Os meus amigos e colaboradores aqui no blog andam inspirados. Isso é bom, enquanto assim continuarem teremos sempre novidades. Desta vez Elton Beirão regressa com um ataque ao chauvinismo das "Falas Sem Consequência"!
Mais um exemplo de como neste país “brinca-se” de gestão dos bens públicos.
A notícia sobre a qual incidirá a minha reflexão vem no jornal Diário de Moçambique (07/06/2007), cujo tema são os sucessivos cortes de energia na cidade da Beira, concretamente no bairro do Esturro. Há dois meses que o bairro regista cortes constantes no fornecimento de energia eléctrica e ao que tudo indica é uma situação que resulta de uma sobrecarga num posto de transformação (PT) nas imediações do bairro.
Chamado a explicar a situação, o director da EDM, Área de Distribuição da Beira, Vaz Goba Calenço, em entrevista ao jornal Diário de Moçambique, afirmou: “Sobrecarregamos o PT de Esturro como forma de resolver o problema de outros consumidores, mas isto será por pouco tempo, porque estamos num processo muito avançado de contactos com a vizinha África do Sul de modo a importarmos um outro. Acho que o problema estará resolvido dentro de 30 dias.”
É nesta afirmação que estão as minhas inquietações. Parece uma afirmação inofensiva. E curiosamente a pessoa que me emprestou o jornal afirmava que finalmente alguém havia aparecido para esclarecer a situação dos cortes sucessivos.
Lendo a afirmação, pergunto: a situação ficou mesmo esclarecida?
O que vejo na afirmação não passam de chavões evasivos, muito comuns nos políticos e gestores (principalmente dos bens públicos) que temos em Moçambique.
E a responsabilidade deste tipo de afirmação não é apenas de quem as profere mas também de que as recolhe juntamente com quem as publica.
Esta afirmação que parece inocente, em países onde a democracia funciona, onde de facto há um exercício de uma cidadania exigente e participativa, teria colocado em maus lençóis não só quem a proferiu (director da EDM, Área de distribuição da Beira), mas muito provavelmente toda EDM. E porquê?
É só lermos a primeira parte da afirmação: “Sobrecarregamos o PT como forma de resolver o problema de outros consumidores…”
O director esta querendo dizer que na EDM os problemas de uns consumidores são resolvidos criando problemas em outros? O director claramente afirma que a sobrecarga no PT foi feita pela EDM de forma intencional, apesar de saber que iria criar problemas nos consumidores. Ou na EDM existem consumidores privilegiados que não podem ficar sem energia nem que para tal seja preciso restringir quem já tem energia para beneficiar tais privilegiados. E quais os requisitos para ser consumidor privilegiado? Porque também quero ser um. Assim não corro o risco de ficar sem energia ao sobrecarregarem (intencionalmente) o PT do bairro onde vivo.
É muito grave quando isto é feito de forma intencional e consciente, dai ter afirmado que em outras paragens alguém estaria em maus lençóis ao proferir este tipo de afirmação.
Mas além de grave a afirmação, que ao mesmo tempo serve de justificativa para os sucessivos cortes é completamente vazia. Quando o director afirma que o problema será resolvido em pouco tempo (talvez 30 dias), quer dizer o quê? 30 dias a partir de quando? Da data da publicação da notícia? Ou da data em que a afirmação foi proferida? Ou 30 dias a partir do início do problema? Mas ai já passam dois meses.
Sem este esclarecimento, como passados 30 dias irei exigir resultados e responsabilidades se nem sei quando termina o prazo estabelecido para resolver o problema?
A afirmação prossegue (evasiva): “…estamos num processo muito avançado de contactos com a vizinha África do Sul…”
O quê o director quer dizer com processo muito avançado? Esta avançado porquê? Em que ponto se encontra? E os contactos? Em que consistem e como estão sendo feitos?
Da forma como a afirmação foi feita quais as garantias que os moradores do Esturro têm que o problema será mesmo resolvido e em pouco tempo?
Não percebo como o jornalista que conduziu a entrevista não se tenha dado conta do vazio que é a afirmação.
Não me resta mais nada senão rezar para que a EDM não se lembre de vir sobrecarregar o PT do bairro onde vivo.
7 comments:
É penoso ler algumas notícias. Aliás, apontar os vazios e perguntas que ficaram por fazer é um exercício que procuro fazer no meu espaço. Gosto da questão de responsabilização. Talvez tenhamos mesmo que começar a responsabilizar os que trazem-nos as notícias, embora não vejo como isso possa ser feito. Numa discussão que tivemos a volta de uma postagem que fiz dizia-se que talvez o mais importante era o jornalista ter uma boa cultura geral que o ajudasse a saber questionar.
Um outro problema é que também talvez poucos consumidores conheçam os seus direitos e daí que não saibam exigí-los quando algo está errado. Mas é importante que comecemos a fazê-lo de modo a que esses senhores (senhoras) que empregamos - é isso mesmo - saibam nos respeitar.
Na realidade, o Director da EDM expõe, sem muitos detalhes, o paradoxo em que vive a EDM. Ou seja, os PT têm uma capacidade limitada de alimentação; capacidade que pode ser medida em percentagem. Acima de 80% da sua capacidade, a situação é considerada crítica; literalmente “no vermelho”.
O que acontece em relação aos PT - não só na Beira, há informações de que Maputo também está assim – é justamente isso: estão no limiar ou acima da margem crítica, e os dirigentes da EDM sabem disso, já que a estrutura é praticamente a mesma do regime colonial, isto é, a expansão da rede não se faz acompanhar pela actualização da estrutura e capacidade de fornecimento de energia. Em Maputo, por exemplo, se forem ligados dois ou três ar-condicionados a mais, irá acontecer o que acontece no Esturro: nada mais do que um “baile” anunciado: sobrecarga nos PT. Esses ar-condicionados serão, portanto, a “got’água”.
Atender a outros consumidores, nada mais é do que, a despeito dos limites de capacidade de alimentação, assumir novos consumidores.
A questão que se coloca é a seguinte: se os dirigentes da EDM sabem, porquê enveredar por uma expansão anacrônica da rede de fornecimento de energia? (ou fornecimento populista de energia?). Pois é, isso não pode ser entendido se não estivermos por dentro do uso político que se faz da EDM.
Abs
Caro mangue, a questão que coloca pode também ser dirigida à rede mcel. já reparou que há momentos em que não é possível comunicarmo-nos? e que quando ouvimos a nossa voz de outro lado somos nós a pagar pela incompetência da mcel, como se a culpa fosse nossa por termos tentado ligar?
Pois é caro Valy. É exactamente isso! vulgo "o retorno".
Daí podemos passar para a UP. Neste caso o uso não é apenas político mas também mercadológico: salas com cerca de 300 alunos. Logo a UP - Universidade PEDAGÓGICA, vale frisar - quem diria!!
É político na medida em que, ao fim e ao cabo, dá-se uma resposta concreta, em termos estatísticos, às agências de fomento (dantes dizíamos que as pessoas viravam estatística ao morrer, o que já era um absurdo! Hoje viram ainda em vida). Mercadológico por razões óbvias.
É, de facto, rica em exemplos a nossa cultura de desserviço, caro Valy. Cultura porque, uma vez "normatizada" a lógica, as acções subsequentes passam, por arrastamento, a ser normais, como o caso, mais um vez na UP, do aluno que fora admitido havia um mês para o fim do semestre: normal!
Abraço
É de facto repugnante como uma aberração vira normal no nosso país. mais enfim, temos que começar a falar muito sobre a responsabilização. Diz o ditado que água mole em pedra dura.... Vamos lá ver se os nossos pronunciamentos não acabam obrigando a quem de dever mudar as coisas.
Um abraço
Manito?
Bom regresso a blogosfera.
Thanks, Patrício!
Abraços
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