Monday, April 30, 2007

Unango, do sonho de Samora ao discurso de Guebuza

Mais um texto de Elton Beirão. Não se trata de mais uma “fala sem consequência”?

Não é segredo para ninguém que o Presidente da República, Armando Guebuza nas suas deslocações faz-se acompanhar de um arsenal e exército de recursos humanos e materiais de fazer inveja a rainha da Inglaterra. Para não falar dos recursos financeiros que isso implica. É uma verdadeira máquina ambulante. Mas está me parecendo que na cruzada que o Presidente Armando Guebuza está fazendo, alguma coisa tem estado a falhar. Algumas peças da máquina não estão funcionando como deviam. São aqueles assessores que deviam com o presidente discutir os assuntos a serem abordados nas grandes aparições que chamamos de comícios populares. Primeiro foi o discurso da preguiça de alguns moçambicanos. Este discurso já está sendo bastante discutido. Surge para mim um outro discurso que não captou tanta atenção como o primeiro, mas que considero também digno de registo. É a promessa de transformar Unango em cidade. E não uma cidade qualquer. Pretende-se uma cidade do futuro. Uma cidade modelo. Porque foi este o sonho de Samora Machel. Porque a Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Lúrio será implantada no local.

E foi assim. Um discurso completamente ambíguo e vazio. Assim que garantias temos de que não passa de discurso para palmas e que de seguida fará companhia aos tantos discursos que descansam nas prateleiras das muitas promessas compridas e nunca cumpridas? Apesar de ter sido prometida a população de Unango eu estou muito interessado em também ir viver nessa cidade do futuro, nessa cidade modelo, mesmo sem saber o que isso quer dizer. Mas se é do futuro então deve ser bom. Estou tentando encontrar uma cidade do futuro e não vislumbro nenhuma. Estou tentando imaginar como se faz para estar no presente e ir ao futuro construir uma cidade. Ou temos a certeza de como serão as cidades no futuro. Serão como imaginamos na ficção? E está cidade do futuro em Unango não será um oásis num deserto? Porque não vejo mais cidades do futuro perto de Unango. Com quem vai estabelecer parcerias? E os habitantes? Serão capacitados para viver nessa cidade do futuro? Muitas perguntas. Talvez porque ignoro como é uma cidade do futuro. Mas não se esqueçam que já estou fazendo as malas para ir viver em Unango.

Além de na promessa não ter ficado claro sobre como seria essa cidade modelo e do futuro, nem sequer foi abordado para quando o inicio do projecto. Apenas que um dia será realidade. Mas afinal obras quando são projectadas não apresentam prazos ou previsões seja de inicio como de termino? Para quando a cidade do futuro? 30, 50, 100 anos? Ou não há previsão porque não deve haver projecto concreto?

É bom ainda sabermos que as cidades não nascem do nada. Sejam cidades que surgem espontaneamente como as projectadas, penso que há sempre um propósito para o seu surgimento. Por causa dum porto nasce uma cidade, por causa de industrias nascem cidades, por causa do turismo idem, e por ai fora. Neste caso a futura cidade de Unango nascerá apenas porque foi um sonho de Samora Machel? Ou por acreditar que a faculdade de Ciências Agrárias concentrará uma série de actividades e serviços suficiente para impulsionar a cidade modelo e do futuro? Mas está não é a primeira faculdade em Moçambique implantada distante da cidade e nem por isso há sinais de cidades modelos nestes locais.

Vamos lá clarificar as coisas sobre a futura cidade de Unango.

Elton B.

Saturday, April 28, 2007

o campo científico em Moçambique

Este é daqueles textos que escrevi e decidi não publicar. Mudei e ai vai!Desactualizado!
Este texto foi escrito no dia 23 de Janeiro de 2006, em homenagem a Pierre Bourdieu (01/08/1930- 23/01/2002), pela passagem de mais um ano após sua morte. Procuro ser Bourdieusiano nas análises que do social engendro. Deve-se isso a minha admiração por Pierre Bourdieu. Bourdieu foi sociólogo Francês de gabarito que viveu entre 1930 e 2002. Reduzir a duas datas e uma nacionalidade a caracterização de um “monstro sagrado” da produção intelectual e científica que marcou uma época é até injusto. Duas datas uma de nascença e outra de morte e uma nacionalidade são elementos insignificantes para quem produziu uma obra que transcende o seu tempo de vida e seu país de origem. Não é nenhum exagero considerar Bourdieu, pela sua obra, património intelectual e científico da humanidade. É impossível negar que Bourdieu influenciou consideravelmente o modo como actualmente se faz ciência, em particular, sociológica. Ao prestar esta singela homenagem alimento a expectativa de colocar diante do leitor alguns, ínfimos, aspectos das propostas teóricas deste sociólogo cujas ideias se impuseram muito para além do círculo restrito dos seus admiradores – como eu – discípulos e até críticos ferrenhos. Ao invés de perfilar aqui toda obra do autor — até por que seria impossível dada a dimensão resumida que pretendo dar a este texto para tão vasta obra — optei por apresentar e usar um conceito central – de campo — na produção teórica do autor e ensaiar uma leitura sociologia do campo científico Moçambicano. O ideal, talvez, seria efectuar análise da génese, estrutura e funcionamento do campo científico em Moçambique, mais esse seria um empreendimento ambicioso, mais uma vez para além do alcance que pretendo com este texto.

A noção de campo científico

O campo científico é, de acordo com Bourdieu, um mundo social, e como tal, faz imposições, solicitações, que são, no entanto, relativamente autónomos das pressões do mundo social global que o envolve. Complicado não é? Pessoalmente considero as sugestões teóricas e conceptuais do autor um tanto quanto difícil de apreender num ápice, por isso vou me deter um pouco mais na tentativa de clarificar melhor o conceito de campo e seu lugar no quadro explicativo do autor. Antes de acrescentar o adjectivo científico detenho-me somente na a noção de campo. Para Bourdieu o conceito de campo representa uma solução para um problema que dominou os debates franceses – com pretensão científica — sobre produções culturais. A filosofia, a história, a literactura, a arte e por ai fora exemplificam essas produções culturais. As interpretações sobre a cientificidade dessas produções culturais suscitaram duas posições contrárias ou antagónicas: uma internalista e outra externalista. Com exemplos isto fica mais acessível. Pensemos no debate dos sobre a morte ou não - ou até sobre a existência ou não - da literatura em Moçambique. Os internalistas sustentariam que para estudar e compreender cientificamente esse debate ou essa literatura seria suficiente a leitura dos textos. Os textos falariam por si, isto é, ganhariam uma autonomia em relação ao contexto de sua produção. Bastaria identificar a presença de elementos que se considerassem constitutivos duma literatura nos textos, e prontos. Por seu turno os externalistas não se contentariam em ler os textos literários produzidos e ignorar o contexto de sua produção. Para os externalistas um texto deve ser relacionado ao contexto na sua interpretação. Contexto aqui significa as condições sociais, económicas e políticas em que o texto fora produzido. Estas constituiriam duas posições irredutíveis e antagónicas na interpretação científica das produções culturais para as quais o conceito de campo pretende ser a superação. A ciência, enquanto produção cultural, também enfermava desta oposição. Por um lado, existia um posicionamento “tradicional” da ciência segundo o qual aquela se produz a si própria sem a intervenção do mundo social. Desde que o cientista obedecesse aos procedimentos de sua disciplina científica estariam criadas as condições para produção científica. Nada ligado a sua pertença e identidade social ou qualquer outro aspecto social era suposto influenciar a produção científica. Como se pode ver esta posição é de um cientismo exacerbado. Por outro lado, um posicionamento menos cienticifista é aquele que considera o conteúdo textual da produção referindo-se também ao contexto social de sua produção. Assim, a noção de campo forjada por Bourdieu não tem o intuito de tomar partido por nenhum dos posicionamentos antagónicos mais procura superá-los na sua (ir) redutibilidade uma a outra. Bourdieu considera o campo literário, jurídico, artístico, científico entre outros como sendo o universo no qual estão inseridos agentes e instituições que produzem, reproduzem ou difundem as produções culturais desses respectivos campos. Cada um desses campos é em outras palavras um mundo social com características particulares, obedecendo a leis sociais mais ou menos específicas. Portanto, cada campo é nesse sentido relativamente autónomo.
A noção de campo acrescido do adjectivo “científico” daria a especificidade campo cientifico. Ao invés de definir o “campo cientifico” — por uma questão de ordem prática desta reflexão — limitar-me-ei a descrever grosso modo algumas de suas propriedades. Neste exercício tenho sempre em mente a experiência moçambicana. Interessa-me pensar na especificidade do nosso campo cientifico. De lá tentarei buscar e esboçar os exemplos que poderão ou não justificar a sua designação como um campo efectivamente. Para o nosso sociólogo homenageado os campos científicos – note que o plural é intencional — são o espaço de confronto necessário entre duas formas de poder que correspondem a duas espécies de “capital cientifico”: um capital que se pode qualificar de social, ligado a ocupação de posições importantes nas instituições científicas, e um capital específico, que repousa sobre o reconhecimento pelos pares. O capital específico é fundamental para a inovação científica. Aquela normalmente ocorre através das rupturas que se estabelecem com pressupostos em vigor por via da contestação.
Devem ter se apercebido que introduzi um novo conceito ao longo da exposição. Capital. É outro conceito que ocupa um lugar de destaque no esquema teórico de Bourdieu. Uma maneira breve de explicitar o seu significado seria explicar como este se constitui. Pois bem, cada campo é um lugar onde se constituem formas especificas de capital. Os que participam no campo político, económico, académico etc teriam capitais específicos correspondentes às posições que cada um ocupa na estrutura desses campos. Isto quer dizer que só podemos compreender, verdadeiramente, o que diz ou faz um agente engajado num campo se estamos em condições de nos referirmos à posição que ele ocupa nesse campo.
O capital cientifico é uma espécie particular de capital simbólico que consiste no conhecimento e reconhecimento atribuído pelo conjunto de pares-concorrentes no interior do campo cientifico. O numero de citações que se fazem de um cientista pelos seus pares é um indicador do crédito ou em outras palavras do capital que detêm naquele campo.

O campo académico Moçambicano

Em Moçambique temos campus universitário, mas persistem do meu lado sérias dúvidas em relação a existência dum campo científico propriamente dito. O primeiro termo refere-se somente ao lugar físico onde decorrem actividades académicas, enquanto que o segundo refere-se a um espaço social, muito além do físico. E se do segundo existe algum sinal de emergência este surge assombrado pelo perigo eminente se ser dominado por um capital “cientifico” social. Em outras palavras o capital científico – se pensarmos nas duas espécies de capital acima sugeridas pelo autor – que predomina no nosso espaço académico é aquele ligado ocupação de posições importantes nas instituições de ensino superior. É mais fácil um cidadão moçambicano responder a pergunta sobre quem é o reitor, vice-reitor, director de faculdade ou de departamento de uma universidade qualquer do nosso país do que citar o pensamento, a teoria ou último livro de um académico Moçambicano. Esta constatação tem algumas implicações para aquilo que seria o “normal” de um campo cientifico. É que a ascendência do capital temporal ou político (administrativo) – isso é, do poder institucional ou institucionalizado que está ligado à ocupação de posições importantes nas instituições cientificas – sobre o capital social (prestigio) pessoal e dum poder especifico mais ou menos independente do precedente e que repousa exclusivamente sobre o reconhecimento pouco ou mal objectivado e institucionalizado, do conjunto de pares representa uma perversão do próprio campo cientifico.

Em consequência disso assiste-se, a título de exemplo, a subversão daquilo que são as regras de jogo e os princípios fundamentais que ditam a concorrência para aquisição de credenciais académicas. O que faz a especificidade do campo cientifico, de acordo com Bourdieu, é aquilo que sobre o que os concorrentes estão de acordo acerca dos princípios de verificação da conformidade ao “real”, acerca dos métodos comuns de validação de teses e hipóteses, logo sobre o contracto tácito, inseparavelmente político e cognitivo, que funda e rege o trabalho de objectivação.

Estudo numa universidade onde semanalmente juntam-se em diferentes salas e anfiteatros académicos de diferentes correntes de pensamento para debater procedimentos, resultados entre outras coisas ligadas as suas investigações. Nesses encontros nunca há consensos absolutos. Na mesma prateleira de uma biblioteca encontram-se livros de autores defendendo uma teoria e na outra a mesma quantidade de livros criticando, questionando os princípios epistemológicos e metodológicos adoptados por uns e outros. A publicação em jornais científicos especializados é uma condição sine qua non para a participação no campo cientifico através do debate. Esses são alguns aspectos característicos dum campo académico saudável. Em Moçambique, porém, único momento que reveste as nossas faculdades de alguma coisa relacionada com a ciência é a presença de docentes e estudantes e claro a defesa da tese. Em algumas universidades estrangeiras a defesa da tese é ritual pré-histórico e já não é praticado, pois existe espaço para debate das teses no decurso da sua elaboração em seminários, palestras para apresentação de resultados parciais ou preliminares. A Defesa de tese - um ritual habitual para a concessão de credências académicas – para nós transformou-se num momento solene, não raras vezes, de expressão da mediocridade com a exibição teatral destinada a fazer ver e a fazer uma maneira de ver que nada tem de cientifico-senão o próprio nome do ritual. Assiste-se a defesas de teses que não tiveram acompanhamento algum de supervisores ao longo de sua elaboração ou se o tiveram pela qualidade não parecem ter tido. Assiste-se a defesas onde o oponente teve contacto – nas raríssimas vezes que isso ocorre – com a tese cinco minutos antes da defesa. Assiste-se a defesas de teses que chumbariam mesmo como primeira versão de um trabalho de ensaio de um novo ingresso da faculdade. Mesmo com todas essas anomalias, um olhar sobre as notas atribuídas nas referidas defesas da impressão de que nas nossas faculdades produzem–se génios pelas notas altas que são atribuídas. Tenho estado a fazer o trabalho de ler teses de licenciatura e de mestrado em algumas das faculdades das nossas universidades. O resultado é desastroso. O campo académico está tão pervertido e subvertido na sua função que o supérfluo virou essencial. Os meios se tornaram fim. Seria, portanto, interessante pensarmos sobre o valor social que se atribui as cerimónias de graduação que se tornaram uma moda nosso meio. O que é que estamos realmente a coroar, nas cerimónias de graduação?

A inovação científica é uma miragem. A produção científica engendrada pelos investigadores/ académicos é a ilusão de que se produz ciência. Vimos acima que um aspecto essencial para a génese de um campo é a existência de uma relação de forças que implicam tendências imanentes e probabilidades objectivas sobre algo em disputa. O que é que esta em disputa no nosso “campo científico?” A luta pela imposição de di-visões é constitutiva dos campos, em particular do cientifico. Não pode haver campo cientifico se não há visões de ciência. Quais são as nossas visões de ciência? Não pode existir campo cientifico se o ambiente académico é dominado pelo silêncio de “gabinetismo”. Não pode haver campo académico se não há produção, reprodução e difusão de trabalhos científicos ou com tal pretensão. É característico de um campo cientifico o confronto de argumentos concorrentes, representações que se pretendem fundadas na realidade dotadas de meios de impor seu veredicto mediante o arsenal de métodos instrumentos e técnicas de experimentação acumulada e colectivamente empregados sob a imposição das disciplinas e das censuras dos campos. Para tal não pode haver um consenso absoluto sobre essas construções e representações. Esse consenso, inquietante, é característico
da nossa academia. Com consenso não há campo cientifico! E prontos. Se todos pensamos da mesma maneira então, ninguém esta pensar efectivamente. Devem alguns achar que há um certo exagero de minha parte quando me refiro à ausência de produção cientifica. Talvez uns até me recomendariam uma visita à imprensa universitária para apreciar as prateleiras que expõe quão, cientificamente, laboriosos somos. Aceito que haja algum exagero sim, mais necessário, pelo marasmo sonolento a que esta acometida a nossa academia. P.L

Thursday, April 26, 2007

Resolve problemas não resolviveis!

Existe um blog, o primeiro na minha lista de LINKS, que tem comentado, de maneira sistemática, sobre este tipo de anúncios. Hoje eu não resisti em seguir-lhe o exemplo. É que ontem, quarta-feira, fui assistir a uma aula de Antropologia da Saúde e da Doença a convite de um amigo e colega docente da UEM. O tema em discussão era a “Bio-medicina como sistema cultural”. Lança-se, na disciplina, um olhar crítico para a “desculturalização”(meu termo) da Biomedicina enquanto se culturaliza as outras praticas ou sistemas de saúde. Um tema que se relevou, para mim, interessantíssimo, na medida em que ofereceu-me instrumentos teóricos para reflectir mais sobre a coabitação entre aquilo que os antropólogos designam de sistemas de saúde ou outros ainda de medicina alternativa. No nosso caso, particular, um dos “sistemas de saúde” é o que vulgarmente se chama de “medicina-tradicional”. Uma contradição de termos, quanto a mim. Amanhã continuamos o debate na aula. Para provocar os estudantes e docentes da disciplina sugeri que o único sistema de saúde com o estatuto de ciência, outro produto cultural, é a biomedicina.
Em futuras ocasiões voltarei a tratar este assunto aqui de forma mais elaborada. Por enquanto, fica a sugestão do anúncio que sugere a resolução de problemas irresolúveis.

Tuesday, April 24, 2007

Coisas aparentemente sem importância

Elton Beirão tem estado a presentear nos com análises interessantes. A viver na cidade da Beira, Beirão é de uma ironia e um sentido de humor que provocam titilação. Aqui está mais um dos seus textos: Coisas aparentemente sem importância.
Passei algumas horas negociando comigo se escrevia um texto na língua portuguesa ou inglesa. E a negociação prende-se com o tema que abordarei de seguida.
De vários fenómenos que tenho observado neste nosso Moçambique decidi partilhar mais um que vai se enraizando e vai sendo encarado como banal e normal.

Desde que o Zimbabwe transformou-se num barco furado, a deriva e navegando em mares de tempestades, Moçambique, mas principalmente Manica e Sofala tornaram-se bóias de salvação para quem abandona o barco do comandante “Bob”. E não são poucos.
A consequência mais directa deste fenómeno é o aumento do número de imigrantes provenientes do Zimbabwe que quase sempre acabam formando um exército de mão-de-obra barata e com pouco poder de barganha. E acabam em consequência disso se tornando “presas” fáceis para uma parte do empresariado Moçambicano. E na cidade da Beira (desconheço se em todo território nacional) o empresariado do sector da restauração têm vindo de forma crescente a usar essa mão-de-obra, de maneiras que já se verificaram casos de restaurantes que num universo de 6 ou 7 garçons ou serventes (será a mesma coisa?) mais de 90% serem imigrantes das terra do “uncle Bob”. Não sei se os cozinheiros também. Quando vou ao restaurante nunca entro na porta que diz “proibido a entrada de pessoas estranhas”, e suponho que a cozinha esteja do outro lado da porta porque é por essa porta que verifico um “entra e sai” dos serventes (ou garcons?), comidas e bebidas. Tenho muitos destes restaurantes identificados mas não interessa mencionar nomes porque não me pagam para fazer publicidade.

Mas o que tem despertado a minha atenção não é o número de imigrantes em Moçambique nem a preferência dos empresários por mão-de-obra estrangeira. Não tenho absolutamente nada contra estrangeiros e muito menos contra imigrantes. Me inquieta a inglezação da língua falada pelos serventes (continua a dúvida se não será garçon). O facto de estar se generalizando o uso do inglês como língua de comunicação nos restaurantes. Não que tenha algo contra a língua inglesa. Pelo contrário. E sei qual a importância dela neste mundo cada vez mais globalizado.
A questão é outra.
Quantas vezes presenciei em restaurantes cenas de pessoas embaraçadas por não conseguirem dialogar com os serventes? Quantas vezes tenho visto gente em restaurantes se desdobrando em linguagem mímica para interagir com os serventes?
E de quem é a culpa? Dos serventes? Penso que não. É da língua. Porque agora grande parte dos serventes nos restaurantes só fala inglês. E por estes andares não tarda e teremos que frequentar um desses muitos institutos de língua para poder almoçar ou jantar num restaurante na cidade da Beira. Isto é, além do dinheiro há que saber falar inglês. Ou ao menos solicitar os serviços de um interprete. Falo de Beira porque não conheço a realidade em outras paragens.

O problema não está no facto de os serventes falarem inglês nos restaurantes. Torna-se problema a partir do momento em que os serventes só falam inglês. Porquê não incluir como requisito para contratação de serventes a língua portuguesa e se necessário também a inglesa? Independentemente da nacionalidade.
O artigo 10 da constituição de Moçambique diz que o português é a língua oficial. E arrisco me a dizer que mais de 85% da população moçambicana não “pesca patavina” da língua inglesa. Não é preciso ser génio para ter uma ideia deste cenário.
Falo dos restaurantes mas não é única situação onde a língua estrangeira esta sendo banalizada em detrimento da língua oficial. Quantas marcas de produtos são comercializadas com as indicações apenas na língua inglesa? Desde alimentos, cosméticos, fármacos, electrodomésticos, etc.
Estou a tentar imaginar numa França, Alemanha, ou Suiça comercializando produtos contendo indicações apenas na língua portuguesa. Pouco provável.

Será que em Moçambique não existe uma entidade que responda por estas questões? As mercadorias quando são importadas não passam por fiscalização? Ou a preocupação resume-se nos direitos alfandegários e data de validade dos produtos (muitas vezes adulterada)? Não existem regras para importação e comercialização de produtos?
Não pretendo que não se inclua a língua inglesa nas indicações dos produtos. Mas devia sempre constar a língua portuguesa e quantas mais fossem necessárias.

Ou estas questões não são prioritárias perto do combate a pobreza absoluta que esta falhando por causa da preguiça de alguns moçambicanos? Se pretendemos deixar as coisas andarem assim então ao menos mudemos a constituição incluindo mais uma língua oficial. O inglês.

São estas pequenas coisas aparentemente sem importância nenhuma, que somadas a outras pequenas coisas resultam no país que temos. Onde as leis servem apenas para ornamentação e para o inglês ver (cá esta outra vez o inglês).

E agora com a entrada da China na berlinda pode complicar ainda mais. Estou a ver produtos com manual de instrução apenas na língua chinesa. Instrui o quê? Receitas de fármacos na língua chinesa. A quantidade de intoxicações por falta de informação clara sobre como ministrar tais fármacos. Seria muito bonito.
São tais coisas aparentemente sem importância nenhuma.

Elton B.
Carton de Jonathan Shapiro

Mais professores, cada vez menos professores!

As nossas universidades têm cada vez mais professores menos professores. Esta é a conclusão para qual pretendo apresentar algumas das razões que a explicam. Ouvi esta frase “universidade com mais professores cada vez menos professores” com um amigo e colega que por sua vez citava o sociólogo e professor universitário, moçambicano, Luis de Brito. É uma conclusão que surge da constatação das características do corpo docente que lecciona nas universidades do nosso país. Numa pesquisa por mim realizada entre 2005 e 2006, mesmo não sendo com o propósito der por essa constatação a prova, muito menos discuti-la aqui, pude confirmá-la.


Hoje de manhã dirigia-me, como habitualmente o faço, para o campus universitário quando me deparo com um conhecido. Conhecera-o fora do país para onde o meu conhecido havia se deslocado a fim de cursar teologia. Contava-me, no meio da conversa, que se tornara professor universitário na mesma universidade para a qual me dirigia. Estupefacto, não por que o meu conhecido não o merecesse, perguntei-o como lograra tal feito. Disse-me que conhecera o chefe do departamento de um dos cursos ministrados numa das faculdades no conselho cristão de Moçambique e que aquele o convidara para dar aulas, uma vez que havia carência de docentes no departamento. Assim quis, assim foi! Pegaram em si e se dirigiram para o departamento onde o chefe instrui-lhe no preenchimento de documentos necessários para formalizar a sua contratação. E, prontos, já estava. O meu conhecido virou professor! Mais um professor universitário. Este episódio e outros com as mesmas características ocorre nas nossas universidades quando se trata de contratar “professores”, na verdade pessoas para darem aulas.

Ao reflectir sobre as implicações deste facto, da maneira como se recrutam indivíduos para de se tornarem “professores” universitários ocorreu-me uma “bela” citação, encontrada no
Estendal de JPT, de José Madureira Pinto, sobre a flagrante falta de preparação dos docentes do ensino superior.

Já me referi atrás `a generalizada impreparação dos docentes do ensino superior no plano especificamente pedagógico. Manifestando-se em fenómenos que podem ir do culto elitista do hermetismo (frequentemente associado a posições elevadas na hierarquia mas também a projectos de ascensão meteórica na carreira académica) até a angustia quotidiana do estagiário sem estágio nem orientação, passando por incúrias bem mais grosseiras, uma tal impreparação leva a privilegiar na acção pedagógica, ora a retórica e o ritual que se auto-consagram, ora a acumulação, tão exaustiva quão inorgânica, de informação. Dividido, em casos extremos, entre a aula que entorpece e eventualmente enfeitiça, mas pouco ensina, e a aula que ensina "demais", o que o aluno universitário não raramente acaba por perder 'e a própria possibilidade de aprender ...”.

É comum ouvirmos queixumes de estudantes em relação ao mau preparo dos seus professores. Excluídos sejam aqueles casos em que os estudantes têm uma expectativa, de ter em frente uma espécie de pastor no altar, que não corresponde a aquela de um professor universitário. Não se descure que temos uma situação de carência de professores formados não só nas áreas de especialidade, mas acima de tudo formados para dar aulas. A maior parte dos professores universitários só o são por que dão aulas. Não tem nenhum preparo pedagógico. Ser sociólogo, economista, antropólogo e por ai fora não implica necessariamente ser professor, muito menos competente, para ensinar sociologia, economia, antropologia e por ai em diante. Na univesidade Eduardo Mondlane, por exemplo, a consciência ou a oportunidade de fazer 'mais algum' com e dessa falta de preparo levou a que se introduzissem, de forma muito receosa, cursos de curta duração de métodos de ensino. Não tardou a que esses cursos passassem a servir de um requisitos para mudança de categoria profissional. Passaram a ser um meio e não um fim em si mesmo, tendo por isso se tornado irrelevante na medida em que apenas os que procuram essa mudança de categoria os procuravam.

A procura de mudança de categoria ocorre, fundamentalmente, com os docentes que cumpriram o período probatório. Estes não são em número elevado. Uma boa parte do corpo docente nas universidades públicas e privadas do nosso país é contratado a tempo parcial o que os coloca numa situação de não necessitar da tal mudança de categoria. Até por que os custos administrativos e os procedimentos burocráticos são desencorajadores se pensarmos em termos do benefício monetário.

A constatação de Madureira Pinto é tão pertinente quanto mais nos apercebemos que a falta de preocupação com o preparo pedagógico parece reduzir (é preciso estudos nesta área) a medida que as qualificações académicas dos "professores" aumentam. Uma das razões frequentemente avançadas pelos "professores" para que não frequentem os cursos de métodos de ensino é justamente não quererem se submeter as ordens de instrutores com preparo pedagógico para tal, mas com qualificações académicas inferiores as suas. Eu sou catedrático ou PhD e/ou mestre e vou me sentar me sentar na sala de aulas para ser ensinado a ensinar? Retrucam. É assim, que ano após ano as nosso as universidades vão tendo cada vez mais professores menos professores.

Monday, April 23, 2007

O fim da era do Chief Olusegun Obasanjo

A Nigéria vive momentos de euforia e angustia a espera dos resultados das eleições presidenciais do último fim-de-semana que irão escolher o substituto do presidente “Chief Olusegun Obasanjo” no poder há mais de uma década. Há quem diga que a Nigéria se recusa a reconhecer um líder nacional. Ghana tem o seu Kwame Nkrhumah. A frica do Sul tem o seu Nelson Mandela. Mas a Nigéria continua a pregar no altar para vários deuses. Assim inicia o artigo de opinião de Daily Champion que pode ser lido em inglês na íntegra aqui.

Sunday, April 22, 2007

Fazer negócio com ideias!



O presidente da república em presidência aberta por algumas províncias e distritos do país tem estado a fazer o balanço da sua administração/governação. Nos comícios populares, um pouco ao estilo Samoriano, é notável o mal estar de alguns dirigentes cujo trabalho é avaliado, ali, em pleno público. Que o diga o governador da Zambezia! Já se falou tanto desse espectáculo grotesco que nos dá impressão de que se esta a fazer algo. Avaliações de desempenho não se fazem em comícios populares. Muito menos sem se estabelecer os critérios para tal avaliação. Está-se a avaliar o que? Na base de quê? Benchmark é um termo em inglês que sugere a necessidade de uma espécie de indicadores de comparação que nos permitem avaliar alguma coisa. Como exigir algo que não se sabe o que é? Ai esta o velho problema levantado pelo sociólogo Elisio Macamo. Este país está cheio de soluções para problemas que não existem. Os sete milhões constituem solução para que problema? De investimento no distrito? Do défice orçamental? Para que área deve ir esse dinheiro, para além daquela “boa” parte paga aos técnicos que estão lá sem saber o que fazer? O problema dos distritos é mesmo problema que requer soluções técnicas? Enfim, poderia referir-me a muitos mais aspectos das enumeras contradições facilmente detectáveis nos discursos do chefe de estado nesta sua presidência aberta. A expectativa de ver mudança é grande, mas ela não paga o preço da falta de ideias. O Presidente, por exemplo, queixa-se entre outras coisas da falta de ideia que as pessoas tem sobre o que fazer com os sete milhões aloucados para os distritos. Meia volta refere que em alguns distritos houve má aplicação. Como pode ter havido má aplicação se nem se sabe para que é direccionado tal dinheiro. O administrador, como não poderia deixar de ser, que ao ver o tecto de seu palácio ruir ou outra coisa qualquer, e decidir segundo sua ordem de prioridades resolver o problema usando dos sete milhões estará a fazer mau uso do dinheiro? Depois iremos ver neles corruptos, neste país sedento de apanhar espantalhos. Ao chegar a Niassa o presidente anunciou a alocação de mais dinheiro para os distritos. Para quê? A resposta é para financiar empreendimentos públicos e privados que sirvam para o incremento da produção alimentar e criação de mais postos de trabalho. Mas como se faz isso? Pelas mensagens contraditórias parece não haver clareza ainda, mesmo assim há mais “taco” para o distrito!

Enfim para não estar a ser pessimista resolvi tomar algumas lições. No suplemento económico do Jornal notícias que sai todas as sextas-feiras o jovem gestor Jaime Langa dá-nos uma dica de como aceder e usar o “taco”, os sete paus! Langa inicia na sua coluna do jornal designada bloganálise um debate interactivo com os seus leitores, aquilo que é uma modalidade comum aqui na blogosfera. A primeira lição que se pode retirar do seu texto é de que não se faz negocio com dinheiro, mas com ideias!

Clique na imagem para apliar.

Guebas, António Eneano!

Guegas em cruzada, António Eneana, contra a preguiceira aguda. Há moçambicanos que se cansam de tanto descansar, defende o nosso chefe de Estado, que para demonstar que faz o contrário vai helicópterovoando o país adentro dizem em pré campanha para o ciclo eleitoral que se avizinha. E como um bom médico, daqueles que basta olhar o seu paciente para sacar-lhe o diagnóstico, identificou o problema: Preguiceira aguda! Como é que podem ser patrões se sucumbem aos prazeres da ociosidade? Cansam-se de tanto descansar.

Pena que as leituras das nossas elites intelectuais, conselheiras do nosso chefe de Estado, os ‘brain trust’, parece não lhe passarem algumas leituras quem sabe com algumas sugestões de antídotos contra a preguiceira aguda. É que, outrora, no recente passado colonial já tivemos a experiência da introdução da obrigação para o trabalho. Recordar-se-ão os mais atentos ou menos esquecidos, ou quem sabe, os mais lidos que foi por causa da sua intervenção crítica, na esfera pública Portuguesa, que António Enes acabou indicado para comissário régio de Moçambique. Como tal fora responsabilizado pela reforma do sector do trabalho nativo de modo a torná-lo mais produtivo. Na visão Eneana a exploração da força de trabalho nativo, sem a conotação esclavagista já abolida e por isso proibida, era a saída airosa que Portugal precisava se ainda quisesse sonhar com a glória imperial num ambiente hostil a escravatura. Para tal Enes viu na cruzada moral da civilização dos nativos a saída. Ao obrigar os moçambicanos a trabalhar não estava a fazer nada mais senão a cumprir com o seu dever moral de os civilizar. O regulamento do trabalho indígena foi o instrumento legal usado por Enes para lograr seus intentos nesse sentido. Assim, a relação entre as autoridades coloniais e os nativos era mediada por aquilo que os primeiros viam como sendo seu dever perante os nativos, nomeadamente, força-los a viver do suor do seu próprio trabalho. Existem páginas interessantes sobre este assunto em Negotiating Modernity: Africa’s ambivalent experience, editado por Elísio Macamo (Codesria, 2005). De quem mais poderia ser?

Existe um sabor, Eneano, anacrónico, na cruzada moral de Guebas contra a preguiça. A diferença é que, independentemente, dos seus intentos coloniais, Enes conferia legitimidade as suas intervenções com argumentos pretensamente científicos, mesmo que enviesados. A constatação do missionário e antropólogo (etnógrafo) Suíço, Henri-Alexandre Junod, que escreveu duas volumosas monografias sobre os Tsonga do sul de Moçambique, segundo a qual os homens africanos viviam do trabalho das mulheres é uma delas. Os homens viviam a custa e as expensas das mulheres argumentava. O contributo dos homens num ano era apenas de três meses e os restantes nove eram de ociosidade. O que estou a tentar dizer, aqui, é que as decisões eram baseadas ou, pelo menos, justificadas com argumentos buscados de gente cujo trabalho era produzir esse tipo de argumentos. Não me parece ser o caso dos pronunciamentos do nosso presidente. Parece que fala ao sabor da euforia dos comícios.

O presidente está a cometer um deslize. E os seus sequazes estão a aplaudir. Na verdade não sou de opinião que o chefe de Estado deva saber tudo sobre tudo. O chefe de Estado, afinal, é tão humano quanto qualquer um de nós na limitação ao conhecimento. Só assim entendo a necessidade de assessores disto e daquilo no seu staff. Reparem que até de assessores estrangeiros o nosso chefe de Estado dispõem, mesmo que eu não perceba a sua utilidade senão para empregar gente que quer viver do nosso infortúnio. Os pronunciamentos públicos do presidente deviam ser cuidadosamente preparados mesmo quando de comício se tratasse. Mas como esperar o contrário num país onde ministros e reitores de áreas educacionais acham que os cientistas sociais existem de sobra e os mandam para sombra. Esses provavelmente diagnosticassem melhor as causas de cujo efeito se acha que é a preguiça.

Ler nas entrelinhas!


Ao impugnar a decisão tomada, e já em cumprimento, de obrigar que toda corresponderia oficial, na função pública, termine com o famigerado slogan partidário “Decisão tomada, decisão cumprida”, o conselho constitucional emitiu um acórdão no mínimo curioso. Ao mesmo tempo que se esforçou por demonstrar a ilegalidade de tal decisão tomada e feita cumprir, imediatamente, ao considerar o organismo que a introduziu, nomeadamente, a autoridade nacional da função pública (ANFP) de incompetente para tomar tal decisão, por estar fora de sua alçada, prestou à sociedade um outro serviço importante: chamou as coisas pelo seu próprio nome. Há muito que precisamos na esfera pública de uma atitude como esta, ainda que para detecta-la é necessário uma leitura entre linhas. É que aquela decisão não só estava eivada do detectado vício de incompetência, mas o CC identifica a causa de tal vício: incompetência! Infelizmente, tem sido essa a responsável pelos enumeráveis vícios de ilegalidade, e não só, que se vão cometendo as cegas um pouco por todo o País. Por exemplo, não saber que um arsenal de material bélico, altamente perigoso, é tutelado por responsabilidade do ministro da defesa o que é? Competência? Não saber que em caso de explosões de paios mandar recadinhos pela TV é ineficaz uma vez que as pessoas em debandada nem sequer se encontravam em suas casas o que é? Competência? Não saber que as ciências sociais são fundamentais para qualquer país que se queira verdadeiramente emancipado e livre de todas as formas de pobreza absoluta, inclusive aquela de ideias, o que é? Competência? Não saber distinguir fé de epistemologia o que é? Competência? Não saber que a missão de uma universidade não é aquela, nem lembra sequer, de um ministério o que é? Competência. Não saber que não existe uma ligação necessária entre formar em quantidade e sem “qualidade” e desenvolvimento. O que é competência? Enfim, melhor parar por aqui, para que eu não fique eivado do mesmo vício! E se por acaso ficar já me valerá o primeiro passo de reconhecer que não sei. Isso é saber, e dos mais nobres! Socratizemo-nos.

Thursday, April 19, 2007

Relatório para produzir recomendações ou para identificar causas?



Perguntar não ofende:
Qual era a finalidade da nomeação da comissão de inquérito, logo após as explosões assassinas de 22 de Março?
A quem deveriam ser apresentados os resultados do relatório?
E depois?
Clique na imagem para ler na integra não a versão original do relatório, mas a versão publicada pela presidência da república.

DOUTOR É DOUTOR!

Não passam muitos dias que fiz um comentário aqui sobre a tendência para a preocupação com a ostentação de títulos académicos no nosso país. Bourdieu chama a essas credencias de capital cultural institucionalizado. É também de Bourdeiu a ideia de que a desvalorização das credenciais varia numa proporcionalidade directa com a sua proliferação.

Neste contexto o nosso ensino superior, particularmente, o caso da Universidade Eduardo Mondlane, com o aumento considerável de licenciados, entre os quais trabalhadores do chamado corpo técnico administrativo (CTA), a ostentação do título académico de licenciado, ai de quem não me chamar dr. X, não parece ser já um elemento de distinção social e status naquele meio académico. Se a secretaria é chamada dra, o antigo servente também virou dr, o ex-estudante que de monitor(a), um ano depois, passou num galope para regente é dr, vive-se no mundo da doutorice, urge a demarcação de fronteiras de prestígio. É preciso então re-inventar sistemas classificatórios. Já que somos todos doutores então vêm a ênfase: “ eu sou PhD, Eu sou Mestre”, numa busca desesperada pela distinção. Temos assim, Phdados, Mestrados e licenciados!

É o que está a acontecer. Para além dos cartões de visita grafados com letras que até um cego vé, a moda pegou mesmo. Nas paredes principais dos departamentos, particularmente, da faculdade de letras e ciências sociais (logo, aí) verdadeiros monumentos placares estão a ser erguidos nas paredes exibindo os títulos dos membros do departamento, aposição e a qualificação académica. Um quadro do e de estilo: quem é quem! Ou melhor para entrar no balanço MCRogerizado, ao invés de Patrão é Patrão fica: PhD é PhD, Zakazá, Mestre é Mestre,Zakazá, Licenciado é Licenciado, Zakazá, Doutor é Doutor, Zakazá. Para cima PhD, para o meio Mestre, para baixo Licenciado, Zá! O resto é cantiga. Afinal os cientistas sociais são, acima de tudo, tão sociais quanto seus objectos de estudo. E aí, as mesmas leis que procuram estabelecer sobre o comportamento dos outros aplicam-se a si próprios. São tão animais sociais quanto, “os grupos alvos” das suas classificações com pretensões de cientificidade.

O problema é que esse capital cultural (credenciais) que numa academia se devia traduzir por conversão em capital científico de duas espécies fundamentais ocorre fundamentalmente numa. O que acontece é que os campos académicos são lugares onde coexistem duas formas de poder que correspondem a duas formas de capital científico: de um lado um poder que se pode chamar de temporal (politico) e outro poder específico (reconhecimento cientifico). Se o primeiro é um poder institucional e institucionalizado que está ligado à ocupação de posições de direcção(chefe disto e daquilo, director disto e daquilo nas instituições académicas, pertencer a comissão x e z, etc) o segundo repousa exclusivamente no reconhecimento pouco ou mal objectivado e institucionalizado (do trabalho cientifico, essencialmente, medido por publicações científicas) por parte do conjunto dos pares ou da parte mais consagrada dentre eles.
Por razões que não caberiam exploradas aqui, a nossa academia é feita e dirigida pelo poder dos detentores do capital que deriva do poder temporal(politico) e menos do reconhecimento cientifico. Ou não é assim?
ps: Clique na imagem para ampliar.

Trocos papelinhos, trocos rebuçados

Elton Beirão regressa ao debate!

Desta vez decidi ser “incherido” e meter a foice em seara alheia. Penso ser seara alheia porque me parece ser assunto dos economistas. Mas como estes não se pronunciam a respeito, vou eu dar o ponto de partida na tentativa de “cutucar” os mais abalizados na matéria a reagir.

Estava eu numa daquelas limpezas que ocupam toda manhã dum dia de final de semana e que tem o objectivo expulsar as baratas de casa, não que hajam muitas, mas para evitar que se multipliquem e se apossem da minha papelada. Foi abrir gaveta a gaveta e seleccionar a pente fino os papéis que já perderam utilidade para serem posteriormente encaminhados ao contentor de lixo (ainda falta-nos a cultura da reciclagem). E nessa selecção minuciosa de papéis, chamou-me atenção o facto de ter encontrado muitos papelinhos, talvez mais de quinze com mesmas características. Em todos podia se ler: troco X meticais data assinatura. Pois. São os trocos que muitas vezes recebemos um pouco por toda parte. Vasculhem as vossas gavetas, carteiras ou bolsos e com certeza encontrarão alguns desses trocos papelinhos. São papelinhos que recebemos e muitas vezes não voltamos para reclamar, salvo em caso de quantias que consideramos elevadas.

E o que me inquieta nisto não é o facto de eu ter encontrado esses papelinhos em minhas gavetas, mas o facto de a prática ter se enraizado de tal maneira que os comerciantes emitem e os consumidores recebem os tais trocos papelinhos sem questionar e com a maior naturalidade. Inquieta-me ainda o facto de a prática se ter generalizada diante impassividade do Banco de Moçambique (BM). Que eu saiba, em Moçambique a única entidade responsável pela emissão de moeda é o BM. E quando um comerciante escreve num papelinho X meticais de troco, não estará este a emitir moeda e lançar ao mercado mais do que o previamente definido? O que dará o somatório dos trocos papelinhos e a moeda introduzida pelo BM? Não há aqui um acréscimo de moeda ao Mercado? O BM tem controle da quantidade de trocos papelinhos que circulam nos bolsos das pessoas? Não poderá esta prática contribuir para inflacção?

Ainda corro o risco de ao invés de dar moedas ao meu irmão mais novo para ir a padaria comprar pão, juntar uma série de trocos papelinhos que recebi em diversos locais (bares, cantinas, mercearias, etc.) e usa-los como meio de compra. Bastará convencer ao padeiro que os papelinhos não são falsos e são fiáveis. Assim o padeiro poderá usar os mesmos papelinhos para consumir nos bares, cafés, cantinas, etc. que emitiram tais trocos papelinhos. Imaginem então se uma série de comerciantes entra em acordo e cria uma rede onde clientes com trocos papelinhos duma casa possam utilizar em outra? Não estaríamos a colocar o metical e o BM fora do processo de emissão e controlo da moeda?

E os trocos rebuçados? Lembram-se destes? Acreditem que já aconteceu comigo receber trocos rebuçados e dias depois voltar ao mesmo estabelecimento com os mesmos rebuçados acrescido de umas moedas e conseguir consumir um refresco. Imaginem um colega pede emprestado dinheiro para consumir um refresco na cantina habitual e ao invés de moedas entregam uma série de rebuçados que servirão como moeda de troca. Não estaremos retornando a economia de escambo? Não preciso me alongar mais nesta questão.

Não seria importante fazer um estudo para perceber a dimensão e impacto da prática de trocos papelinhos e trocos rebuçados?
Não sou economista e talvez a minha preocupação não tenha razão nenhuma de ser. E ficarei muito feliz se aparecer um especialista no assunto para me “desinquietar” em relação aos possíveis impactos negativos dos trocos papelinhos e trocos rebuçados.
E quanto ao papel e responsabilidade, ninguém me vai convencer que o BM não está se mostrando incompetente e colocando-se a margem, assistindo de camarote essas práticas ganharem terreno. E com isto está permitindo que lhe façam concorrência no processo de emissão da moeda.
SOCORRO! “Desinquietem-me”

Elton B.

Tuesday, April 17, 2007

Da separação de poderes!

Segundo o Jornal O País o presidente do tribunal supremo, Mário Mangaze, rejeitou a ideia de que o poder político mande sobre o judiciário em Moçambique. Uma clara evocação, quanto a mim, da famosa separação dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
A relação com o presidente da república, outro órgão de soberania, é descrita como não sendo de dependência. Refere-se, inclusivamente, que o presidente da república não tem competência para demitir o do tribunal supremo. Elídio Macia é um jurista cuja intervenção na esfera pública através de artigos no seu blog "O quotidiano de Moçambique" tem nos iluminado em relação a (i)legalidade, no geral, mas em particular, dos actos administrativos dos nossos governantes. Sendo, eu leigo, em matéria de direito gostava de lhe perguntar se é correcta a afirmação de que o presidente da república não tem competência para demitir o presidente do tribunal supremo? Se sim. Quem têm?

As afirmações do presidente do tribunal supremo parecem ter nos recentes acórdãos do tribunal administrativo evidência empírica. No entanto, suponho, que ainda há muito espaço para pensar que sejam uma excepção a regra. Pode ser que nos estejamos a iludir pela visibilidade que os dois acórdãos tiveram devido a divulgação e as pessoas envolvidas. Poderia até dar razão ao presidente do tribunal supremo quando se refere a ideia de que a independência dos juízes depende de si próprios. Esta ideia é válida na medida em que se um juiz define determinada situação como real na limitação da sua autonomia, isso passa a ter efeitos reais na sua acção. Do mesmo modo que se os juízes definirem determinada situação como não pondo em causa a sua autonomia, agiram como autónomos. O problema, porém, é que, por alguma razão, prevalece a crença, mesmo entre os juízes, de que estes não são independentes. E que não basta achar essa crença supérflua para que ela deixe ter efeito sobre o juízo dos juízes. É preciso ir-se além da responsabilização individual dos juízes pela sua independência. É preciso um contexto institucional que os faça ter a crença de que são, efectivamente, independentes. Essa independência, na minha modéstia opinião, deveria ser institucionalmente sentida e não apenas individualmente. Quero com isto sugerir que, a ser assim, no dia em que tivermos, por exemplo, no tribunal administrativo juízes que não se sentem independentes não teremos acórdãos do tipo que reprovou as acções da ministra do trabalho e o ex-reitor da UEM. Estas questões remetem-nos para ideias e representações sociais gerais que temos do nosso sistema político e da separação dos poderes. Essas representações, suponho, ainda são de um estado-partido omnipresente. Essa omnipresença está a fazer-se sentir com a reactivação e criação de células do partido a todos os níveis nas instituições do estado e não só. Fiquei a saber que num departamento de sociologia duma das universidades públicas do nosso país funciona um núcleo dum partido.

Americanos, de todo mundo, conheçais-vos a si próprios!





Já existem insinuações nos Estados Unidos de que o tiroteio que decorreu, ontem, numa universidade do Estado de Virgínia, protagonizando por um indivíduo saldando-se em 33 mortos e tantos feridos, tenha sido um ataque terrorista. Permanece a dúvida sobre se o atirador franco tenha cometido suicídio, imediatamente, ou fora alvejado mortalmente pela policia. Jean Jacques Rosseau deve ter nascido nos EUA e a história enganou-se em fazê-lo Francês. É que aquele filósofo, oitocentista, tinha a convicção de que o “homem é bom por natureza e no isolamento é igual a todo o homem” Foi a necessidade de viver em sociedade que o despertou para os actos mais bárbaros. Na verdade Rousseau não coloca as coisas assim com estas palavras. Ele estava preocupado em explicar a origem e fundamento das desigualdades sociais. Na sua óptica aquelas só surgiram da necessidade que, a dada altura, o homem teve de viver em sociedade.

Na “mentalidade americana”, maneira de pensar, agir e sentir, pelo menos, da classe política legal parece prevalecer a ideia de que isolados, do resto do mundo, tudo seria um paraíso. Viveriam assim num estado virtuoso, solidamente democrático, por isso felizes. Seriam os bons civilizados. A sociedade para os americanos, nesta óptica, só se constitui pela necessidade de lidar com os estrangeiros (outro). Mas este outro não partilha das suas características naturais de bondade. O outro é mau por natureza, e vivem em estado de guerra! O outro é terrorista. É isso que torna o seu país vulnerável aos ataques terroristas. Eles são tão bons quanto o homem natural Rousseauniano, que apenas se preocupa com a sua auto-preservação, e o outro tão mau como o homem Hobbesiano que esta sempre em estado de guerra. É a necessidade dessa auto-preservação que os leva à ingerência em assuntos alheios e a querer corrigir aquilo que a natureza não deu aos outros povos: bondade!

Nesse exercício analógico entre a mentalidade americana e a explicação Rousseana da origem das desigualdades é preciso fazer-se um reparo. É que a ideia da natureza benigna do homem natural é apenas um recurso metodológico, um ponto de referência (baseado num mito de origem) para explicar o fenómeno da sociedade em que vivia Rousseau. Além disso, o ponto de partida para entender a produção societal das desigualdades era conhecer primeiro o próprio homem. Como conhecer a origem das desigualdades entre os homens, sem conhecer o próprio homem? No caso dos americanos essa falsa consciência, essa ilusão da sua perfeição está longe de ser um recurso metodológico. Não passa de um complexo problema de narcisismo que os impede de se conhecerem a si próprios. É por isso que nunca se reconhecem nos seus próprios actos. É por isso que Bush só se sente horrorizado com a chacina de 33 estudantes nos EUA, mas encantado com a morte de milhares de iraquianos. Pois no primeiro caso morreram os bons civilizados e no segundo morrem terroristas. E agora vou tomar partido: eu me horrorizo com as mortes dos estudantes nos EUA coma mesma intensidade que me horrorizo com a morte de Iraquianos, Palestinos, Vietnamitas etc. Mas esta não é uma observação sociológica, é o meu sentido e posicionamento humanista!










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Monday, April 16, 2007

Elephant


Os filmes, para mim, representam não somente um produto da indústria cultural para a diversão, mas um instrumento para aprimorar o domínio da língua inglesa. Com efeito, melhor do que as aulas de inglês foi nos filmes que encontrei o melhor professor para a audição e pronúncia. Mas os filmes através de seus realizadores e produtores são uma maneira de recuperar e descrever a realidade em que vivemos (local e global). É através de filmes que ficamos a saber um pouco do modus vivendi de muitos povos. É escusado dizer que a indústria cinematográfica, americanizada, é dominada pela Hollywood. Não é para falar de cinema que escrevo, nem dos filmes no geral. É para a partir de um filme que assisti em 2005 com o título ELEPHANT reflectir sobre um fenómeno social atípico, mas que começa a ser regular, pelo menos, nos EUA.

O realizador do filme ELEPHANT, GUS VAN SANT, ganhou, no festival de cinema de Cannes, França, o prémio de melhor realizador e o filme foi vencedor da palma de ouro. Nele o realizador retrata uma história, horrível, verídica de um tiroteio numa escola secundária em Portland, no estado de Oregon. Num dia, aparentemente comun, na vida dos estudantes, jovens adolescentes de uma escola secundária foram surpreendidos por dois de seus colegas que empunhando metralhadoras automáticas de alta precisão e poder crivaram de balas assassinas muitos deles. A acção dos dois jovens provocou uma tragédia onde houve vários mortos e feridos.
Ainda hoje se registam, esporadicamente, este tipo de episódios nos EUA e suponho noutros lugares. Sociólogos, psicólogos entre outros profissionais desdobram-se na busca de teorias para explicar esse comportamento desviante, mas ao que tudo indica ainda há muito pano para MANGA. A BBC reporta hoje a morte de trinta pessoas e tantas feridas por um homem armado numa universidade do estado Virgínia, EUA, como atesta a
noticia.
Uma, entre várias, perguntas que me colocara foi: será possível estudar um acto “bárbaro” sem o tratar por “bárbaro”, mas simplesmente como objecto de estudo? Uma resposta possível é de que aquelas pessoas que não conseguem olhar para um acto “bárbaro” e “desbarbarizá-lo” na sua análise devem se afastar da sociologia, pois escolheram a profissão errada!

Friday, April 13, 2007

Um escritor com veia de Sociólogo!

Assim como os académicos de outras disciplinas científicas, os sociólogos procuram recuperar a realidade social usando instrumentos teórico-metodológicos que foram desenvolvendo na sua disciplina ao longo do tempo. Em principio, espera-se dos estudantes que matriculam numa faculdade para estudar sociologia que aprimorem tais instrumentos teóricos – metodológicos. O uso desses instrumentos deve se reflectir nos seus habitus de raciocino. Dizemos, então, que essa pessoa pensa sociologicamente.

Mas existem pessoas que não precisam passar por todo ritual académico para adquirir essa maneira sui-generis de pensar o real. Assim como existem os que passam pelo ritual académico de formação e nunca chegam a pensar, muito menos ter imaginação sociológica. As primeiras pessoas fazem-no com uma certa naturalidade. Os segundos não o conseguem mesmo que o digam fazer ostentando seus PhDS! Os tais que confundem Kant com Comte!

Se não fosse adepto, moderado diga-se, do construtivismo diria que os primeiros têm um “dom sociológico” e os segundos um "défice sociológico" . Mas prefiro falar da "mentalidade sociológica". Esse termo cunhado pelo nosso decano da sociologia, Carlos Serra. Penso que é o mais apropriado para falar do primeiro tipo de pessoas. Ao ler o texto de Ungulane ocorreu a seguinte ideia: Este tipo é um escritor com veia de sociólogo!

Cliquem o texto para ampliar, leiam-no, e digam se não tenho razão.

Wednesday, April 11, 2007

Do racionalismo aplicado às irracionalidades implicadas


Filimone Meigos é (na verdade ele não é, está!), portanto, está sociólogo, poeta, ensaísta, actor, enfim, o melhor é parar por aqui. Mone, como carinhosamente o tratamos, dispensa qualquer apresentação. Como referi na postagem anterior, Mone fez uma, brilhante, apresentação na homenagem à professora M. Conceição Osório que teve lugar, hoje, na UEM. Eis, na íntegra, o texto de Meigos. O que estará em falta talvez seja aquele entusiasmo transmitido pelo seu jeito característico. O gesticular Meigoiano nada meigo! Quem o conhece, sabe de que estou a falar. O título é da responsabilidade do próprio autor do texto.



Aprendi a ler Gaston Bachelard nas aulas de Métodos e Técnicas em Ciências Sociais dadas pela mana São, como carinhosamente chamamos à professora Conceição Osório.

Nas suas aulas, ou no famoso “Círculo de Viena,” nosso local predilecto de tertúlias, hoje transformado em secretaria por força de um acto administrativo, replicávamos as discussões sobre o falsificacionismo popperiano ou sobre a estrutura das revoluções científicas Khunianas, para não falarmos dos regimes de verdade foucadianos que ela fazia questão de nos explicar tintin por tintin.

Pessoalmente fiquei muito entusiasmado com o racionalismo aplicado de Bachelard, até porque foi o meu primeiro grande desafio de apresentação nas aulas da mana São, seguido do “Enumeracy”, na “famigerada” aula de estatística do professor Wim, lembram-se?

Mas voltando ao Bachelard, dizia eu que fiquei bastante entusiasmado com o teórico do racionalismo aplicado. A mana São deu-me três volumes: dois em francês e um em português e disse: “Apanhas o quarto livro na biblioteca do Centro de Estudos Africanos, lê-os e apresentas o Bachelard aos teus colegas na próxima semana.

Com a estupidez natural que me é característica, li avidamente os quatro livros, pois ela me asseverara que eu me apaixonaria pelo conteúdo, já que eu era dado às artes. Assim o disse e assim foi: apresentei Bachelard no anfiteatro principal, aos meus colegas, numa aula das treze. Lembro-me como se fosse ontem, chovia nesse dia. Se eu quiser falar na base do mito local direi que era a bençâo dos nossos antepassados.

Por isso entendi que Bachelard aplica muito bem a metodologia das epistemologias cruzadas, utilizando campos distintos do saber tais como a perguntativa filosofia, o devaneio das artes (a poesis grega), o mito dogmático da religião, a rigorosa ciência e o próprio senso comum para o qual o que parece é: Eureka! Disse eu cá para os meus botões: quando eu fôr grande quero ser como Bachelard e aplicar essa racionalidade cruzada para dissecar e compreender para explicar a construção social da realidade. E fazer a minha poesia. E fazer a minha sociologia ensaística. E compreender os sem voz, os que dizem que é o que parece ser. E compreender os que confundem Kant com Comte. E já que estamos a sair da quaresma dizer, a propósito destes últimos: “pai , perdoai-lhes , não sabem o que fazem!”

Mas voltemos, à mana São e à UFICS. Consta dos anais da História que a mana São trabalhou arduamente na concepção de estratégias, planos temáticos e todas a démarches para a existência da UFICS. Ao tempo, a UFICS era pequena: éramos, se a memória não me trai, três turmas de 25 estudantes cada. Depois veio a turma da Kátia. E Depois a do Jauana e Macuácua. E por aí adiante. Todas essas gerações foram “txunadas” pela mana São.

Querelas e questiúnculas fizeram com que o paradigma mudasse e com ele a composição da comunidade científica uficiana. Eis a moral da história: mudaram-se os tempos e as vontades. Hoje fomos apanhados nessa encruzilhada em que houve moblilidade na descendente para uns e na ascendente para outros. Dirão que é o que se espera das revoluções, onde estaria a dúvida?

A minha dúvida, reside na qualidade da nossa comunidade científica e no tipo de perguntas que fazemos. A questão está tal como disse algures, em termos colegas sociólogos que confundem Kant com Comte, ostentando os seus diferentes canudos tirados nos diversos quadrantes, e portanto, legitimados com cartas doutorais.

Posta como está a questão resta-nos uma saída: usar da racionalidade aplicada que aprendemos e garantir à mana São que já começamos os nossos doutoramentos e acaba-los-emos o mais cedo possível. Só assim, podemos honrar aquelas aulas que tanto tempo levaste a preparar e a explicar-nos tintin por tintin os meandros dos quadros e modelos teóricos. O prometido é devido: Seremos PhDs dentro em breve para melhorarmos a qualidade dos legitimadores das nossas ciências sociais contra todas as irracionalidades implicadas neste processo que, como se vê, afigura-se-nos um osso duro de roer. Mas cá está: Depois da época de ouro da filosofia grega passou-se por um período tenebroso em que houve esclarecidos que tiveram que tomar cicuta. Racionalidades irracionais que de vez em quando triunfam. Mas cá está o ditado popular: A mentira tem pernas curtas!

Uma Homenagem Merecida à professora!






Foto2: Docentes e estudantes da Ex-UFICS e convidados.











Foto:1 da esquerda para direita (a homenageada, Nair, e Isabel Casimiro)
Foto2: Docentes, estudantes e convidados.
Foto 3: Lisete Cossa (Estudante de sociologia)
Foto 4: Filimone Meigos (Sociólogo)
A professora M. Conceição Osório (a primeira na primeira foto da esquerda para a direita) foi hoje carinhosa e merecidamente homenageada numa iniciativa de estudantes e docentes do departamento de sociologia da Faculdades de Letras da Universidade Eduardo Mondlane.

Não me vou arriscar em tentar resumir a rica biografia da professora Osório porque não teria como ser justo. Tentou fazê-lo, uma participante na homenagem, Lizete Cossa. O esforço valeu-lhe um bom aplauso, mas acima de tudo pelo reconhecimento da incompletude dessa biografia. Se a Lisete quiser publicar o texto neste espaço é bem vindo. Assim mais gente partilhara da grandiosidade da nossa professora.

Interessante, igualmente, foi o texto do sociólogo Filimone Meigos (mano Mone) que nos levou numa viagem nostálgica pelos áureos momentos vividos na Ex-UFICS. Meigos, não só, nos recordou as aulas da professora Osório e os diversos autores com os quais ganhamos empatia, simpatia e até alguma obsessão, como lançou um olhar crítico sobre as perspectivas de futuro a que poderão estar votadas as subsequentes gerações que passam e passaram pela ex-UFICS. Mudaram-se os tempos e com ele as vontades, disse Meigos, que caracteriza a nova era como sendo aquela em que vale mais a ostentação de títulos académicos (PhDismo) que a competência, para não falar de mentalidade académica. Recordam-se do “quadro de honra”? O do Meigos é outro texto que têm neste espaço lugar para sua publicação. Na verdade o que interessa, mesmo, é fazer referencia a homenagem merecida e não ao elogio nostálgico nem a futurologia em relação a ex-UFICS. Deixemos isso para fóruns apropriados.

Engajamento em ciência

Na sequência da comunicação apresentada pela professora C. Osório ligada a pesquisa que tem estado a fazer sobre A Construção de Identidades sociais entre Jovens, numa perspectiva do género, seguiu-se um debate, interessantíssimo. Na verdade não se trata de um debate novo na academia. É secular e reflecte sobre o distanciamento entre o posicionamento pessoal do pesquisador (tomada de partido em função de convicções ético morais) e o tratamento teórico-metodológico que se presta ao objecto de estudo.

Muito se pode dizer, e já foi mesmo dito, em relação a esta dicotomia. Nem sempre, quando tal debate se coloca, se trata de invocar pretensões de neutralidade axiológica. O essencial, auguro, é de que a tomada de partido consciente é uma atitude, acima de tudo, de prudência epistemológica. No entanto, ela não nos impede de nos mantermos permanentemente vigilantes em relação a imposição de nossos valores (arbítrios) culturais ao nosso objecto de estudo. Não se trata de fazer um declaração apriorística, como se para se justificar ou retratar, mas de tomar consciência de que o reconhecimento da tomada de partido é apenas o inicio de todo o percurso de vigilância epistemológica.

Por exemplo, se sou feminista (poderia dizer ambientalista, defensor dos direitos dos homossexuais ou outra causa qualquer) e decido estudar as relações de género de determinado grupo ou categoria social (como seja a dos jovens) que conceitos usarei para captar as percepções desse grupo ou categoria social sobre desigualdades de género?

Poderei partir a priori da pressuposição de que o tratamento diferenciado das categorias de género daquele grupo inferiorizam um ou o outro e que essa inferiorização é, necessariamente, perniciosa? Todo o tratamento diferenciado é, necessariamente, discriminatório? O que é que acontece, se por exemplo, na distribuição diferenciada de papeis sociais na escola entre raparigas e rapazes, não conduzir a que aquelas reconheçam nos seus papeis subordinação, inferiorização ou menos ainda descriminação? Serão elas, então, alienadas por não se reconhecerem na e reconhecerem uma lógica que as subalterniza?

Quais são as categorias analíticas que devemos usar para dar conta das desigualdades de género naquele contexto? Aquelas trazidas pelo pesquisador ou aquelas dos actores que estudamos? E se for aquela dos pesquisadores não estarão estes a violentar simbolicamente seu objecto ao impor suas categorias de di-visão do mundo distintas daquelas do grupo em estudo? Aí o grupo estudado passa mesmo a ser um grupo alvo. Um grupo alvo da violência simbólica imposta pelo di-visão do mundo do pesquisador.

Não queria, de manhã, com estas inquietações que levantei na sessão por em causa a descrição, etnográfica, brilhantemente, sugerida pela oradora. Estava, apenas, a usar das faculdades de raciocino crítico que aprendi, justamente, com a professora e talvez amadurecidas algures, para compreender melhor as implicações das nossas tomadas de partido na pesquisa.

Enfim, faltou dizer que não seria possível retratar de forma fiel o que se passou naquela sala esta manhã. Acima de tudo esteve o reconhecimento dos préstimos que a professora C.Osório deu à academia ao longo dos seus trinta e tal anos de carreira. Tenho certeza que logo vai se res-sentir a sua falta porque se vai reformar – (ganhar nova forma?) “aposentar”! Que termos!


Tuesday, April 10, 2007

Homo Academicus Moçambicanus!

Homo Academicus é, para mim, uma bem conseguida, análise sociológica do campo académico e seus respectivos agentes. Quem mais poderia ter sido, senão Pierre Bourdieu a propor e usar os instrumentos analíticos da sociologia para analisar aquele meio? Bourdieu analisa num livro com esse título (existe o original na biblioteca do Centro de Estudos Africanos da UEM) as tensões e as tendências no ensino superior na França, com particular atenção para as circunstâncias históricas dos protestos de estudantes conhecido por Maio de 68. A sua análise focaliza sobre como as origens sociais e o contexto assim como as agendas de diferentes grupos académicos, primeiro, conduziu para conflitos e depois para uma difícil transição em 1968 como resultado das mudanças na demografia e economia da universidade. A sua análise estatística e as discussões sobre as diferentes formas (por vezes, opostas) de capital cultural nas faculdades oferece luzes sobre as formas como elites académicas tendem a reagir as pressões sobre dada circunstâncias do ensino superior.

Sempre que leio esta obra vêem-me a cabeça a greve da ex-UFICS. Passam cinco anos após a maior crise da história da UEM que opunha a administração (Reitor/Reitoria) e os docentes. A greve que ficou conhecida por greve dos docentes da UFICS. Seria interessante que alguém se interessasse em estudar este fenómeno aplicando os instrumentos analíticos que Bourdieu não só aplicou no caso Francês, mas em muitos mais. Em Junho de 2006 tive a oportunidade de conhecer uma espécie de discípulo de Bourdieu que estuda o campo académico na Ásia (Muhamed Sarbour). Escreveu um livro cujo título diz tudo: Homo Academicus Arabicus. Quem sabe está na hora de vermos como seria o Homo Academicus Moçambicanus? A greve da UFICS seria um bom ponto de partida. Já produziu artefactos suficientes e suficientemente arrefecidos para se fazer uma espécie de arqueologia da greve. Um desses artefactos, por exemplo, é o actual “quadro de honra” patente no departamento de sociologia. Há coisas(objectos) que falam mais que qualquer texto escrito.

Comentários Livres!


Quando iniciai este blog apenas as pessoas inscritas podiam postar seus comentários.
Agora não é preciso estar inscrito para postar comentários. A intenção não é dar espaço aos incómodos anónimos, mas facilitar o debate.
Elton, penso que fica resolvida a tua preocupação.

Carta da Filha de Archie Mafeje

Dear All,
I have read and appreciated all that was written about my father so far. At first, I refused to, simply because I wanted to shut out the idea of having lost such a man...Most of you wrote about his academic prowess, genius mind, incomparable wit and endless struggle for his nation and greater Africa. Having acknowledged all these attributes at a very early age, I later realized that Papa was a "giant" not only in the intellectual sense but as a human being.
My father was critical but humane, fierce but compassionate, sarcastic but gentle, silly but brilliant, stubborn but loyal, but most of all he was passionate.
Behind the cynical facade, my father was one of the kindest, warmest and most giving men I ever met. I vividly remember him getting me dressed for school everyday (militarily), asking me what I wanted to eat for lunch religiously (until I was 26!), never telling me to study because to him exams were for idiots, having serious chats with me without ever looking me in the eye (those of you who know him personally will relate), speaking to me logically in the most most illogical situations, pushing me to excel just to be worthy of being his daughter and mostly for being my ultimate reference.
Last time I saw Papa was late 2005. We spent a week together in Pretoria. Somehow I felt he didn't want to lose a minute, he introduced me to my South African family and friends, gave me advice on relationships, life and tennis, he even taught me his famous curry recipe. On my way back, I called my mother from the airport crying and I told her I knew it would be the last time I ever saw my father. Unfortunately, I was right. I was always told by him that 'life isn't fair', I never really understood what that meant until he left me. I wish I had seen him one last time, I wish I had told him what a hero he was in my eyes, I wish he had known how loved and admired he was. To me he will always remain Papa, Archie Mafeje, the man who got on the pedestal and never fell down.
His daughter,
Dana

Elton Beirão responde à Gabriel Muthisse

A morte socialmente representada

É um facto que qualquer organismo ou ser vivo tem o seu tempo de vida. E dependendo da natureza desse organismo/ser ou do meio em que ele se encontre inserido, o tempo pode ser curto ou longo.
É também um facto que os humanos como seres vivos não fogem a esta regra. Mesmo com grandes avanços na medicina, ainda não se conseguiu travar a morte humana. O que se conseguiu até hoje foram avanços no sentido de prolongar o tempo de vida dos humanos. Assim, penso eu, e acredito que pensamos todos que a morte física é um facto inegável. Não há dúvida iremos todos a “terra dos pés juntos”.

Mas se quisermos pensar na morte não apenas em relação ao desaparecimento físico mas em como e o quê os grupos sociais pensam do fenómeno (morte)? Como representam o fenómeno.
Existem várias formas de enfrentar/pensar a morte. Pode ser pensada como o fim (natural) de um processo que começou com o nascimento; como a passagem para uma outra vida (no sentido religioso — paraiso e inferno); pode ainda ser um tabu onde se procura reprimir qualquer pensamento sobre o fenómeno; etc
E os moçambicanos? Como lidam com o fenómeno morte?

É claro que para produzirmos conhecimentos sobre a questão precisavamos arregaçar as mangas e seguir todos aqueles procedimentos que bem conhecemos e a partir dai concluirmos que os moçambicamos representam a morte de forma “X” ou “Y”. Mas penso que podemos reflectir o fenómeno em jeito de hipóteses que provavelmente serviriam como catalizadores para possíveis estudos.
Em jeito de comentário à um texto de minha autoria, Gabriel Muthisse trás contribuições importantes sobre as representações sociais dos moçambicanos sobre o fenómeno morte. E as suas reflexões apontam vários elementos que levam-me a pensar que os moçambicanos banalizaram a morte. Parece que a “morte já não os aquece nem arefeçe”. É uma hipótese a ter em conta. E é sobre ela que surge em mim uma “rajada” de questões.
Podiamos entrar para o velho questionamento sobre a representatividade. “Os moçambicanos…” Quais? Quantos? Onde? Etc. Mas passarei ao lado desse questionamento.
Quero perceber melhor essa ideia de banalização da morte pelos moçambicanos. A morte está mesmo banalizada?
Deixarei no ar algumas questões que penso serem importantes e vão um pouco mais fundo na compreensão da morte como fenómeno social.

Como os moçambicanos interpretam e fazem o uso do luto?
Qual a importância que os moçambicanos dão as visitas aos túmulos e o que estas visitas representam?
Qual a importância dos ritos fúnebres e como eles são percepcionados?
E por fim, será que muitas mortes não acabam criando um sentimento de insegurança, Isto na perspectiva que ao conviver quotidianamente com a morte (seja por doenças ou guerras) os indivíduos têm sempre “uma luz acesa” que lhes vai lembrando com frequência que também “lá chegarão” acabando por isso reprimindo qualquer pensamento que envolva a morte?
O que estou querendo dizer é que a ideia sobre a morte e suas representações sociais pode ser muito mais complexa do que pensamos.
Penso que seria interessante um estudo sobre a morte como fenómeno social, ou a representação social da morte (nos moçambicanos).

Monday, April 9, 2007

Crítica da autoridade e a incredulidade face as ideias do novo reitor da UEM!


Muito antes de o Padre Filipe Couto se tornar no mais recente reitor da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) era uma figura que me despertava algum interesse. Nos meados da década de 90, no contexto da privatização do ensino superior no país, suas intervenções suscitavam em mim algum desconforto por razões de coerência lógica das suas ideias. No entanto sempre lhes reduzi a importância na altura dando benefício à dúvida Não queria fazer um juízo precipitado do conteúdo do dito pela forma do dito, isto é, o que é dito por como é dito. Quis o destino (não; o presidente da república) que o Professor Doutor Padre Filipe Couto (disseram-me que no seu primeiro despacho como reitor exigiu que seja tratado por Professor Doutor..., seja feita a sua vontade) passasse a ser o reitor da UEM. Eis uma boa oportunidade para nos próximos anos poder por a prova as minhas primeiras impressões substituindo-as por percepções mais estruturadas e estruturantes sobre o reitor. Afinal, quanto mais falamos e escrevemos mais nos expomos ao olhar critico dos outros. Nesse sentido é até boa a sua nomeação para reitor da UEM.

Tenho uma irmã, historiadora e geógrafa, que tem na pessoa do Professor Doutor Padre Couto um ídolo. Sempre que questionasse ou me interrogasse sobre o sentido e/ou significado de algo pronunciado pelo, outrora, Padre Filipe Couto ela (a minha irmã) saia incondicionalmente em sua ferrenha defesa. Por alguns momentos, intrigou-me o facto de na sua argumentação, a minha irmã, sempre recorrer a argumentos de autoridade para validar seja qual fosse a ideia sugerida pelo actual reitor da UEM. Os argumentos de autoridade partem do princípio de que alguém, pessoa ou instituição, tem conhecimento de causa sobre algo. A sua fórmula lógica pode ser representada da seguinte maneira: X (pessoa ou instituição tem obrigação de saber) diz Y. Logo, Y é verdade. Por exemplo: Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos Humanos, diz que há tortura de prisioneiros nas cadeias em Moçambique (vide relatório dos direitos humanos da LDH, 2005). Logo, prisioneiros são torturados em Moçambique. Este tipo de argumentação com esta forma é baseia-se na autoridade reconhecida, portanto, legitima de quem diz algo.

Como raciocinou a minha irmã sempre que me interpelou em defesa dos pronunciamentos do reitor? Vejamos o tipo de expressões que usava na sua locução comigo: - quem és tu para questionar um dos primeiros Moçambicanos doutorado? Sabias que já na década 60, Couto, era académico? Estas a falar de um doutorado na Alemanha, mais ou menos do calibre de Eduardo Mondlane? A minha irmã tinha toda a razão. Existe todo um capital cultural acumulado (qualificações académicas) que justificam que depositasse toda a confiança no que fosse dito pelo actual reitor.

Ao contrário não reconhecia em mim autoridade e legitimidade alguma para pôr em causa a autoridade do Padre. Uma pessoa doutorada há vários anos não podia cometer o tipo de gralhas que eu achava identificar nos seus pronunciamentos. Essa atitude da minha irmã incomodava-me, mas sempre a relevei, afinal não passavam, as nossas, de conversas banais mesmo quando o assunto não o fosse. O problema é que por vezes esse tipo de argumentação que se apoia na crença em outrem pode ser arriscado. Nem todas as prisões em Moçambique torturam os presos, e as vezes as fontes que usamos para obter informação são tendenciosas, tal como podia ser com a LDH cuja metodologia usada no estudo que determinou a existência de tortura é bastante questionável. O mesmo se pode dizer em relação a ideia de que por se ter credenciais académicas é se dono da verdade. Devíamos ser mais precavidos e cautelosos em relação ao objecto sobre o qual a autoridade em que nos apoiamos emite algum pronunciamento. Para o meu desagrado, a minha irmã multiplicou-se nas pessoas que enveredam pela sua atitude de sucumbir a autoridade idolatrada do reitor.

Por exemplo, um articulista do Jormal Meianoite, por quem nutro maior estima e consideração, tal como acontece para com a minha irmã, na edição de 27 de Março de 2007, reflecte sobre o que considera ser uma universidade relevante. Apresenta, no meu entender, uma visão que glorifica uma razão instrumental (voltarei à este conceito mais adiante) para a universidade. Mas não é para reflectir sobre esse artigo que escrevo. No entanto interessou-me uma frase que é sintomática na maneira como se tem apresentado o novo reitor da UEM.- “Quem conhece, minimamente, o Padre Couto sabe que ele é dos intelectuais mais finos deste país”. Faria, para mim, um grande favor se me pudesse fazer conhecê-lo melhor e partilhar da mesma opinião. Não penas, minimamente, mas o melhor possível pois tratasse de quem está a dirigir os destinos da maior universidade pública do nosso país. Os mecanismos, político-burocratios, da sua nomeação não permitiram a gente como eu, fora dos círculos do reitor, conhecer as suas credencias para merecer ocupar aquele lugar. Tudo ficou ao critério do presidente da república, mesmo que este seja aquele que menos vai sentir os efeitos directos do exercício do novo reitor.

Sem precisar de entrar nas entrelinhas da distinção entre intelectual e académico fico com algumas reservas em relação a referida elegância intelectual. Acho que é momento de iniciarmos um exercício fundamental de critica da autoridade. Uma critica da autoridade não visa desqualificar a fonte ou autoridade. Uma critica da autoridade ajuda-nos simplesmente a devolver a humanidade e com tal a falibilidade para seja qual for a autoridade em quem – “cegamente” – acreditamos. É o que procurei fazer neste artigo. Longe de mim a intenção de desqualificar o reitor como tal, mas as suas ideias, principalmente, por serem públicas e de interesse público devem ser interpeladas e não idolatradas. E é isso que tento fazer.

Comecemos pelo seguinte exemplo:

O reitor da Universidade Eduardo Mondlane, quando questionado pela Jornalista, Olívia Massango, do Jornal O País, edição de 6 de Abril de 2007, sobre quais eram os grandes problemas das universidades do país e da UEM em particular, disse que: - “é um problema de compreender que a ciência e a pesquisa na universidade em Moçambique deve saber gerir estados de emergência; saber prevenir resolver problemas. Há pouco tempo a terra zangou-se connosco e tivemos um terramoto. A água zangou-se connosco e tivemos cheias. O vento zangou-se connosco e tivemos ciclone. O fogo zangou-se connosco e tivemos paiol(...)”.

Quanta adversidade da natureza – HUMANA! Como nós estamos apenas sujeitos as adversidades da natureza (nunca humana, pelo menos, na visão do reitor) a missão da universidade deve ser aplicada para o controle dessa adversidade. Fica patente porque para o novo reitor não precisamos mais de cientistas sociais neste país. Não precisamos de gente que não sabe fazer. Gente que não sabe dominar a natureza. Neste país não há praticas sociais que reproduzem desigualdades sociais. Neste país, não existe um sistema político problemático que não permite o pobre veicular seus interesses sem que o faça por via da caridade dos bem intencionados (como diria o sociólogo Elísio Macamo). Neste país o pouco que se produz (o produto social, para não dizer riqueza) não é hierarquicamente distribuído. Neste país a pobreza democraticamente distribuída. É por tudo isso e mais alguma coisa que se retira da agenda política qualquer adversidade humana e se naturaliza tudo mais alguma coisa. Só assim se percebe porque articular a função da universidade como sendo a do domínio da natureza, e não do entendimento humano. Esquecemo-nos que o elemento mais natural que ainda possa existir no nosso planeta foi há muito socializado! Não há mais calamidades naturais, desastres naturais. A intervenção humana atingiu a totalidade da natureza que só nos resta uma natureza social. O natural esta socializado. Voltemos ao nosso reitor.

O reitor prossegue na sua resposta a jornalista e diz:

“As universidades em geral têm que prever e saber gerir emergências. Saber lidar com os elementos das ciências naturais: água, terra, fogo e ar...”

Água, terra, fogo e ar! Porque é que estes objectos são, necessariamente, elementos das ciências naturais? Ocorreu-me, ao debruçar-me sobre estas ideias do reitor, algo que li no início da minha curta carreira académica. Trata-se de uma frase do espistemologo, Francês Gaston Bachelard, – a quem mais tarde farei apelo no sentido de contrapor outra incredulidade relacionada com a sugestão de que f’e é espistemlogia – segundo a qual: - o fogo não é um objecto científico. Bachelard num texto intitulado a Psicanálise do fogo, sugere que fogo não é um objecto científico. O fogo, advoga espistemologo, objecto imediato e evidente, objecto que se impõe numa selecção primária suplantando muitos outros fenómenos, não abre qualquer perspectiva a um estudo científico. Quando se pergunta às pessoas cultas ou mesmo a alguns sábios, como se faz muitas vezes: “Que é o fogo?”, obtemos respostas vagas ou tautológicas que repetem inconscientemente as teorias filosóficas mais antigas e mais quiméricas. Isto explica-se pelo facto de a questão ter sido posta numa zona objectiva impura, na qual se misturam as intuições pessoais e as experiências científicas. Ao ler as ideias do reitor sobre o que considera ser o objecto das ciências naturais fico na dúvida. Aquelas baseiam-se nas suas intuições pessoais ou na sua experiência científica? Se for na sua intuição pessoal, então, é problemático termos um reitor a expor suas intuições pessoais na esfera pública. Essas não nos dizem respeito, são de fórum pessoal. Se for na sua experiência cientifica também se coloca o problema de apresentar uma visão bastante reducionista e ortodoxa de ciência. O fogo pode ser construído como objecto científico tanto por um físico como por um antropólogo, por um químico como por um sociólogo. Tudo depende da imaginação, perspectiva e objectivo que informa a maneira como conceptualizamos esse fogo.

Não devia sequer comentar a ideia de que a ciência serve para prever e previr emergências! Conforme sugerido pelo reitor a universidade devia ser uma espécie de Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC). O reitor ofereceu-nos uma visão utilitarista e talvez aplicada da ciência que se devia produzir nas, nossas, universidades. As suas respostas pressupõe que a não produção dessa ciência aplicada constitui o maior problema das nossas universidades. A pergunta, cínica que colocaria perante esta definição de ciência e universidade é: Será essa a vocação duma universidade, hoje, em dia?

O reitor duma universidade, como a UEM, que engloba quase todas as áreas do saber não podia ter uma visão tão limitada de ciência para confiná-la a um instrumento de resolução de problemas (sociais), melhor, naturais. A razão da ciência, há muito, que deixou de ser meramente uma razão instrumental. Pergunte-se quanto custou aos teóricos da escola de Frankfurt para libertar a razão da sua instrumentalização. Razão instrumental é um termo, na sua acepção mais comum, proposto pela primeira vez por Max Horkheimer no contexto de sua teoria critica para designar o estado em que os processos racionais são plenamente operacionalizados. Por exemplo, a razão ocidental, caracterizada pela sua elaboração dos meios para obtenção dos fins, tal como encontramos na fórmula de Max Weber se hiperplasia em sua função de tratamentos dos meios, e não na reflexão objectiva dos fins.

Na óptica de Horkheimer a razão tendo cedido em sua autonomia, tornara-se um instrumento. No aspecto formalista da razão subjectiva, sublinhada pelo positivismo enfatiza-se a sua não-referência a um conteúdo objectivo; em seu aspecto instrumental, sublinhado pelo pragmatismo, enfatiza-se a sua submissão a conteúdos heterónimos. A razão tornou-se algo inteiramente aproveitado no processo social. Seu valor operacional, seu papel de domínio dos homens e da natureza tornou-se o único critério para avaliá-la. É por essa razão que autores como Habermas, um outro teórico da escola de Frankfurt, na sua fase tardia, propôs uma razão comunicativa, onde o papel da universidade, da ciência e da razão é contribuir para o desenvolvimento duma cultura de entendimento, de um agir comunicacional.

Habermas desenvolve na teoria da acção comunicativa uma análise teórica e epistémica da racionalidade como sistema operante da sociedade, nesse sentido, deve-se analisar sua tese como contraposição da razão instrumental. Na ideia de mundo da vida, Habermas mostra a racionalidade dos indivíduos mediada pela linguagem e comunicatividade. Esses elementos se constituem em instrumentos de construção racional dos sujeitos subjacente e calcado na estruturação de três universos: o objectivo, subjectivo e social.

Um reitor para ser reitor deveria, em minha opinião, ter uma visão mais ampla e menos reducionista, utilitarista e instrumental da razão, de ciência e do uso social da universidade.

O reitor é um cientista natural, matemático, (aplicada?), logo, a ciência natural tem de ser o melhor para a universidade? O génio do reitor como cientista natural (matemático) não o estabelece como o génio na definição da função e do uso social do conhecimento produzido na universidade. Ademais, só uma ciência estagnada no positivismo ortodoxo, com deficit epistemológico, continua a acreditar que a função social da universidade é produzir previsibilidade dos fenómenos (naturais) para controlá-los e dominá-los. Para não falar do combate a pobreza absoluta.

Fé é epistemologia?

É por isso que é importante ter-se uma visão ou um conceito claro de epistemologia. Com a visão de epistemologia como fé, tenho fé que reside aí o reducionismo utilitarista que se atribui a ciência e a universidade. Tenho para mim que devia alargar a fonte de epistemologos, para além do ex-reitor da UP. A minha irmã foi aluna de Carlos Machili aquém também idolatriza. Carlos Machili é citado pelo Padre Couto como tendo dito algures que: Fé é epistemologia! Ainda estou perplexo com este enunciado que continuo sem perceber o que é que ele queria dizer com isso.

No sentido atribuído pela ciência crítica das ciências, repito isto, ciência cuja vocação é fazer critica das ciências, a epistemologia ocupa-se e preocupa-se com os princípios fundamentais das ciências, com os critérios de verificação e validade, alem dos sistemas científicos. Em outras palavras, a epistemologia é uma espécie de ciência da ciência que actua como uma garantia e um controlo do conhecimento, prevenindo obstáculos à produção científica.

O reitor diz e passo a citar:

- Epistemologia são as convicções profundas dos indivíduos e condições profundas dos povos. E exemplifica dizendo: - há povos que acreditam numa coisa. Aquilo não é fé é uma epistemologia. Por exemplo, acreditamos que somos uma nação do Rovuma ao Maputo. Pode haver gente que critica isto, mas eu preciso desta fé, desta epistemologia para ter uma constituição da minha nação (...).

Por mais que me esforce não consigo perceber concepção de epistemologia. Pelo menos, não no âmbito daquilo que se considera ser uma teoria de conhecimento ou filosofia da ciência que, em outras palavras, se designa epistemologia. Dizia que não consigo perceber que relação pode existir entre a preocupação com as condições teóricas e sociais de produção de conhecimento científico com a explicação de epistemologia dada pelo reitor, muito menos a citação do ex-reitor da universidade pedagógica segundo a qual f’é é epistemologia. Quem me pode ajudar a perceber? É mesmo dúvida que tenho!

É sobre este tipo de enunciados, intrigantes, que devemos ter alguma incredulidade. Estou há algum tempo esforçando-me em perceber a ideia (concepção) de ciência e até de religião defendida pelo novo reitor da UEM. Tenho para mim, e por isso defendido, que acima de tudo a universidade é uma espaço social, eminentemente, de produção cultural de conhecimento científico. Atribuam-se-lhe outros usos sociais, nada porém justificaria a subalternização da lógica produção cultural de conhecimento por qualquer outra que seja. Fazer isso significaria, suponho, ter uma visão limitada de ciência.