No âmbito da sétima arte (cinema) é comum ouvirmos falar de longa metragem referindo-se a aquelas produções que, normalmente, dão em filmes de longa duração. O texto que se segue é uma longa ‘textoagem’ e reflecte o desafio que a síntese ainda representa para mim. Aos que tem “textoagem fobia” só posso recomendar que o leiam em partes. Por uma questão de sequência do argumento resolvi publicar o texto todo de uma só vez ainda que esteja ornagizado em partes perfeitamente publicáveis separadamente.
Pela visibilidade que está a ganhar na esfera pública, assim como pela forma como o assunto está a ser discutido, resolvi debruçar-me um pouco sobre a reforma curricular no ensino superior em Moçambique. Refiro-me a questão de saber sobre o que efectivamente está em causa nos debates sobre a introdução do novo currículo no ensino superior. É um pouco difícil definir reforma curricular sem apelar aos termos técnicos do discurso educacional. Ademais, este é um artigo de opinião pelo que não permitiria pormenores técnicos sem ser fastidioso. Tomando o termo re-forma no seu sentido coloquial e literal poderíamos dizer que é dar uma nova forma à algo que já tinha uma forma. Pode-se dar nova forma arquitectónica a uma casa, reabilitando-a. A um aparelho do Estado, com sistema de administração pública e planificação centralizada, pode-se dar nova forma descentralizando a planificação e a prestação de serviços. No campo educacional, porém, é comum ouvirmos falar de reforma curricular. No caso em questão, portanto, seria dar uma outra forma ao currículo. Mas o que é currículo? Que formas costuma ter?
É preciso responder as duas questões prévias para depois nos colocarmos a questão de saber qual era a forma anterior do currículo e porque razão queremos reformá-lo. Digamos, também sem recurso aos termos técnicos, que currículo é um plano formal que organiza as matérias de ensino e aprendizagem. Está muito abrangente, vamos tentar especificar um pouco mais. E se disermos que curriculo é um plano usado pelas instituições de ensino para organizar de maneira sequenciada, ordenada, gradual e coerente um conjunto de matérias, normalmente, em forma de disciplinas (exemplo, matemática, Química) ou áreas disciplinares ou temas (tópicos) (exemplo, ciências sociais) que representam os conhecimentos que se pretendem transmitir, suscitar ou criar nos alunos durante um período através desse mesmo processo de ensino e aprendizagem. Bom, parece que captamos mais elementos, se algo tiver ficado fora não deve fazer muita diferença para o argumento. Há, portanto, dois aspectos centrais a destacar no currículo: (1) a forma ou estrutura do currículo e (2) conteúdo ou conjunto de conhecimento (matérias/disciplinas). No que tange ao debate que se tem feito sobre a reforma curricular não está claro ainda de qual destes dois aspectos se está a falar. O aspecto que se salienta, por parte dos proponentes da reforma, é a sua a motivação e por parte dos oponentes a sua insatisfação principalmente pela maneira como o processo está a ser conduzido. Retomarei esta distinção mais adiante.
Voltemos, então, ao exemplo da casa. A reforma de uma casa pode ser motivada por várias razões. O desejo do dono de dar ar fresco, de acrescentar compartimentos, de ter mais filhos, de querer mostrar ao vizinhos que ‘está podendo’ e por ai em diante. Os valores (gostos estético) e o poder financeiro que podem em última instancia determinar o tipo de reforma. No caso da administração pública pode ser também por uma série de factores entre os quais: prestar melhores serviços aos cidadãos, pressão dos doadores, de investidores e por estar na moda. Enfim, aqui também podem se adivinhar os mais variados motivos função da filosofia de prestação de serviço publico de cada país.
A reforma curricular também pode ser motivada por vários factores dos quais destaco os seguintes: a) ‘actualizar os conteúdos programáticos como corolário de mudança do conhecimento ou dos valores sociais de uma sociedade’ (por exemplo, na África do Sul, com o fim do Apartheid, introduziu-se um novo currículo para reflectir os valores sociais de uma sociedade não racista, não sexista e democrática); b) ‘alinhar o perfil dos graduados com o perfil do mercado de trabalho e empregabilidade’ (por exemplo a tendência de introdução de cursos mais vocacionais e técnicos surge com esta preocupação); c) ‘adaptá-lo a novas metodologias de ensino e aprendizagem’ (por exemplo a introdução de tecnologias de informação no ensino ou de novas filosofias pedagógicas como a aprendizagem por resolução de problemas); d) ‘responder a coacções externas de harmonização seguindo tendências e padrões globais’ (por exemplo o Processo de Bolonha de que abordarei mais adiante) entre outros factores. Para uma reforma curricular podem-se encontrar, portanto, razões internas, como no exemplo sul-africano, e externas (processo de Bolonha) ou a combinação das duas.
Estes factores são mais ou menos considerados de maneira distinta pelos reformadores curriculares em função dos conhecimentos e dos valores predominantes e por detrás da reforma curricular. De um modo geral e num contexto global, o currículo há uma década atrás tendia a ser reformado, principalmente, informado por valores intrínsecos a evolução e ao processo de transmissão de conhecimento, baseado nas disciplinas e prestando-se atenção a distinção entre ‘conhecimento cientifico’ e ‘conhecimento quotidiano’ (senso comum). Chamemos a este de ‘currículo antigo’ ou ‘currículo do conhecimento’. Havia uma preocupação clara de distinção desses dois tipos de conhecimento. O ‘currículo actual’ ou “social”, em oposição ao antigo, tem tendências mais normativas, por exemplo atendendo a preocupações com a equidade, com o ambiente externo ao processo intrínseco de evolução do conhecimento, orientado para a empregabilidade, as exigências do mercado, com a resolução de problemas e com ideias emancipatórios. É um currículo que se preocupa menos com a distinção feita pelo antigo. Estes são apenas alguns dos aspectos gerais que se podem levantar num debate sobre a reforma curricular em geral e que não me parecem abordados no nosso em particular.
O debate sobre a reforma
De que reforma curricular se está a falar no debate que está ser feito na nossa esfera publica? A maneira como o debate sobre a reforma curricular está a ser feito na nossa esfera pública sugere que se limita a uma noção do currículo que se reduz ao número de anos necessários frequentar para obter um grau académico. Esse é o aspecto central que se subentende dos debates sendo, com efeito, o mais simplista por se basear apenas no ‘bom-senso’ que se tem do que constitui um currículo e uma reforma curricular. É possível que ao nível do Ministério da Educação e Cultura a ‘estória’ seja outra com o envolvimento de especialistas. Mas se esse debate estiver a ocorrer e se limitar aos especialistas é também um mau um sinal. É mau porque aquilo que se limita ao ambito técnico, ainda que mexendo com a sensibilidade de várias grupos de interesse na sociedade, terá problemas de legitimidade. Contudo, aquilo que se da a observar na esfera publica dos poucos representantes das instituições proponentes da reforma e das entidades colectivas e individuais que se opõem a reforma ou amaneira como está ser conduzida dá impressão de ser gente leiga no assunto. Senão, porque outra razão se estaria a reduzir o debate sobre a reforma curricular a mera e subsidiária questão do números de anos de formação?
O meu objectivo, imediato neste artigo, é suscitar um debate que procure questionar a concepção simplista de currículo que me parece prevalecer nos debates sobre a reforma e introdução de novos currículos no ensino superior no nosso país. Esse simplismo pode nos levar a pensar que falar de reforma curricular limita-se a questão de saber quantos anos são necessários para obter um grau académico. Na verdade não é de todo ingénuo pensar a forma do currículo como um programa de formação cujo cronograma pode ser expresso no número de anos necessários para sua implementação. O “conhecimento curricular” é geralmente visto em uma de duas maneiras. A primeira é como o ‘conhecimento oficial e codificado’ está estruturado nos programas de formação que são depois ensinados nas escolas. Chamemos a esta noção de “currículo de facto”. Alternativamente pode ser visto como a passagem de conhecimento dentro do sistema escolar e como o processo através do qual algum, mas nunca todo, ‘conhecimento social’ se torna validado como ‘conhecimento académico’. Designaríamos a esta segunda noção de ‘currículo como processo’. Os debates que decorrem na nossa esfera pública referem-se apenas a um dos aspectos, e por sinal o mais irrelevante, do ‘currículo de facto’, nomeadamente, o número de anos de formação, como irei demonstrar mais adiante.
Presumo que isso ocorra pelo facto de dos quatro principais actores ou domínios especializados que normalmente lidam com questões curriculares, ‘académicos’, ‘burocratas da educação’, a própria universidade feita de docentes e alunos, os que mais proeminência tinham eram os burocratas, impondo as reformas, e os docentes e alunos sujeitos a implementação. Surge agora, nesse quadro, o que designaria de novos actores da sociedade civil, na falta de melhor termo. Esses novos actores surgem como críticos, principalmente, dos burocratas educacionais pela forma pouco consultiva como acham que estão a introduzir reformas curriculares.
Na sua edição de 27 de Janeiro, o Jornal Notícias publicou uma notícia na qual dava conta da introdução de um novo currículo para o ensino superior em Moçambique. O novo currículo, diz o jornal, será igual ao dos restantes países da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). A notícia cita fonte da Direcção Nacional para Coordenação do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Com efeito, a Universidade Eduardo Mondlane – ‘a maior e mais antiga’ (aposto imperativo este) – instituição pública de ensino superior no país tem previsto para este mês de Fevereiro de 2009 a introdução de um novo currículo com base no mesmo argumento da harmonização com o da região da SADC e do processo de Bolonha. Se no primeiro caso o anuncio ainda não está e suscitar reacções dignas de realce na esfera pública, no caso da UEM a novidade está provocar um alvoroço nas hostes intelectuais e académicas, mas acima de tudo reacções dos novos actores.
Há algumas semanas o Secretário-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) criticou, em carta pública, a proposta do novo currículo e o que considerou ser um processo precipitado e pouco consultivo para a sua introdução na UEM. Na edição de 29 de Janeiro de 2009 do jornal O País, na sua versão on-line, a Ordem dos Engenheiros de Moçambique, uma entidade de carácter sócio-profissional, ameaça não reconhecer os engenheiros formados no modelo proposto pelo novo currículo por não concordar com um aspecto do ‘currículo de facto’, a redução do número de anos de formação.
Em conversas de corredor registei, a quando da visita que efectuei a UEM em Dezembro de 2008, comentários de colegas docentes que se diziam não satisfeitos com o processo por razões similares as citadas acima. No ano passado, não posso precisar a data, houve uma manifestação dos estudantes da faculdade de medicina da Universidade Eduardo Mondlane também, alegadamente, por não estarem satisfeitos com o novo currículo que lhes era proposto, na verdade imposto. Desta vez, no entanto, o argumento para a introdução do novo currículo não era o da harmonização regional, mas o da necessidade de se introduzir uma metodologia de ensino e aprendizagem baseada na solução de problemas (PBL). Na ocasião, a Ordem dos Médicos Moçambicanos também se posicionou contra a introdução do novo currículo. O argumento avançado combinava a falta de consulta e de condições para implementar uma filosofia de ensino e aprendizagem que até achavam válida para determinados contextos, mas não o Moçambicano. O que se pode concluir sem muita sombra de dúvida é que a questão da reforma curricular do ensino superior é nevrálgica na nossa sociedade. Dai que independentemente da competência técnica do debate ela merece atenção dada a preocupação legítima de todos intervenientes.
Currículo: forma e conteúdo!
Não adianta alterar a forma do continente sem conhecer a natureza do conteúdo. O currículo é o continente para o conteúdo de conhecimento que se pretende combinar de forma ordenada, sequenciada e coerente. São como duas faces da mesma moeda. Se analisarmos, com atenção, as posições dos que defendem a introdução do novo currículo para o ensino superior assim como dos seus oponentes notaremos que se limitam, a justificar sem explicar, a alteração dos aspectos formais ignorando o conteúdo. Mesmo no que tange aos aspectos formais, a referência é fundamentalmente direccionada ao número de anos de formação. O Ministério da Educação e Cultura e a própria universidade Eduardo Mondlane apresentam como pilar fundamental para a reforma curricular a necessidade de criar condições para que se introduza um sistema nacional de qualificações, acumulação e transferência de créditos académicos. A ênfase que se da, na justificativa para a introdução desses instrumentos, é a harmonização curricular e dos cursos em termos de similitude de anos e unidades de crédito para possibilitar a mobilidade e transferência de estudantes de uma instituição para outra.
A possibilidade de mobilidade surge, então, como um valor nobre, como um fim em si mesmo, algo inquestionavelmente e desejável. O que não se debate profundamente é o que está por detrás dessa crença no valor da mobilidade? A mobilidade surge como solução para que problema? É a melhor solução? Qual é a urgência e pertinência dessa solução? Quem determina essa urgência? Pode se defender, e existe quem o faça, que isso vai facilitar a circulação de estudantes de um ponto do país para o outro sem ter problemas de equivalência ou para o estrangeiro com a mesma facilidade. Ainda que isso seja válido, o que não está demonstrado, que implicação teria o ajuste de anos no que concerne ao “currículo como processo”? E ao conteúdo (conhecimento)?
A filosofia por detrás da expansão do ensino superior para todas regiões do país, incluído a sua ‘distritalização’, que está a produzir um sistema publico de expansão e extensão fragmentária, contradiz a letra da reforma curricular por harmozição regional (SADC) e global (Bolonha). Segundo essa filosofia expande-se o ensino superior para as regiões (com a abertura de mais duas universidades no centro – UniZambeze e no norte – Unilúrio) com ramificações para os distritos através de faculdades para evitar a mobilidade ou deslocação de estudantes vista como sendo, não só indesejável, como onerosa para as famílias. Há quem chegou a referir que ‘distritalização’ do ensino superior é uma forma de ‘combater – estamos mesmo num país de cambatentes e de combates- a fuga de cérebros’ para a cidade, uma vez que o distrito foi estrategicamente considerado o pólo do desenvolvimento pelo governo. Como se pode notar há aqui um paradoxo, se atendermos que se trata de um mesmo governo.
Fique claro desde já que não estou aqui a defender a nenhuma das posições, a favor ou contra a reforma. Estou a tentar perceber apenas o que se está a debater. Estas e tantas questões atinentes estão a ser obscurecidas pela urgência burocrática de harmonização regional. A agenda interna de expansão regional e distrital parece contradizer a pressão externa da harmonização regional (SADC) e global (Bolonha). Essas duas agendas, interna e externa, também precisam de harmonização. A que necessidade responde a harmonização regional (SADC) e global (Bolonha)? A que necessidade responde a expansão fragmentária interna (regional e distrital)? A resposta a primeira questão surge da seguinte forma: -os cursos de graduação passarão a ter a duração de três (3) anos para o bacharelato, eliminando-se assim a tradicional licenciatura de cinco (5) anos que no caso da UEM já era de (4) quatro anos, corolário de uma reforma curricular antecedente. Dois anos após o bacharelato anunciam-se suficientes para se obter o mestrado. Chamou-se a essa nova forma fórmula três (3) mais (2) [3+2]. Um outro argumento avançado é que a reforma é consentânea ao processo Europeu de harmonização regional, o chamado processo de Bolonha. Reduzir o número de anos e torná-los os mesmos aos cursos da União Europeia é simples. O que não é simples é saber como estruturar e integrar o conhecimento em molduras curriculares com uma sequência, logicamente ordenada e coerente. O que não está ser feito é o exercício de saber que conhecimento, “currículo como processo” cabe no “currículo de facto”.
O maior desafio nesta história das mudanças curriculares não é, portanto, a forma, reduzida ao número de anos, mas o conteúdo ou conhecimento. Ou melhor a combinação das duas coisas, forma e conteúdo. O desafio consiste em estabelecer uma coerência conceptual na progressão do ensino e aprendizagem dos alunos. Quer dizer, que conhecimento se pretende transmitir, suscitar ou criar e como enquadrá-lo numa moldura curricular adequada? Uma palavra para os críticos. Os críticos também se limitam a dizer que a redução de cinco (5) para quatro (4) e depois para a fórmula três (3) mais dois (2) não é consentânea com a realidade do país. E pronto! Daí partem para a escalada, como se isso fosse resolver alguma coisa. Para tornar a critica mais legítima e relevante não se deviam limitar a evocar problemas de falta de consulta aos diferentes parceiros interessados com a vida da universidade. A participação dos demais sectores interessados é um aspecto relevante, mas se for para rever o mérito da questão. Ao que tudo indica entrou se para num debate de surdos e mudos em torno dum aspecto da forma sem conteúdo. Seja qual for a forma (número de anos) em que este venha ser implementada essa, quanto a mim, é uma questão subsidiária.
O debate sobre o conteúdo, negligenciado, criaria as condições para se questionar o tipo de currículo, no caso da faculdade de medicina, o tipo de pedagogia que tornariam óptimas as possibilidades de aprendizagem dos estudantes, e as formas de harmonização. Prevalece, porém, até agora uma visão errónea e falaciosa de que o número de anos frequentados é que determina o perfil e a qualidade do graduado. Neste momento existem na universidade em que me encontro estudantes em diferentes programas de formação com a mesma moldura curricular. Uns fazem os seus cursos, por exemplo, de mestrado em três anos outros em dois. Tudo isso variando em função do tempo que os estudantes tem a sua disposição para cumprir com os contúdos programáticos. Para um estudante a tempo interiro, e com possibilidade de cumprir com os requisitos em menos tempo que os em tempo parcial, não existe razão que o force a ficar mais tempo do que o necessário. Há quem faça o PhD (doutoramento) em cinco (5) anos outros fazem-no em dois (2) ou três (3). O número de anos em si é irrelevante.
A questão central do currículo que se refere ao conteúdo, subentendendo conhecimento, está simplesmente esquecida no nosso debate. A questão central, portanto, não é se se reduz de cinco (5) ou quatro (4) para três (3) mais dois (2), mas como o conhecimento no currículo pode ser organizado para optimizar a aprendizagem? Para que fossemos capazes de responder a esta questão teríamos que pensar no problema que pretendemos resolver coma as reformas curriculares e não, como ocorre agora, adoptar-mos por mero modismo soluções para problemas alheios. O Processo de Bolonha, que esta servir de modelo de inspiração e justificativa para a harmonização, é uma solução para um problema alheio.
Processo de Bolonha
Uma solução técnica global para um problema cultural local?
A universidade desde os seus primórdios nas cidades medievais de Paris na França e Bolonha na Itália, até a sua forma mais contemporânea, corresponde a maneira como cada sociedade respondeu a questão: universidade para quê? A universidade medieval, e suas formas subsequentes até meados do século XV na Europa, respondiam a necessidade eclesiástica católica. Precisava-se da universidade para formar, em primeiro lugar, clérigos católicos. A presença da universidade eclesiástica no século XV se estendia a quase todos os países da Europa. O curriculum era praticamente uniforme e reflectia a necessidade da igreja da uniformidade da mensagem clerical. Encontra-se aí a raiz daquilo que hoje se designa de processo de Bolonha que, estouvadamente, estamos a querer implementar na Universidade Eduardo Mondlane.
A uniformização curricular visava permitir a deslocação de estudantes de uma universidade para outra naquilo que a igreja designava de ‘peregrinação académica’ (peregrinatio académica). Recentemente, já num contexto de Estados laicos, e no âmbito da integração regional e de reforço da identidade europeia por via da promoção da compreensão intercultural, resgatou-se a ideia com a criação efectiva de programas de deslocação de estudantes através de atribuição de bolsas de estudo ‘Erasmus mundus’.
O propalado processo de Bolonha, que queremos implementar a todo custo, é, portanto, um projecto cultural estritamente Europeu, assente em princípios e valores europeus, para projectar a Europa como um centro de excelência no que se pretende que seja uma vibrante economia de base no conhecimento e que não têm nada a ver connosco (África - Moçambique) ainda que nos possa inspirar. Em 19 de Junho de 1999 cerca de 16 países membros da União Europeia adoptaram a declaração de Bolonha. O processo de Bolonha, em todos seus aspectos técnico e prático (uniformização curricular, por exemplo), responde, enquanto projecto supranacional europeu, as necessidades conjecturais, políticas, culturais, e acima de tudo económicas daquela sociedade (região) e que hoje se estendeu a mais de 45 países e com tendência de se globalizar. É uma solução técnica global para um problema cultural local que esta ser exportada. A sua importação, melhor exportação da Europa para o resto do mundo revela a sua tendência eurocêntrica, hegemónica e expansionista de pegar soluções locais e universalizá-las. Os mais fracos, como nós, e com preguiçosa de pensar, adoptam-no como modelo ideal e perfeito. É, também, no entanto um processo mistificado de violência simbólica na medida em que toma e impõe uma visão/solução particular de universidade por universal. É um processo de Bolonhaização cheio de boas intenções mas cujas consequências nefastas, não muito tarde, se farão sentir! Países como os EUA e alguns da América Latina já começaram a oferecer resistência a essa ideia da universalização de um projecto Europeu. E nós vamos escangalhando o que mal construímos! Desbolonhaizamo-nos!
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