Friday, November 30, 2007

Os ídolas do Pro e do Contra: O tipo é da Freli ou da Re? [2].

Xicuembo xa mudliwa[1]!

Leia a Introdução a série aqui.

Comecemos por uma pequena “estória” (real) para introduzirmos a minha noção de ídola no nosso contexto. Os ídolas, aqui, são como o “xicuembo xa mudliwa”. O xicuembo xa mudliwa em Xangan significa um espírito, normalmente, maligno, destabilizador da harmonia social. Um espírito que cria sempre problemas nas famílias. Pelo menos, assim alguns problemas são interpretados. A forma de resolver esses problemas – evidentemente antes da chegada da solução universal da Igreja Universal do Reino de Deus – era através dos serviços de um curandeiro que em ritual apropriado escutava as exigências do espírito. Acompanhar o espírito de regresso a sua casa onde teria o descanso eterno faz parte do ritual. Em tempos idos vivi uma experiência do género. Até princípios da década de 80, quando a gestação paterna da democracia ainda não reclamava tantas vidas humanas no nosso país, o meu pai havia criara o hábito de levar os filhos à casa dos seus pais, portanto, nossos avós para passar as férias de fim de ano. Dizia-se que íamos a Ucopi[2]. Numa dessas viagens o propósito não eram as laranjas e tangerinas doces da casa do nosso avô. O propósito era diferente, surpreendentemente estranho, para nós os miúdos. Tratava-se da realização de uma missa para se acompanhar um espírito que atormentava a família que vou chamar, aqui, de “Sitoe”.

Sitoe fora um guerrilheiro Ndau[3] das tropas de Ngungunhane, o temido, último imperador de Gaza[4]que resistira a ocupação Portuguesa. Sitoe tombara numa das batalhas com os copi vítima da ríspida azagaia (por favour, não o Edson das "Mentiras da Verdade") aguçada de Chidila – outro personagem meu – que lhe atravessara e rasgara o seu peito. Sitoe morrera em terras copi. E diz a lenda, com espírito Ndau não se brinca. Persegue-te por bem e por mal. Se és amigo de Ndau após morto voltara para manter a amizade, se inimigo voltará para acertar as contas. Portanto, o espírito de Sitoe voltara, reclamava as gerações herdeiras de Chidila o retorno a zona de origem onde teria seu eterno descanso. É por isso que naquelas férias para o bem da família, para que as desgraças terminassem, para as festas de casamento voltassem, a esterilidade entre outros problemas sociais e de saúde acabassem, era preciso acompanhar Sitoe. O meu espanto surgira ao saber que afinal não era a primeira vez que tal cerimónia se realizara pelo mesmo espírito, mas aquele regressara a casa dos herdeiros de Chidila com mais exigências. Esses regressos não anunciados e indesejados eram o modo de estar desse espírito mudliwa. Acompanhá-lo tornara-se um serviço de marracuene, isto é, redundante. E esta estória – longa não é? – era apenas para dizer que existem espíritos idênticos a esse na nossa esfera pública. Esses espíritos fazem do nosso debate de ideias refém de idolas que por sua fez tornam o debate um verdadeiro serviço de marracuene. Redundante. Temos que estar sempre a voltar ao mesmo assunto e a tirar as mesmas conclusões. Não há avanços, estamos num circulo fechado. Vicioso. Refiro-me aos idolas que criam problemas para possibilidade de um debate de ideias que não esteja preso ao esquema classificatório, binário, redutor e falacioso. O tipo de exigências, pre-conceituosas que esse espírito faz pode ser colocado em forma de perguntas: o tipo é da Frelimo ou é da Renamo? Apoia o governo ou apoia a oposição? É sociólogo da “esquerda” ou da “direita”? É do norte ou do sul? Esse tipo de ídolas, preconceitos apriorísticos, mina a nossa capacidade de avaliar o mérito dos argumentos dos nossos interlocutores. Já houve tantas cerimónias para acompanhar este espírito, mas eish teima em voltar.

[1]Espírito maligno que perturba o bem-estar social numa familia.
[2] Copi ou Va chopi (copi) grupo “etnico” “ e/ou linhageiro” que habita o nordeste da provincial de Gaza. Conhecidos pela sua resistência ao dominio do Imperador Nguni, Ngungunhana.
[3] Ndau ou Va Ndau prupo “etnico” e/ou “linhageiro” que habita a região central de Moçambique, principalmente, na próvincia de Sofala.
[4] Vale a pena Ler Ualalapi de Ungulani Ba ka Kossa a propósito de Ngungunhane. Um excelente livro, diga-se!

Os Pró e os Contra: ídolas que minam o debate na esfera pública Moçambicana.

Introdução

Foi Miguel Buendia – meu primeiro professor de Introdução as Ciências Sociais, na verdade de filosofia – quem me introduziu à noção de ídola. Buendia recomendara-me a leitura do Novum Organon do Filósofo Francis Bacon. Fiz a leitura através de um romance de filosofia – se não me engano o preferido de Buendia dada a insistência com que nos sugeria sua leitura – do filósofo e romancista Norueguês Jostein Gaarder. O título do romance é “O mundo de Sofia”. Um verdadeiro sucesso de venda que já passou da vigésima edição em língua Portuguesa. Infelizmente esse é mais um daqueles livros que já não faz parte da minha pequena biblióteca por conta das malditas cabeçadas. Uffff, finalmente, desabafei. Enfim, dizia que da leitura retive a ideia de que Bacon – considerado um dos fundadores da ciência moderna – estava preocupado em exorcizar os ídolas para que o conhecimento científico se desenvolve-se sob rigorosos critérios de controle, previsão e causa eficiente. Nesse sentido, Bacon identificara e tipificara os enganos da razão como sendo os ídolas. Para aquele filósofo eram quatro os tipos de enganos da razão que bloqueavam o acesso ao conhecimento “puro” a mente humana: ídolas da tribo, Ídolas da caverna e Ídolas do foro e Ídolas do teatro. Não vou dissertar sobre cada um deles aqui. Recomendo a leitura do Novum Organon ou do Mundo de Sofia para quem quiser aprofundar o assunto. Aliás, o debate sobre o papel dos preconceitos na produção de conhecimento científico já vaí muito para além das contribuições de Bacon. Aqui também não interessa recuperar esse assunto, antes que me acusem de cientismo. O que pretendo recuperar da história dos ídolas é uma espécie de preocupação análoga, que julgo existir em mim hoje, em relação ao que me parece impedir-nos de fazer um debate de ideias, digamos na falta de melhor caracterização, se não livre pelo menos consciente dos nossos preconceitos. Quer dizer um debate de ideias que nos permite recuperar e/ou re-produzir uma representação o mais fiel possível da nossa realidade. O que para Bacon seriam os ídolas que criam constrangimentos ao conhecimento pelas falácias que induziam aos sentidos, para mim são os preconceitos (ídolas) que nos impedem de aceder e avaliar os argumentos dos nossos interlocutores no debate de ideias. Já me explico. Bacon sugere que é preciso exorcizar, desalojar os ídolas através do rigor científico. Eu pretendo sugerir que é preciso exorcizar os nossos preconceitos (ídolas) através de uma atitude de critica argumentativa aberta e directa que permite a avaliação dos argumentos dos nossos interlocutores sem nos preocuparmos em saber se são pró ou contra, se são da Renamo ou da Frelimo, se são da esquerda ou da direita, se são do sul ou do norte e por aí em diante. Penso que esses sãos os ídolas que induzem, na nossa esfera pública, a falacias constantes e a incapacidade de avaliar o mérito dos argumentos dos nossos interlocutores nos debates em que nos engajamos sobre os diferentes assuntos. É sobre os idolas do pró e do contra que vou tentar debruçar-me nos próximos (não sei quantos ainda) textos.
Foto: ÁGORA

Thursday, November 29, 2007

Não queria viver “bem” por medo de feitiçaria!?

Esta estória parace-me mais fantasia do jornalista do que relato de factos e experiência real do principal personagem! O que acham vocês?
Governo “obrigou-me” a construir e comer bem - Sumbane Wamutsotso, criador de gado no distrito de Chigubo, em entrevista ao "Notícias"

ESTÁ a construir sua residência tipo três a escassos metros das instalações da sede distrital. As suas cinco esposas estão a aprender como preparar alimentos nutritivos, de modo que no regime alimentar da sua família não faltem alimentos protectores do organismo. Em entrevista ao nosso jornal, Alberto Sumbane Wamutsotso, grande criador de gado no distrito de Chigubo, província de Gaza, disse que não tinha o hábito de viver bem, "não porque não gosta, mas sim por medo de feitiço". Apesar disso, Wamutsotso já havia se preparado para ir à capital do país comprar um carro, Land Cruiser , "novinho em folha". O sonho só não se realizou porque o ex-governador de Gaza, Djalma Lourenço e o administrador distrital Alves Zitha, acoselharam-no que no lugar de comprar um carro, devia construir uma casa condigna para si e família.
Maputo, Quinta-Feira, 29 de Novembro de 2007:: Notícias

Alberto Wamutsotso é um dos maiores criadores de gado bovino e caprino no distrito de Chigubo, província de Gaza, mas diz que não vive bem porque teme feitiçaria. "Se não vivo como um branco é porque tenho medo dos feiticeiros, tenho tudo para viver bem", disse.
Com cerca de mil cabeças de gado, o velho Wamutsotso como é carinhosamente tratado em Dindiza, vila-sede distrital, diz ter muito dinheiro e viatura própria, ainda com matrícula estrangeira. Em contrapartida, vive numa palhota. Segundo fontes da administração local, só agora é que está a seguir um regime alimentar equilibrado.
Em entrevista ao "Notícias", Wamutsotso disse que o medo de alegados feiticeiros está a passar aos poucos porque teve encorajamento dos governantes do distrito e da província. Conta que o ex-governador Djalma Lourenço e o administrador de Chigubo, Alves Zitha, o ajudaram bastante.
“Djalma e Zitha obrigaram-me a iniciar as obras, pois eu e minhas cinco esposas e 22 filhos, sempre vivemos nestas palhotas. Os chefes disseram-me que uma pessoa como eu, com as condições materiais que eu tenho, não devia viver assim. Foi difícil decidir porque antes queria comprar um Land Cruiser, é o carro dos meus sonhos”, contou.
Wamutsotso, que é membro do Conselho Consultivo Distrital, disse que nos princípios, quando era pressionado para melhorar a vida, se sentia incomodado, porque já estava habituado a viver naquelas condições. “É que se a pessoa fizer algo melhor, os feiticeiros começam a persegui-lo”, lamentou.
O nosso interlocutor levou-nos à sua casa e mostrou a obra que está a florescer. “Estou muito satisfeito, vou convidá-lo para vir ver a minha casa quando tiver terminado. Isso foi graças à pressão que o governador e administrador fizeram, até chegaram a dizer-me que se não construísse uma casa para a família, mandar-me-iam prender”.
Segundo nos contou, o Governo contactou um empreiteiro, para construir a casa. Porque Wamutsotso não queria mexer no dinheiro que tem, procurou saber junto do construtor, quantos bois precisaria para construir a vivenda, sem no entanto, gastar nenhum tostão. “Ele disse-me que precisava de muitas cabeças e eu disse lhe para avançar e dei-lhe os bois que queria”, explicou Wamutsotso.
"Também projectavam cobrir a casa com chapas de zinco, mas eu não as quero, prefiro betão. Perguntei ao empreiteiro quantos bois queria para cobrir com placa, e ele pediu mais cabeças de gado. Não hesitei, instrui-o a avançar” disse, acrescentando que há muita gente naquele distrito que possui muita riqueza mas não quer melhorar a sua vida por temer feitiçaria.

LAND CRUISER E TRACTOR
Maputo, Quinta-Feira, 29 de Novembro de 2007:: Notícias

O sonho de adquirir um Land Cruiser ainda não desapareceu. Por isso, o nosso entrevistado disse que custe o que custar assim que terminar a construção da casa vai avançar no seu projecto de aquisição de um carro todo-o-terreno e de um tractor para agricultura.

MEDO DE ALGUNS PAIS

O receio pela suposta feitiçaria no distrito é generalizado. Wamutsotso disse haver em Chigubo muitos criadores de gado, mas não fazem coisas boas por medo de invejosos que enfeitiçam qualquer pessoa que demonstre sinais de bem-estar.Afirmou também que parte dos habitantes deste distrito têm filhos altamente formados em Maputo e noutros cantos do país, uns até trabalhando nas minas da África do Sul. “Mas eles não podem construir e desenvolver este distrito porque têm medo de feitiçaria, os filhos querem fazer qualquer coisa, mas os pais têm-lhes dito que, se quiserem viver, não podem dar nas vistas que têm alguma riqueza”. Questionado sobre se ter uma casa de alvenaria é sinónimo de riqueza ele respondeu positivamente, tendo justificado que “os nossos pais, avós nunca tiveram tais bens, quando surge alguém a fazer isso todos os invejam”. Agora, como membro do Conselho Consultivo do Governo distrital, a nossa fonte diz estar a trabalhar por forma a mobilizar as pessoas a desenvolverem o distrito. “Tenho dito a eles que se todos tivermos alguma coisa, ninguém irá cobiçar o bem do outro e assim estaremos todos muito bem e o nosso distrito mais desenvolvido”.

A GUERRA RETROCEDEU-ME

Maputo, Quinta-Feira, 29 de Novembro de 2007:: Notícias

Durante a guerra de desestabilização, Sumbane Wamutsotso refugiou-se pna África do Sul, onde trabalhou durante 13 anos. Do lado de cá, em Moçambique, concretamente no distrito de Chigubo, haviam ficado muitas cabeças de gado bovino, caprino e aves. “Os bandidos mataram e carregaram muitas cabeças e queimaram as minhas casas, tive que recomeçar tudo e, agora, graças a Deus estou a andar”.
O distrito de Chigubo foi um dos corredores da Renamo, houve muitas confrontações entre tropas governamentais e do movimento de Afonso Dhlakama. “Se não tivesse havido guerra, nós aqui estaríamos a contar outra história, apesar deste distrito parecer pobre, somos ricos, porque trabalhamos muito. Mas o confronto armado matou muitas pessoas aqui no distrito e destruiu muitos bens. Se não fosse isso, Chigubo estaria num outro estágio de desenvolvimento” .Wamutsotso disse que a estiagem prolongada no distrito é o reflexo da guerra, “os espíritos dos defuntos vítimas da guerra até podem estar zangados, uns dizem que poderão estar por detrás destas secas. Aqui morreu-se. Desde muito houve seca, mas há algumas lagoas que não secavam. Porém, agora secam”, lamentou.

ÁGUA NÃO CHEGA PARA TODOS EM CHIGUBO
Maputo, Quinta-Feira, 29 de Novembro de 2007:: Notícias

A FALTA de água no distrito de Chigubo é um grande desafio para a população. As pessoas percorrem longas distâncias à procura deste precioso líquido, não só para o seu consumo, como também para garantir a dos seus animais. Quando se chega a uma fonte, a preocupação é também dar de beber aos animais, ainda que seja para molhar a garganta.
Wamutsotso disse que quando nasce o dia, a primeira preocupação é saber o que os seus animais vão beber e onde? “Somos muitos criadores. Os furos são poucos. A água não chega para todos”.
“É que a mudança da sede distrital de Saúte para Dindiza, veio aumentar o número de habitantes na zona. Com a indicação do Governo tivemos que nos reunir para discutir sobre a questão da água. É que ela tem que chegar para todos. Sem água não há vida. Tínhamos que encontrar formas de distribuí-la por todos. Foi a partir desta experiência que concluí que é no momento do sofrimento em que as pessoas se sentem mais unidas”, explicou, acrescentando que o Instituto Nacional de Gestão das Calamidades (INGC) reabilitou alguns furos de água na zona, mas continua a escassear. Sumbane Wamutsotso afirmou ainda que os grandes criadores tencionam contribuir para fazer um furo de água para minorar o sofrimento da população local.

TROCAR RELÓGIO POR CHIFRES

Maputo, Quinta-Feira, 29 de Novembro de 2007:: Notícias

O velho Sumbane Wamutsotso gostou de um relógio de pulso de Vitorino Mondlane, um técnico do INGC, que também visitava aquele distrito. O grande criador de gado interpelou ao jovem técnico para lhe dizer que gostou do seu relógio, acrescentando que teria visto um igual na África do Sul, no pulso de um boer. Disse ainda que gostaria de ter um igual.
Porque Mondlane não avançava qualquer proposta, apenas dizia que existe à venda em Maputo, Wamutsotso não hesitou em propor a troca do relógio por um par de chifres de boi.
Vitorino Mondlane ficou atónito, pensando que era uma cabeça de vaca em troca do relógio, mas quando quis se certificar, soube que se tratava de chifres, no verdadeiro sentido da palavra. “O boi já foi morto, levará apenas para Maputo um par de chifres”, disse Wamutsotso, expressando-se, calmamente, em changana.
Vitorino voltou a questionar, o que iria fazer com os chifres e a resposta não tardou: “meu filho, se tu levas este par de chifres para Maputo, toda gente vai te respeitar e as mulheres verão que você é homem, bastando pendurá-los numa árvore do seu quintal ou mesmo pregá-los na sua porta”.O dono do relógio riu-se e abanou a cabeça, em sinal de discordância: “trocar o meu relógio por um par de chifres?, não faltava mais nada...”, vociferou Mondlane. E o velho Wamutsotso perdeu assim a chance de ter o relógio idêntico ao do boer que vira na África do Sul.
RODRIGUES LUÍS

Wednesday, November 28, 2007

Os da esquerda e os da direita!

Um sociólogo que se quer como tal procura no seu oficio dar conta da realidade social, isto é, torná-la inteligível. Só isso! Nesse exercício espera-se que sua metodologia (teoria e método) seja explícita de modo a que qualquer um possa replicá-la. A partir do momento em que começa a virar para a esquerda ou para direita tende para o ofício do político. Nesse sentido, fica explicito o seu alinhamento ideológico (doutrinal). Começa, então, apregoar, a conquistar apoiantes e adeptos para as suas causas. Esses tipos não são mutuamente exclusivos, o que não significa que sejam a mesma coisa.

Monday, November 26, 2007

As ideias do, singular, Magnífico!

O Prof. Lourenço do Rosário, Reitor da A Politécnica, uma universidade privada de Moçambique, é uma figura proeminente na esfera pública Moçambicana. Nesta estrevista, concedida ao Jornal Notícias, faz uma espécie de radiógrafia, interessante, do 'Estado da Nação'. Vale a pena lê-lo, mesmo que não concordemos com seu diagóstico, o que é salutar para o debate.


Apontar corruptos ainda é tabú – afirma Presidente do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), Professor Doutor Lourenço do Rosário, para quem prevalece cultura de impunidade em Moçambique

MOÇAMBIQUE faz parte dos 27 países africanos comprometidos com os princípios, prioridades e objectivos de boa governação definidos no âmbito da NEPAD, e que se manifestaram abertos a permitir que os seus pares nacionais e internacionais avaliem a situação dos respectivos países. Tal avaliação abarcará áreas como democracia e governação política; governação económica e administração; governação corporativa empresarial e desenvolvimento sócio-económico. Para tal, o nosso país aderiu ao Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP) e foi este o “mote” para uma entrevista com o Presidente desta iniciativa no nosso país, o Professor Doutor Lourenço do Rosário. A conversa acabou, desembocando em temas da actualidade nacional, com destaque para a governação, criminalidade, corrupção e democracia, entre outros. O nosso entrevistado, que nunca esconde as suas cores políticas (membro da Frelimo), não deixa de se insurgir contra alguns dos males de que enferma a governação, atacando com veemência o fraco desempenho do Parlamento. Exige, por outro lado, medidas mais contundentes para acabar com a criminalidade no país. Estas as linhas fortes da entrevista que se segue:

Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias

NOTICIAS (NOT)- Como explicar a um cidadão do Chinde, província da Zambézia ou de Chicualacuala, em Gaza, o que significa o Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP)?

LOURENÇO DE ROSÁRIO (LR) - É simples. Partindo da experiência que tivemos da Agenda 2025, de como lidar com o cidadão, temos que ir ao encontro das suas próprias percepções...

NOT - Que percepções?

LR - Se quero saber se ele tem a percepção de que está a ser bem governado ou não, se a sua vida é cómoda ou não, se está em condições de saber que exerce os seus direitos de cidadania. Mas também fazer-lhe perguntas muito concretas. O que é boa governação, por exemplo, nós podemos saber se com o rendimento que ele tem, consegue comprar açúcar, arroz. Se o arroz e o açúcar chegam à aldeia dele, se acha que os comerciantes que estão na sua região conseguem vender as coisas duma forma honesta e a preços que ele pode considerar que são justos, se ele quando se quer sair de um lado para o outro encontra meios que facilitem a sua deslocação, etc. Isto é que se chama a percepção de boa governação.

NOT - E mediante as respostas do cidadão, o que se segue?

LR - Vamos fazer uma bateria de respostas correctas, ou de respostas positivas ou negativas. Quando foi da Agenda 2025, explicávamos que queríamos saber se o cidadão tinha a percepção de que poderíamos, eventualmente, dentro de 25 anos ter determinados parâ-metros daquilo que poderíamos prever de como seria o país.

NOT - E com o MARP o que vão dizer aos cidadãos?

LR - Alguns países africanos estão unidos para, eventual-mente, olharem-se uns e outros de modo a cada um de nós dizer ao outro o que está a fazer mal e o que está a fazer bem. Revisão de Pares, é isso. É um mecanismo muito parecido com o religioso ou então da crítica e auto-crítica que era feita pela FRELIMO, nos primeiros anos da nossa independência. Nós juntamo-nos e cada um diz o que acha que está mal consigo próprio e como é que pensa corrigir. Os outros dizem-lhe: “Olha, este caminho sim, aquele não!”. É isso que está a acontecer com o Mecanismo, com aqueles países que já terminaram os seus relatórios, nomeadamente Quénia, Gana, Ruanda, Argélia e África do Sul. Todos os anos temos dois encontros nas Cimeiras da União Africana, em Janeiro em Julho, então os que terminaram vão apresentar o relatório e o Plano de Acção, e ouvem os comentários dos outros países. No ano seguinte, vão lá apresentar o que conseguiram corrigir consoante o Plano de Acção que indicava a correcção dos males que eles próprios detectaram, bem como as achegas que outros países deram. Então, esse relatório tem que surgir da percepção dos cidadãos. Portanto, nós quando chegamos ao distrito, quanto estamos na província, falamos com os governos e com as forças vivas, tentamos ser abrangentes. O que dizemos é: não estamos a a avaliar o Governo, estamos a avaliar a nossa governação, nós próprios como chefes de família, como sociedade, como empresá-rios, como organizações etc.

TEM QUE HAVER DEMOCRACIA PARA SE ADERIR AO MARP

NOT - E qual é o conceito de pares neste contexto?

LR - Pares, são os países que aderiram a este processo. Como sabe, este Mecanismo está incrustrado na NEPAD e a NEPAD foi uma filosofia que apareceu dum desenvolvimento auto-controlado pelos próprios Estados. Não pretendemos com esta avaliação ir buscar dinheiros ao Banco Mundial nem ao Clube de Paris, não é nada disso. O que se pretende é tentarmos, nós próprios, portanto, Moçambi-que, Angola, Burundi, Argélia, os 27 países que aderiram, por-tanto, esses são os pares, em primeiro lugar. Em segundo lugar, os pares são os dirigentes, os chefes de Estado que representam, naturalmente, a Constituição de cada país, têm que ser países democráticos, tem que estar em paz, e haver índices de desenvolvimento que justifiquem a adesão a este Mecanismo.

NOT - Mas com esta toda sustentação sobre a validade desta iniciativa, como é que explica que até agora apenas 27 países do nosso continente tenham aderido ao MARP?

LR - Há vários constrangimentos, e como é um Mecanismo voluntário, há indicadores muito concretos. Há alguns países que acham que não estão em condições de aderir, e muitas vezes são índices de democraticidade. Porque não é fácil ao Governo sujeitar-se a avaliação da sociedade civil que, por sua vez, se está a avaliar a si própria. As liberdades funda-mentais, as questões da demo-cracia, do desenvolvimento sócio-económico, as condições de vida, a condição humana, cidadania, são questões que dizem respeito a todos. Então, muitos países têm receio de aderir devido aos muitos problemas internos.

NOT - Não acha também que há países que não aderem ao MARP por duvidarem da credibilidade ou, se quiser, da sustentabilidade desta iniciativa africana? Aliás, é voz corrente de que o NEPAD é um projecto sem “pernas para andar” e eles não querem embarcar em mais um malogro...

LR - Não, não comungo de forma nenhuma com esta percepção. Por aquilo que vi, trata-se de um exercício de democracia. Há-de reparar que os países que aderiram ao MARP são os que trazem maiores índices de combate a determinados males. Vamos pensar, por exemplo, na Argélia que recentemente apresentou o seu relatório mas que tem um grande problema: é um país maioritariamente muçulmano e a questão da mulher é um problema sério. No seu Plano de Acção, apresentou linhas de desenvolvimento para que a democracia não fique hipotecada por causa do problema de género. É uma atitude de grande coragem. Não é fácil, sendo predominantemente muçulmano ir de frente com a cultura predominante da sua população que diz que a mulher tem um determinado lugar. O Gana, por exemplo, é um país com índice de democracia bastante grande, com um índice de desenvolvi-mento razoável, é um país estável, mas tem o problema do género. Portanto, se tem esse problema, tem que ver porque é que a mulher não participa nas estruturas...

CORRUPÇÃO SEM CARA É O NOSSO PROBLEMA

NOT - ...e Moçambique?

LR- Moçambique é um país que sabe gerir bem todo o processo de reconciliação, sabe gerir bem o processo de paz, tem algum crescimento económico visível, etc. Mas tem problemas sérios, relacionados com uma corrupção que não tem cara. Todos falamos da corrupção, mas não há ninguém que tenha sido apontado como no Brasil, por exemplo, ou no Quénia. No Quénia foi detectado o problema de corrupção e de repente começaram a aparecer as caras dos corruptos. Aqui, ainda temos este problema muito concreto da corrupção e da insegurança. São questões concretas da fragilidade das nossas infra-estruturas, do nosso sistema educativo e que têm que ser corrigidos. Então, não me parece que seja um Mecanismo falhado.

NOT - Como será desenhado o Plano de Acção, juntamente com o relatório, se já existem outros planos como por exemplo o PARPA?

LR - Bom, o PARPA é um programa que está incluído no plano quinquenal dos governos. Faz parte, portanto, dum programa que tenta materializar o discurso político de combate à pobreza absoluta. Ele visa traçar estratégias de como concretizar exactamente estes problemas que estamos a detectar. O Presidente da República fala de pobreza, por exemplo, mas não lhe compete, enquanto que Presidente da República, mas talvez como Chefe do Governo, definir o que é pobreza. Pobreza, por exemplo, pode ser essas bolsas de desempregados que existem nas grandes cidades, pode ser um jovem que acaba de se licenciar, não quer sair de Maputo e fica a viver numa dependência à espera de arranjar emprego. Pobreza é muita coisa. Portanto, o Plano Quinquenal que o Governo deve traçar, deve inspirar-se exactamente em muitos documentos como Agenda 2025, Plano de Acção do MARP, Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e outros documentos filosóficos que estão por aí espalhados.

GOVERNO BUSCA FUNDOS, MAS...: FÓRUM NACIONAL É AUTÓNOMO

Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT - Como se pode garantir o elemento transparência e ausência de manipulação, se dentro da estrutura do Mecanismo, em Moçambique temos membros do Governo como é o caso do Presidente da República e o Ministro do Plano e Desenvolvimento?

LR - Essas individualidades a que faz referência são, de facto, os representantes do país junto dos Pares. Portanto, o Presi-dente da República é, digamos, o Presidente do Fórum dos Chefes de Estado dos países que aderiram ao MARP, e o Ministro do Plano e Desenvolvimento, é o ponto focal, ou seja, aquele que articula todo este trabalho com a União Africana. Mas, todo o trabalho do MARP é feito fora destas estruturas. Existe um Fórum Nacional, que é constituído por uma série de instituições e organizações, desde os antigos Conselheiros da Agenda 2025, Reitores de algumas universidades públicas e privadas, chefes das comis-sões, membros da Comissão da Assembleia da República, ONGs representando a sociedade civil, grupos religiosos, representan-tes de alguns partidos políticos. Este é que é o Fórum Nacional. Temos um total de 59 perso-nalidades, e foram eleitas sete, sendo um presidente, dois vice-presidentes, e quatro coordena-dores de áreas temáticas que vão dinamizar todo o processo de avaliação do país. Existe um escritório que é uma unidade técnica que executa este programa.

NOT - Está, por outras palavras, a dizer que tanto uma quanto a outra estrutura não devem obediência a nenhuma autoridade governamental?

LR - Sim, quer o Fórum Nacional, quer o escritório, não devem obediência a nenhuma autoridade. A estrutura é autónoma.

NOT - Mas como falar de transparência, se os fundos para o funcionamento de toda a máquina vêm dos bolsos do Governo do dia?

LR - Ok... Os fundos são procurados pelo Governo, mas quem financia não vem do Orçamento do Estado.

NOT- E a quem prestam contas da utilização dos fundos?

LR- A quem nos dá esse dinheiro, nomeadamente a NORAD, a Noruega, a Irlanda. Estes os países doaram o primeiro orçamento e está a ser gerido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Portanto, o escritório não se senta com o ministro nem com ninguém para prestar contas.

NOT- Não haverá aí uma espécie de cumplicidade moral assumindo que é o Governo quem procura os fundos?

LR- Quando nós atingimos uma determinada maturidade de cidadania, julgo que esse sentimento de compromisso de dependência etc, fica um pouco diluido. Quando o Chefe de Estado convidou-me para assumir a presidência do Fórum, eu aceitei na convicção de que iria gerir este processo com total autonomia, e até agora esse autonomia tem sido respeitada. O facto dos dinheiros virem daí mostra também que há uma vontade em respeitar a nossa autonomia, há uma vontade democrática por parte do Estado, do Governo que está neste processo duma forma séria.

NOT - Em alguns países que aderiram a esta iniciativa já houve alguns problemas...

LR - ...na África do Sul, por exemplo, o Governo não aceitou o relatório. Houve problemas sérios, tanto mais que o relatório foi apresentado seis meses mais tarde porque voltou, isto porque havia uma grande clivagem entre o relatório que o Governo queria e o que o Fórum tinha eleborado. No Quénia, o Presidente do Fórum teve problemas sérios com o Governo, chegando mesmo a meter o Governo em tribunal. Portanto, tem havido problemas de percurso. Feliz-mente nós, em Moçambique, não temos.
Não porque estejamos servilmente dependentes do Governo, temos estado a exercer as nossas tarefas com muita autonomia e o Governo tem estado a respeitá-las.

CRIMINALIDADE: NÃO NOS PEÇAM PACIÊNCIA

Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT - Um outro fenómeno que certamente figura no conjunto das preocupações dos cidadãos é o da criminalidade. Em que termos é colocado este mal social?

LR - É interessante porque quando o Siba-Siba foi assassinado, escrevi um texto e penso que até publiquei no “Notícias” que tinha o título “Direito à indignação”, onde eu levantava que a questão da segurança é um direito do cidadão. Compete a quem está no poder, garantir esse direito como todos outros, o direito à educação, à habitação, ao emprego, às vias de comunicação. São direitos. Se sou cidadão deste país, tenho que esperar que aquele que está no poder me dê garantias desses direitos e, em contrapartida, eu pago os meus impostos. Respeito quem está no poder e exerço o direito do voto, votando nessas pessoas, perdendo se não votar neles, porque o acto de eu aceitar, significa que sou democrata e tenho direitos. Então, se esses direitos me são retirados, começando pelos fundamentais, não tenho boas condições de educação, de saúde, não tenho bons transportes, habitação condigna, e ainda por cima vem um outro espoliar-me do pouco que consigo arranjar com o meu esforço. Então, eu não sou cidadão. Não tenho nenhum direito. Alguma coisa está errada. Então, a criminalidade tem que ser vista nesse sentido, que é a retirada do direito fundamental do cidadão em viver protegido pelo poder que ele elegeu, se aceitarmos que estamos num regime democrático, eleito. Portanto, se eu elegi, aquele que está no poder deve garantir-me esses direitos. Se não me der, tenho direito a indignar-me.

NOT - Ou seja, a criminalidade e a insegurança são elementos de indignação para qualquer cidadão...

LR -...sim, não pode, de forma nenhuma, qualquer dirigente que deve gerir essa questão, pedir paciência ao cidadão. Não tenho paciência. Não posso ter paciência, porque não sei quando é que ao virar a esquina, vem alguém dar-me um tiro. Que paciência? É neste sentido, portanto. É falsificar o discurso democrático, dizer que o cidadão deve participar na segurança do país. Eu participo, sim, não espoliando nada a ninguém. Mas o Estado deve garantir-me que vai vigiar aqueles que são os marginais. Eu posso participar denunciando, não “barricando-me” dentro da minha casa com guardas, alarmes, etc. Isto é um sinal e um voto de desconfiança em relação à segurança que o Estado tem que me dar.

MINISTROS DEVERIAM TREMER NO PARLAMENTO

Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT – E o que diz da nossa democracia. Considera-a saudável?

LR - Há dois momentos na vida de Moçambique desde que a democracia entrou, em 1994. Há os momentos do calendário eleitoral e há os outros momentos. Se lhe disser que há um défice democrátrico, posso estar a dizer que é verdade e que não é verdade. Há défice democrático real, isto porque as forças partidárias não criam um ambiente de debate político realmente dialogante. As forças políticas digladiam-se, mas não vejo, realmente, a agenda nacional, tirando agora a questão do adiamento das eleições provinciais que foi unânime. Uma agenda nacional em que os partidos possam ter uma visão comum. Não existe. Ora, em qualquer país democrático há matérias que são de unanimidade, o que significa que as nossas forças políticas jogam principalmente na erosão dos seus adversários. A agenda nacional, muitas vezes, acaba por ficar em segundo plano. Esta é uma realidade. Mas, ao mesmo tempo, acho que a democracia em Moçambique, é uma real porque existem as liberdades fundamentais. O cidadão hoje tem o direito de se pronunciar sobre qualquer matéria sem receio de ser reprimido. Naturalmente você vai me dizer assim: dizem que se você está numa determinada empresa e diz alguma coisa contra a formação política dominante, pode perder o emprego. Provavelmente sim, mas isso não se passa só nas questões políticas. Muitas vezes é cultura das chefias que temos no país. Se falar mal do chefe, pode também sofrer represálias. Se o chefe não gostar de si, se têm opiniões diferentes, você pode não chegar a ser promovido. Se calhar, você é mais esperto do que ele. Então, muitas vezes não é um problema só político, isto porque a FRELIMO que está no poder exige unanimidade nas instituições. É a própria cultura de chefia que obriga a que haja unanimidade e não contestação da cadeia de comando. Mas há liberdade de expressão, vocês os jornalistas muitas vezes queixam-se de que são condicionados, que existe auto-censura, mas a imprensa moçambicana é das mais livres que conheço em África. Disso não tenho dúvidas. Graças também ao ambiente que vivemos desde 1994, uma escola de jornalismo muito forte que existiu aqui em Moçambique. Mas não só na imprensa, nas próprias universidades, começam a surgir jovens cientistas com opinião muito própria, já não estamos naquela fase de académicos cinzentos, que se calam assobiando para o lado! O que significa que não é de ignorar a bolsa de liberdade que está a aparecer na produção do saber, na produção da opinião, na coisa pública em que acontece qualquer coisa e a pessoa fala, sempre com a contenção moçambicana, esta nossa cultura, a cultura do Índico em que não temos que utilizar palavras mal criadas para manifestarmos a nossa opinião. Não precisamos de chamar burro ao Ministro, de chamar estúpido a um General, como se faz nos outros países. Mas damos a nossa opinião, falamos, o que significa, de facto, que existe democracia. Agora, que há um défice, há. No fundo no fundo, o que é? Há uma vocação das forças dominantes, de que se estivessem sozinhas seria melhor. Qualquer que seja, não estou a falar apenas da FRELIMO. Também da Renamo e de outras forças que não estão no Parlamento, que no fundo gostariam de governar sozinhas. Ora este já é um défice democrático. Mas isso é uma tradição, viemos de um partido único e grande parte destes partidos foram formados a partir dele. Não admira que a mentalidade dominante esteja lá presente. Mas isto é um processo e penso que vai mudar. Há muitas pessoas dentro desses partidos que começam a mudar essa maneira de ver. Um partido não pode jogar na eliminação doutro partido numa situação democrática. Deve jogar no fortalecimento das forças da oposição que é para mostrar que é melhor que os outros. É nesse sentido que me parece que a verdadeira democracia é essa. Não vou dar dinheiro a outro partido para ele crescer, mas vou criar condições para que ele não morra, porque se ele morrer quem vai avaliar o meu trabalho? Vou perder o horizonte. É nesse sentido que penso que há um pequeno défice democrático. Mas duma forma geral o país é democrático.

NOT – Esta falta de consenso dos políticos quando se trata de questões da agenda e interessa nacional não é maléfica para um país que se pretende democrático?

LR – Fragiliza o desenvolvimento. Há questões que não se devem discutir. Por exemplo: o problema da energia, da água, das infra-estruturas, da segurança alimentar, da educação e saúde, são questões que devem merecer unanimidade. A pobreza não é uma coisa isolada. Estes problemas todos no seu conjunto é que fazem a pobreza. Quando o Governo diz que vai alargar a rede escolar, a oposição não pode contestar. O que a oposição pode contestar, ou pelo menos perguntar, é como é que se vai fazer, e se temos condições para pôr isso a funcionar. Mas se estão lá, a oposição não tem que contestar, mas sim tem que aprovar. Vamos construir a ponte sobre o Zambeze, ninguém pode contestar! São questões da agenda nacional, de unanimidade. Isto porque senão passamos a ser subversivos do género de que este constrói, aquele destrói. Subversão é isto. Se um constrói o outro vai destruir. Ora, uma democracia subversiva não existe. Dizer que agora vamos criar dificuldades a este Governo que é para ver se ele perde eleições e nós vamos para lá.

PARLAMENTO MORNO

NOT – Acha que o Parlamento está a ser um bom exemplo de exercício de democracia no nosso país?

LR - Tenho dificuldade de avaliar a qualidade política do Parlamento, porque vejo que este Parlamento não tem tido iniciativa de lei. A instituição que tem tido esta iniciativa de lei é o Governo. Alguma coisa quer dizer isto, porque quem deve, de facto, gerar leis é o Parlamento, que é para obrigar o Governo a governar bem. Não o Executivo a rebocar a Assembleia, para aprovar aquilo que acha que deve ser aprovado para ele governar. É claro que aqui o partido no poder e o Governo são a mesma coisa, mas, de qualquer maneira, são órgãos de soberania diferentes. Então, gostaria como cidadão, mesmo sendo do partido no poder - e toda a gente sabe que sou - gostaria que o meu partido, no Parlamento, pudesse desenvolver acções, que tomasse iniciativas de lei para o Parlamento. Gostaria também que os debates fossem verdadeiros momentos de democracia, em vez de fazerem, constantemente, levantamento de fantasmas, porque em qualquer parte do mundo o Parlamento é uma verdadeira escola de democracia. Não me preocupa a história do barulho, porque há parlamentos em que, inclusive, há pancadaria. O que me preocupa, é a qualidade e quantidade de iniciativas de lei que não aparecem. Por outro lado, parece-me que aqui em Moçambique há um desperdício de experiências, de memórias. Em qualquer parte do mundo, quando um Governo acaba, aqueles que foram membros desse Executivo são aproveitados para diversas outras tarefas, nomeadamente para o Parlamento. Eu não vejo ex-ministros no nosso Parlamento...

NOT – E porque é que isso não acontece?

LR - Não sei! Não faço parte das estruturas directivas do partido, não digo que todos os ex-ministros deveriam estar na Assembleia, mas existem ex-ministros com algum protagonismo que deviam ser elementos-chave no Parlamento. São membros do partido, estão aí e talvez muitos deles nem precisam de “tachos”. Mas há qualquer coisa que como cidadão a pessoa interroga-se: mas porquê? Há muitas explicações, mas são especulativas eu não quero apresentá-las aqui, porque não têm cabimento plausível. Mas isso, de facto, faz com que o Parlamento não seja aquele espaço como o órgão mais importante de soberania nacional. Alguma coisa está invertida. Qualquer pessoa acha que o órgão de soberania mais importante é o Governo. E esta inversão faz com que, de facto, o Executivo governe e não seja monitorado. Não estou a dizer que o Governo deve ser vigiado, mas a monitoria passa por um bom discurso no Parlamento. Quando o Governo é chamado para o Parlamento os ministros devem tremer, preocupados com aquilo que os deputados vão perguntar! Muitas vezes deputados da própria bancada. Tem que ser assim porque é uma sabatina. Aí o cidadão sente-se representado, mas aqui não, são sessões mornas.

CULTURA DE IMPUNIDADE AINDA É ALTA NO PAÍS

Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT – Quais são os grandes problemas que os cidadãos levantam nos debates que têm vindo a a ser promovidos pelo mecanismo no nossso país?

LR – São problemas recorrentes. Não são problemas novos. Por exemplo: quando um camponês questiona o porquê de o açúcar do Malawi custar oito meticais e o de Moçambique 15? O que é que você vai responder? Há problemas de comercialização interna. Quando um outro levanta o problema de que tem que ir vender o milho para o Malawi porque em Moçambique não há escoamento, temos problemas sérios da rede comercial, da comercialização e da segurança alimentar. Quando dizem que as produções ficam a apodrecer porque não conseguem sair para a vila pois não existe ponte e quando chove não conseguem passar, aí há o problema de infra-estruturas. Então, os problemas fundamentais existem: segurança alimentar, infraestruturas, escolarização, comercialização interna, saúde, segurança. Agora os índices e o impacto destes problemas terão maior ou menor dimensão, dependendo dos aglomerados sociais. Aqui em Maputo, por exemplo, a questão da segurança tem um maior impacto do que por exemplo em Mopeia ou mesmo Pemba. Mas a questão de infraestruturas talvez tenha mais impacto no Chinde. Comercialização, por exemplo, falando da Zambézia em zonas como Milange, Morrumbala, portanto, todas estas coisas são recorrentes. Os problemas são sempre os mesmos e não vamos encontrar nada de novo. Se estes problemas já foram levantados em 1999,em 2003 e agora, em 2007, porque é que não acabam? Portanto, o mérito do inquérito do MARP é, quando é que estes problemas vão acabar. É isso.

NOT – Que abordagem é feita sobre a corrupção?

LR – Houve durante muitas anos uma certa complacência. Você vai no seu carro, apanha um polícia que manda parar. Você quer ir ao Bilene, está com a família, não se quer aborrecer, tira 300 meticais dá ao polícia e vai embora. Por outro lado, você é chefe numa empresa ou numa instituição, o seu subordinado roubou fundos, é apanhado. Depois vêm os colegas, a família, a pedir para que o assunto seja esquecido, alegando que ele tem uma família, filhos. Com essa complacência, a gente deixa. Por outro lado, é o problema de querermos rapidamente atingir níveis de bens e sinais exteriores de riqueza que não correspondem àsnossas capacidades de produção de riqueza. Qual é abordagem que fazemos disso? Primeiro determinar muito bem como se verificam os actos de corrupção, não basta dizer que há corrupção, são ladrões, roubam etc. É preciso saber em que circunstâncias é que esses actos surgem. Começam desde o tráfico de influências, benesses, roubos qualificados e até a tentativa de facilitar a vida, ou seja comodismo. Por outro lado, a corrupção é olhada numa perspectiva de que neste país a cultura da impunidade está muita alta. A pessoa sabe que não lhe vai acontecer nada, então ele rouba, é apanhado, o caso começa a correr e morre. Então como a pessoa sabe, arrisca. Isto porque sabe que os níveis de impunidade são altos. Muito altos. Por outro lado, a outra abordagem que se faz é que falar da corrupção apontando pessoas é um tabu, ou temos pudor de apanhar alguém a roubar, então não se fala, não se pode falar. Tudo isso deve ser desmistificado para que, de facto, a corrupção seja encarada como um acto desviante da vida social, um acto que concorre para a manutenção da pobreza no país e da inibição do desenvolvimento e crescimento.

JAIME CUAMBE [Jornalista].

Saturday, November 24, 2007

O regresso cybernético a Xai-Xai, com uma lágrima no canto do olho!


O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáceis, e pessoas – eu acrescento lugares – incomparáveis . [Fernado Pessoa].

Xai-Xai é esse lugar, para mim!


Actual estágio do futebol é preocupante - diz Mansur Daúde, figura que esteve durante 30 anos à frente dos destinos do Clube de Gaza
ESTEVE à frente dos destinos do Clube de Gaza lá se vão três décadas. De um simples e modesto técnico de contas virou um empresário de renome na indústria hoteleira, detentor de um concorrido complexo turístico na praia de Xai-Xai, onde reside e trabalha. Pela sua postura como homem pronto a ensinar e a ajudar o próximo, conheci nas minhas relações, apenas dois grandes homens, que infelizmente já não se encontram entre nós, refiro-me a Bachir Calú e Shabir Khan, desportistas e gente do mundo de negócios, que deram muito de si, amando e desenvolvendo a pátria. Depois de uma verdadeira maratona, foi então possível entrevistar Mansur Daúde, o carismático presidente do Clube de Gaza, que decidiu em Março deste ano ceder lugar ao empresário Nuno Fonseca, para dedicar mais tempo à família, à sua saúde e aos negócios. Nesta entrevista, que teve lugar na luxuosa e confortável viatura, várias vezes interrompida, para ele atender àquilo que foi designado de oportunidades inadiáveis de negócio, Mansur Daúde, carinhosamente tratado no meio desportivo por grande presidente, retrata o seu percurso como dirigente, os momentos áureos da sua colectividade quando teve uma excelente prestação no “Nacional” de futebol, e particularmente a Taça de Moçambique conquistada, no período em que a equipa estava sob a batuta de Joaquim Alói. Dentre outros assuntos, o nosso entrevistado manifesta o seu desapontamento pelo facto de as grandes empresas se limitarem a patrocinar a actividade desportiva na capital do país, em detrimento dos clubes provinciais que se encontram numa situação bastante debilitada para manter vivo o movimento desportivo nas suas regiões. Eis os extractos mais significativos desta conversa.


Maputo, Sábado, 24 de Novembro de 2007:: Notícias

NOTÍCIAS (NOT) – Afinal, quem é mesmo Mansur Daúde?

Mansur Daúde (MD) - Nasci em Manjacaze, onde fiz os estudos primários, tendo me transferido em 1967 para a cidade de Maputo. Em finais de 1968 estive em Quelimane por um período de pouco mais de um ano, para depois fixar-me definitivamente em Xai-Xai, decorria o ano 1971, e trabalhei nesses sítios todos como funcionário público, exercendo as funções de técnico de contas, uma actividade que continuei a abraçar com muito carinho, apesar de hoje ser empresário ligado à indústria hoteleira. É, sem dúvidas, uma área bastante apaixonante, que encorajo a juventude a trilhar por ela, porque nos obriga a uma disciplina de vida muito rigorosa.

NOT - Mas o que lhe moveu para o mundo do desporto e em que ano isso aconteceu?

MD - Gostaria de dizer em primeiro lugar que sou um Sportinguista ferrenho, e quando chego a Xai-Xai, ido de Quelimane, o meu director comercial na antiga empresa A.J. da Costa, onde posteriormente passei a trabalhar, era do Clube de Gaza, devido à minha paixão pelo futebol e particularmente pelo Sporting que era seu clube de paixão, este acabaria por me convidar para fazer parte dos corpos directivos do Clube de Gaza que era na altura a maior agremiação desportiva, isso em 1973.
Pouco tempo depois veio a independência nacional. Este um dos maiores marcos da minha vida, e na sequência disso aconteceu aquela saída maciça dos portugueses que eram os donos do Clube de Gaza. Eu e uns outros poucos moçambicanos iniciamos uma grande campanha de angariação de sócios para a colectividade, isto nos finais de 1974.
Realizaram-se as eleições. Eu fui indicado vice-presidente do Clube de Gaza, tendo como presidente o Liberato Fragoso, que muito cedo viria a abandonar o cargo, por não aguentar com a pedalada. Solicitam-se eleições e é quando nessa altura fui eleito presidente, cargo que exerci até Março do ano em curso, portanto qualquer coisa como 30 anos à frente dos destinos desta grande agremiação desportiva.


ERA PRECISO UMA COMPETIÇÃO MAIS ADULTA E COMPETITIVA


Maputo, Sábado, 24 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT - Fale-me então do que foi todo esse percurso à frente do Clube de Gaza, sobretudo a forma como esta actividade era encarada por todos aqueles que durante este período trabalharam ao seu lado.
MD - O Clube de Gaza foi sempre um grande clube, mas a grande preocupação, particularmente a partir da década 80, era de elevar a colectividade a um nível de competitividade nacional.
Aliás, logo após a minha vitória eleitoral, a prioridade foi sempre trabalhar arduamente para levar o Gaza a competir de igual para igual com os grandes clubes, particularmente os da capital do país. Daí que tive o atrevimento de ir buscar um técnico que na altura acabava de se formar na antiga República Democrática Alemã. Refiro-me ao conceituado treinador Palma Pinto. Foi efectivamente o primeiro técnico vindo de fora da província de Gaza que por nós contratado logo após a proclamação da independência nacional, tudo isto imbuídos no espírito de elevar o Gaza a outros patamares, se a memória não me falha entre 80 a 81. Porque a experiência indicava francamente ser bastante promissora, decidimos ir buscar com os mesmos objectivos, técnicos nacionais consagrados como José Bazar, Cândido Coelho, Joaquim Alói, este último que deu a glória ao clube com a Taça de Moçambique, que arrecadámos com todo o mérito.
Por essas ocasiões, fomos às fases derradeiras da Taça em pelo menos quatro ocasiões e vencemos a supertaça e não fomos campeões nacionais, muito embora não se possa falar da pessoa que protagonizou este triste espectáculo, porque já faleceu, refiro-me a Fernando Luís, que acabaria por ser erradiado da arbitragem nacional.
Para aqueles que já não se lembram, aconteceu exactamente na penúltima jornada do “Nacional” um facto insólito em que nos foi anulado um penalte convertido quando apenas faltavam escassos dois minutos para o final da partida, num jogo com o Costa do Sol. O árbitro simplesmente anular o golo e mandou executar um pontapé de baliza, uma atitude que ainda não tinha ouvido em nenhuma parte do mundo.
São águas passadas, mas foi graças a esse projecto que levamos o Gaza para muito mais longe, viajando pelo país todo, espalhando o perfume do nosso futebol e sobretudo o bom nome da colectividade. Com todas as grandes equipas sempre soubemos passear a nossa classe e isso era efectivamente muito bom, para se acabar com o mito de que o bom futebol residia apenas no Maputo.
É por isso que aos poucos as províncias foram mostrando que esse mito não correspondia à verdade, estou a falar das maravilhas de Chimoio trazidas através do Textáfrica, do Téxtil de Púnguè, na Beira, do Ferroviário de Nampula, e do Nova Aliança, em Inhambane. Todas estas equipas, incluindo o Clube de Gaza, sempre competiram de igual para igual com os chamados grandes de Maputo.


APOIO MULTIFACETADOS


Maputo, Sábado, 24 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT - Mas donde vinha toda essa força anímica?
MD - Nessa fase tínhamos obviamente uma outra vantagem. Tínhamos muitos carolas, dirigentes com muita força e muito entusiasmo para trabalhar e trabalhávamos juntos, coisa que hoje falta aos clubes. Por outro lado, tínhamos um considerável apoio por parte dos empresários moçambicanos com negócios em Xai-Xai. O cenário, como bem sabe, hoje é totalmente diferente aqui em Xai-Xai, onde está sediado o clube. Estes desapareceram economicamente, pese embora o facto de estarem paulatinamente a se reerguerem de todos os traumas provocados pela guerra e pelas cheias recentes que, digamos, vieram dar o golpe final a esta classe empresarial moçambicana.
Como se não bastasse, as próprias instalações do clube, que sempre produziram algum rendimento, ficaram afectadas pelas cheias e para nos refazermos tivemos um pequeno apoio do Fundo de Promoção Desportiva que deu para reabilitar o campo polivalente.
Contudo, outras infra-estruturas, como é o caso do centro social, uma importante fonte de receitas, continuam destruídas, e como se não bastasse, recentemente ficámos sem a nossa sala de cinema, uma instalação que havíamos arrendado à Igreja Universal do Reino de Deus, que sem nosso consentimento viria a colocar um dos seus crentes a pernoitar no palco, onde ele usava uma vela que viria a provocar aquele grande incêndio, que destruiu por completo aquele grande património do clube.
Tratou-se de uma situação triste, mas que a justiça não quis fazer justiça, dando razão à igreja, alegadamente porque não tínhamos o contrato registado em notário e porque o clube não estava registado oficialmente, o que não constitui verdade, porque o Gaza foi criado em 1953, e nós temos o Boletim da República que prova o seu registo. Isso deixou-me muito desgostoso e sobretudo muito desanimado.
Como se não bastasse, não temos hoje apoio nenhum por parte dos empresários e do próprio governo, que nos convidou, aliás no início da temporada desportiva do ano passado, através da Direcção Provincial da Juventude e Desportos, e nos exortou a elevar o nível competitivo tendo em conta o facto de a província se ter notabilizado na prática de futebol a nível nacional e mesmo fora do país.
Foi nessa óptica e porque nos parecia que havia alguma vontade política por parte da direcção de Desportos e Juventude, colocamos as nossas preocupações com destaque para o assunto relacionado com o pagamento de prémios de jogo e apoio em transporte para as deslocações dos atletas durante a competição da segunda liga.
A directora Ana Wate disse na altura que nos convidara porque existiam efectivamente apoios da parte do governo, numa primeira fase para custear despesas de transporte.
Aproveitamos para explicar à directora que o sucesso que se viveu noutros tempos resultava do acarinhamento aos atletas, da criação de condições condignas para que estes possam fazer o seu trabalho, com zelo e profissionalismo.
Explicamo-la que era necessário trabalhar-se em conjunto, por forma a se adicionar algo ao salário dos atletas, através do prémio de jogos, que constituem, sem dúvidas, um grande estímulo para que estes se empenhem cada vez mais. Aliás, esta foi uma das grandes razões para as retumbantes vitórias do Clube de Gaza.

O capitão Efraime (falecido) ergue a Taça de Moçambique conquistada pelo Clube em 1990

DESAPONTADO COM A DPJDG

Maputo, Sábado, 24 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT - E quais eram na altura as empresas ou outras instituições que prestavam esse apoio?
MD - O Sistema de Regadio do Baixo Limpopo, a Empresa Serralharia Fuel, COGEME, SOCOMA que eram empresas do senhor Shabir Khan, tínhamos vários comerciantes como o Etech, o Pinto Ferreira, pessoalmente dava meu contributo financeiro, porque as minhas empresas na altura respiravam muita boa saúde.
Voltando ainda para este assunto da directora provincial, quando eu começo a exigir o tal transporte que nos tinha prometido, e isso não aconteceu só com o Clube de Gaza, mas com outros clubes aqui, tivemos que solicitar os transportadores dentro da confiança que nutrem por nós, no sentido de se proceder o pagamento numa fase posterior, por estarmos a aguardar que a directora Ana Wate soltasse os valores prometidos para esse efeito, o que infelizmente não viria a acontecer, mas para o nosso espanto ela apareceu na imprensa a dar a entender que estávamos exigindo algo que aparentemente não nos havia prometido.
Usou inclusivamente estes meios para me fazer acusações, o que me deixou aborrecido, pelo facto de como homem, empresário e desportista gozar de uma grande reputação que não pode ser posta em causa assim de ânimo leve. Esta situação chegou inclusivamente a afectar a minha família. O que aconteceu foi uma autêntica falta de consideração, por parte da directora dos desportos em Gaza.
A atenção do pelouro deve estar virada para questões que concorram para o desenvolvimento e não para brincadeiras ou tentativas de denegrir a imagem dos que efectivamente trabalham.
Repare, por exemplo, que o Clube de Gaza tem um campo polivalente onde se poderia praticar muito bem o futebol de salão, andebol, basquetebol entre outras actividades, mas não se faz nada, e é uma grande pena, porque não temos meios nenhuns, e infelizmente as empresas que actualmente patrocinam normalmente o desporto, tudo fica na cidade de Maputo. Empresas como a mCel, Vodacom, Coca-Cola, 2M facturam em grande na província, mas nada fazem pelo nosso desporto, pois as atenções estão viradas única e exclusivamente à capital do país, o mesmo diria em relação a uma série de bancos que aqui operam.

FAZER DESPORTO CUSTA MUITO DINHEIRO

Maputo, Sábado, 24 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT - Num passado recente, mesmo com dificuldades, a qualidade de futebol que era praticado na altura pode-se dizer que estava a uns furos acima mesmo do futebol hoje praticado no “Nacional”. Afinal o que se passa?~
MD - Vou concretamente á realidade que se viveu em Gaza, porque efectivamente a queda que se assiste hoje se deve em grande medida à falta de incentivos à modalidade, porque a província de Gaza, não sei porque razão foi a mais atingida pela guerra dos 16 anos, daí que os empresários ficaram totalmente debilitados e muitos deles desapareceram ou simplesmente viraram negociantes em barracas, devido a uma realidade que lhes foi imposta.
Quando a economia é fraca, dificilmente o desporto pode progredir. É exactamente o que se pode assistir hoje. Dificilmente se pode ter a mesma qualidade enquanto não houver dinheiro e outros incentivos para esse efeito.
NOT - Sem querer tirar mérito a todos os outros que por aqui passaram, quais foram os treinadores que mais o marcaram?
MD - Vou lhe ser franco, tive uma grande equipa em 1981 com Palma Pinto, uma grande equipa nos tempos de Malagueta, do Boi, Nicolau, Adamo, Nasser. Era, sem dúvida, uma equipa de luxo, mas devo dizer que isso era fruto do trabalho essencialmente feito nos escalões de base, e o Gaza sempre teve essa tradição. Vivi momentos de orgulho e de muita confiança quando esteve aqui o Cândido Coelho, e muito particularmente a presença da figura de Joaquim Alói, uma pessoa muito querida pelas glórias que deu à província e por essas alturas foram nomes sonantes o Efraime, os irmãos Bobo, o goleador Dinis, o Raul (Matthaus), Matusse entre outros que brilhantemente marcaram a sua presença no clube.
Continua na página desportiva de 2ª-feira
VIRGILIO BAMBO

Heróis do futebol são aqui respeitados (conclusão).

Eis a conclusão da entrevista com Mansur Daúde (ex-presidente do Clube de Gaza), cuja primeira parte publicamos no (Primeiro Plano) do passado sábado.

Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT - Todos os técnicos a que se referiu estão fora de Gaza. Haverá, mesmo assim, algum relacionamento com eles ou não?

MD - É claro que as nossas relações continuam muito boas, são figuras que marcarão para sempre a sua relação amistosa que criaram por estas bandas, são pessoas muito queridas pelos desportistas de Gaza. Aliás, eu sou ainda chamado por eles de o grande presidente, isso é um grande orgulho para mim, por eles reconhecerem que tiveram um presidente que soube com eles colaborar, porque muita gente pensa que a direcção do clube deve mandar no técnico, deve impor quem deve ou não jogar.

Tínhamos uma virtude que era a de acompanhar e apoiar a todo o momento os nossos técnicos na hora própria em tudo o que necessitassem para que o seu trabalho pudesse render e nas segundas-feiras, depois dos jogos com ele nos sentávamos como amigos, num ambiente totalmente informal, para avaliarmos o jogo, onde dávamos as nossas opiniões, sem nenhum tipo de imposição e no caso concreto de Joaquim Alói, era uma pessoa de uma inteligência peculiar que aproveitava muito do bom que se falava nesses encontros informais com o técnico.Not. - Fala com um sentimento saudosista do passado glorioso do Clube de Gaza, na sua óptica que tipo de milagres, então, poderão contribuir para se retirar o Gaza da actual crise?

MD - A banca podia muito bem constituir uma eventual saída airosa se nas suas políticas incluísse a componente sócio-cultural, que é o desporto. Devia haver uma linha nos bancos, como acontece noutros países, para o financiamento dos clubes, enquanto não se fortalecer a classe empresarial local.
Contudo, com esta abertura que o nosso governo tem estado a demonstrar, quer direccionar as suas atenções ao desenvolvimento dos distritos, ou seja a exploração das suas potencialidades, eu acredito que a primeira grande surpresa virá sem dúvida de Chibuto, porque acredito que o mega-projecto das areias pesadas terá um peso na economia de Chibuto e de Gaza em geral, incrementando-se assim dentre outras áreas a desportiva.
Esperança pode ser aguardada por parte de Chókwè, porque o governo está a fazer enormes investimentos que nos próximos tempos irão certamente mudar a vida naquela região, e consequentemente trazer vantagens para o apoio que merece o futebol, uma vez que aquela região, para além de possuir infra-estruturas invejáveis, tem uma grande tradição na prática do futebol.
Outra dificuldade, e esta é geral, reside na falta de dirigentes desportivos, porque um dirigente tem que ser uma pessoa que se aplica a sério sem olhar para as dificuldades e muito menos sem pensar que disso possa tirar vantagens pessoais, e não se pode pensar também que, por exemplo, um presidente de um clube sozinho pode resolver por si os problemas. É necessário que haja uma interacção entre todos os sectores que compõem a direcção de um clube.
Quero reafirmar que em primeiro lugar devem aparecer pessoas com vontade de trabalhar. Exemplo disso foram os momentos altos do Clube de Gaza, nós tínhamos um elenco muito forte e com objectivos muito claros.

CONQUISTA DA TAÇA ORGULHO DE TODOS GAZENSES

Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT - Quais foram para si os momentos que mais lhe marcaram como dirigente ao longo destas três décadas como dirigente desportivo?

MD - Os melhores momentos para mim, posso afirmar terem sido sem dúvida o período de 1980 a 1995, primeiro quando eu trouxe para cá o Palma Pinto, notou-se muito uma grande subida de qualidade do nosso futebol, a partir daí, os conhecimentos científicos adquiridos por Palma Pinto na antiga RDA foram aplicados com muita mestria e isso espevitou os outros clubes a irem atrás da qualidade que o Gaza passou a partir daí a ostentar.
Foi assim que o futebol começou a crescer não só no Gaza, como no Ferroviário, Desportivo, Associação Desportiva de Chókwè, apenas para citar alguns exemplos e isso foi muito bom.
Olha, mesmo na fase crítica da guerra, e isso me encatava muito, as pessoas viajavam dos distritos sob todos os riscos para assistir futebol. Os campos andavam cheios, porque já havia futebol de muita qualidade.
Encantava-me naquela altura o empenho dos jogadores, que sabiam assumir os seus compromissos através de uma boa conduta dentro e fora dos campos.
Contudo, o momento mais alto que não só prestigiou o Gaza, como toda a província, foi sem dúvida a vitória que obtivemos na Taça de Moçambique em 1990, o governo provincial, a sociedade em geral prestaram uma merecida homenagem aos bravos rapazes treinados por um excelente técnico de futebol que se chama Joaquim Alói.
Essa vitória permitiu que a partir desse momento o futebol fosse olhado de outra maneira, particularmente pelos chamados grandes de Maputo.NOT - E qual foi o seu pior momento?

MD - Marcou-me a mim e a todos os amantes de futebol a forma baixa e vergonhosa como nos foi retirada a possibilidade de pela primeira vez ganharmos o título de campeão nacional de futebol. Estranhamente o árbitro Fernando Luís anulou o golo que iria ditar a nossa consagração como campeões nacionais.
Esta hegemonia oriunda das províncias e aqui não estou falando apenas do Clube de Gaza, mas também de outras boas colectividades espalhadas pelo país, o que já constituía algo de preocupação para o comodismo que desaparecera na capital do país, que íam às províncias apenas para cumprir calendário, fez com que de forma inexplicável, os clubes de Maputo, isso um pouco depois de 1995, decidissem interromper os campeonatos nos moldes anteriores, alegadamente porque não tinham condições para se deslocarem às províncias. Isto foi mau para o futebol de Gaza e das províncias.
Essa paragem apenas serviu para fragilizar os clubes das províncias e recordo-me que na altura o presidente da Federação Mário Guerreiro criticou-nos por termos caído na fita dos clubes da capital. Enfim, é mesmo o preço de ser provinciano.

ESTAREI SEMPRE LIGADO AO DESPORTO E AO GAZA
Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias

NOT- Mudando de assunto, como conseguia conciliar a vida agitada de negócios, família e futebol?

MD - Durante o período em que dirigi o desporto não tive grandes problemas porque os negócios rendiam tanto e possuía uma excelente equipa de colaboradores e tinha a família sempre ao meu lado. Para as coisas funcionarem bem, o segredo estava na dedicação às causas a que me havia entregue na altura. Felizmente tudo me saía à contento. Tinha tempo porque os meus negócios estavam todos sediados aqui no Xai-Xai, portanto facilmente conseguia gerir todas estas actividades.
Contudo, depois das cheias, as coisas começaram a complicar-se de certo modo, eu tinha que me desdobrar mais à busca de apoios para que efectivamente o Gaza se pudesse manter firme.NOT - Apesar de aparentemente ter abandonado o Gaza e o desporto de uma maneira geral, a sociedade que sempre o conheceu e reconhece as suas qualidades. Acha que devia continuar a dar o seu contributo, não pensa em regressar ao mundo da bola?

MD - Eu estando fora continuo a prestar o meu contributo. O Clube de Gaza está intrinsecamente ligado à minha vida. O desporto é o meu mundo virtual. Estou a observar um repouso, tanto é que andei com problemas de joelho e tive que ser operado na África do Sul. Felizmente com muito sucesso. Localmente tenho estado a receber todo o apoio por parte dos jovens e extremamente competentes fisioterapeutas afectos ao Hospital Provincial, em Xai-Xai.
Aliás, eu é que convidei o novo presidente Nuno Fonseca para continuar com o trabalho por nós iniciado, foi necessário muito trabalho para o convencer, mas lamento o facto dele não estar a receber apoios para a materialização do almejado projecto de recondução do Gaza à sua real condição no futebol nacional. Pessoalmente tenho me empenhado na perspectiva de definitivamente voltar-se a virar mais uma página na história do Clube de Gaza.NOT - Como tem passado os seus momentos livres?

MD - Conversando com amigos sobre futebol e sobre a vida de uma maneira geral. Gosto de escutar boa música.NOT - Mas que música, mesmo?

MD - Sou fã de toda a música desde que tenha qualidade, mas assim em especial o grande Roberto Carlos, a Alcione, estes do Brasil. No meu país admiro muito grupos que foram uma grande referência, concretamente o Hokolokwe, João Domingos, Som Livre, assim como os grandes monstros da música moçambicana Wazimbo, Mingas e da nova geração aquele moço que trabalhou na TVE, o MC Roger, gosto da Dama do Bling, do Ziqo, Lizha James. Nós temos aqui músicos de muita qualidade que precisam apenas de ser acarinhados.

Olha, estava a esquecer-me de uma verdadeira fera na música, o grande João Paulo, aquele senhor tem uma voz que vale muito, são raras aquelas vozes no mundo da música. Estou satisfeito, porque vi no jornal que ele está recomposto e foi salvo pelos médicos daqui de Xai-Xai.
Peço a quem de direito para que se faça um bom acompanhamento a esta figura que tanta falta faz. Ajudem-no no que for possível para que ele possa voltar aos velhos tempos em que agradava todo o mundo com a sua belíssima voz.
Virgílio Bambo

Friday, November 23, 2007

As Dúvidas eternas de Jeremias Langa!

Retirei esta notícia do jornal o País Online.

Jeremias Langa
Nyimpine Chissano morreu, esta semana, sem que a justiça lhe tenha dado a oportunidade de se defender da mais dolorosa sentença que uma pessoa pode carregar nas costas: a condenação pública. Porque, quer queiramos, quer não, aos olhos do povo, desde a sua citação e notificação como declarante no julgamento do “caso Carlos Cardoso”, Nyimpine Chissano como que estava, informalmente, condenado, mesmo sem necessidade de provas. O seu estatuto de “filho de presidente” bastava para o transformar em “bode expiatório” de uma justiça popular carente de fazer vítimas.
As dúvidas que Nyimpine Chissano, agora, leva ao túmulo, quanto à sua real responsabilidade no assassinato de Carlos Cardoso, são a prova cabal de que a nossa justiça continua também a condenar pessoas pelo simples facto de demorar a julgar os seus processos. No caso em apreço, Nyimpine tanto pode ter sido vítima ou beneficiado. É isso que, provavelmente, nunca se saberá.
Por vezes demasiado arrogante, outras branda e mansa que se farte, a nossa justiça continua a revelar uma confrangedora falta de coragem quando há sobrenomes famosos por trás. O caso Nyimpine é paradigmático. Os nossos tribunais fizeram tudo o que puderam para tentar evitar que Nyimpine Chissano vivesse a humilhação de ir a um julgamento, mas com a sua súbita morte, acabaram por fazer pior: deixaram o homem partir para sempre com o eterno fardo da dúvida sobre a sua real responsabilidade nas acusações de que era alvo.
A melhor estratégia que o nosso sistema de justiça devia ter adoptado para “proteger” Nyimpine do que quer que fosse era acelerar o julgamento do seu processo autónomo e, assim, dar ao homem a possibilidade de se defender. Quatro anos foi demasiado tempo para nada ter acontecido ao “autónomo”. Esta não é, seguramente, a melhor forma de fazer justiça. (...)

Thursday, November 22, 2007

Mal dizer, insinuações e crítica (social): as dúvidas de um dos cavaleiros da Távola Redonda!

Há quem acha que fazer crítica social é apenas criticar por criticar. Há gente que acha que fazer critica social é criticar o governo e/ou seus membros por tudo e por nada. Há gente que acha que fazer crítica social é fazer insinuações. Há gente que acha que fazer crítica social é fazer aforismas cheios de insinuações. Mal dizer não é crítica social. Insinuações são perniciosas ao debate aberto de ideias. Qualquer um pode e têm competência para mal dizer, mas nem todos têm-na para fazer crítica social. A crítica (social) têm acima de tudo a pretensão de compreender questionando argumentos! A crítica é um instrumento fundamental no exercício analítico de compreender a sociedade em que vivemos. A crítica é acima de tudo a critica de uma di-visão do mundo, é uma maneira de interpretar e explicar o mundo. A crítica que faço pretende acima de tudo atacar argumentos mal formulados, argumentos falaciosos e fracos não importa quem os formule. A crítica que visa pessoas, não é crítica, é mal dizer. A crítica visa um argumento. Não existe uma tal categoria, homogénea, de “críticos de Azagaia”, que pensam da mesma maneira e que pretedem simplesmente desqualificar seu trabalho. No meu caso, particular, nem se quer vivo em Moçambique. Não conheço, pessoalmente, Azagaia nem tenho porque o desqualificar. Aliás, “curto” o som, mas não concordo com a leitura que faz do país. Para nos engajarmos num debate aberto e construtivo é preciso ter a prudência de se dirigir a cada um dos que interpelam Azagaia ou nos interpelam nos nossos argumentos.

Coitada da sociologia.

Há gente que acha que tudo que se parece com crítica cabe na sociologia. Há gente que confunde mal dizer com a atitude crítica de que a sociologia se diz fazer. A atitude crítica que informa o labor sociológico é aquela consonante com a crítica(social) a argumentos e a di-visão do mundo. Tudo o que vem depois dessa pretensão é política (real) disfarçada em atitude crítica. Há quem evoca e convoca os espíritos de Marx, Durkheim e Weber para justificar o seu engajamento dizendo que eles além de compreender ansiavam pela transformação da ordem social. Há aqueles também que buscam em Bourdieu a justificação para a sua acção política como cidadãos. Não se lembram é que a parte menos rigorosa do labor sociológico desses clássicos foi justamente a sua praxiologia. A parte menos interessante de Bourdieu é a sua política e não a sua sociologia. Além disso, os clássicos desenvolveram atraves da atitude crítica ( própria da sociologia) instrumentos analíticos para interpretar e comprender o mundo em que viviam. Depois usaram a política – alguns – temidamente, para alcançar o mundo que sonhavam. O maior contributo de Marx foi a sua teoria social de análise de classes, e não necessáriamente a ideologia Marxista. A crítica social de Marx encontra-se na formulação do problema da sociedade capitalista e não na sua solução política. Digo de Marx como poderia dizer dos outros. Não quer isto dizer que o ofício sociológico é isento de valores, de desejo de um mundo melhor, de política. Engana-se quem assim pensar. A própria sociologia é um valor, mas se bem feita não é um juizo de valor. Não há nada errado em ser político e ser cientista. Problemático é legitimar a acção política em nome da ciência. Nem sei se seria bom que os políticos fossem cientistas. É que os primeiros agem na base de certezas, e os segundos agem ou não em função das dúvidas.



Agora as dúvidas!

1) Chamar aos "críticos de Azagaia" - aliás críticos do trabalho de Azagaia, aliás do conteúdo do trabalho de Azagaia, aliás do raciócinio de Azagaia - de Cavaleiros da Távola Redonda é um grande elogio ou é uma atitude insinuante para desqualificar?

2) O que dizer dos jovens que analisam a obra de Azagaia sendo eles também jovens? São alienados? Estão a preparar o seu futuro no governo? Aliás, o que tem a ver a idade – essa categoria identitária estrategicamente manipulável – com o debate sobre a criação de Azagaia?

3) Porque é que criticar os que criticam o governo, o sistema jurídico ou outra coisa –as vezes sem mérito e com argumentos problemáticos– é estar, para algumas pessoas, a favor dos corruptos, a defender os políticos, em conluio com o sistema? Porque que é que essa crítica não pode ser vista, simplesmente, como crítica?

4) Se alguém me diz que todos os politicos do meu país são corruptos, e não me apresenta razões plausíveis, por que razões eu devo concordar? Para não ser considerado corrupto? Para ser considerado criticamente correcto?Para estar do lado da razão? Qual é o lado da razão?

5) Porque é que questionar a confusão entre desabafo e crítica social é estar contra - a "crítica" do - Azagaia, é dizer que está tudo bem?

6) Não duvido que um mundo ideal seria aquele em que todos tivessem alguma atitude sociológica, propriamente dita: “Duvidar das verdades simples”. Para duvidar das verdades simples, não precisa ter ido a faculdade, não precisa necessáriamente ter assistido as aulas de sociologia de nenhum professor consagrado. A atitude crítica, essencial à sociologia, não se ortoga com credênciais. Aliás no nosso país os que mais distorssem a sociologia são os próprios, pretensos, sociólogos.

Tuesday, November 20, 2007

A (in)justiça de DEUS ou outra forma de eclipse da razão!

Desde ontem que tenho recebido sms e e-mails com “piadas” e caricaturas apropósito da morte de Nyimpine Chissano. O tom geral dessas mensagens sugere a ideia de que justiça foi feita. Eu me pergunto: que justiça?
Que tipo de raciocício está por detrás deste sentimento/pensamento?
O que é que essa maneira de pensar- peculiar na nossa sociedade- nos diz sobre a nossa esfera pública? Imagino o alívio daqueles que preferem a emoção do desabafo no lugar da razão que exige pensar!

“Estranho” é o silêncio que noto na blogosfera - salvo esta excepção- até para anunciar a morte do jovem empresário. Deve se estar a respeitar o momento de luto e dôr por que passam familiares, amigos e não só!
Aguardem um artigo sobre o tipo de raciocínio que está por detrás das caricaturas e piadas que começaram a circular após se tornar pública a morte de Nyimpine Chissano, primogenito do ex-presidente da República, Joaquim Chissano.
Lá onde existem pessoas - pensando, agindo, insinuando, amando, odiano, fazendo tudo que os produz como indivíduos (pessoas) e produz a sociedade que somos, lá onde o homem da moral se cala, onde as boas maneiras nos aconselham o silêncio, onde o respeito pela vida/morte demanda prudência, enfim, lá onde se produz a vida em sociedade - existe materia prima para o sociólogo estudar a (sua) sociedade!
PS: Agradeço a Paula Massango pelo envio da imagem.

Renovação na continuidade e vice-versa: ai, se a moda pega...!

Argentina's post-election cabinet is full of familiar figures.

Argentina’s president-elect, Cristina Fernández de Kirchner, revealed on November 14th the cabinet members that will accompany her when she takes office on December 10th. Although she named a new economy minister, most of the others are familiar faces from the outgoing government of her husband, Néstor Kirchner. This confirms, as had been expected, that Mrs Fernández will largely maintain not only the advisors, but also the policies, of her husband, at least initially”. Ler aqui
"Na minha casa quem manda é a minha mulher, mas quem manda na minha mulher sou eu..." (F. Chiluba, ex-presidente da Zambia).

A presidente eleita da Argentina, Cristina Fernandez de Kirchner, revelou no dia 14 de Novembro os membros que irão compor o seu futuro governo quando assumir o posto no dia 10 de Dezembro. Apesar de ter nomeado um novo ministro para a economia, muitos dos outros ministérios serão ocupados por caras familiares no governo de seu marido, Néstor Kirchner. Isto confirma, como se esperava, que o Sra Fernandez vai manter não somente uma boa parte dos assessores, mas também as politicas, do seu marido, pelo menos inicialmente!

Lembremo-nos que, com alguma diferença, Hillary Clinton, esposa de Bill Clinton ex-presidente dos EUA, concorre para a casa branca. Não será o regresso de Clinton? Aí Clinton pode solicitar a experiência do primeiro-damo da governadora de Maputo para montar o gabinete do primeiro-damo dos EUA. Bizaro!
Se a moda pega, já estou a ver quem será a nossa futura quando o “bis” de g..&@ # terminar em 2014! hiiiiii!
Espero que não me acusem de ser machista ou anti-feminista!

Tuesday, November 13, 2007

As verdades da mentira: do senso comum a eclipse da razão!

Estarei ausente do blog por alguns dias. Regresso, em principio, na próxima semana. Deixo-vos este texto "longo" como uma provocação para o debate. Debata-se, mas sem desabafos!

Introdução

Edson da Luz, Azagaia de nome artístico, é um jovem moçambicano, quanto a mim, com faculdade para se afirmar na arte de escrever letras, compor e interpretar música do género hiphop ou simplesmente RAP. Hiphop é um estilo de música popular cujas origens nos remetem para os meios socialmente desfavorecidos, i.e. ghetos maioritariamente negros dos Estados Unidos da América (EUA). A combinação do ritmo, rima poética, e palavreado ao son de batidas (beats) musicais emprestou-lhe o nome de música RAP. Aos Rappers normalmente chama-se-lhes MCs. Na verdade, o MC (Master of Ceremonies) refere-se ao mestre de cerimónia que introduz o DJ (Disc Joker) que vai animar a plateia com a mistura de ritmos, rima poética e canto (voz). Enfim, não pretendo fazer a história da origem do hiphop, aqui, há elementos que não interessa aprofundar para aquilo que são os propósitos deste artigo. Interessa-me, sim, referir a uma característica peculiar do hiphop: a crítica social e/ou intervenção social! O hiphop é uma música de intervenção social, isto é, uma música cujo conteúdo das letras procura desnudar as diversas situações de injustiça social e expor os demais problemas sociais que afectam principalmente as minorias étnicas nos EUA, em particular os afro-americanos. Esta característica não é universal entre os rappers. Como qualquer movimento cultural o hiphop tem várias correntes, ramificações e produziu até sub-culturas. Por exemplo, a sub-cultura do gangstarismo que mais se popularizou pelos efeitos comerciais que gerou, pela vida luxuosa, material, que proporcionou a alguns de seus interpretes, pela “cultura de violência”, entre outras coisas e pela reacção crítica que a sociedade lançou aos gangsta rap. É um tipo de Rap que remetia a um estilo de vida que reclamou a vida de muitos jovens, principalmente, negros americanos e que têm como um dos seus ícones o legendário Tupac Amaru Shakur[1] (1971-1996). 2pac morreu, com apenas 25 anos de idade, crivado de balas. Aqui também não interessa aprofundar estas histórias que até são marginais ao assunto. Devo apenas referir que o hiphop, nas suas diversas sub-culturas, universalizou-se, para não dizer globalizou-se, e em cada contexto foi adquirido características sui-generis desses lugares.

Bom, qual é o propósito, então, de vos contar um pouco da história do hiphop? Pretendo, simplesmente, sugerir uma reflexão geral sobre o sentido – dito “crítico” – da música de Azagaia. Em outras palavras, quero levantar questões sobre a realidade a que a música de Azagaia nos dá acesso, ou se quiserem questiona. Que realidade descreve e como faz essa descrição? É uma maneira razoável de nos apresentar a uma leitura da realidade, digamos, político-social do nosso país? Estamos de acordo com os termos da leitura? Descreve essa realidade da “melhor” maneira possível? As conclusões, talvez, sejam o menos interessante debater, mas como se seja a essas conclusões parece um aspecto fundamental que a nossa espera pública não devia descurar. Azagaia, nas suas músicas, sugere que a realidade politica e social do nosso país apresenta-se de um certa maneira. Concordamos com essa descrição? É sobre isso que este artigo trata.


Realidade versus conhecimento da realidade do país

Sem grandes recursos teóricos, e de forma algo leiga e bem generalista, gostaria de sugerir que existe:

a) por um lado, a realidade (social) do país e;

b) por outro lado, o conhecimento da realidade (social) do país.


Tanto uma como outra são em parte produto das nossas acções, portanto, passíveis de tomarem forma e conteúdo possíveis e ainda não realizados. Quer dizer, a realidade do nosso pais e o conhecimento dessa realidade podem estar sujeitos a nossa intervenção para tomarem formas e conteúdos específicos. O espaço público, a política através do debate de ideias é onde nós podemos negociar – democraticamente, em princípio – os vários futuros possíveis “desejáveis”. O debate de ideias é, portanto, constitutivo e constituinte da sociedade que fomos, somos e podemos vir a ser. Podemos dizer, então e hipoteticamente, que em função da abertura que tivemos para o debate de ideia fomos uma sociedade autoritária (fechada) ou democrática (aberta), para colocar as coisas entre extremos. O desafio que se nos coloca todos os dias é saber para que lado tendemos. Como evitar os inimigos da sociedade aberta, se esta for o nosso desiderato. De novo o próprio debate é chamado como instrumento não só para medir essa tendência, como para destruir os inimigos da sociedade aberta. Tudo isto é para dizer que enquanto sociedade temos que saber debater. Debater, aqui, significa saber avaliar argumentos. O conhecimento que temos da realidade do nosso país depende, portanto, fundamentalmente, da capacidade que temos de avaliar argumentos nas suas diversas maneiras de se apresentar. Se nos dizem, por exemplo, que o nosso país é pobre. Estão basicamente a oferecer-nos uma conclusão. Para sabermos se essa conclusão é plausível temos que avaliar as razões (premissas) que se nos oferecem para tirar tal conclusão(voltarei a este assunto mais adiante). Não podemos é a aceitar que nos digam é pobre porque é pobre e pronto! A maneira como avaliamos esta conclusão e suas premissas vai nos dizer muito sobre o que sabemos do nosso pais. Podemos então questionarmo-nos sobre os modos de produção de conhecimento dessa realidade e sobre a validade do conhecimento que produzimos.

Neste sentido “verdade” ou conhecimento verdadeiro seria aquele conhecimento que representasse razões plausíveis para as conclusões que descrevem o estado do nosso país. Quanto mais fidedignas as razões (premissas) mas fortes as conclusões e o conhecimento que temos do país. O conhecimento seria, portanto, apenas a representação dessa realidade. Podemos imaginar que o trabalho de buscar representações fiéis, conhecimento “verdadeiro”, do país, isto é, o mais próximo possível da realidade “real” deve ser penoso pelo tempo, recursos que requer e, não só, como pela própria complexidade da fenómenos que fazem essa realidade.

Pessoas sem tempo e as vezes sem recursos, grosso modo, aceitam as conclusões, i.é, as representações da realidade do país que se lhes apresentam sem questionar as premissas que sustentam essas conclusões. E depois há daquelas coisas que mesmo não sabendo não impedem que a gente leve uma vida normal. Há mais de 20 anos que não sabemos se o primeiro presidente morreu assassinado ou se o acidente foi mesmo acidente e nem por isso deixamos de viver. Há pessoas que se especializam na busca de explicações para as diferentes dúvidas que temos de vários fenómenos que fazem – e ocorrem n(a) - nossa sociedade. Os cientistas, por exemplo, de modo geral, são os especialistas que se ocupam da produção dessas representações aproximativas da realidade. São avaliadores de premissas. Mas os cientistas não são os únicos, existem outros com diferentes níveis de especialidade.

Os músicos, por exemplo, também interpretam a realidade para aqueles que não têm muito tempo e paciência para tal. Quer dizer, procuram nas suas músicas formular perguntas e dar respostas, de forma artística, que nos dizem o como é a realidade. E alguns de nós servimo-nos desse conhecimento para orientar nossas acções. A pergunta que se pode colocar é: até que ponto estamos satisfeitos com o rigor do conhecimento que algumas leituras (musicais) nos apresentam da nossa realidade? As conclusões, interpretativas, a que essas leituras de como a realidade se apresenta são plausíveis para podermos orientar nossas acções a partir delas? As premissas sob as quais assentam essas conclusões não são discutíveis? Questionáveis? Que estatuto essa descrição da realidade reclama? É o estatuto que lhe compete? Enfim, vamos pensar sobre algumas destas questões a partir das letras das músicas de Azagaia. Atenção! A intenção, fique claro, não é avaliar o mérito e a criatividade artística de Azagaia, que para isso não tenho competência. Quem fizer isso, fá-lo por conta e risco próprio. A intenção é olhar para a música de Azagaia como um artefacto da nossa sociedade, uma representação da realidade e que por isso pode ser analisado, estudado independentemente das motivações. Que realidade e que conhecimento da realidade do país as músicas de Azagaia nos proporcionam?


A verdade das mentiras.

“As mentiras da verdade” foi a primeira música de Azagaia que fez, e ainda faz, muito sucesso de audiência. Recentemente, Azagaia, voltou a carga com uma segunda música “A Marcha” que também está arrastar multidões. Na efervescência do sucesso Azagaia lançou dia 10 de Novembro seu primeiro álbum “Babalaze” (ressaca, traduzido para o Português). Não me parece que por detrás do sucesso de Azagaia esteja apenas o facto de cantar o hiphop. Nesse género musical muitos outros jovens cantores já o haviam antecedido. A aderência, massiva, a música de Azagaia surge pelo conteúdo forte, diga-se pelas conclusões fortes, das suas mensagens.

Um conteúdo, que aos ouvidos de muitos, é de intervenção e crítica social. Azagaia é, portanto, visto como aquele jovem músico que diz a “verdade” tal e qual ela é. Desnuda-a! E como essa “verdade”, alguns acham, não é conveniente para um sector da sociedade Moçambicana, revelá-la publicamente, e de forma desinibida através do rap, torna-se um acto de ‘coragem’. Na verdade Azagaia, como ele próprio reconhece, não inventa nada do que diz, apenas faz eco a aquilo que as pessoas dizem nas esquinas e corredores, portanto, ao conhecimento popular. Aquele conhecimento daqueles que não tem tempo nem paciência para conviver com a dúvida enquanto avaliam as premissas. É um conhecimento do senso comum, portanto, apriorístico, intuitivo, assistemático. Na verdade é um não – conhecimento ou desconhecimento. A zagaia não faz perguntas, dá respostas. E as respostas que nos oferece, não são respostas novas. São respostas que já eram do domínio de toda gente, do senso comum. São essas respostas que estão a reclamar, agora que ritmadas, um estatuto diferente. O estatuto de verdade! Azagaia é aquele jovem cujas músicas nos dizem “verdades”, é assim que muitos o retratam! A sua atitude portanto é de intervenção e crítica social, consideram. Uma critica social que é vista como um acto corajoso, asseveram.

Este artigo questiona esse estatuto de “verdade” das músicas de Azagaia. Até que ponto as suas respostas, as conclusões, são baseadas em premissas plausíveis, fidedignas? O que é, mesmo, música de intervenção social e/ou crítica social? Que características temos que lhes reconhecer para a consideramos como tal? O que está a ser analisado é o que faz do conteúdo da música de Azagaia crítica social e reveladora da “verdade”!


Critica social, falácias e argumentação.

Podia fazer um texto só para explicar os vários sentidos e concepções de crítica social e mesmo assim não dar conta de todos. Melhor evitar, por antecipação, essa frustração e sugerir uma definição que nos permita falar a mesma linguagem. Se eu dissesse que crítica social é uma forma de argumentação? É que argumentar, como já referi antes, é a arte de fornecer razões para as conclusões que tiramos[2]? As razões, claro, em princípio devem ser plausíveis para que as conclusões sejam válidas. A plausibilidade das razões depende de muitos factores de prova, evidência, para que a gente possa aceitar a validade da conclusão. Para quem acha que Deus existe, mesmo sem provas, pelo menos materiais, a fé é tudo que precisa para sustentar tal conclusão. Essas pessoas teriam um regime de “verdade”, isto é, uma maneira de estabelecer o que é “verdade” para elas diferente do daqueles que não baseiam a “verdade” na fé. Para quem tem outros regimes de “verdade”, portanto, aqueles que baseiam as suas conclusões não na fé, mas na razão os critérios para se estabelecer a “verdade” são outros. A evidência empírica é um deles e nem sempre o mais importante, mas fundamental. E se acrescentasse que é uma forma de argumentação que procura confrontar ideias preestabelecidas? Teria deixado algumas coisas de fora? Por exemplo, a ideia de dizer a “verdade”, a ideia de dizer a “verdade” com a frontalidade? Não. Melhor: acho que não! O debate de ideias visa precisamente isso, criticar, confrontar argumentos fracos baseados em premissas falaciosas, e procurar a “verdade” mesmo que essa seja apenas lugar ideal efémero, portanto, sempre por alcançar. A crítica social, intervenção social não se faz dizendo coisas que outros já dizem, em voz baixa, amplificado pelo microfone em jeito de MC. A crítica social não funciona como o argumento da acusação de feitiçaria do tipo "linchatório" cuja fórmula geral é: “só pode ser”!
"Esta velha tem que apontar o feiticeiro. Se não encontramos o feitiço. Então, ela é que é a feiticeira". Este tipo de argumentos é falacioso e problemático. Custou e a ainda custa a vida de muitas pessoas no nosso país. Há muita gente que é linchada por causa deste tipo de raciocínio errado. Os argumentos na base de: [Se X, tem que Y; Se não X só pode ser Z]. Se o meu vizinho comprou um carro novo [X], tem que trabalhar[Y], como como não trabalha, então só pode ter roubado [Z]. "O ministro X é sócio de uma nova empresa, mas quando assumiu as pastas não tinha nenhuma empresa, então só pode ser corrupto. Este tipo de argumento elimina qualquer possibilidade de investigar outras possibilidades. “Só pode ser” é uma condição de exclusividade, Não admite outros possíveis. É este tipo de argumentos de feitiçaria que abundam os versos de Azagaia.

Que esse Fórum Anti-Corrupção
Tem que apontar os corruptos
Se não encontram corrupção
Então vocês são os corruptos

Analisemos este verso retirado da música “A marcha[3]”. Qual é ideia que nos é sugerida pelo verso? A essa ideia geral dar-lhe-emos o nome de conclusão. A conclusão é na verdade complexa, aqui, pois depende de uma condição. A condição é em si é problemática porque circular, senão vejamos: "O fórum Anti-corrupção tem (imperativo) que apontar os corruptos [X]. Pressupõe-se que esses corruptos existam, é só uma questão de apontá-los. No entanto no verso seguinte diz-se, também numa frase condicional: “Se não encontram corrupção”, então – e esta é a grande conclusão –: vocês, portanto o fórum Anti-corrupção, são os corruptos. Por outras palavras, então vocês só podem ser os corruptos.

É um argumento bastante problemático, pelas razões que expus antes. Vamos pegar num exemplo diferente para percebermos onde reside o problema. Coloquemos a polícia no lugar do fórum e ladrões no lugar dos corruptos. O argumento ficaria assim:

Que essa polícia
Tem que apontar os ladrões.
Se não encontram (
neste caso o substantivo equivalente a corrupção seria) os ladrões.
Então; vocês (
a polícia)são os ladrões.

O facto da polícia não apontar (premissa 1) ou encontrar (premissa 2) ladrões não faz da polícia, necessariamente, ladra [Conclusão]! O mesmo exercício pode ser feito em relação ao fórum. Este é apenas um dos vários erros de raciocínio que encontramos nas letras de Azagaia e que passam como “verdades”. Não estou a sugeir que as letras de Azagaia, e de qualquer outro músico, devem ser soligismos lógicos. Isso talvez deixa-se de ser música. O que estou a sugerir é que devemos ter cautela antes de chamarmos este tipo argumentação de revelação da “verdade”!

Tomemos mais alguns exemplos. Desta vez porém não vou ser minucioso na explicação das falácias. Vou apenas retorquir.

Extractos da Música:“As mentiras da verdade[4]”.

E se eu te dissesse
Que Samora foi assassinado
Por gente do governo que até hoje finge que procura o culpado
E que foi tudo planeado
Pra que parecesse um acidente e o caso fosse logo abafado

Análise:

Insinuação: E se eu dissesse que...
Conclusão: Samora foi assassinado.

Premissa (1): Por gente do governo que até hoje finge que procura o culpado.

Por mais conveniente que seja. Por mais, aliviante que seja, ainda não se produziu evidência, material, suficiente para que se considere a morte de Samora um assassinato, muito menos por membros do governo. De que governo? É claro que isso não invalida as fortes convicções, a fé, que muitos têm, dadas as circunstâncias, a conjectura histórico-política em que a morte ocorreu, de achar que foi assassinato. Mas uma coisa é convicção, fé, e outra são provas/evidência.


Premissa (2):

a) E que tudo foi planeado

b) para que tudo parecesse um acidente e o caso fosse logo abafado
.

Tudo isto dá uma boa teoria de conspiração. O mesmo se aplicaria aos demais casos que não preciso mencionar aqui, para os quais não temos evidencia suficiente, para dar uma explicação que nos satisfaça. Ausência de explicação não autoriza a explicação aparente. Ausência de explicação plausível autoriza-nos a alimentarmos mais dúvidas sobre as explicações imediatas e a investigar mais. Como diz o decano da sociologia, em Moçambique, Carlos Serra: duvidai e indagai! Quando a dúvida te sufoca: desabafe! O desabafo parece ser um impulso, uma necessidade, que deriva de alguma coisa na nossa sociedade que precisa ser compreendida. Essa coisa que nos inibe de nos engajarmos numa cultura de debate sensata e menos propícia aos erros de raciocínio. Por isso não acho que os Azagaias deste país estejam a agir de má fé. Não. Ao intervir com todo aquele vigor e cheio de certezas com que os Azagaias do nosso país fazem, fazem-no convictos de que é o melhor que fazem para o país. O preocupante, na minha opinião, é quando a onda de desabafo atinge aqueles cuja tarefa seria justamente a de ser mais moderados na avaliação dos argumentos. Quando todos começamos a fumar o cachimbo do desabafo, até os sociólogos, ninguém mais a resta para pensar este país de cabeça fria.

Desabafo como eclipse da razão!

A razão está para a crítica social, assim como a emoção esta para o desabafo. E ai parece residir o cerne da questão. Uma explicação que nos satisfaça, uma explicação que preencha o vazio e retire a angústia de vivermos sem algumas respostas para preocupações que de alguma maneira no nosso entender exigem, têm que ter, uma explicação é como ópio do povo. Tem um efeito analgésico, alienante eclipsa a nossa razão e acalenta o espírito. É essa angústia, essa ansiedade acumulada que cria as condições sociais propícias para que as pessoas não se dêem maçada de avaliar a plausibilidade das respostas que são avançadas paras as várias perguntas e incógnitas que têm. Não conseguem domesticar e conviver com a dúvida. Assim quando surge alguém a lançar aos gritos esses males para fora, na multidão dos espectáculos, assim como se faz na Igreja Universal ao exorcizar os espíritos há uma sensação de alívio. Um desabafo! Na análise das letras de Azagaia antecedeu-me o Sociólogo Elísio Macamo[5]. Macamo faz um exercício de distinção de crítica social de desabafo mostrando as virtudes e as condições de possibilidade da primeira para emancipação e os perigos do segundo que é a alienação. Pretendo introduzir um outro elemento. A ideia de que o desabafo, o “tubo de escape”, como lhe chama o próprio Azagaia, é contrariamente ao que lhe chamam uma anti-crítica social. A crítica social é assente na razão, o desabafo na emoção. O problema é que enquanto a crítica social têm potencialidades emancipadoras, o desabafo é potencialmente ecliptíco.





[1] Tupac Shakur. Wikipedia:Free Encyclopedia. [Online]. Disponível. [http://en.wikipedia.org/wiki/Tupac_Shakur, 12 Novembro 2007].

[2] Weston , A. (1996). A arte de argumentar. Lisboa: Gradiva.
[3] Fonte: AZAGAIA (3) Letra da Canção “ A Marcha”. Online: Disponível.[ http://oficinadesociologia.blogspot.com/2007/11/azagaia-3-letra-da-cano-marcha-fim.html, 12 Novembro 2007].
[4] Fonte. Música: As mentiras da verdade. Online: Disponível. [http://circulodesociologia.blogspot.com/2007/05/msica-as-mentiras-da-verdade.html, 12 Novembro 2007]

[5] Macamo, E. Jornal Notícias: Crítica Social e Desabafo. Online. Disponível. [http://www.jornalnoticias.co.mz/pls/notimz2/getxml/pt/contentx/40124, 12 Novembro 2007]

* Foto retidara daqui: http://ivstreet.com/index.php?option=com_content&task=view&id=149&Itemid=41