Tuesday, June 26, 2007

As falácias de Langa sobre América!

Achei a crónica do Jornalista Jeremias Langa do Jornal O País online interessante, mas problemática em alguns dos seus argumentos. Interessante porque, e minha opinião, sendo os EUA um país complexo e diverso com um lugar preponderante na geopolítica mundial vale a pena saber sempre um pouco mais sobre eles. Problemática por que os argumentos de Langa parecem assentar em algumas premissas analíticas falaciosas. Sublinhei as passagens que considero mais problemáticas. Leia-no, aqui, e encontrámo-nos lá mais a baixo.

"Na semana passada, dei enfoque às questões económicas para explicar o receio da administração americana em pôr termo à imigração ilegal nos Estados Unidos da América. Agora, olhemos para o outro lado do problema - para o que os americanos temem que lhes aconteça a médio-longo prazos: o impacto sócio-cultural da convergência de mais de 12 milhões imigrantes ilegais ao seu país. O primeiro impacto inevitável é o cruzamento de hábitos e costumes diferentes. País desenvolvido que são, os EUA teme, por via disso, uma espécie de “intoxicação cultural” com repercussões inimagináveis a longo prazo.
Por outras palavras, os seus filhos vão misturar-se com os filhos dos imigrantes nas escolas, deturpando o seu genuíno inglês; vão (já estão) ser obrigados a aprender espanhol para se comunicar devidamente com os imigrantes nos restaurantes, bares, hotéis e em todos os lugares públicos; o seu hip-hop vai ser trocado ou sofrer fusão com a valsa e outros ritmos, enfim.
E como os hispânicos têm uma cultura de natalidade diametralmente oposta à dos americanos, daqui por alguns anos, serão de certo a maioria em país alheio e, a América, orgulhosa da sua cultura única e homogénea, será (está a ser) um país profundamente heterogéneo, culturalmente “descaracterizável”, falando uma mistura de inglês e espanhol que bem pode vir a ter o nome de “inglenhol”.
É este o preço que a América tem a pagar pelo interesse que tem em manter os imigrantes ilegais no seu país para servirem como mão-de-obra barata, como, aliás, o tem sido até agora. Um preço muito alto, diga-se. Estarão os EUA preparados a pagar tão elevado preço? É esta a discussão que se trava em todos os seis Estados que tenho tido o privilégio de visitar, ao longo destas últimas três semanas.
Num recente debate na Fox Tv, alguém propôs que se fossem autorizados a se manter no país, os imigrantes deviam ser obrigados a falar inglês no lugar do espanhol. É uma proposta infeliz de os “matar” culturalmente.
O problema é que nos Estados Unidos da América não há nenhuma língua oficial e o inglês é apenas a língua correntemente usada em vários ambientes. Portanto, ninguém é obrigado por lei a saber ou a falar inglês, onde quer que seja. E não sabendo inglês, pode fazê-lo na língua em que se sentir mais confortável para se comunicar. Por isso, os cerca de 12 milhões de hispânicos que aqui vivem, fazem questão de se comunicar em espanhol o máximo que podem.
Na verdade, o espanhol é agora uma espécie de segunda língua em todos os Estados Unidos da América, integrada inclusivamente no sistema de ensino. Na minha passagem pelo Texas, visitei o Plano East Sénior High School, que no modelo americano de ensino é um colégio que prepara os estudantes para a universidade. De um conjunto de cinco idiomas que os estudantes têm oportunidade de escolher para aprender como segunda, em paralelo com o inglês, 90% escolheram... o espanhol. E percebe-se porquê: por necessidade de comunicação, dado que o castelhano ganhou uma enorme valorização com a entrada massiva de imigrantes ilegais no país.
Ou seja, se a América decidir aceitar os imigrantes ilegais como cidadãos americanos, terá de os aceitar também na sua diversidade cultural; terá de lhes permitir que construam escolas específicas e todas as infra-estruturas que respondam aos seus padrões culturais. E mantendo os imigrantes ilegais (e já agora, também os legais) os seus padrões culturais, torna-se inevitável o tão receado cruzamento cultural pela maioria dos americanos.
Dito de outro modo, os países desenvolvidos criaram a globalização para imporem os seus hábitos e costumes aos países desenvolvidos. Não esperavam é que, no auge da sedução pelo bom, os ditos subdesenvolvidos, sem darem por isso, pudessem acabar por fazer o reverso da moeda e serem eles a impor aos mais desenvolvidos os seus hábitos e costumes. Curioso, não é?" Vide: Fonte!
Ao invés de desenvolver um outro texto argumentativo para contrapor os argumentos de Langa resolvi fazer algo, talvez, menos complicado, mas mais prático. Interpelar!

Lembrei-me da leitura que fiz já lá vão uns bons anos de “Da democracia na América”. Um dos livros que mais tive gosto de ler sobre a constituição e natureza [da democracia na América] e porque não do povo americano. Da autoria, do pensador político Francês, Alexis de Tocqueville, o livro publicado em dois volumes, tornou-se um clássico, e por isso, incontornável para quem quer saber um pouco mais sobre os EUA.

Eu confesso que na América eu vi mais do que a América; eu vi a imagem da democracia mesmo, com suas inclinações, seu caráter, seus preceitos, e suas paixões, o suficiente para aprender o que devemos temer ou o que devemos esperar do seu progresso." Alexis de Tocqueville, 1834.

Devia ser um livro, em minha opinião, de leitura obrigatória para quem ter uma ideia do que é história moderna da América, não obstante os séculos que se passaram após sua escrita. Existem, hoje, na verdade, centenas de livros sobre a história mais recente daquele país. Mesmo assim, nenhum dado desses livros alteraria algumas premissas fundamentais na origem da América da qual fazemos quase todos os nossos juízos. Vou por isso ser mais incisivo, e até sarcástico, nos breves comentários que fazem a minha interpelação.

a) "O primeiro impacto inevitável é o cruzamento de hábitos e costumes diferentes”. Langa fala como se a o referido cruzamento de hábitos e custumes diferentes fosse algo recente. Esse cruzamento consta de obras como a de Tocqueville e são constitutivos da América moderna, tal e qual a conhecemos. É portanto um erro de raciocino considerá-la algo novo. Os cruzamento são constitutivos e não algo novo na América, mesmo que recentemente se tenha intensificado a selecção de quem vai à América legalmente.

b) “...Intoxicação cultural”. O que Langa quer sugerir com esta expressão, penso que, esta patente no seu texto. Os emigrantes ilegais trazem consigo uma cultura estranha e por isso indesejada! Mas como é que se define o que é culturalmente genuíno do que não o é, nos EUA de hoje? É na base de quê? Língua, Raça, Religião, Região? Langa não diz nada sobre isso.

c) “...Por outras palavras, os seus filhos vão misturar-se com os filhos dos imigrantes nas escolas, deturpando o seu genuíno inglês”. Costuma-se, na brincadeira, dizer que os Americanos, em relação a Inglaterra são, como o Brasil em relação a Portugal, na modificação criativa que fizeram da língua. E isso é secular. O que é que Langa chama de Inglês genuíno? Aquele próximo ao sotaque Britânico?Duvido! Duvido que exista um único americano nascido e crescido lá com sotaque próximo ao Britânico. Sotaque Britânico? Qual? Aquele de Londres? De New Castle? Ou aquele outro do País de Gales, para não falar do Irlandês?

d)0 “O seu hip-hop vai ser trocado ou sofrer fusão com a valsa e outros ritmos, enfim”. Langa fala do Hip-Hop como se este fosse genuíno e nunca tivesse sofrido influencias, misturas. Ora o Hip-hop não sofreu misturas. O hip-hop é uma mistura, incessante e permanentemente em modificação sem deixar nunca de sê-lo.É uma mistura na sua essência.

e) “A américa, orgulhosa da sua cultura única e homogénea. Se existe alguma coisa que a América moderna (mesmo que tomemos como marco o ano de 1776, data da sua independência) nunca foi é UNICA E HOMOGÉNEA. Leia-se Toqcueville.

Estas são algumas falhas que acho gritantes no raciocínio de Langa na sua crónica sobre a América. Essas falácias põem em causa todo o seu argumento pois deixam muitas zonas de penumbra. O que não quer dizer que a América actual não se debate com problemas de imigração clandestina e ilegal. O que não quer dizer também que se vive uma democracia de exaltação da diversidade. Há clivagens fortes na sociedade Americana de raça, classe, género e por ai fora. Mas essas clivagens, mesmo existindo, não se colocam do jeito que Langa faz no seu texto, criando ilusões de homogeneidade e genuidade onde tudo é mistura.

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