Texto: Estado do Mundo!
Vivemos num tempo de perguntas fortes e de respostas fracas. As perguntas fortes são as que se dirigem não apenas às nossas opções de vida individual e colectiva, mas sobretudo às raízes, aos fundamentos que criaram o horizonte das possibilidades entre que é possível optar. São, por isso, perguntas que causam uma perplexidade especial. As respostas fracas são as que não conseguem reduzir essa perplexidade e que, pelo contrário, a podem aumentar. As perguntas e as respostas variam de cultura para cultura, de região do mundo para região do mundo. Mas a discrepância entre a força das perguntas e a fraqueza das respostas parece ser comum. Decorre da multiplicação em tempos recentes das zonas de contacto entre culturas, religiões, economias, sistemas sociais e políticos e formas de vida diferentes em resultado do que chamamos vulgarmente globalização. As assimetrias de poder nessas zonas de contacto são hoje tão grandes quanto eram no período colonial, se não maiores. Mas são hoje muito mais vastas e numerosas. A experiência do contacto é sempre uma experiência de limites e de fronteiras. Nas condições de hoje, é ela que suscita a discrepância entre as perguntas fortes e as respostas fracas. Entre muitas outras, selecciono três interrogações fortes. A primeira pode formular-se assim: se a humanidade é só uma, por que é que há tantos princípios diferentes sobre a dignidade humana, todos pretensamente únicos, e, por vezes, contraditórios entre si? Na raiz desta interrogação está a constatação, hoje cada vez mais inequívoca, de que a compreensão do mundo excede em muito a compreensão ocidental do mundo. O regresso da teologia política (islamismo, hinduísmo e cristianismo políticos) nas três últimas décadas conferiu uma premência especial a esta interrogação, dado que os monopólios religiosos tendem a fomentar extremismos tanto entre os membros das diferentes religiões, como entre os que lutam contra eles. A resposta dominante a esta interrogação são os direitos humanos. É uma resposta fraca porque se refugia na universalidade abstracta (um particularismo ocidental) e não explica por que razão tantos movimentos sociais contra a injustiça e a opressão não formulam as suas lutas em termos de direitos humanos e, por vezes, aliás, as formulam segundo princípios que são contraditórios com os dos direitos humanos. Esta interrogação desdobra-se numa outra. Qual o grau de coerência exigível entre os princípios, quaisquer que eles sejam, e as práticas que tem lugar em nome deles? Esta interrogação assume uma premência especial nas zonas de contacto porque é nestas que os princípios mais tentam ocultar as suas discrepâncias com as práticas e que estas se revelam com mais brutalidade, sempre que a ocultação não tem êxito. Também aqui a resposta dos direitos humanos é fraca. Limita-se a aceitar como natural ou inevitável que a reiterada afirmação dos princípios não perca credibilidade com a cada vez mais sistemática e gritante violação dos direitos humanos por parte tanto de actores estatais, como não-estatais. Continuamos a ir às feiras da inovação da indústria dos direitos humanos (global compact, programas de luta contra a pobreza, objectivos do milénio, etc.), mas, a caminho delas, temos de passar por um cemitério cada vez mais inabarcável de promessas traídas. A segunda interrogação é esta: se a legitimidade do poder político assenta no consenso dos cidadãos, como garantir este último quando se agravam as desigualdades sociais e se tornam mais visíveis as discriminações sexuais, étnico-raciais, e culturais? As respostas dominantes são duas e são igualmente fracas: a democracia representativa e o multiculturalismo. A democracia representativa é uma resposta fraca porque os cidadãos se sentem cada vez menos representados pelos seus representantes; porque, nunca como hoje, os partidos violaram tanto as promessas eleitorais, uma vez no poder; porque os mecanismos de prestação de contas são cada vez mais irrelevantes; porque o mercado político (a concorrência entre ideologias ou valores que não têm preço) está a ser absorvido pelo mercado económico (concorrência entre valores que têm preço), tornando-se assim sistémica a corrupção. Por estas razões, o poder político tende a assentar mais na resignação dos cidadãos do que no seu consenso. Por sua vez, o multiculturalismo hegemónico é uma resposta fraca porque é excludente em sua pretensão de inclusão: tolera o outro, dentro de certos limites, mas em caso algum imagina ser enriquecido e transformado pelo o outro. É, assim, uma afirmação de arrogância cultural. A terceira interrogação é a seguinte. Como mudar um mundo onde os quinhentos indivíduos mais ricos têm tanto rendimento quanto o dos 40 países mais pobres ou o de 416 milhões de pessoas e onde o colapso ecológico é uma possibilidade cada vez menos remota? As respostas dominantes são o desenvolvimento, a ajuda ao desenvolvimento e o desenvolvimento sustentável. São variantes da mesma resposta fraca, a de que os problemas causados pelo capitalismo se resolvem com mais capitalismo. Pressupõe que a economia do altruísmo não é uma alternativa credível à economia do egoísmo e que a natureza não merece outra racionalidade senão a irracionalidade com que a tratamos e destruímos.
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