Achei esta reflexão interessante que resolvi retirar dos comentários e colocá-la aqui em destaque.
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Não são análises, mas impressões que gostaria de registrar aqui. Impressões de uma musicista que,por total impossibilidade de sobrevivência, também abandonou o sonho de viver de música. Impressões de quem conhece as difíceis dissonâncias da bossa nova e que da música moçambicana muito pouco teve oportunidade de estudar e ouvir. Mas, enfim, arrisca-se a colocar interrogações pessoais a dois pontos da excelente matéria postada.Adérito Gomate é muito lúcido no que diz sobre a música descartável e sobre músicos-mímicos que não tocam nem mesmo os primários acordes da escala de dó maior. Esta música é feita em todo o mundo,sabemos. De qualidade sonora extremamente duvidável, é certo, e quase abominável aos ouvidos de muitos! Mas, é uma música sobre a qual não podemos deixar de olhar, nem de ouvir. Está nas ruas, nos ônibus, no cotidiano, popularizada e divulgada. Creio que é uma música que não passará, mas se reproduzirá em variados estilos, ajustando-se inclusive às trombetas, não sei se do inferno ou do céu, no dia do Juízo Final (para quem assim acredita no céu/inferno!). Já sabemos os retrocessos musicais a que somos remetidos com esta música. Então, será que poderíamos pensar em alguma outra possibilidade que esta música massiva traria a cada sociedade e, mais especificamente, em cada contexto social onde é executada insistentemente? Seria uma música inclusiva, a despeito da má qualidade sonora, unindo o gosto de certas camadas sociais, sobretudo populares? Expressaria este gosto ideologicamente formatado ou formas de vidas e de pensar? Ou serviria somente para o rebolado e para o prazer descompromissado? E assim o for, que mal haveria nisso? Talvez o “toca ou não toca”.São portanto, dois lados da moeda: o modo como esta música é feita e divulgada, o músico que não toca e que é plasticamente construído, cujo aspecto considero execrável, e a forma como as pessoas interagem socialmente com esta música e com este músico.Por outro lado, nas últimas respostas de Adérito, leio a argumentação de que esta música moçambicana de nada teria de moçambicana, apenas o fato de ser feita no País , sem refletir essencialmente a identidade cultural. No caso brasileiro, e aí não tenho conhecimento para fazer um razoável paralelo com a realidade moçambicana, poderíamos refletir primeiro sobre o que é “a” identidade cultural e se um País pode ser expresso apenas por uma única (a redundância é proposital) identidade cultural (e musical) ou por várias? Tal identidade seria aquela atrelada às nossas tradições? E nossas tradições são estáticas ou criadas e reinventadas? Estou pensando se um sapato envernizado deixa de ser um sapato?Estou pensando quando ouço um típico samba de roda, tradicionalmente tocada no acústico com viola, voz e percussão, que expressa a dita tradição “originária” de um tipo de samba, se este samba acústico se eletrifica, ele deixa de expressar uma identidade cultural brasileira? Ou a tradição se adequou ao pós-moderno? E de forma foi feito? Sobre quais critérios se envernizou o sapato? Gostaria de usar a reportagem postada para refletir sobre uma questão mais complexa para além do dó maior: o lugar, o papel e a responsabilidade da arte (artistas) na contemporaneidade, enquanto porta-vozes de identidades plurais. Ou, invertendo o pólo, o lugar, o papel e a responsabilidade dos que analisam o produto final da arte (e os artistas) nas sociedades plurais. E, no mais, torcer para conseguir alguma gravação de Adérito Gomate na net!
Resposta.
Este assunto é deveras complexo. Penso que há várias coisas em questão. A concepção e ou definição de música. A questão bem colocada pela Sueli da identidade nacional e cultural dos produtos culturais e todos os relativismos e ou essencialismos que ai se cruzam. A questão dos interesses comerciais em jogo, desde a sobrevivência do artista até a publicidade de produtos e serviços das empresas multi-nacionais. Enfim, são variadíssimas questões mesmo que se colocam. Não penso que existam diferenças substâncias na forma como o problema se coloca aqui em Moçambique ou no Brasil. Tenho alguns textos escritos sobre este assunto. Recordo-me de um debate que durou semanas em 2005 com um bloguista sobre a Identidade Cultural da Música Moçambicana. Esse debate terminou com as partes acordando em discordar. Eu defendia que não existia música moçambicana de “raiz” e a outra parte defendia o contrário. O debate foi interessante, do meu ponto de vista, porque saímos com uma maior compreensão da complexidade da questão. Os links acima direccionam para esse debate.
3 comments:
Estimado Langa,
Não são análises, mas impressões que gostaria de registrar aqui. Impressões de uma musicista que,por total impossibilidade de sobrevivência, também abandonou o sonho de viver de música. Impressões de quem conhece as difíceis dissonâncias da bossa nova e que da música moçambicana muito pouco teve oportunidade de estudar e ouvir. Mas, enfim, arrisca-se a colocar interrogações pessoais a dois pontos da excelente matéria postada.
Adérito Gomate é muito lúcido no que diz sobre a música descartável e sobre músicos-mímicos que não tocam nem mesmo os primários acordes da escala de dó maior. Esta música é feita em todo o mundo,sabemos. De qualidade sonora extremamente duvidável, é certo, e quase abominável aos ouvidos de muitos! Mas, é uma música sobre a qual não podemos deixar de olhar, nem de ouvir. Está nas ruas, nos ônibus, no cotidiano, popularizada e divulgada. Creio que é uma música que não passará, mas se reproduzirá em variados estilos, ajustando-se inclusive às trombetas, não sei se do inferno ou do céu, no dia do Juízo Final (para quem assim acredita no céu/inferno!). Já sabemos os retrocessos musicais a que somos remetidos com esta música. Então, será que poderíamos pensar em alguma outra possibilidade que esta música massiva traria a cada sociedade e, mais especificamente, em cada contexto social onde é executada insistentemente? Seria uma música inclusiva, a despeito da má qualidade sonora, unindo o gosto de certas camadas sociais, sobretudo populares? Expressaria este gosto ideologicamente formatado ou formas de vidas e de pensar? Ou serviria somente para o rebolado e para o prazer descompromissado? E assim o for, que mal haveria nisso? Talvez o “toca ou não toca”.
São portanto, dois lados da moeda: o modo como esta música é feita e divulgada, o músico que não toca e que é plasticamente construído, cujo aspecto considero execrável, e a forma como as pessoas interagem socialmente com esta música e com este músico.
Por outro lado, nas últimas respostas de Adérito, leio a argumentação de que esta música moçambicana de nada teria de moçambicana, apenas o fato de ser feita no País , sem refletir essencialmente a identidade cultural. No caso brasileiro, e aí não tenho conhecimento para fazer um razoável paralelo com a realidade moçambicana, poderíamos refletir primeiro sobre o que é “a” identidade cultural e se um País pode ser expresso apenas por uma única (a redundância é proposital) identidade cultural (e musical) ou por várias? Tal identidade seria aquela atrelada às nossas tradições? E nossas tradições são estáticas ou criadas e reinventadas? Estou pensando se um sapato envernizado deixa de ser um sapato?
Estou pensando quando ouço um típico samba de roda, tradicionalmente tocada no acústico com viola, voz e percussão, que expressa a dita tradição “originária” de um tipo de samba, se este samba acústico se eletrifica, ele deixa de expressar uma identidade cultural brasileira? Ou a tradição se adequou ao pós-moderno? E de forma foi feito? Sobre quais critérios se envernizou o sapato?
Gostaria de usar a reportagem postada para refletir sobre uma questão mais complexa para além do dó maior: o lugar, o papel e a responsabilidade da arte (artistas) na contemporaneidade, enquanto porta-vozes de identidades plurais. Ou, invertendo o pólo, o lugar, o papel e a responsabilidade dos que analisam o produto final da arte (e os artistas) nas sociedades plurais.
E, no mais, torcer para conseguir alguma gravação de Adérito Gomate na net!
Um abraço,
Cara Sueli.
Excelente a sua reflexão. Este assunto é deveras complexo.
Penso que há várias coisas em questão. A concepção e ou definição de música. A questão bem colocada pela Sueli da identidade nacional e cultural dos produtos culturais e todos os relativismos e ou essencialismos que ai se cruzam. A questão dos interesses comerciais em jogo, desde a sobrevivência do artista até aos publicidade de produtos e serviços das multi-nacionais. Enfim, são variadíssimas questões mesmo que se colocam. Não penso que existam diferenças substâncias na forma como o problema se coloca aqui em Moçambique e no Brasil. Tenho alguns textos escritos sobre este assunto. Recordo-me de um debate que durou semanas em 2005 com um bloguista sobre a Identidade Cultural da Música Moçambicana. Esse debate terminou com as partes acordando em discordar. Eu defendia que não existia música moçambicana de “raiz” e a outra parte defendia o contrário. O debate foi interessante, do meu ponto de vista, porque saímos com uma maior compreensão da complexidade da questão. Vou tentar direccioná-la para esse debate colocando o seu texto em destaque.
Obrigado pelo excelente comentário.
Estimado Langa, concordo que é problemático assumir que exista uma música de raiz.
Agradeço pelo possível redirecionamento do texto e aguardo o debate.
Abraço,
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