Wednesday, June 27, 2007

Zé Manuel um músico alienado!


Neste artigo, um crónica sobre música, vou adoptar uma postura pouco habitual nos meus escritos. Vou ser córneo. Pretendo falar de alguém. Da sua postura enquanto personalidade pública no cenário da música nacional. Poderei ferir algumas sensibilidades, aqueles que gostam de quem vou falar e de sua música. À esses as minhas antecipadas desculpas. Na verdade não tenho nada de pessoal contra o músico, que até desejo-lhe muito sucesso. No entanto devo ser coerente com a minha consciência.

Refiro-me ao “Jovem” músico Zé Manuel. Aparentemente com talento aprimorado para o toque de diversos instrumentos musicais, em particular, a guitarra, Manuel está a prestar, na minha opinião, um péssimo serviço à música e a identidade da música nacional. As razões que vou apresentar para esta conclusão, que poderá abalar com as crenças de muitos de seus fãs e não só, resultam do acompanhamento possível que tenho feito a carreira e as suas intervenções públicas onde se refere a música moçambicana.

Retenho na memória as suas posições públicas sobre o que considera de música “genuína” moçambicana. Manuel acha que faz música moçambicana de “raiz”. Está no seu direito, fazê-lo, reivindicar a identidade que achar adequada para a sua música. O que não se lhe pode permitir é achar-se detentor do direito exclusivo de nomear e classificar o que é música “genuína” moçambicana e impor sua visão para todos. Sobre a genuinidade das produções culturais e da música em particular já escrevi, aqui, antes e não me queria repetir. Vou por isso concentrar-me no episódio que pretendo relatar.

Na sexta-feira, dia 22 de Junho, no Cine Teatro África, decorreu um concerto musical alusivo a comemoração dos 32 anos da independência nacional. A figura de cartaz era o conceituado músico de ascendência moçambicana e vivendo na Africa do Sul, Jeff Maluleke. Porém, como é habitual nesse tipo de eventos, antes de Maluleke se fazer ao palco uma série de músicos locais foram perfilando nos palcos do Cine africa entre os quais Zé Manuel. Na ocasião abrilhantou-nos com suas músicas românticas, simpatia e humildade o músico angolano Maya Cool. Dos moçambicanos para além de Zé Manuel fizeram-se ao palco Sex Lady, Cobra, MRJ e H20 todos estes com excepção de Manuel constavam do cartaz.

Sexy Lady, Cobra, MRJ e H20 fizeram uma actuação usando “play-back”. Fizeram o que tinham a fazer, falaram o necessário e o suficiente e lá se foram. Todos cantaram uma mistura de ritmos ora designado Pandza ora designado Ndzukuta marrabenta. São todos músicos em início de carreira, com pouca estrada, e pautaram-se apenas por cumprir com o agendado. Nada mau! Dos moçambicanos, o último a cantar e tocar, não em play-back foi Zé Manuel. Mas deste falarei depois. Antes uma breve nota sobre a actuação do Angolano Maya e do Sul-Africano Jeff Maluleke. Sobre Maya já me referi, mas posso acrescentar mais uma ou duas notas. Trata-se de um músico que já fez estrada, não obstante sua juvenilidade. Cantou com grandes nomes da música angolana e internacional. Dono de uma voz forte e com um poder de interacção com o público magnifico. Conseguiu pôr de pé o mais dorminhoco dos espectadores na plateia. Fê-lo com delicadeza, em jeito de brincadeira, e acima de tudo com muito respeito. Cantou e encantou. Foi-se Maya e veio Maluleke. Este último um poço de humildade. Comunicando-se com o público, respeitoso, em Changane intercalado com o Inglês Maluleke foi brindando ao público com os seus mais apetecíveis temas, "Kilimandlaro", "Mambo" entre outros hits. Sem nos apercebermos, de tanto ânimo, o espectáculo chagara ao fim. Se a música de Maya é considerada de pista, pois trata-se de Kizomba/Passada ou Zouk a de Maluleke apesar de rítmica e também passível de se lhe emprestarem alguns passos de dança é mais recatada. Dançou-se e vibrou com Maya e Maluleke. Uns chamariam ao primeiro de moderno e ao segundo de tradicional. São rótulos identitários da música que podem ser estrategicamente manipulados em função dos contextos.

A actuação de Zé Manuel!

A actuação de Zé Manuel foi um autêntico fiasco. A sua postura em palco é de se reprovar de tanta empáfia e petulância. Passou 2/3 do tempo que lhe fora consagrado a falar e mal dos outros músicos. Aqueles que ele considera não fazerem música genuína. Ao invés de cantar falava, e quando cantava parecia continuar a falar. Sua música arrítmica só provocava sonolência ao mais desperto dos espectadores. Ao se aperceber da falta de correspondência lá inventava uma de acusar a plateia de não ter capacidade de reconhecer o que é música de facto. Macaco quando não sabe dançar diz que o chão está torto. Vocês não reagem? Questionava-se! Face ao silêncio que obtinha como resposta lá inventava uma de fazer alguns passos. Descoordenados porque para música sem ritmo fica difícil para qualquer um emprestar-lhe seja qual for o passo. É claro que há música para dançar e aquela outra para escutar. A de Manuel era suposto, indo ao África, fazer dançar. Manuel tocou e desencantou! Falou e aborreceu! Quando nada mais lhe restava senão retirar-se perdeu uma boa oportunidade para ficar calado. Tentou explicar porque o seu nome não aparecia na figura de cartaz. Não entendi a explicação. Na verdade não chegou a fornecê-la. Limitou-se a fazer insinuações. Depois de desqualificar a nossa capacidade de reconhecer o que é música de qualidade, como que seguindo as lições de seu mestre Mucavele disse: - Convido-vos para assistirem ao meu show no dia 12 de Outubro no Franco-Moçambicano. Agora vou dar uma voltinha para Europa. Estava clara a mensagem deixada para nós. Assim como diz seu mestre: a nossa música é apreciada lá fora melhor do que entre nós. Os brancos sambem o que é música! Pensam, e dizem isso cheios de orgulho. O que eles não percebem é porque razão a sua música é apreciada lá fora por certos grupos.

Auguro que assim o seja pelo aspecto folclórico que eles emprestam a sua interpretação. E muitos europeus estão sedentos de folclore. A imagem que Manuel projecta de si e da sua música não corresponde a aquilo que nós somos e fazemos hoje na arena musical. Não é música moçambicana, é musica de Zé Manuel. Pelo menos não no sentido que ele tenta emprestar-lhe fazendo representar a identidade cultural de todos os moçambicanos.
É uma imagem que corresponde a expectativa que esses lugarelhos por onde ele passa na Europa, lugarelhos sem acesso a informação, tem sobre África. Levan-lhe para dois ou tres bares de terceira categoria e acha que esteve na Europa. Da mesma maneira que há quem acha que África é Kruger Park, há quem acha que a música de Zé Manuel é representativa da música moçambicana e da moçambicanidade. Não é! Em Moçambique como em qualquer parte do mundo existe uma miscelânea de ritmos e sons. Ninguém se deve outorgar e arrogar o direito de excluir ninguém. Se acha que vale a pena o exotismo a que se submete, restrinja-o a si. Pessoas como Manuel tradicionalizam-se, e até inventam tradições exóticas, porque descobriram um mercado. Zé Manuel nasceu, cresceu e estudou na cidade (de Maputo?). Porque conta de águas usa aquelas corais nos braços? O que significam? Alias, o que há de tradicional nas músicas tradicionais de Zé Manuel, que as executa todas com instrumentos considerados modernos (só porque convencionais, alias convencionados)? Convencido de que passara por uma universidade de música ao ter frequentado a escola monolítica, individual e auto-proclamada de autenticidade e originalidade moçambicana de José Mucavel, Manuel acha-se o máximo e não percebe o ridículo a que se submete. A sua música é um ruído que incomoda muitos ouvidos. O meu é um desses ouvidos, talvez por falta de categoria de percepção e acepção. Há quem goste dessa música só por que é conveniente se dizer que se gosta de música que se auto-proclama genuína e tradicionalmente moçambicana. Existem aqueles outros que gostam, porque gostam. Acho que ninguém deve questionar isso. Foi por isso que pedi desculpas logo no início. Gostem, mas não imponham essa música como a nossa bandeira. Não tem esse direito. Essa música não é nem mais nem menos moçambicana que as outras. Essa música folcroriza-nos!
Eu lanço aqui o repto: prove-me a que há de tradicional na sua música, senão a sua proclamação! Um músico que não se reconhece naquilo que produz é um músico alienado. Seu produto é um fetiche! É uma ilusão que consiste em tradicionalizar sua música, revelando sua aparência folclórica e ocultando sua essência de produto cultural sujeito a mudança como qualquer outro. Espero que lhe façam chegar este texto, mesmo que ande pela Europa. Afinal, nós Africanos, também temos acesso a Internet e não é por magia!

6 comments:

chapa100 said...

patricio! resolveste mesmo partir a loica. acho que é uma luta pela conquista de espacos de afirmacao e para legitimar a luta "puxa-se" a mocambicanidade e a tradicao da musica mocambicana. repescando o pensamento do sociologo Bauman(2001)estamos perante o fenomeno da interpretacao do tempo e do espaco, ou uma questao de interpretar a pressa ou aceleracao dos fenomenos identidarios para sobreviver a pressao de diferentes mercados.

e como bem dizes, quando o macaco nao sabe dancar, diz que o chao esta torto. experiencias historicas e realidades contraditorias dos varios actores sociais da praca revelam que estamos num processo de identidade fracturada. veja so a quantidade de discursos acusando os jovens de nao serem patriotas, nao conhecerem a historia, geracao rasca, etc.

e nao acredito que a europa seja o mercado do folclore, acho que é um mercado para busca e descoberta do "outro". na generalizacao e na construcao do "outro", legitimamos as nossas vantagens sobre os espacos por nos sonhados. e parece que o que escreves sobre o ze manuel estamos perante a construcao de identidade nao como elemento passivo, mas activo. aqui teriamos que recorrer a conceitos marxistas de identidade, estamos perante a relacao da identidade e meios de producao, porque para o ze manuel nao interessa a musica que dancamos e gostamos, mas a musica que por ser "genuinamente mocambicana" tera que ser mais tocada, mais comprada, mais figura de cartaz, mais reconhecimento publico, mais fama, e por ultimo mais "taco".

Patricio Langa said...

Oi. Jorge!
Lembrei ao terminar este texto de uma distinção que o E.M fez entre desabafo e crítica Social. Ao escrever este texto senti mais o gosto do primeiro. Podes estar com a razão quando dizes que a Europa não é mercado para o Folclore. Mas alguns de nós respondendo não sei a que sinais agimos como se o fosse. Em Cape Town, onde passo maior parte do meu tempo, tenho observado cenas interessantes. Por ser uma cidade, tornou-se na verdade, eminentemente turística, é comum ver os locais a inventarem de tudo para impressioná-los. Quanto mais exótico, mas atenção parece atrair desses turistas. No final, acaba-se produzindo “lugares que não existem” e até práticas que não existem. E se existem esses lugares e praticas são um eterno instante! Deve ser aquilo que Maffesoli chamou de o Retorno do Trágico nas Sociedades Pós-modernas.
Abraço

chapa100 said...

patricio! a descoberta do outro manifesta-se de muitas coisas. o que contas de cape town, encontramos tambem em maputo na julius nyerere, e alguns mercados de artesanato em mocambique. o fenomeno da meticalizacao da arte e das relacoes sociais.

do tempo que estou ca na europa, vou chegando a conclusao que existe uma construcao "mitica" de africa. e nao é problema nosso de africanos, mas dos outros que precisam construir "nos" outros para justificar os espacos por eles contruidos. os cientistas da globalizacao falam dos "winners" and "losers",e nao dos "desenhadores" and "construtores". a nossa condicao de constructores vem de uma realidade historica secular de construcao do "outro". teriamos que reler " the rhetoric of the image" de barthe (1984) as vezes o turismo tambem é o romantismo do "outro" construido na colonizacao.

patricio! imagino que entre a frustracao e a critica social deve haver um discurso sociologico. tenho uma relacao um pouco diferente com o discurso da frustracao, devido a minha profissao de psychoterapeuta, no estudo da emocao e da razao sou as vezes motivado a procurar a generalizacao das nossas accoes que sao influenciadas pelo maneira como o mundo é nos apresentado. enquanto para muitos a frustracao é uma manifestacao de desordem na busca da razao, a falha nos mecanismo de racionalizacao das relacoes sociais, o resultado da incapacidade de lidar com obstaculos. eu vejo-o como o comeco das coisas.

gostei dessa da construcao dos lugares que nao existem. esses sao contructores de lugares, a nova realidade de hoje, que foi tambem a de ontem.

Patricio Langa said...

J.M.
Acho que concordamos no essencial.
Apenas um reparo: “Os lugares que não existem” estão entre aspas porque a ideia original é do E.M.
Abraço.

Anonymous said...

Parabens! simplesmente fantastico.

mãos said...

Creio que de qualquer das formas o texto irá chegar ao Zé. O olhar Sociológo sobre Zé Manuel pode servir de uma chamada de atenção para as próximas exibições. Cabe ao músico perceber a essência, pois a humildade conta para arrecadar fãs.

Quantas Moçambicanos deixam maputo a caminho da Europa, Asia, América e viajam pela africa diariamente (sem exagero), estão sempre a trocar os pasaportes por falta de espaço?, contudo não andam ai a expor-se.

Mano Zé, do banco da escola trilhamos os mesmos caminhos, espero que analises o Olhar Sociológico numa perspectiva positiva para o seu crescimento artistico, muito em particular, a maneira de se comportar em palco.

Um abraço