Thursday, June 7, 2007

Sobreviver, desenvolver ou ecologizar?

Assinalou-se, no dia cinco de Junho, o dia mundial do ambiente. O lema das comemorações desta data foi: “Aquecimento Global – Um problema para a Humanidade”. É indiscutível, hoje, que o planeta viveu nas últimas quatro décadas alterações climáticas mais aceleradas do que em qualquer outro período histórico. É também plausível a hipótese argumentativa de que a acção humana é a maior responsável por essas alterações. A formação de uma consciência ecológica planetária é, em parte, corolário da convicção derivada dessa correlação positiva. A mega conferência decorrida no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992, popularizada como ECO-92, ou “Cimeira de Terra” constitui um indicador da preocupação planetária para salvaguardar a integridade da terra e a partir dai da humanidade. Nesse encontro o cerne da questão residia na busca de uma solução equilibrada entre a necessidade de desenvolver e a de ecologizar. Como conciliar o desenvolvimento sócio-económico e industrial sem degradar o meio ambiente? A busca da solução ideal para esta pergunta constitui um dilema: desenvolver ou ecoligizar? É desse dilema que surgiu a retórica do desenvolvimento sustentável. Uma retórica ecologicamente correcta, mas que não combina em muitas situações com as condições reais de penúria, nas quais muitos países eufemisticamente em "vias de desenvolvimento" se encontram, na qual sua principal fonte de renda para sobrevivência provem da exploração esgotável de recursos naturais. Enfim, este debate da pano para muita manga. Por isso, pretendo encurtá-lo, grosseiramente, enunciando o meu posicionamento em relação ao dilema. O meu posicionamento está reflectido na posição expressa na introdução do livro do filósofo Severino Ngoenha que nos oferece uma perspectiva filosófica-africana do problema ecológico e que passo a citar parcialmente:

“ Se a África e o terceiro mundo tiverem de aceitar todas as descargas tóxicas e nucleares, tiverem que manter florestas e animais em nome de um equilíbrio ecológico; ao mesmo tempo que diminui o seu orçamento da educação e da saúde – que são as mais baixas do mundo – para satisfazer os programas do FMI e do BM, os nossos filhos estão condenados a serem os futuros “Tarzans”, a serem os futuros bons selvagens”.

Este pensamento de Ngoenha, tal como a questão ecológica em si, parece-me actual para pensarmos o lugar do problema do ambiente para nós. E no meu caso, interessa-me a definição sociológica que se pode fazer da questão ecológica em Moçambique. É uma postura que de alguma maneira tomei no polémico debate sobre a questão do “desflorestamento/desmatamento” devido a exploração desenfreada de madeira no país. As questões que coloco poderão ser entendidas no âmbito da Sociologia Política, da Sociologia do Risco e até da Sociologia do Conhecimento. Da Sociologia Política, a questão podia se colocar no nível da representação e delegação de direitos de cidadania. Em que medida é que o nosso sistema politico permite que os diferentes grupos sociais e de interesse formulem e veiculem suas preocupações, em particular as ambientais? O Fórum Amigos do Ambiente, A ONG Livaningo, A ONG Natureza em Perigo e por ai em diante aquém representam ou que interesses estão neles representados? Representam o camponês?; o citadino?; o lenhador?; os que vivem da representação dos interesses desses grupos sociais?; os Moçambicanos? Os oprimidos? Com que legitimidade o fazem? Acho que aquele camponês de Metangula também se sentiria bem viajando para as conferências da Greenpeace em Haia, para além do emprego garantido que teria na ONG. E aqui refiro-me somente as organizações dessa “inócua” e bem intecionada sociedade civil" com preocupações ambientalistas. Poderíamos, igualmente, falar da representação ao nível dos órgãos de soberania legalmente instituídos para representar os interesses dos diversos grupos de moçambicanos, nomeadamente as assembleias desde a municipal até a nacional. Da Sociologia do Risco emprestaríamos, por exemplo, a visão segundo a qual os riscos ambientais não são dados a priori, mas são social e argumentativamente construídos. Algures, neste blog, defendi a ideia de que o buraco de ozone não existe por si, os cientistas tentam convencer-nos da sua existência. A estória do aquecimento global é um de exemplo disso. A terra aquece por os raios ultravioletas penetram com maior intensidade devido aos buracos da estufa. E aqui a questão não reside no facto isolado de o buraco não ser visível a olho nu, mas na ideia de que os riscos modernos, na sua maioria, não são mesmo visíveis. É preciso um discurso, muitas vezes cientifico, que os dê visibilidade. Alguém já viu o vírus do HIV/SIDA? Só existe pela via argumentativa. O que não impede que seus efeitos sejam reais. A tese que tenho defendido é de que existe uma luta pela definição de riscos. Essa luta pela definição pode e envolve vários grupos de interesse com interesses diferenciados, mesmo quando alguns projectam a imagem de que seu interesse é universal e nobre pelo que é desinteresse. A fala sobre o “desflorestamento/desmatamento” não é aleatória e muito menos democrática. Falar é poder! Requer competência argumentativa, e um saber especializado. Algo que não está democraticamente distribuído na nossa sociedade. E aqui entra a Sociologia do Conhecimento que sugere que o conhecimento é socialmente distribuído. Essa distribuição social do conhecimento não é, repito, democrática, mas hierárquica e expressa-se nas desigualdades sociais inerentes a cada sociedade. Há grupos que tem acesso aos recursos, simbólicos e matérias, e ao poder de nomear, de classificar o que representa risco e o que não é risco ambiental e que soluções adoptar. Sistemas de classificação são produtos sociais e, como tal, resultam de lutas e causam lutas permanetes. Que o aquecimento global deva constituir uma preocupação para os habitantes deste planeta penso não haver dúvidas. A dúvida que tenho é se deve constituir o problema e a preocupação prioritária, ainda por cima quando dados indicam que nós somos quem menos contribui para tal. 65% das emissões de gases carbónicos associados ao aquecimento global são produzidos por meia dúzia de países industrializados. E são esses que exigem a democratização da solução dum problema hierarquicamente formulado. Em outras palavras, chamam-nos para mesa da solução de um problema que não participamos na definição. É por isso que ministérios como o do ambiente constituem soluções para problemas que nós não formulamos. Invariavelmente o dinheiro faz parte da solução. Como se dinheiro resolvesse tudo. É por isso que mesmo sem perceber o que se passa com as florestas já se prontificaram a doar dinheiros para a sua preservação. E esses dinheiros ficam em grande parte com aquelas organizações da “imaculada sociedade civil” que reproduzem acriticamente o discurso e chavões dos que nos dão dinheiros: Aquecimento global – um problema para a humanidade. Que humanidade? Se esses apelos são feitos para países onde uma boa percentagem de seus habitantes vivem em condições de desumanas. Nesses países a questão social premente ainda é a produção e re-distribuição hierárquica de benesses e não a solução “democrática”– todos devemos participar – dos riscos ambientais globais que se tenta impor. O Norte (não geográfico, mas geopolítico e geoeconomico – e ai incluía países como Brasil, China, na lista dos maiores poluidores) oferece-nos dinheiro e nós florestamos! Eles desenvolvem, nós ecologizamos!

Este posicionamento deve deixar algumas pessoas desapontadas, poderão questionar até a minha consciência ecológica do perigo planetário. Afinal já se vivem no país os efeitos destas alterações climáticas. Os cíclicos ciclones, a estiagem, os deflúvios de terra, e os dilúvios são associados ao efeito colateral do derreter dos glaciares. Tudo isto para não falar da erosão urbana e até rural que também experimentamos. Temos problemas sérios, em conviver na e com a cidade, de salubridade. Temos problemas de degradação ambiental doméstica. Mas esses problemas são a face visível de algo mais profundo, algo que é pouco debatido. Algo que não faz parte da agenda.Do debativel, do dizível. Talvez porque não mobiliza fundos. Mais profundo é, de novo, a maneira como estruturamos a nossa vida quotidiana para responder a esses problemas do ambiente doméstico: exercitamos a indiferença. O maior responsável da erosão costeira na zona da costa do sol, por exemplo, não é o aquecimento global e o aumento do nível das águas do mar. Trata-se de um problema de gestão do ambiente doméstico. A minha convicção é de que o sociólogo teria maior préstimo se o seu papel neste momento, em que o nosso país carece de massa critica pensante, consistisse em tornar seus instrumentos analíticos mais claros e acessíveis para repensarmos o que para nós constitui problema prioritário.
Redifinir a hierquia das prioridades!

4 comments:

chapa100 said...

patricio! excelente reflexao.

Patricio Langa said...

Obrigado J.M.
É resultado de tentativa e erro, nunca para estabelecer a verdade última das coisas. Essa é uma miragem, que vale apena perseguir, mesmo sabendo que nunca alcançaremos. Contrariamente aqueles que acham que já a alcançaram. Por isso agem!
Abraço.

Anonymous said...

Um golpe analítico magistral.
Essa "Sociedade Civil" anda muito empenhada com o "nosso bem". E E. Macamo, uma vez escreveu, que o grande perigo à nossa liberdade está na acção insidiosa de gente com zelo e boas intenções, mas com pouca capacidade de discernimento.

Já agora, Patricio, afinal aquem se refere ou nos referimos quando dizemos "Sociedade Civil", Que a Sociologia diz sobre pomposa "Sociedade Civil". Se as ciências sociais dizem algo sobre a "Sociedade Civil", é possível identificar esse algo em Moçambique? Como se manifesta?
Levanto essas questões a propósito dos membros da CNE indicadas pela "Sociedade Civil". Beúla

Patricio Langa said...

Caro Beúla.
Obrigado pelo elogio. Assim entendi a ideia do “golpe analitico magistral”!

O Beúla levanta questões, simultaneamente, pertinente e difíceis de responder quando se refere a “sociedade civil”. A sociologia tem sim páginas e vários autores que se dedicaram a analisar o conceito ao nível da teoria social em geral e da especificidade da realidade africana. Precisaria de algum tempo para produzir algo menos espontâneo sobre o assunto. Se me conceder esse tempo, voltarei ao assunto depois de 18 de Junho. Estou de malas aviadas e não terei acesso ao computador nos próximos 10 dias.