Tuesday, November 6, 2007

A Lição do Prémio Mo Ibrahim: a sucessão em África no pensamento de Chissano!

Chissano está na moda. O nosso ex- presidente está em todas as manchetes, é convidado para dar aulas inaugurais, conferências, homenagens e por ai em diante[1]. É caso para dizer que Chissano é o que está dar! Esta atenção redobrou-se depois de anunciado vencedor dos milhões de dólares a mais na conta do bilionário sudanês, das Tecnologias de Informação e Comunicação (ICT), Mo Ibrahim. Chissano é agora – sé é que já não era antes – “$5 Million dollar (big brother) man”, homen dos cinco milhões de dólares. Um verdadeiro banco ambulante. Mas não é da mola, nem da legitimidade do prémio, que pretendo falar hoje. Sobre isso já se debateu, não sei é se foi o suficiente nem o mais importante e pertinente. Interessa-me hoje um aspecto curioso do pensamento de Chissano. Esse aspecto diz respeito a ideia do nosso ex-presidente sobre a sucessão política em África.

De facto, na sequência da sua nova condição de (“role model”) modelo de “boa governação”, pelo menos segundo os critérios de Mo Ibrahim, muitos prestam atenção as lições do nosso ex-presidente.
A ideia que vou apresentar parece remeter-nos para aquelas situações a que nos habituaram os padres: “Não façam o que faço, mas o que eu digo”! O que Chissano fez foi, com ou sem um empurãozito, largar o poder. O que Chissano diz é que largar o poder talvez não seja a melhor prática para os países africanos. E aqueles que pensavam que o exemplo de Chissano, como ele próprio manifestou, era o golpe final as teórias patrimonislistas do poder em África deviam ficar preocupados. Chissano parace ser a evidência empírica para refutar a natureza patrimonial e vitalícia da relação que os africanos têm com o poder. Claro, existem aqueles outros acham que Chissano é a excepção a regra e por isso deve seu exemplo deve ser réplicado. Uma das maneiras de réplicar é atravez do insentivo do TRUST FUND Mo[re] Ibrahims.

No entanto, recentemente, o próprio Chissano reflectiu sobre a sucessão em África. Foi na Universidade de Kwazulu-Natal para onde Chissano foi convidado a proferir uma aula em memória de Chefe Albert Lithuli. Foi no final de semana passado que o nosso ex expressou a sua visão sobre sucessão em África. As passagens que reflectem as ideias que vou apresentar são retiradas da edição de 2 a 8 de Novembro de 2007 do Semanal Mail & Guardian na coluna África pela pena de Niren Tolsi.

Não há modelos fixos: três mandatos não seria má ideia!

De acordo com Tolsi, Chissano considera, e com ênfase, que no caso africano em geral, e em particular o de Thabo Mkeki, um máximo de três mandatos não seria de todo uma má ideia. Para Chissano ao contrário das democracias ocidentais que operam num “modelo fixo” com um máximo de dois mandatos, os países africanos, que ainda estão a construir instituições, sistemas políticos e sistemas de desenvolvimento, precisariam de mais tempo.

É por isso que digo que, mesmo para a África do Sul, se a constituição tivesse previsto um terceiro mandato para a presidência, talvez fosse uma boa ideia, por um período de 25 anos com aquele sistema, e se as coisas estivessem estáveis, então talvez se pudesse rever a constituição” (Chissano, j. In: Mail & Guardin 2 a 8 Novembro 2007).

Ainda bem que a constituição não permite. Se mesmo nos casos como o Sul-africano, onde a constituição não permite, há presidentes que tentam modificar a constituição imaginemos que ficassem mais um mandato e se enraizassem ainda mais no poder? Muitos iam querer o quarto mandato com certeza. Os ocidentais não ficam dois mandatos apenas porque as suas instituições e sistemas políticos são estáveis. Os sistemas políticos ocidentais não são necessáriamente e naturalmente estáveis, mas procuram domesticar a instabilidade. Convivem com ela, penso, de forma menos problemática que a de alguns países africanos. Peguemos nos exemplos de Portugal e da Itália. Quantas mudanças de governos ocorreram num período inferior ao mandato de cinco anos? Várias! Imagino que a instabilidade a que se refere Chissano é aquela que degenera em guerras cívis. O que acontece é que muitas guerras cívis ocorrem justamente nesses países onde existêm sistemas resistêntes a mudança. Se os presidentes ocidentais, ou primeiros-ministros, estivessem a operar nas mesmas condições em que os africanos o fazem provavelmente seriam também tentados a modificar suas constituições para acomodar essa vontade de poder. A vontade de poder não é naturalmente africana, talvez seja naturalmente humana.
Os sul-africanos, pelo menos, uma boa parte deles estão de “saco-cheio” de Mbeki e do seu ‘ubuntismo’ anacrónico. Há muito que se debate a sucessão de Mbeki na África do Sul.Na semana passada a COSATU (confederação de trabalhadores da Africa do Sul, uma espécie de Organização dos Trabalhadores Moçambicanos, mas menos orgânica e mais activa que a nossa OTM) tornou pública a sua posição de desfazer a aliança com o ANC caso Mbeki volte a ganhar a presidência do ANC em Dezembro. Uma batata quente, porque parece que convém ao ANC manter essa aliança.

O curioso nisso é que Mbeki agora parece papagaio de Chissano. Nas vésperas da sua saída Chissano aventou (receoso) a possibilidade de se recandidatar. O savana deve aguardar nos seus arquivos uma edição em que Chissano dizia que se o povo quisesse, se o partido pedisse ele se recandidatura. Dizia também que as missões atribuidas pelo partido não se negam, mesmo quando o indicado está certo de não ser o conveniente. Por isso ns chegam até a cometer ilegalidades. Mbeki esta hoje a tirar de letra as palavras de Chissano, até parece que andam a ensaiar juntos os discursos. Chissano parece transcendetalmente convencido de que se estabilizam instituições e sistemas politicos evitando a mudança, a sucessão. No entanto ele é o próprio exemplo da refutação dessa tese. O que é preciso em África não são líderes eternos com pretensão de estabilizar, institucionalizar os sistemas políticos.O que é preciso em África é institucionalizar a alternância, a mudança. É preciso aprender, por difícil que seja, a domesticar a mudança. E isso começa por respeitar a constituição, a lei, que, em princípio, representa o estado mais puro da institucionalização.




[1] Domingo, escuta a rádio, enquanto escrevia este artigo. Essa rádio local, rádio 2000, lembrava a ascensão de Chissano a presidência em 1986 e a associava a data a uma celebração qualquer de Haile Selassie, ex-imperador Ethiope (1930-1974)!

3 comments:

Unknown said...

Para a infelicidade da esmagadora maioria dos africanos, a visão expressa por Chissano é a prevalecente um pouco por todo o continente - a de que a estabilidade das instituições (por extensão, de países) radica nas pessoas e não nas regras ou princípios de funcionamento dessas instituições/países. É, na minha opinião, um pouco por causa deste entendimento das coisas que nos nossos processos de construção do países não temos conseguido resultados razoáveis: no lugar de fundar as instituições em regras e princípios claros, coerentes, o mais transparente possível; eternizamos a ideia de que as pessoas é que criam a estabilidade das coisas. Daí decorre o mito de imprenscindibilidade, insubstituibilidade e a dificuldade de movimentar (demitir ou exonerar) ou se movimentarem pessoas. Vivemos no pesadelo de que fulano de tal não pode ser tirado/substituido senão a instituição vai colapsar... e nisto se fica numa estagnação eterna. Tudo quanto precisamos, no meu entender, é solidificar os princípios e regras, o que vai tornar as instituições estáveis...
Quanto a mim, oito dez anos é um período ideal para alguém permanecer à frente de uma instituição. Se de facto tem obra, tem alguma coisa na cabeça, oito/dez anos é um período razoável para ter resultados. Mais do que isso, é um exagero...
MMabunda

Patricio Langa said...

Tens razão Mabunda.
A aposta devia ser mesmo nas instituições e não nas pessoas (insubistituíveis).
Escrevi algures, que o mais importante nao é quão honestas ou desonestas são as pessoas. O mais importante é termos instituições fortes capazes de disciplinar os desonestos e de produzir os honestos. Difícil, mas não impossível.

Bayano Valy said...

aínda vou reflectir melhor sobre o que chissano disse. mas não me espanta. aliás, eu já antes tinha falado do seu remorso por ter permitido que fosse empurrado.

penso que a questão essencial não são propriamente os mandatos. como diz mabunda, o importante são a instituições. na europa, temos estados sem limitações de mandatos (eg, reino unido) mas porque os contra-pesos são bem fortes, não é possível exceder o mandato popular - quero dizer que quando o povo decide que é hora de dizer adeus, é hora mesmo.