Friday, September 14, 2007

Ensino Superior Avulso [2]

Sugeri na última linha da postagem sobre o “Ensino Superior Avulso” que precisamos, em Moçambique, de uma Sociologia do Ensino Superior. Essa sociologia iria se ocupar de várias questões entre as quais as motivações dos estudantes, para “optarem” por esta ou aquela Universidade, este ou aquele curso, é apenas um aspecto de uma realidade muito mais complexa de como se produz o fenómeno Ensino Superior no nosso país. Há muita coisa signitiva-mente desconhecida sobre essa realidade. Penso, por exemplo, na introdução do sistema de creditação (sistema de créditos) e na criação recente de uma entidade para controlar a qualidade de ensino pelo Ministério de Educação e Cultura. Uma das perguntas que me surgiu foi: qualidade de quê? Está bem, estou a ser circular, a reposta seria de novo do ensino superior. Na verdade há uma pergunta que não foi feita e que precede aquela. O que é qualidade? E o que seria qualidade de ensino superior? Como se mede isso? Como se vê isso? Alguém já estudou isso no nosso país? Estou a ser pretencioso. Só existe aquilo que conheço. Vi um corvo branco, logo todos os corvos são brancos. Claro que não, mas alguém estaria disposto a desafiar-me, provando o contrário em relação a questão da qualidade?Não vou sugerir, aqui, nenhuma resposta para as perguntas que formulei, porque este artigo tem outro próposito. Mas devo referir que só estas perguntas dariam muito trabalho, muito que pensar, ao Ministro da Educação e Cultura, que pouco tempo lhe restaria para andar mal dizer e de forma infundada das Ciências Sociais. As medidas que se estão a tomar agora, Em relação a questão da qualidade, são medidas - ou melhor, para ser Macamiamo - são ‘soluções para problemas’ “mal”, ou ainda se quer, formulados. Temos problema de qualidade de ensino em Moçambique? Como se manifesta? Como podemos ter problema de uma coisa que nem sequer sabemos o que é? Estou a espera da prova contrária.

Os Sul-Africanos, por exemplo, formularam-no como sendo um problema de acesso e equidade, resultante das desigualdades de oportunidade estruturalmente sedimentadas pelo regime, racial-saguinário, do Apartheid. Toda a sua concepção de qualidade gira em torno do alargamento do acesso e equidade para grupos socio-raciais históricamente desvantajados. Os critérios para definição de excelência levam em consideração esse aspecto. É assim que eles estão a tentar estabelecer os critérios para definição de qualidade.
Ora, uma parte considerável do que se está a fazer com o tal sistema de creditação em Moçambique é simplemente copy and paste de soluções adoptadas no contexto Sul–Africano. Mas este, repito, é outro assunto, que não queria debater aqui, pois corro risco de me alongar. O que queria sugerir é que sabemos pouco não só sobre as motivações dos estudantes no ensino superior, mas também sobre sua origem social, sobre seu desempenho, sobre a efectividade dos curricula, sobre práticas de avaliação e sua relação com os níveis desconhecidos de in-sucesso académico, sobre a qualificação do corpo docente em termos de ensino e aprendizagem e por aí em diante.

Académicos no Mercado.

O propósito deste artigo era falar, somente, do livro de que vou falar a seguir. O aspecto central que eu queria debater com a postagem anterior foi melhor captado no estudo que um académico, Africano, de renome internacional, abordou. Trata-se de Mahmood Mamdani. Mandani é Ugandês e residente em Nova York. Publicou vários livros que deviam ser de leitura obrigatória nas nossas Universidades. Não vou falar deles, basta fazer uma busca na internet que logo aparecem. Vou sim falar deste outro livro que Mamdani escreveu e cuja capa reproduzo na foto acima: Scholars in the Marketplace: The Dilemmas of Neo-Liberal Reform at Makerere University, 1989–2005. Traduzido isso daria qualquer coisa como: Académicos no Mercado: Os Dilemas da Reforma Neo-liberalismo na Universidade de Makerere.
Académicos no Mercado é um estudo de caso de reformas, na Universidade de Makerere, baseadas no mercado. Com o Banco Mundial como o precursor, as reformas neo-liberais na Universidade de Makerere, como o modelo para a transformação do Ensino Superior em África, tiveram implicações para todo o resto do continente. Num nível global, o caso de Makerere exemplifica o destino das universidades públicas numa era amiga do capital e orientada pelo mercado.
A reforma de Makerere começou nos anos 1990, ano da nossa segunda constituição, e foi baseada na premissa de que o Ensino Superior é mais do tipo de bens privados do que bem público. Ao invés de colocar o público contra o privado, e o Estado contra o Mercado, Mamdani muda os termos do debate para uma terceira alternativa que explora diferentes relações entre os dois.
O livro destingue entre privatização e comercialização, dois processos que guiaram a reforma de Makerere. Mamdami argumenta que enquanto privatização (entrada de estudantes que se auto-financiam) é compativel com a universidade pública onde as prioridades são publicamente estabelecidas, comercialização (autonomia finaceira e administrativa para cada faculdade para desenhar seu próprio curriculum respondendo as “necessidades” do Mercado) inevitavelmente conduz para a determinação pelo mercado das prioridades na universidade pública. Mamdani alerta para os perígos da comercialização das universidades públicas como sendo a subversão de instituições públicas para propósitos privados.
Os leitores atentos hão de se lembrar, com certeza, do que escrevi aqui e aqui sobre o que está(va) a acontecer com a nossa Universidade Pedagógica (UP). Exemplifico com a UP, simplesmente, por uma questão de conveniência uma vez ser do senso comum, até para os próprios estudantes, que de Universidade a UP, de Universidade, só mantem o nome. No entanto, este fenómeno da comercialização do Ensino Superior atinge todas as instituições do Ensino Superior no nosso País. É um Ensino Superior a avulso, na lógica da denúncia Mamdaniana da comercialização. Tudo é comercializável, tudo têm um preço no mercado, até o interesse público!
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PS: Respondo assim ao comentário de Elton Beirão colocado na postagem anterior.

4 comments:

Elísio Macamo said...

patrício, esta é uma boa reflexão que traz à luz uma das maiores contribuições que a actividade académica pode dar ao país: o debate público de ideias com conhecimento de causa. seria tão bom que mais académicos moçambicanos finalmente começassem a tomar a sério a sua vocação. um colega africano que participou na avaliação da candidatura de um colega ugandês para professor catedrático contou-me na lista de publicações desse indivíduo só constavam consultorias! apesar das diferenças de perspectiva em relação ao papel da pesquisa social empírica, gostaria que cada colega académico moçambicano fosse obrigado a todos os dias de manhã dar uma vista de olhos à lista de publicações de carlos serra e sentir vergonha de si próprio.

Anonymous said...

Ó Elíso vamos com calma...

Algumas das obras de Carlos Serra que me vem à Cabeça, enumero a seguir:
- "Combates Pela Mentalidade Sociológica" (o único livro de Serra, sociologicamente plausível, que se pode recomendar alguém para ler e reflectir; nele é interessante a proposta sobre o que ele chamou de "decálogo do Cientista Social", e as reflexões sobre o fenómeno das Crenças de Massa e sobre a Etnicidade. Continua de parabéns por tê-la escrito).
- "O Eleitorado Incapturável"; "Cólera e Catarse"; "Em Cima de uma Lâmina..."; "Racismo e Etnicidade", etc., etc. (só servem aos infelizes que recomendaram as tais consultorias).
- "Moçamicanidade e Moçambicanização"; "Estigamtizar e Desqualificar"; "Tradição e Modernidade" (colectâneas que pediu aos outros para escreverem textos de boa qualidade, e o fizeram).
- "Novos Combates" e "Ciência e Cientistas" (só ele pode explicar o que pretendia com essas obras).
- "Diário de um Sociólogo I e II" (Que vergonha de um diário de um cientista. Espero que não venha o Diário III. Mas também duvido porque foi colocada na Imprensa Universitária uma pesssoa um pouco mais atenta).
Outros me escapam, claro que devem existir. Me recordo apenas destes que tive a infelicidade de os adquirir e deixar apanhar poeira na minha estante.

O interessante é que foram essas obras que ele apresentou na prestação de provas para Professor Catedrático. Então, Elísio, não pode admirar o ugandês porque não ele só. E é bom continuar atento, pois um antigo "Boss" de uma Fundação..., também está para se submeter a provas a professor catedrático.

S.P.Banú

PS - Ainda bem que sempre estudei fora. Corria o risco de ser contaminado. Porém, respeito muito os que estudarm cá e sabem se comportar na esfera pública. Sabem defender suas ideias, mesmo correndo o permanente perigo/risco de serem aforismados. Esses todos que não preciso nomear estao de parabens.
"ha ha ta vonana".

Anonymous said...

um dia as verdades virao todas ao de cima sobre esta histora das publicaçoes e sobre quem o elisio quer promover a sociologo; um dia...

Elísio Macamo said...

caro banu, acho o seu comentário interessante. a essência do debate académico está na troca pública de ideias, de preferência também por escrito. é nessa troca que podemos saber se alguém reflectiu de forma convincente ou não. não partilho a apreciação que faz da qualidade dos livros de carlos serra. com a excepção dos últimos (que não li) todos os outros têm qualidade analítica e teórica. mesmo as colectâneas são um comentário positivo a carlos serra, pois faz parte da qualidade de um académico ser capaz de reunir colegas para reflectir sobre um tema. não devemos confundir o que pensamos da qualidade do trabalho de um académico com o seu perfil académico. para mim, o facto de carlos serra ser um dos poucos sobre cujo trabalho podemos falar é em si significativo. como é que eu posso falar de gente cujo trabalho não conheço? como é que posso apreciar um académico que nem mau livro escreveu? e não nos esqueçamos de uma coisa: apesar de as pesquisas por ele feitas serem também, parcialmente, resultado de consultorias, ele é um dos poucos que insiste em publicar os resultados de forma académica. não concordo com a visão que carlos serra tem dos objectivos da pesquisa social empírica, nem da forma como ele por vezes reaje à interpelação crítica. mas isso não diminui o seu estatuto como grande académico, nem me deve obrigar a menosprezar o grande contributo que ele presta às ciências sociais.