Monday, September 17, 2007

Ainda sobre o Publish or Perish[ 2]


Enquanto não aprimoro a capacidade de síntese, aqueles que tiverem paciência e tempo, poderão seguir-me na continuação do debate sobre as publicações académicas. Os que não tiverem nem uma nem outra, não se preocupem, sugiro que vão lendo ao longo da semana. Para mim, o assunto das publicações académicas é muito sério. Se por um lado, alguns de nós se batem pela melhoria da qualidade da nossa esfera pública no geral promovendo o debate de ideias, outros tem a mesma preocupação de forma mais restrita com a qualidade do debate na academia. Da mesma maneira que a qualidade da nossa sociedade pode ser medida pela qualidade de debate de ideias que fazemos nela e dela fazemos, por isso um debate ao mesmo tempo constitutivo dessa mesma sociedade, o mesmo argumento é valido para a academia. Só teremos uma academia de qualidade se tivermos um debate académico de qualidade e vice-versa.

As publicações académicas em revistas, jornais e livros científicos, quanto a mim, são um mecanismo necessário, importante, mas não suficiente muito menos o único, e talvez não o mais importante, para se atingir o desiderato da qualidade do debate académico. A maneira como foi levantada a questão das publicações suscitou em mim dois tipos de interpretação: primeiro, concordar que temos problemas de muitos académicos que não publicam. Designei a esses, humoristicamente, de académicos de tradição oral. Segundo, ao apontar-se a figura do professor Carlos Serra surgiram-me inquietações: a primeira é de que realmente o professor C.S é uma excepção a regra, e é mesmo, quando o ideal seria o contrário. Mas essa constatação não nos explica porque C.S é uma excepção a regra. Essa constatação sugere que alguns não estão a ter o génio de C.S. O que não quer dizer que este não seja um exemplo a seguir.

A individualização da explicação para a não publicação dos demais é que não me parece apropriada. A excepção por causa das capacidades individuais extraordinárias de produzir e publicar livros, não nos devia impedir de diagnosticar o que faz com que os não extraordinários não publiquem. São essas condições (causas) estruturais que deviam ser analisadas e que não estão a ser levantadas. A ideia tácita sugere que os que não publicam não são dotados dessas mesmas capacidades. E é aqui onde, para mim, reside o problema. A desculpa das desculpas, aqui, não nos pode impedir de olhar para os aspectos estruturais, e esses para mim são muito mais relevantes, que constrangem a publicação, principalmente, por jovens académicos. Quero referir-me a alguns desses constrangimentos.

Pesquisa e publicação

A publicação académica é um resultado natural da pesquisa. Nenhuma pesquisa vai acrescer valor ao quantum de conhecimento científico e humano senão for de alguma maneira publicada. Contudo, a relação entre a pesquisa e as publicações não é simples como se pode imaginar. A produtividade académica medida pelo número de publicações não está necessariamente relacionada com criatividade na pesquisa. Descobertas por criatividade podem ser separadas por longos intervalos aparentemente não produtivos: querer ostentar um certo número de artigos publicados por ano pode até destruir esses interlúdio de criatividade. O diálogo privado, a validação de resultados e a circulação de ideias pelos pares pode, em algumas circunstâncias, ser preferível a algumas publicações prematuras. Aquele tipo de publicações, com algumas raras excepções, que foram feitas durante a vigência da anterior direcção da Imprensa Universitária.

Referi, algures, na postagem Publish or Perish que existe um elemento importante quando se trata de publicações académicas. Falava dos comités que decidem, julgam, o que é publicável ou não. Disse que esses julgamentos eram actos interpretativos socialmente situados. As publicações são uma parte integral do sistema cultural e intelectual de qualquer academia em qualquer país. Esse sistema inclui diversos elementos como as livrarias, as editoras, as impressoras, as próprias universidades, enfim todo esse circuito que suponho muitos de nós conhecermos. Em alguns países esse sistema intelectual é tão eficiente a ponto criar condições para o incentivo de publicações. Noutros países, como o nosso, o sistema é tão rudimentar, precário e limitado que inibe até ao mais criativo dos escritores de publicar. A não ser em condições excepcionais.

Não transfiramos o problema de um sistema intelectual, económico e cultural incapaz produzir e de se auto sustentar através de uma imanente industria de publicação, para o académico enquanto individuo. Não podemos falar de uma indústria de publicação em Moçambique. Duvido que o Instituto Nacional do livro e Disco (ainda existe?) e se existe deve ter meia dúzia de gatos-pingados a receber salário do Estado. A publicação no nosso país não é vista ou entendida como um factor estratégico para promover o debate de ideias e por essa via o desenvolvimento. Por isso a aversão as ideias críticas. Por isso ao invés de debatermos assuntos, quando achamos que debatemos, debatemos pessoas: este é amigo daquele, este vai na boleia do outro, aquele outro só diz o que diz por que vive na china ou na cochinchina, este leva palmadinhas do professor seu conterrâneo e por em diante. O que importa é quem o diz ou o que é dito? O que importa é de onde a pessoa diz ou é o que é dito?

Mal entendido.

Escrevo, a partida com receio de ser mal-entendido e ou interpretado. Por isso vou repetir algumas coisas que já disse. O meu problema neste debate é com a responsabilização individual dos académicos que não por não publicarem. Isso pode nos fazer perder de vista os inúmeros constrangimentos que existem ainda para publicar. Não quero dizer que não há académicos entre nós que estão a dormir na sombra da bananeira, mas esses existem em todo lado. Ao mencionar estes aspectos estruturais a minha intenção é que os comecemos a debater. A publicação precisa de uma universidade vibrante, e uma universidade vibrante precisa de publicações. O que acontece entre nós é que uma como outra coisa é fraca.

OS seminários da DAA da UEM: um exemplo a seguir.

Com todas as limitações de um ambiente academicamente amorfo surge sempre uma luz de esperança. O departamento de Arqueologia e Antropologia da UEM, sirvo-me deste apenas a título exemplar, tem estado promover seminários em que se apresentam resultados de investigações desde as dos estudantes até as de investigadores inter-nacionalmente consagrados. Alguns dos organizadores são jovens docentes e estudantes de pós-graduação. Alguns deles, como aconteceu comigo mesmo, tiveram que virar regentes prematuros porque os verdadeiros regentes estão a fazer consultorias. Outro linchador das publicações.

Consultoria pode ser pesquisa, mas a propriedade dos resultados é de quem as encomendou. Consequência, se o dono não acha relevante publicar, fica nas prateleiras, não circula para ser debatido. O pesquisador homoconsulturescus academicus não publica. O seu assitente-regente, substituo prematuro, tem 80 testes de três ou mais turmas por corrigir, excluindo os do período pós–laboral, e não tem fundos de pesquisa, também não publica. Estou a tentar mostrar apenas a complexidade da questão.

Tudo o que disse não contraria a visão e convicção que alimento de que:

a) Há pouca dúvida de que a publicação tem muito mais poder (simbólico) do que ensinar (dar aulas) ou as tarefas administrativas na universidade e na tomada de decisões.

b) A ideia de publicar ou morrer é um mal necessário definitivamente presente e incontornável na academia.

c) Há pouca dúvida de que a publicação é a melhor e mais rápida forma de amealhar reputação individual inter-nacional (mas parte considerável das publicações da Imprensa Universitária da UEM, por exemplo, só tem valor local pelo seu dúbio valor académico).

d) Os assistentes-regentes (com várias turmas) e as consultorias aumentam as chances de termos mais e mais académicos de tradição oral.

Estes são apenas alguns aspectos estruturais que é preciso levar em conta quando pensamos na questão das publicações.









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