A mudança de vocação da Universidade Pedagógica

UP conta com mais uma delegação de ensino superior

05/03/2007

A Universidade Pedagógica passa a contar com mais uma delegação de ensino superior, totalizando a terceira instituição de ensino superior a funcionar na província de Inhambane, depois da Universidade Mussa Bin Bique e da Escola Superior de Hotelaria e Turismo da UEM.
Desta vez a iniciativa foi dos padres da congregação Sagrada Família, que uma vez solicitando apoio à Universidade Pedagógica de Maputo para a devida harmonização curricular, juntaram esforços dos quais resultou na sua criação.
Por tratar- se de uma delegação semi-privada de ensino, os estudantes são obrigados a pagar uma taxa anual no valor de 11 mil meticais. Nesta delegação, são ministrados os seguintes cursos: cursos de bacharelato e licenciatura em português e inglês, ciências da educação, todos iniciados ano passado e curso de bacharelato e licenciatura em história e geografia, recentemente introduzidos.
Para além de delegação da UP a congregação da Sagrada Família conta com uma escola pré-universitária a funcionar igualmente nesta província, que serve de propedêutico para estudantes que aspiram formar-se em docência. Redacção [Jornal o País]. [N1]

Estudantes acusam direcção da UP de cobranças ilícitas

05/03/2007

Os estudantes recém-ingressados à Universidade Pedagógica de Maputo, no curso de Planificação e Administração e Gestão de Educação, estão agastados com a direcção do departamento que administra este curso pelo atraso no início das aulas e alegadas cobranças ilícitas.
O imbróglio circunscreve-se em torno da cobrança de 50% de mensalidades referentes ao mês de Março, que os estudantes se recusam a pagar, sob alegação de terem efectuado o pagamento no acto da matrícula. Estes defendem que a medida da Direcção não tem sentido nenhum, uma vez que não assistiram aulas e, ainda, que o valor disponibilizado deve ser compensado.
Outra preocupação dos novos estudantes está relacionada com os nomes que ainda não constam nas listas, sendo que a única forma que têm para verificar se fazem parte do efectivo de estudantes da Universidade Pedagógica consiste na consulta do site do departamento, que só pode ser acedido na instituição, mediante o pagamento de 20 meticais, valor também contestado pelos estudantes.
O director do Departamento de Planificação, Administração e Gestão de Educação, Alípio Matengue, não foi muito claro na explicação sobre a crise instalada na sua área. “Não restam dúvidas de que a maior compensação que as pessoas têm é da escolarização e não o valor que pagam em cada ano. Trata-se de garantir o acesso ao ensino superior”, disse. [fim]

Retirei estas duas notícias do Jornal O País na sua versão online.

A mudança de vocação da Universidade Pedagógica

A palavra ‘plano’, ou o seu verbete derivado ‘planificar’, está entre aquelas que faziam parte do rico acervo do vocabulário dos tempos revolucionários no nosso País. Afinal o sucesso da revolução dependia da capacidade de traçar um esquema claro para se alcançar os objectivos. Era esse o sentido da palavra planificar, nessa altura. Muitos devem-se lembrar da sua companheira de trincheira, a palavra organizar. Afinal, a vitória organizava-se. O mais importante neste exercício de reminiscência não é simplesmente o de afogar a alma no gosto pelo nostálgico, mas chamar a atenção para a maneira como essas palavras estruturavam as nossas acções quotidianas ao definir os passos a seguir para se concretizar seja qual fosse o objectivo. O plano era a antecipação do futuro e a tentativa de querer controlá-lo, coloniza-lo por antecipação. Havia consciência de que este poderia falhar. Assim, se não se fizesse o plano ‘B’, o ‘A’ serviria para se saber onde foi que se falhou, portanto, tornava-se num indicador para avaliação. É só relembrar como se foi passando dos planos prospectivo indicativo (económico) (PPI) até se chegar aos de reabilitação económica, portanto, de nós pensado por nós ao nós pensados pelos outros! Nesse percurso o termo foi perdendo o sentido de esquema de procedimentos para se alcançar um objectivo e passou a significar intervenção correctiva sobre nós. No caso era preciso ajustar os indicadores económicos, em particular, a um ideal traçado como diria o sociólogo Elísio Macamo, por aqueles que nos querem ajudar a desenvolver. Mas esse é outro assunto, com muito pano para manga e que não me proponho abordar exaustivamente.

Com os ventos de mudança para a nova ordem social e económica, a “neo-liberal” e “democrática”, planificar passou a ser sinónimo de Marxista-Leninista. Era preciso deixar de planificar, sem, no entanto, nunca deixá-lo. É interessante notar que de uns anos para cá o termo regressou, só que desta vez acrescido do adjectivo estratégico. Não basta ser um plano, tem que ser também estratégico. Aí de quem não apresentar o plano estratégico do seu ministério, direcção ou ONG ou outra instituição qualquer. Não receberá fundos, pois no têm visão estratégica. Foi assim que assistimos a tudo que é instituição a apresentar planos estratégicos. Plano estratégico de combate a pobreza absoluta; plano estratégico de combate ao HIV/SIDA; plano estratégico do ensino superior; plano estratégico do plano estratégico e por ai em diante. É isso mesmo, hoje, traçam-se planos estratégicos para traçar um plano estratégico.
Estratégia, vide wikipédia, é a definição de como recursos serão alocados para se atingir determinado objectivo. Usada originalmente na área militar, esta palavra hoje é bastante usada na área de negócios. A palavra vem do grego estratègós, tendo significado inicialmente "a arte do general”. Neste sentido plano estratégico é de alguma forma uma redundância, pois tanto plano como estratégia são procedimentos antecipados, preconcebidos para perseguir determinados objectivos. Um plano por si só, sem precisar do estretágico, é estratégico. Mas porque todo este palavreado em torno de plano e estratégia, quando nem sequer linguista sou para me interessar pelo uso, surgimento ressurgimento ou desaparecimento de vocábulos? Tudo isto surge a propósito das notícias acima, mas não só. Ultimamente tenho estado a pronunciar-me, com alguma regularidade, ao que considero ser a descaracterização da Universidade Pedagógica. Uma descaracterização caracterizada pela alteração da estrutura curricular, vocacional e estatuária dos cursos fornecidos por aquela instituição de ensino superior. Suponho que tal alteração derive de um mercantilismo, “dumbaneguista”, e desenfreado do ensino superior. Aliás o argumento apresentado para a introdução de novos cursos na instituição é de que aqueles visam responder as necessidades de mercado. A UP, uma universidade pública, esta preocupada em responder as exigências do mercado. Por esta via, amanhã a UP estará a oferecer cursos de “fashion design”. Ainda que assim fosse, faria mais sentido para aquilo que é o seu desígnio formar professores de “fashion design”.

Ao ler as duas notícias recordei-me que guardo entre os meus livros um plano estratégico daquela universidade elaborado no ano 2000. Normalmente os planos estratégicos costumam ter um ciclo de vida findo o qual podem ser re-elaborados novos planos estratégicos. O da UP como referi é de 2000, portanto já vai no sétimo ano de cumprimento. Se estiver a ser implementado, julgo ter decorrido tempo suficiente para uma pequena avaliação. É por isso que fui buscar o plano estratégico da UP.

A vocação da UP segundo o PE

O plano estratégico (PE) da instituição, na sua página dois, refere o seguinte: “o papel da universidade pedagógica é a formação de professores”. E prossegue referindo que: “A UP é, estatutariamente, a instituição responsável pela formação de professores para todos os níveis do sistema de educação em Moçambique (pré-primário, primário, secundário, especial, técnico-profissinal e superior) bem como pela formação de outros quadros da educação. A UP é também responsável pela investigação e extensão na área de formação de professores. Desta forma a UP é parte integrante de todo sistema de educação de Moçambique e, a partir deste pressuposto, ela deve responder e corresponder às necessidades reais de professores.

Uma primeira ilação que se pode tirar ao ler o PE da UP é de que ela tem muito trabalho para fazer sem necessidade de fugir a sua vocação de formar professores. O documento enfatiza que “ a primeira missão da UP para com a sociedade é garantir a formação de professores com qualidade e em quantidade”. É no mínimo sintomático de uma mudança radical de visão e missão que os novos cursos introduzidos pela UP nada tenham a ver com o professorado. É igualmente curioso que o reitor venha fazer-nos perceber que em cerca de duas décadas do seu “reitorado” na UP não tenha conseguido estabelecer critérios para definir o que a instituição entende e propõe como qualidade. Realmente fica difícil se já não se sabe o que se está a fazer.

A segunda missão da UP é a de encontrar novas filosofias e políticas de formação de professores que acompanhem o desenvolvimento sócio-económico de Moçambique, da região e do mundo contemporâneo. Parece que a UP já encontrou uma nova filosofia: a filosofia de mercado. Se olharmos para aquilo que é a tendência característica dos novos cursos introduzidos pela instituição – Contabilidade e Auditoria; Gestão; Gestão de Empresas; Finanças Empresariais; Secretariado; Relações Públicas e marketing; Técnicas de Comunicação e Imagem; Gestão de Materiais Informação; e Gestão
Agro-negócios – é caso para dizer que a UP adoptou e bem o espírito e alma a da sua nova filosofia mercantilista. E repare-se que não se trata de formar professores nestas áreas acima propostas. Esta é a nova cara da UP. Mas engane-se quem acha que a UP já não havia previsto estas mudanças. O seu plano estratégico estará aí para desmenti-los.
O ponto quatro do quadro geral da emergência do plano estratégico refere-se a política e a filosofia de mudança na UP.
“ A UP deve adoptar uma política e uma filosofia de mudança. Definições modernas de política atribuem-lhe três dimensões: de conteúdos(policy) de processos (Politics) e de estruturas (polity).Se partirmos desta definição, uma política de mudança a adoptar numa instituição de formação superior como a UP, terá de imprimir alterações ao nível dos conteúdos de formação, ao nível dos processos de organização de formação e ao nível das estruturas de funcionamento para garantir a formação. A política de mudança deve, portanto, abarcar estes três eixos: conteúdos, processos e estruturas. Como traduzir estes eixos na filosofia do Plano Estratégico da instituição? A filosofia de mudança na UP, consubstanciada no Plano Estratégico, terá como princípios básicos as Flexibilização, a Profissionalização e a Capacitação”.

Para não correr o risco, desnecessário, de transcrever aqui todo PE, até por que isso só seria aborrecido para o leitor, vou retirar algumas ilações a partir desde curto excerto. Até porque se continuada a leitura deste ponto, não nos trás informação substancial que sugira algo além da vaga ideia de que se pretende mudar a três níveis: conteúdo, processos e estrutura. Sem querer tirar o mérito a quem elaborou o PE, devo apenas acrescentar que nenhum dos níveis, assim como dos princípios básicos - Flexibilização, a Profissionalização e a Capacitação” – pressupõe, necessariamente, a mudança de vocação da instituição, refiro-me a formar professores. Por outras palavras, é possível – e é isso que se espera de uma instituição de ensino superior – alterar o conteúdo reflectindo as transformações na sociedade; fazer não sei o quê com os processos e modificar a estrutura, sem que nada disso implique mudar de vocação. A UP não precisa de mudar de vocação porque a sua pertinência só existe enquanto instituição vocacionada para a formação de professores. Os dados que o próprio PE apresenta das necessidades no país de professores qualificados nos mais diferentes níveis justifica este posicionamento. Caso contrário, para que precisámos da UP? Para fazer em condições deploráveis aquilo que outras instituições de ensino superior por principio estão vocacionadas a fazê-lo. Não me ocorre melhor expressão para me referir ao ridículo por que a UP se faz passar ao usar instalações de escolinhas secundárias para levar acabo as actividades lectivas.

Porque a UP não devia mudar de vocação!

Ao invés de abrir cursos para os quais a UP nem sequer tem condições infraestruturais e logísticas para dar vazão a demanda que ela própria suscitou, penso que devia se concentrar naquilo que o seu próprio plano estratégico preconizou e estabeleceu em relação `a abertura de novos cursos. O PE reza que: “de todas as prioridades e projecções do MINED na área de formação e da revisão curricular dirigidas pelo INDE, deriva a responsabilidade da UP cobrir áreas onde exista carência de formação. A UP actualmente não oferece formação para professores das áreas a seguir mencionadas:
• Formação de educadores de infância;
• Formação de professores para o ensino básico;
• Formação de formadores para o ensino básico;
• Formação de professores para Educação Não-Formal e Educação de Adultos;
• Formação de professores para o ensino técnico;
• Formação de professores para os níveis de bacharelato e de licenciatura;
• Ensino a distância para níveis de bacharelato e licenciatura.

A segunda notícia acima da conta de que a UP abriu mais uma delegação, desta vez em Inhambane, com a colaboração de uma congregação religiosa. Designaram-na de uma delegação semi-privada. O que é uma universidade semi-privada? É uma universidade pública em que os preços das propinas são idênticos aos praticados pelas instituições de ensino privado ou o inverso?
Enfim, a UP têm muito que fazer! Muito que justifique a sua própria existência como UP. Ao continuar a enveredar pela via da mercantilização o que se vai assistir é a irreversível descaracterização da UP. Aquilo que a dias eu escrevera aqui neste Blog como sendo a desUPização da UP.