O Prof. Lourenço do Rosário, Reitor da
A Politécnica, uma universidade privada de Moçambique, é uma figura proeminente na esfera pública Moçambicana. Nesta estrevista, concedida ao
Jornal Notícias, faz uma espécie de radiógrafia, interessante, do '
Estado da Nação'. Vale a pena lê-lo, mesmo que não concordemos com seu diagóstico, o que é salutar para o debate.
Apontar corruptos ainda é tabú – afirma Presidente do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), Professor Doutor Lourenço do Rosário, para quem prevalece cultura de impunidade em Moçambique
MOÇAMBIQUE faz parte dos 27 países africanos comprometidos com os princípios, prioridades e objectivos de boa governação definidos no âmbito da NEPAD, e que se manifestaram abertos a permitir que os seus pares nacionais e internacionais avaliem a situação dos respectivos países. Tal avaliação abarcará áreas como democracia e governação política; governação económica e administração; governação corporativa empresarial e desenvolvimento sócio-económico. Para tal, o nosso país aderiu ao Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP) e foi este o “mote” para uma entrevista com o Presidente desta iniciativa no nosso país, o Professor Doutor Lourenço do Rosário. A conversa acabou, desembocando em temas da actualidade nacional, com destaque para a governação, criminalidade, corrupção e democracia, entre outros. O nosso entrevistado, que nunca esconde as suas cores políticas (membro da Frelimo), não deixa de se insurgir contra alguns dos males de que enferma a governação, atacando com veemência o fraco desempenho do Parlamento. Exige, por outro lado, medidas mais contundentes para acabar com a criminalidade no país. Estas as linhas fortes da entrevista que se segue:
Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias
NOTICIAS (NOT)- Como explicar a um cidadão do Chinde, província da Zambézia ou de Chicualacuala, em Gaza, o que significa o Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP)?
LOURENÇO DE ROSÁRIO (LR) - É simples. Partindo da experiência que tivemos da Agenda 2025, de como lidar com o cidadão, temos que ir ao encontro das suas próprias percepções...
NOT - Que percepções?
LR - Se quero saber se ele tem a percepção de que está a ser bem governado ou não, se a sua vida é cómoda ou não, se está em condições de saber que exerce os seus direitos de cidadania. Mas também fazer-lhe perguntas muito concretas. O que é boa governação, por exemplo, nós podemos saber se com o rendimento que ele tem, consegue comprar açúcar, arroz. Se o arroz e o açúcar chegam à aldeia dele, se acha que os comerciantes que estão na sua região conseguem vender as coisas duma forma honesta e a preços que ele pode considerar que são justos, se ele quando se quer sair de um lado para o outro encontra meios que facilitem a sua deslocação, etc. Isto é que se chama a percepção de boa governação.
NOT - E mediante as respostas do cidadão, o que se segue?
LR - Vamos fazer uma bateria de respostas correctas, ou de respostas positivas ou negativas. Quando foi da Agenda 2025, explicávamos que queríamos saber se o cidadão tinha a percepção de que poderíamos, eventualmente, dentro de 25 anos ter determinados parâ-metros daquilo que poderíamos prever de como seria o país.
NOT - E com o MARP o que vão dizer aos cidadãos?
LR - Alguns países africanos estão unidos para, eventual-mente, olharem-se uns e outros de modo a cada um de nós dizer ao outro o que está a fazer mal e o que está a fazer bem. Revisão de Pares, é isso. É um mecanismo muito parecido com o religioso ou então da crítica e auto-crítica que era feita pela FRELIMO, nos primeiros anos da nossa independência. Nós juntamo-nos e cada um diz o que acha que está mal consigo próprio e como é que pensa corrigir. Os outros dizem-lhe: “Olha, este caminho sim, aquele não!”. É isso que está a acontecer com o Mecanismo, com aqueles países que já terminaram os seus relatórios, nomeadamente Quénia, Gana, Ruanda, Argélia e África do Sul. Todos os anos temos dois encontros nas Cimeiras da União Africana, em Janeiro em Julho, então os que terminaram vão apresentar o relatório e o Plano de Acção, e ouvem os comentários dos outros países. No ano seguinte, vão lá apresentar o que conseguiram corrigir consoante o Plano de Acção que indicava a correcção dos males que eles próprios detectaram, bem como as achegas que outros países deram. Então, esse relatório tem que surgir da percepção dos cidadãos. Portanto, nós quando chegamos ao distrito, quanto estamos na província, falamos com os governos e com as forças vivas, tentamos ser abrangentes. O que dizemos é: não estamos a a avaliar o Governo, estamos a avaliar a nossa governação, nós próprios como chefes de família, como sociedade, como empresá-rios, como organizações etc.
TEM QUE HAVER DEMOCRACIA PARA SE ADERIR AO MARP
NOT - E qual é o conceito de pares neste contexto?
LR - Pares, são os países que aderiram a este processo. Como sabe, este Mecanismo está incrustrado na NEPAD e a NEPAD foi uma filosofia que apareceu dum desenvolvimento auto-controlado pelos próprios Estados. Não pretendemos com esta avaliação ir buscar dinheiros ao Banco Mundial nem ao Clube de Paris, não é nada disso. O que se pretende é tentarmos, nós próprios, portanto, Moçambi-que, Angola, Burundi, Argélia, os 27 países que aderiram, por-tanto, esses são os pares, em primeiro lugar. Em segundo lugar, os pares são os dirigentes, os chefes de Estado que representam, naturalmente, a Constituição de cada país, têm que ser países democráticos, tem que estar em paz, e haver índices de desenvolvimento que justifiquem a adesão a este Mecanismo.
NOT - Mas com esta toda sustentação sobre a validade desta iniciativa, como é que explica que até agora apenas 27 países do nosso continente tenham aderido ao MARP?
LR - Há vários constrangimentos, e como é um Mecanismo voluntário, há indicadores muito concretos. Há alguns países que acham que não estão em condições de aderir, e muitas vezes são índices de democraticidade. Porque não é fácil ao Governo sujeitar-se a avaliação da sociedade civil que, por sua vez, se está a avaliar a si própria. As liberdades funda-mentais, as questões da demo-cracia, do desenvolvimento sócio-económico, as condições de vida, a condição humana, cidadania, são questões que dizem respeito a todos. Então, muitos países têm receio de aderir devido aos muitos problemas internos.
NOT - Não acha também que há países que não aderem ao MARP por duvidarem da credibilidade ou, se quiser, da sustentabilidade desta iniciativa africana? Aliás, é voz corrente de que o NEPAD é um projecto sem “pernas para andar” e eles não querem embarcar em mais um malogro...
LR - Não, não comungo de forma nenhuma com esta percepção. Por aquilo que vi, trata-se de um exercício de democracia. Há-de reparar que os países que aderiram ao MARP são os que trazem maiores índices de combate a determinados males. Vamos pensar, por exemplo, na Argélia que recentemente apresentou o seu relatório mas que tem um grande problema: é um país maioritariamente muçulmano e a questão da mulher é um problema sério. No seu Plano de Acção, apresentou linhas de desenvolvimento para que a democracia não fique hipotecada por causa do problema de género. É uma atitude de grande coragem. Não é fácil, sendo predominantemente muçulmano ir de frente com a cultura predominante da sua população que diz que a mulher tem um determinado lugar. O Gana, por exemplo, é um país com índice de democracia bastante grande, com um índice de desenvolvi-mento razoável, é um país estável, mas tem o problema do género. Portanto, se tem esse problema, tem que ver porque é que a mulher não participa nas estruturas...
CORRUPÇÃO SEM CARA É O NOSSO PROBLEMA
NOT - ...e Moçambique?
LR- Moçambique é um país que sabe gerir bem todo o processo de reconciliação, sabe gerir bem o processo de paz, tem algum crescimento económico visível, etc. Mas tem problemas sérios, relacionados com uma corrupção que não tem cara. Todos falamos da corrupção, mas não há ninguém que tenha sido apontado como no Brasil, por exemplo, ou no Quénia. No Quénia foi detectado o problema de corrupção e de repente começaram a aparecer as caras dos corruptos. Aqui, ainda temos este problema muito concreto da corrupção e da insegurança. São questões concretas da fragilidade das nossas infra-estruturas, do nosso sistema educativo e que têm que ser corrigidos. Então, não me parece que seja um Mecanismo falhado.
NOT - Como será desenhado o Plano de Acção, juntamente com o relatório, se já existem outros planos como por exemplo o PARPA?
LR - Bom, o PARPA é um programa que está incluído no plano quinquenal dos governos. Faz parte, portanto, dum programa que tenta materializar o discurso político de combate à pobreza absoluta. Ele visa traçar estratégias de como concretizar exactamente estes problemas que estamos a detectar. O Presidente da República fala de pobreza, por exemplo, mas não lhe compete, enquanto que Presidente da República, mas talvez como Chefe do Governo, definir o que é pobreza. Pobreza, por exemplo, pode ser essas bolsas de desempregados que existem nas grandes cidades, pode ser um jovem que acaba de se licenciar, não quer sair de Maputo e fica a viver numa dependência à espera de arranjar emprego. Pobreza é muita coisa. Portanto, o Plano Quinquenal que o Governo deve traçar, deve inspirar-se exactamente em muitos documentos como Agenda 2025, Plano de Acção do MARP, Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e outros documentos filosóficos que estão por aí espalhados.
GOVERNO BUSCA FUNDOS, MAS...: FÓRUM NACIONAL É AUTÓNOMO
Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias
NOT - Como se pode garantir o elemento transparência e ausência de manipulação, se dentro da estrutura do Mecanismo, em Moçambique temos membros do Governo como é o caso do Presidente da República e o Ministro do Plano e Desenvolvimento?
LR - Essas individualidades a que faz referência são, de facto, os representantes do país junto dos Pares. Portanto, o Presi-dente da República é, digamos, o Presidente do Fórum dos Chefes de Estado dos países que aderiram ao MARP, e o Ministro do Plano e Desenvolvimento, é o ponto focal, ou seja, aquele que articula todo este trabalho com a União Africana. Mas, todo o trabalho do MARP é feito fora destas estruturas. Existe um Fórum Nacional, que é constituído por uma série de instituições e organizações, desde os antigos Conselheiros da Agenda 2025, Reitores de algumas universidades públicas e privadas, chefes das comis-sões, membros da Comissão da Assembleia da República, ONGs representando a sociedade civil, grupos religiosos, representan-tes de alguns partidos políticos. Este é que é o Fórum Nacional. Temos um total de 59 perso-nalidades, e foram eleitas sete, sendo um presidente, dois vice-presidentes, e quatro coordena-dores de áreas temáticas que vão dinamizar todo o processo de avaliação do país. Existe um escritório que é uma unidade técnica que executa este programa.
NOT - Está, por outras palavras, a dizer que tanto uma quanto a outra estrutura não devem obediência a nenhuma autoridade governamental?
LR - Sim, quer o Fórum Nacional, quer o escritório, não devem obediência a nenhuma autoridade. A estrutura é autónoma.
NOT - Mas como falar de transparência, se os fundos para o funcionamento de toda a máquina vêm dos bolsos do Governo do dia?
LR - Ok... Os fundos são procurados pelo Governo, mas quem financia não vem do Orçamento do Estado.
NOT- E a quem prestam contas da utilização dos fundos?
LR- A quem nos dá esse dinheiro, nomeadamente a NORAD, a Noruega, a Irlanda. Estes os países doaram o primeiro orçamento e está a ser gerido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Portanto, o escritório não se senta com o ministro nem com ninguém para prestar contas.
NOT- Não haverá aí uma espécie de cumplicidade moral assumindo que é o Governo quem procura os fundos?
LR- Quando nós atingimos uma determinada maturidade de cidadania, julgo que esse sentimento de compromisso de dependência etc, fica um pouco diluido. Quando o Chefe de Estado convidou-me para assumir a presidência do Fórum, eu aceitei na convicção de que iria gerir este processo com total autonomia, e até agora esse autonomia tem sido respeitada. O facto dos dinheiros virem daí mostra também que há uma vontade em respeitar a nossa autonomia, há uma vontade democrática por parte do Estado, do Governo que está neste processo duma forma séria.
NOT - Em alguns países que aderiram a esta iniciativa já houve alguns problemas...
LR - ...na África do Sul, por exemplo, o Governo não aceitou o relatório. Houve problemas sérios, tanto mais que o relatório foi apresentado seis meses mais tarde porque voltou, isto porque havia uma grande clivagem entre o relatório que o Governo queria e o que o Fórum tinha eleborado. No Quénia, o Presidente do Fórum teve problemas sérios com o Governo, chegando mesmo a meter o Governo em tribunal. Portanto, tem havido problemas de percurso. Feliz-mente nós, em Moçambique, não temos.
Não porque estejamos servilmente dependentes do Governo, temos estado a exercer as nossas tarefas com muita autonomia e o Governo tem estado a respeitá-las.
CRIMINALIDADE: NÃO NOS PEÇAM PACIÊNCIA
Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias
NOT - Um outro fenómeno que certamente figura no conjunto das preocupações dos cidadãos é o da criminalidade. Em que termos é colocado este mal social?
LR - É interessante porque quando o Siba-Siba foi assassinado, escrevi um texto e penso que até publiquei no “Notícias” que tinha o título “Direito à indignação”, onde eu levantava que a questão da segurança é um direito do cidadão. Compete a quem está no poder, garantir esse direito como todos outros, o direito à educação, à habitação, ao emprego, às vias de comunicação. São direitos. Se sou cidadão deste país, tenho que esperar que aquele que está no poder me dê garantias desses direitos e, em contrapartida, eu pago os meus impostos. Respeito quem está no poder e exerço o direito do voto, votando nessas pessoas, perdendo se não votar neles, porque o acto de eu aceitar, significa que sou democrata e tenho direitos. Então, se esses direitos me são retirados, começando pelos fundamentais, não tenho boas condições de educação, de saúde, não tenho bons transportes, habitação condigna, e ainda por cima vem um outro espoliar-me do pouco que consigo arranjar com o meu esforço. Então, eu não sou cidadão. Não tenho nenhum direito. Alguma coisa está errada. Então, a criminalidade tem que ser vista nesse sentido, que é a retirada do direito fundamental do cidadão em viver protegido pelo poder que ele elegeu, se aceitarmos que estamos num regime democrático, eleito. Portanto, se eu elegi, aquele que está no poder deve garantir-me esses direitos. Se não me der, tenho direito a indignar-me.
NOT - Ou seja, a criminalidade e a insegurança são elementos de indignação para qualquer cidadão...
LR -...sim, não pode, de forma nenhuma, qualquer dirigente que deve gerir essa questão, pedir paciência ao cidadão. Não tenho paciência. Não posso ter paciência, porque não sei quando é que ao virar a esquina, vem alguém dar-me um tiro. Que paciência? É neste sentido, portanto. É falsificar o discurso democrático, dizer que o cidadão deve participar na segurança do país. Eu participo, sim, não espoliando nada a ninguém. Mas o Estado deve garantir-me que vai vigiar aqueles que são os marginais. Eu posso participar denunciando, não “barricando-me” dentro da minha casa com guardas, alarmes, etc. Isto é um sinal e um voto de desconfiança em relação à segurança que o Estado tem que me dar.
MINISTROS DEVERIAM TREMER NO PARLAMENTO
Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias
NOT – E o que diz da nossa democracia. Considera-a saudável?
LR - Há dois momentos na vida de Moçambique desde que a democracia entrou, em 1994. Há os momentos do calendário eleitoral e há os outros momentos. Se lhe disser que há um défice democrátrico, posso estar a dizer que é verdade e que não é verdade. Há défice democrático real, isto porque as forças partidárias não criam um ambiente de debate político realmente dialogante. As forças políticas digladiam-se, mas não vejo, realmente, a agenda nacional, tirando agora a questão do adiamento das eleições provinciais que foi unânime. Uma agenda nacional em que os partidos possam ter uma visão comum. Não existe. Ora, em qualquer país democrático há matérias que são de unanimidade, o que significa que as nossas forças políticas jogam principalmente na erosão dos seus adversários. A agenda nacional, muitas vezes, acaba por ficar em segundo plano. Esta é uma realidade. Mas, ao mesmo tempo, acho que a democracia em Moçambique, é uma real porque existem as liberdades fundamentais. O cidadão hoje tem o direito de se pronunciar sobre qualquer matéria sem receio de ser reprimido. Naturalmente você vai me dizer assim: dizem que se você está numa determinada empresa e diz alguma coisa contra a formação política dominante, pode perder o emprego. Provavelmente sim, mas isso não se passa só nas questões políticas. Muitas vezes é cultura das chefias que temos no país. Se falar mal do chefe, pode também sofrer represálias. Se o chefe não gostar de si, se têm opiniões diferentes, você pode não chegar a ser promovido. Se calhar, você é mais esperto do que ele. Então, muitas vezes não é um problema só político, isto porque a FRELIMO que está no poder exige unanimidade nas instituições. É a própria cultura de chefia que obriga a que haja unanimidade e não contestação da cadeia de comando. Mas há liberdade de expressão, vocês os jornalistas muitas vezes queixam-se de que são condicionados, que existe auto-censura, mas a imprensa moçambicana é das mais livres que conheço em África. Disso não tenho dúvidas. Graças também ao ambiente que vivemos desde 1994, uma escola de jornalismo muito forte que existiu aqui em Moçambique. Mas não só na imprensa, nas próprias universidades, começam a surgir jovens cientistas com opinião muito própria, já não estamos naquela fase de académicos cinzentos, que se calam assobiando para o lado! O que significa que não é de ignorar a bolsa de liberdade que está a aparecer na produção do saber, na produção da opinião, na coisa pública em que acontece qualquer coisa e a pessoa fala, sempre com a contenção moçambicana, esta nossa cultura, a cultura do Índico em que não temos que utilizar palavras mal criadas para manifestarmos a nossa opinião. Não precisamos de chamar burro ao Ministro, de chamar estúpido a um General, como se faz nos outros países. Mas damos a nossa opinião, falamos, o que significa, de facto, que existe democracia. Agora, que há um défice, há. No fundo no fundo, o que é? Há uma vocação das forças dominantes, de que se estivessem sozinhas seria melhor. Qualquer que seja, não estou a falar apenas da FRELIMO. Também da Renamo e de outras forças que não estão no Parlamento, que no fundo gostariam de governar sozinhas. Ora este já é um défice democrático. Mas isso é uma tradição, viemos de um partido único e grande parte destes partidos foram formados a partir dele. Não admira que a mentalidade dominante esteja lá presente. Mas isto é um processo e penso que vai mudar. Há muitas pessoas dentro desses partidos que começam a mudar essa maneira de ver. Um partido não pode jogar na eliminação doutro partido numa situação democrática. Deve jogar no fortalecimento das forças da oposição que é para mostrar que é melhor que os outros. É nesse sentido que me parece que a verdadeira democracia é essa. Não vou dar dinheiro a outro partido para ele crescer, mas vou criar condições para que ele não morra, porque se ele morrer quem vai avaliar o meu trabalho? Vou perder o horizonte. É nesse sentido que penso que há um pequeno défice democrático. Mas duma forma geral o país é democrático.
NOT – Esta falta de consenso dos políticos quando se trata de questões da agenda e interessa nacional não é maléfica para um país que se pretende democrático?
LR – Fragiliza o desenvolvimento. Há questões que não se devem discutir. Por exemplo: o problema da energia, da água, das infra-estruturas, da segurança alimentar, da educação e saúde, são questões que devem merecer unanimidade. A pobreza não é uma coisa isolada. Estes problemas todos no seu conjunto é que fazem a pobreza. Quando o Governo diz que vai alargar a rede escolar, a oposição não pode contestar. O que a oposição pode contestar, ou pelo menos perguntar, é como é que se vai fazer, e se temos condições para pôr isso a funcionar. Mas se estão lá, a oposição não tem que contestar, mas sim tem que aprovar. Vamos construir a ponte sobre o Zambeze, ninguém pode contestar! São questões da agenda nacional, de unanimidade. Isto porque senão passamos a ser subversivos do género de que este constrói, aquele destrói. Subversão é isto. Se um constrói o outro vai destruir. Ora, uma democracia subversiva não existe. Dizer que agora vamos criar dificuldades a este Governo que é para ver se ele perde eleições e nós vamos para lá.
PARLAMENTO MORNO
NOT – Acha que o Parlamento está a ser um bom exemplo de exercício de democracia no nosso país?
LR - Tenho dificuldade de avaliar a qualidade política do Parlamento, porque vejo que este Parlamento não tem tido iniciativa de lei. A instituição que tem tido esta iniciativa de lei é o Governo. Alguma coisa quer dizer isto, porque quem deve, de facto, gerar leis é o Parlamento, que é para obrigar o Governo a governar bem. Não o Executivo a rebocar a Assembleia, para aprovar aquilo que acha que deve ser aprovado para ele governar. É claro que aqui o partido no poder e o Governo são a mesma coisa, mas, de qualquer maneira, são órgãos de soberania diferentes. Então, gostaria como cidadão, mesmo sendo do partido no poder - e toda a gente sabe que sou - gostaria que o meu partido, no Parlamento, pudesse desenvolver acções, que tomasse iniciativas de lei para o Parlamento. Gostaria também que os debates fossem verdadeiros momentos de democracia, em vez de fazerem, constantemente, levantamento de fantasmas, porque em qualquer parte do mundo o Parlamento é uma verdadeira escola de democracia. Não me preocupa a história do barulho, porque há parlamentos em que, inclusive, há pancadaria. O que me preocupa, é a qualidade e quantidade de iniciativas de lei que não aparecem. Por outro lado, parece-me que aqui em Moçambique há um desperdício de experiências, de memórias. Em qualquer parte do mundo, quando um Governo acaba, aqueles que foram membros desse Executivo são aproveitados para diversas outras tarefas, nomeadamente para o Parlamento. Eu não vejo ex-ministros no nosso Parlamento...
NOT – E porque é que isso não acontece?
LR - Não sei! Não faço parte das estruturas directivas do partido, não digo que todos os ex-ministros deveriam estar na Assembleia, mas existem ex-ministros com algum protagonismo que deviam ser elementos-chave no Parlamento. São membros do partido, estão aí e talvez muitos deles nem precisam de “tachos”. Mas há qualquer coisa que como cidadão a pessoa interroga-se: mas porquê? Há muitas explicações, mas são especulativas eu não quero apresentá-las aqui, porque não têm cabimento plausível. Mas isso, de facto, faz com que o Parlamento não seja aquele espaço como o órgão mais importante de soberania nacional. Alguma coisa está invertida. Qualquer pessoa acha que o órgão de soberania mais importante é o Governo. E esta inversão faz com que, de facto, o Executivo governe e não seja monitorado. Não estou a dizer que o Governo deve ser vigiado, mas a monitoria passa por um bom discurso no Parlamento. Quando o Governo é chamado para o Parlamento os ministros devem tremer, preocupados com aquilo que os deputados vão perguntar! Muitas vezes deputados da própria bancada. Tem que ser assim porque é uma sabatina. Aí o cidadão sente-se representado, mas aqui não, são sessões mornas.
CULTURA DE IMPUNIDADE AINDA É ALTA NO PAÍS
Maputo, Segunda-Feira, 26 de Novembro de 2007:: Notícias
NOT – Quais são os grandes problemas que os cidadãos levantam nos debates que têm vindo a a ser promovidos pelo mecanismo no nossso país?
LR – São problemas recorrentes. Não são problemas novos. Por exemplo: quando um camponês questiona o porquê de o açúcar do Malawi custar oito meticais e o de Moçambique 15? O que é que você vai responder? Há problemas de comercialização interna. Quando um outro levanta o problema de que tem que ir vender o milho para o Malawi porque em Moçambique não há escoamento, temos problemas sérios da rede comercial, da comercialização e da segurança alimentar. Quando dizem que as produções ficam a apodrecer porque não conseguem sair para a vila pois não existe ponte e quando chove não conseguem passar, aí há o problema de infra-estruturas. Então, os problemas fundamentais existem: segurança alimentar, infraestruturas, escolarização, comercialização interna, saúde, segurança. Agora os índices e o impacto destes problemas terão maior ou menor dimensão, dependendo dos aglomerados sociais. Aqui em Maputo, por exemplo, a questão da segurança tem um maior impacto do que por exemplo em Mopeia ou mesmo Pemba. Mas a questão de infraestruturas talvez tenha mais impacto no Chinde. Comercialização, por exemplo, falando da Zambézia em zonas como Milange, Morrumbala, portanto, todas estas coisas são recorrentes. Os problemas são sempre os mesmos e não vamos encontrar nada de novo. Se estes problemas já foram levantados em 1999,em 2003 e agora, em 2007, porque é que não acabam? Portanto, o mérito do inquérito do MARP é, quando é que estes problemas vão acabar. É isso.
NOT – Que abordagem é feita sobre a corrupção?
LR – Houve durante muitas anos uma certa complacência. Você vai no seu carro, apanha um polícia que manda parar. Você quer ir ao Bilene, está com a família, não se quer aborrecer, tira 300 meticais dá ao polícia e vai embora. Por outro lado, você é chefe numa empresa ou numa instituição, o seu subordinado roubou fundos, é apanhado. Depois vêm os colegas, a família, a pedir para que o assunto seja esquecido, alegando que ele tem uma família, filhos. Com essa complacência, a gente deixa. Por outro lado, é o problema de querermos rapidamente atingir níveis de bens e sinais exteriores de riqueza que não correspondem àsnossas capacidades de produção de riqueza. Qual é abordagem que fazemos disso? Primeiro determinar muito bem como se verificam os actos de corrupção, não basta dizer que há corrupção, são ladrões, roubam etc. É preciso saber em que circunstâncias é que esses actos surgem. Começam desde o tráfico de influências, benesses, roubos qualificados e até a tentativa de facilitar a vida, ou seja comodismo. Por outro lado, a corrupção é olhada numa perspectiva de que neste país a cultura da impunidade está muita alta. A pessoa sabe que não lhe vai acontecer nada, então ele rouba, é apanhado, o caso começa a correr e morre. Então como a pessoa sabe, arrisca. Isto porque sabe que os níveis de impunidade são altos. Muito altos. Por outro lado, a outra abordagem que se faz é que falar da corrupção apontando pessoas é um tabu, ou temos pudor de apanhar alguém a roubar, então não se fala, não se pode falar. Tudo isso deve ser desmistificado para que, de facto, a corrupção seja encarada como um acto desviante da vida social, um acto que concorre para a manutenção da pobreza no país e da inibição do desenvolvimento e crescimento.
JAIME CUAMBE [Jornalista].