muitas vezes que psicólogo é aquele que abana com a cabeça e responde assertivamente às questões que se lhe colocam, trazendo milagrosamente a cura para os problemas do paciente (ou cliente, consolente, utente, como lhe queiram chamar).

Maputo, Quinta-Feira, 2 de Outubro de 2008:: Notícias

Espera-se dele tudo o que até então não foi conseguido, como se ele tivesse um poder mágico ou sobrenatural. No entanto, infelizmente, ainda se encontram muitos charlatões, que sem aptidão profissional exercem a profissão de psicólogos, eludindo pessoas com falsas esperanças, só para poder angariar algum dinheiro, o que contribui para agravar ainda mais o estado do paciente que o procura. Também há por aí muitos curandeiros que procuram a “libertação da mente”, dos “problemas espirituais” dos homens, com métodos (se assim se podem chamar) que nem eu mesmo sei designar.
Mas afinal qual é o papel do psicólogo, o que é que ele faz, qual o seu âmbito de actuação e o que o distingue das outras artes?
Psicólogo é um profissional devidamente qualificado para o exercício profissional da psicologia, que usa métodos e técnicas científicas, devidamente estruturadas, que actua no sentido da prevenção, promoção e desenvolvimento psicológico, em situações normativas ou não-normativas. O seu principal foco é o comportamento humano. Estuda também situações que se desviam do normal, chamadas psicopatológicas no sentido clínico. Não aborda somente a pessoa (como as outras abordagens), mas sim o indivíduo no seu contexto, que é alvo de múltiplas inter-ocorrências. Isto faz todo o sentido, pois o sujeito não vive isolado dos outros, sendo influenciado por todas as determinantes que ocorrem no seu meio. Por exemplo, uma criança pode manifestar problemas de aprendizagem na escola, sendo que por detrás disso estão problemas de sono, instabilidade do humor, problemas e conflitos familiares, desemprego dos pais, meio socioeconómico precário, marginalidade... Portanto, faz sentido analisar-se o sujeito como um todo, não como uma entidade isolada.
O que torna complexa a psicologia e os seus modos de intervenção são, tanto a complexidade de actuação em todos os contextos de inter-relação do sujeito, como a singularidade dos problemas individuais. O que quero dizer com isto é que não há dois sujeitos que tenham o mesmo problema, porque ele não pode ser visto da mesma forma. Assim, a intervenção tem de ser adaptada a cada pessoa. Há manuais que ajudam a identificar conjuntos de sintomas, mas apenas servem para fazer diagnósticos, não se constituem, obviamente, como instrumentos únicos, apenas como meios auxiliares. Por outro lado, julgo importante precisar que o poder de mudança não cabe somente ao terapeuta, sendo que o paciente exerce um importante papel. Trata-se de um “jogo de cooperação”, em que o terapeuta vai progressivamente concedendo o poder de mudança ao cliente, ajudando-o a alcançar sempre patamares mais elevados, funcionando a terapia como um local de experimentação de comportamentos difíceis de alcançar, e o técnico como uma base de segurança. Tal como as mães para os bebés.
Os terapeutas também se preocupam com os doentes (ou deviam realmente preocupar), e anseiam tanto pela cura como os mesmos. Não sugestionam as pessoas nem condicionam o seu futuro com promessas irrisórias. Antes, definem objectivas realistas, que visam uma melhoria, ajustamento ou desenvolvimento psicológico dentro dos trâmites normativos. E a necessidade destes profissionais é tão premente, que todas as pessoas, em qualquer momento da sua vida já necessitaram dos seus serviços, mas que por escassez de recursos ou de informação estiveram privadas deles. Isto deve-se não à falta de iniciativa dos psicólogos em promover os seus serviços, mas às barreiras burocráticas, legislativas e laborais que se lhes colocam. Entidades governamentais deviam antes pensar no bem-estar dos nossos cidadãos ao invés de limitar o âmbito de actuação destes profissionais em que a precariedade laboral é cada vez mais visível.
Pense-se nisso.
Belmiro Uageito - Psicólogo e Pedagogo

4 comments:

Anonymous said...

Patrício acabas de provocar o meu apetite para a discussão.


engraçado que vi o artigo e comentava com um colega meu (Anibal) sobre o tema.


ao que me parece Uageito procura trazer ao público uma espécie de explicação do que é o psicólogo e o seu papel no seio da sociedade. não se trata de um problema como tal mas sim uma espécie de esclarecimento e dissipação de alguns equívocos que exitem em relação ao papel do psicólogo, como por exemplo, que os psicólogos "...não sugestionam as pessoas nem condicionam o seu futuro com promessas irrisórias."

embora eu defenda uma corrente relativamente diferente da de Uagenito, na minha forma de ver ele foi feliz nesta "explicação" que dá do que é a psicologia.


1 - A psicologia é uma arte, como sugere Uagenito? É ciência?

podemos ver a psicologia como tendo duas caras. uma enquanto estudo da alma (ciência) e outra enquanto a parte técnica que se concretizada em terapias e outros programas de intervenção.

pessoalmente prefiro o termo alma aos termos mente e comportamento. quando falo de alma não me refiro ao conceito largamente difundido pelas religiões mas sim ao todo formado pelas várias componentes da mente (inteligência, personalidade, motivação, percepções, memória, atenção etc.), à interacção entre esses elementos e à dinâmica desse todo com os elementos exteriores a si.

dizia, que enquanto Ciencia a Psicologia vai procurar compreender a dinâmica da alma. ao passo que falamos de arte porque para além dos conhecimentos científicos o psicólogo deve ter/desenvolver habilidades (psicossociais), competências práticas e emociaonais que lhe permitem conduzir processos terapêuticos de modo a levar o seu cliente ao estado pretendido.

2 - Arte pode ser ciência ou ciência arte? O que é arte, neste caso? Bom, o que é ciência?

como me referi, não falamos de arte e ciência num mesmo momento. falamos de arte enquanto o uso de conhecimentos, habilidades, técnica para "manipular" a alma de modo a atingir objectivos. nesta arte usamos a ciência enquanto conjunto de conhecimentos acumulados pelos estudos efectuados. E falamos de ciência enquanto o estudo da dinâmica da alma (como expliquei atrás)

3 - O que propícia esse fenómeno (charlatães) no nosso contexto?

bem, para o nosso contexto contam dois aspectos. o primeiro está ligado a escassez de informação em relação a esta profissão o que faz de qualquer um que tenha ouvido falar de alguns TERMOS como complexo de édipo, introspecção, desenvolvimento psicossocial, um potencial psicólogo e o cidadão comum fica a mercê desses charlatães por não ter como avaliar o que lhe aparece a frente.

o segundo factor é a falta de uma instituição (associação ou ordem) que possa regrar e controlar os profissionais que operam nessa área.

penso que por enquanto é tudo. espero ter contrariado as ideias de muitos e desse modo colocar os meus pontos de vista num confronto construtivo.

abraços

Sueli Borges said...

Oi Langa, oi Haid.

Gostaria de acrescentar outro ponto de discussão: a interdisciplinaridade
Não sou psicóloga, mas já fiz parte de equipes multidisciplinares que envolviam psicólogos, educadores, advogados, assistentes sociais, sociólogos. O resultado: uma briga de foice!
Sobretudo entre assistentes sociais, sociólogos e psicólogos.
Reconheço, assim, o limite tênue entre o social e o individual. Entre o contexto e as histórias de vida. Entre o sujeito singular e suas formas verbalizantes, nisto incluo a eclosão de problemas "da alma".
Acho, então, que a discussão da psicologia enquanto arte e/ou ciência é válida, mas limita a argumentação aqueles que se valem do ofício de psicólogos. É uma abordagem intrínseca. Enquanto a interdisciplinaridade expande a argumentação (ou a briga) para que possamos olhar, de fato, as nossas práticas.
Pessoalmente, não me agrada muito a dicotomia arte/ciência. Até por que prefiro falar de artes, no plural. Então, as artes têm, enquanto um dos seus princípios para aplicabilidade da técnica, a vontade que o artista impõe ao seu objeto (de arte). Um acorde de dó maior só vai soar se eu impuser meus dedos no violão na posição correta. Se uma bailarina der uma pirueta no ar impõe-se que seu parceiro de dança a apare. Diferente da conduta do psicólogo, que não deve impor, mas indicar, conduzir o processo terapêutico, de acordo com a necessidade de quem ele está acompanhando. E o processo terapêutico, a meu ver extrínseco, não deve ser "manipulado", mas uma via de mão dupla. Condução de técnicas por um lado e aceitação destas técnicas pelo lado do cliente.
Se fazemos caminhadas todos os dias e pelo mesmo trajeto, talvez tenhamos a chance de observar, passo a passo, alguma construção. De repente, aquelas estacas grossas que serviram de amparo à estrutura, desde o início, não estão mais ali. Cumpriram seu importante papel na etapa de edificação e agora desaparecem, gradativamente, e a construção se auto-sustenta através das suas bases de concreto. E, patamar a patamar, a construção vai erguendo-se sobre si mesmo.
Alguma semelhança com papel do psicólogo, Haid?
Um abraço.

Anonymous said...

oi sueli.


gostei da análise que fazes, colocando o Psicólogo como quem apoia, acompanha e conduz o paciente/cliente.

recorrendo a analogia que fazes em relação a contrução de um edifício diríamos que o psicólogo é arquitecto e o paciente é o cliente. ambos projectam o edifício a construir e o arquitecto certifica que se obedecem as regras de construção para te ter um edifício Estável, seguro. quem o constroi é o cliente cabendo ao psicólogo acompanha-lo para garanir que caso haja algum deslize estará lá para o apoiar, certificar que os pilares são colocados no lugar ajustado, consoante o tipo de ambiente em que se encontra envolvido (ambiente social, neste caso).

não me parece que o Psicólogo deva ser o pilar no qual o cliente deve se sustentar. este pilar deve ser construído pelo cliente buscando no seu meio os elemntos que lhe permitam cria-los com a melhor consistência e durabilidade.

Sueli Borges said...

Oi Haid. De acordo e se estivéssemos numa mesma equipe multidisciplinar, com certeza, não brigaríamos.
Um abraço.