EDITORIAL do Jornal Notícias de hoje.
ANDA na esfera pública um estranho debate sobre o que se presume ser a reforma curricular na Universidade Eduardo Mondlane. Presumimos, porque, no essencial, a discussão assume formas tão simplistas e redutoras que se ficou praticamente centrado na decisão ou na oposição ao número de anos para a obtenção do grau de licenciatura. Tal discussão tem ingredientes suficientes para se parecer com um debate de surdos. Aparentemente, os principais intervenientes, nomeadamente as Ordens dos Engenheiros, dos Advogados e dos Médicos e alguns académicos interessados na matéria, falam de forma discordante mas sem que haja comunicação com o centro da questão.
E para reforçar as características atípicas deste debate, o reitor da UEM apareceu em público, quarta-feira, a colocar um “ponto final” no assunto em nome da instituição, afirmando categoricamente que a decisão é irreversível, porque é boa para o país e para os estudantes.
Não é simplesmente o “ponto final” do reitor com relação ao assunto que nos preocupa, ou as ameaças das ordens profissionais de não reconhecer os graduados que sairão do novo currículo. Inquieta-nos o facto de um assunto que toca a formação universitária, de tão grande interesse público, seja mal tratado dessa maneira. Preocupa-nos que uma questão que toca fundo o futuro do país não tenha mais amplo espaço estruturado para ser discutido e compreendido nos fóruns académico, económico, associações estudantis e outros grupos interessados da sociedade civil, mas, em contrapartida, seja transformado propriedade de meia dúzia de pessoas, mesmo que sejam eles especialistas na matéria.
O que é que opõe o quê a quem?
Publicamente, muito pouco se sabe sobre o processo da reforma curricular. Não se sabe o suficiente para se formular um juízo de valor sobre o assunto. Sabe-se, mais ou menos, que a Universidade Eduardo Mondlane vai introduzir um novo currículo, que fica homogéneo com o da região da SADC e o Processo de Bolonha. Na base desse currículo, os estudantes são graduados em dois anos e tornam-se mestres dois anos depois. O reitor da UEM diz que isso é bom para o país e para os estudantes, mas em momento algum nos é dado a saber por que é que isso é bom para o país e para os estudantes. Não nos dizem se isso resulta, sobretudo, de uma conclusão estrutural sobre o modelo do Ensino Superior que, como país, queremos, ou é produto do seguidismo global, independente do contexto.
Para se excluir a hipótese de seguidismo, seria pertinente saber-se mais sobre como se aplica o modelo da SADC ou o Processo de Bolonha nas condições de Moçambique. Um modelo em que o professor tem de estar preparado e ter tempo para encontrar formas de motivar o estudante, colocando-o em situações de aprendizagem que estejam relacionadas com o que na prática o futuro lhe pedirá: capacidade de pensar sozinho, de resolver problemas, saber onde procurar informações, etc. Isto, por um lado.
Por outro lado, o que se sabe é que a Ordem dos Engenheiros diz que não vai aceitar tais engenheiros saídos do encurtamento dos cursos de graduação de cinco para três anos. A Ordem dos Médicos ameaça não reconhecer os médicos, caso não seja incluída no processo de discussão. A Ordem dos Advogados afirma que não recebeu qualquer informação e simplesmente não conhece o novo currículo. Alguns académicos interventivos no espaço público, um deles reitor de uma universidade privada, consideram o currículo “uma armadilha” e que há um desfasamento no que se pede no novo currículo e os subsistemas de ensino que antecedem a universidade.
No final, fica a percepção de que, efectivamente, pouco se sabe sobre o novo currículo. Mais grave ainda, transmite-se a ideia de que, quer para o Reitor, quer para as vozes discordantes, o único critério para definir o que é bom para o país e para os estudantes, ou que não serve, para as vozes discordantes, é o factor tempo, portanto, os três anos.
No “Ano Eduardo Mondlane”, por sinal patrono da maior universidade pública do país, que a história ensino ter sido um homem que pensava grande, unificador e tolerante, seria interessante ver na direcção desta universidade do país maior abertura e tolerância no debate sobre este assunto, que consideramos de grande interesse público e para o futuro do país. Um debate que não se enrole no aparente engodo dos três anos. Um debate mais aberto e profundo, que transcenda a simples duração dos cursos e focalize outros factores determinantes no processo de aprendizagem em função dos novos objectivos pretendidos.
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