Friday, February 20, 2009

Construção selectiva da “realidade” [2].

Antes um criminoso solto do que um inocente preso”.

Não pretendia fazer deste tema uma série. Há, no entanto, desenvolvimentos interessantes na nossa esfera pública que me fizeram retornar ao tema. Um deles é esta notícia sobre o caso judicial do ex-ministro do interior (na foto) reportado pelo Jornal o Pais Online. Não passa muito tempo, alguns críticos pejorativamente designados de ter pretensas cautelas científicas cuja função é, sempre, a de evitar o estudo das infra-estruturas sociais de fenómenos (leia aqui) chamavam a atenção para a precipitação em considerar Manhenje de corrupto quando nem sequer estava claro o que significa- juridicamente – esse termo. E se se aplicava para aquele caso. Outros críticos em jetito de “breaking news” passavam nos seus blogs qualquer peça sobre Manhenje. Hoje, no entanto, não se lembram de dar a notícia do desprounciamento de 99% dos alegados crimes que aquele ex-ministro teria cometido. Para esses, especialistas nas teórias 4 x 4 Manhenje já era culpado antes mesmo de ser condenado. O princípio jurídico da presunção de inocência fora jogado para o lixo. Esses analístas praticamente celebravam a prisão de Manhenje e outros mais. Não lhes importava que pudessem estar a julgar publica , moral e precipitadamente alguém.O que lhes interessava era satisfazer o seu sentido normativo e moralista de justiça. Um “big fish” (tubarão) foi preso. A justiça para eles era na base do seu critério de justiça e não aquilo que o procedimento judicial podia sustentar. Alguns desses analistas feitos justiceiros e "defensores do povo", no passado Samoriano de que tanto nostalgia e saudosismo demostram, foram quem estiveram por detrás dos excessos de Samora no envio de pessoas inocentes para a reeducação. São inúmeras as peças, quase de celebração, que um jornal “I-n-d-e-p-en-d-e-n-t-e” da praça passava dando conta dos dias e noites passados pelo que designava de "inquilinos do Hotel da Kim Il Sung”! Não tenho nada contra o sentido de humor do jornal, mas medo dos seus critérios de estebelecimento de verdade e de justiça.

Antes que me a acusem de estar a defender corruptos ou de “só poder estar ligado ao poder”, ainda que não acreditem em mim, deixem-me deixar bem claro que não conheço Manhenje e nem me interessa conhecer além daquilo que se tornou público dele. Estou me nas tintas para cargos governamentais ou para o quer que os "defensores do povo" achem que me leva a escrever. Escrevo como um passatempo individual, mas sério. Esses mesmos analístas que se dizem “a favor do povo” e dos “deserdados”, que cantam aos quatro ventos que “o povo não é burro”, tratam-no precisamente como tal. Pensam eles pelo povo, pois se o povo começar a pensar por si próprio não vai precisar de representantes. Estão sentados na universidade, no ar-condicionado pelo povo. Viajam para as Europas, para a América Latina, com o povo no coração.

Alguns de nós, “sem interesse em defender o povo”, entretemo-nos com as nossas cautelas ciêntíficas que nunca acabam. Ao invés de sentenciarmos qual é a realidade, deixamos ao critério de cada um seguir o método que achar conveniente para construir a própria, “realidade”, verdade. Nós discutimos o método, o procedimento, o critério, e não a verdade revelada pelos "defensores do povo". Eu gosto dos políticos. Sabem porquê? Os políticos dizem abertamente, nas suas campanhas eleitorais, o que o povo sabe a partida serem coisas irrealistas.E mesmo assim votal neles. O povo têm, no entanto, mecanismos de exigir contas quando não cumprem o que prometeram. As eleições, por exemplo, constituem parte desse mecanismo. Agora, os ‘defensores do povo’ que se escondem por detrás da capa de ciêntistas, mas agem como políticos são um verdadeiro perígo. Detratam a academia, de onde ganharam seu prestigio e autoridade para falar - em nome do povo - atacam os políticos e o pior é que desses não temos mecanismos para lhes exigir contas dos seus erros. Quando lhes convém aí retornam à academia.

Se um académico voz diz que é "defensor do povo", suspeitem das suas intenções. Muitos são políticos desfarçados. Verdadeiros cama-leões! Não aceitem as verdades reveladas, pelos bem intencionados, procurem a vossa!

4 comments:

Nelson said...

Eu tenho essa mania nociva de me precipitar. Como reconheco que tenho! As vezes me esforco e consigo nao me precipitar mas nunca foi tarefa facil.
As vezes me debato com "dois pesos e duas medidas" e fico sei la.
SAMITO 'E RECAPTURADO E ACUSA COSTODIO PINTO DE ESTAR ENCOLVIDO. ESSAS DECLARACOES PRECISAM SER INVESTIGADAS. DEVEM ESTAR A SER INVESTIGADAS. DIAS DEPOIS SAMITO VAI A FORMATURA E APONTA UM POLICIA QUE ESTEVE ENVOLVIDO NA FUGA. ISSO NAO PRECISA SER INVESTIGADO. O COITADINHO RECOLHE IMEDIATAMENTE AS CELAS.

Elísio Macamo said...

caro patrício, segui o elo que dás no teu texto e fui dar com um texto muito estranho do prof. serra. segui o elo que ele por sua vez deu e fui dar com um artigo no notícias que me parece a mim também sensato. penso haver confusao entre aceitar, por um lado, que a realidade seja mais complexa do que cada um de nós pensa e, por outro lado, aceitar que cada revelacao da realidade é passível de ser interpelada criticamente. o prof. serra parece querer dizer que ninguém deve interpelar o que outros dizem, tudo deve ser aceite como verdade profunda. nao creio que esteja a ser sério. parece-me também haver confusao entre justificacao e explicacao. alguém pode compreender porque uma pessoa faz coisas feias e mesmo assim nao aceitar que elas sejam feitas. há formas de entender as ciências sociais que as transformam numa forma de mistificacao das coisas do quotidiano. o papel do cientista social nao é só de pegar em fenómenos extremos e analisá-los sem referência ao que outras pessoas nos mesmos contextos fazem (ou nao). as ciências sociais mal pensadas e praticadas fora de contextos de debate sério podem nos levar a nao entender a sociedade. acho pena que coisas tao elementares da academia estejam a ser tratadas com tanto ânimo leve.

Patricio Langa said...

Caro Nelson.
Não entendi o teu comentário, principalmente asegunda parte com letras de maiusculas. Quanto a precipitação, não é algo exclusivo a uns. Todos somos susceptíveis.... A diferença é que uns ficam-se por aí, outros tentam exercitar a domesticação da precipitação- dando benefício a dúvida.
abraço

Patricio Langa said...

Caro Elísio.
Uma outra confusão consiste em confundir posições epistemológicas com posicionamentos politícos. A ideia de “defender o povo” é, quanto a mim, uma posição meramente política (do campo do normativo e da moral). A posiciomanento política é problemática quando serve de critério de validade de posições epistemológicas. Nesse sentido, penso que até as ciências sociais (que são sociais) conseguiram criar mecanismos de controle do normativo na altura de explicar os fenómenos. Não são perfeitos, mas se mantermos vigilância reduzem a evasão do normativo e aumentam a possibilidade der verosimilhança em relação a realidade. Pelo menos a boa ciência tenta fazer isso. Quando digo que há selectividade na construção da realidade, não estou a reclamar a existência de várias realidades muito menos de várias verdades, como me parece acontecer com a visão normativa. A realidade é una e indivisível. O nosso olhar sobre ela é que varia. Uns preferem acomodar com a ideia da impossibilidade do controle dos valores e mergulham no seu normativismo moralista, outros preferem dar mais valor a possibilidade de rigor. E como bem dizes, isso é o B,A, BA das ciências sociais, para serem atropelados logo por quem....!
Abraço.