Segundo o Jornal O País o presidente do tribunal supremo, Mário Mangaze, rejeitou a ideia de que o poder político mande sobre o judiciário em Moçambique. Uma clara evocação, quanto a mim, da famosa separação dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
A relação com o presidente da república, outro órgão de soberania, é descrita como não sendo de dependência. Refere-se, inclusivamente, que o presidente da república não tem competência para demitir o do tribunal supremo. Elídio Macia é um jurista cuja intervenção na esfera pública através de artigos no seu blog "O quotidiano de Moçambique" tem nos iluminado em relação a (i)legalidade, no geral, mas em particular, dos actos administrativos dos nossos governantes. Sendo, eu leigo, em matéria de direito gostava de lhe perguntar se é correcta a afirmação de que o presidente da república não tem competência para demitir o presidente do tribunal supremo? Se sim. Quem têm?
As afirmações do presidente do tribunal supremo parecem ter nos recentes acórdãos do tribunal administrativo evidência empírica. No entanto, suponho, que ainda há muito espaço para pensar que sejam uma excepção a regra. Pode ser que nos estejamos a iludir pela visibilidade que os dois acórdãos tiveram devido a divulgação e as pessoas envolvidas. Poderia até dar razão ao presidente do tribunal supremo quando se refere a ideia de que a independência dos juízes depende de si próprios. Esta ideia é válida na medida em que se um juiz define determinada situação como real na limitação da sua autonomia, isso passa a ter efeitos reais na sua acção. Do mesmo modo que se os juízes definirem determinada situação como não pondo em causa a sua autonomia, agiram como autónomos. O problema, porém, é que, por alguma razão, prevalece a crença, mesmo entre os juízes, de que estes não são independentes. E que não basta achar essa crença supérflua para que ela deixe ter efeito sobre o juízo dos juízes. É preciso ir-se além da responsabilização individual dos juízes pela sua independência. É preciso um contexto institucional que os faça ter a crença de que são, efectivamente, independentes. Essa independência, na minha modéstia opinião, deveria ser institucionalmente sentida e não apenas individualmente. Quero com isto sugerir que, a ser assim, no dia em que tivermos, por exemplo, no tribunal administrativo juízes que não se sentem independentes não teremos acórdãos do tipo que reprovou as acções da ministra do trabalho e o ex-reitor da UEM. Estas questões remetem-nos para ideias e representações sociais gerais que temos do nosso sistema político e da separação dos poderes. Essas representações, suponho, ainda são de um estado-partido omnipresente. Essa omnipresença está a fazer-se sentir com a reactivação e criação de células do partido a todos os níveis nas instituições do estado e não só. Fiquei a saber que num departamento de sociologia duma das universidades públicas do nosso país funciona um núcleo dum partido.
A relação com o presidente da república, outro órgão de soberania, é descrita como não sendo de dependência. Refere-se, inclusivamente, que o presidente da república não tem competência para demitir o do tribunal supremo. Elídio Macia é um jurista cuja intervenção na esfera pública através de artigos no seu blog "O quotidiano de Moçambique" tem nos iluminado em relação a (i)legalidade, no geral, mas em particular, dos actos administrativos dos nossos governantes. Sendo, eu leigo, em matéria de direito gostava de lhe perguntar se é correcta a afirmação de que o presidente da república não tem competência para demitir o presidente do tribunal supremo? Se sim. Quem têm?
As afirmações do presidente do tribunal supremo parecem ter nos recentes acórdãos do tribunal administrativo evidência empírica. No entanto, suponho, que ainda há muito espaço para pensar que sejam uma excepção a regra. Pode ser que nos estejamos a iludir pela visibilidade que os dois acórdãos tiveram devido a divulgação e as pessoas envolvidas. Poderia até dar razão ao presidente do tribunal supremo quando se refere a ideia de que a independência dos juízes depende de si próprios. Esta ideia é válida na medida em que se um juiz define determinada situação como real na limitação da sua autonomia, isso passa a ter efeitos reais na sua acção. Do mesmo modo que se os juízes definirem determinada situação como não pondo em causa a sua autonomia, agiram como autónomos. O problema, porém, é que, por alguma razão, prevalece a crença, mesmo entre os juízes, de que estes não são independentes. E que não basta achar essa crença supérflua para que ela deixe ter efeito sobre o juízo dos juízes. É preciso ir-se além da responsabilização individual dos juízes pela sua independência. É preciso um contexto institucional que os faça ter a crença de que são, efectivamente, independentes. Essa independência, na minha modéstia opinião, deveria ser institucionalmente sentida e não apenas individualmente. Quero com isto sugerir que, a ser assim, no dia em que tivermos, por exemplo, no tribunal administrativo juízes que não se sentem independentes não teremos acórdãos do tipo que reprovou as acções da ministra do trabalho e o ex-reitor da UEM. Estas questões remetem-nos para ideias e representações sociais gerais que temos do nosso sistema político e da separação dos poderes. Essas representações, suponho, ainda são de um estado-partido omnipresente. Essa omnipresença está a fazer-se sentir com a reactivação e criação de células do partido a todos os níveis nas instituições do estado e não só. Fiquei a saber que num departamento de sociologia duma das universidades públicas do nosso país funciona um núcleo dum partido.
4 comments:
patrício, estás como sempre a levantar questões interessantes. gostaria apenas de dizer que o que o presidente do tribunal supremo diz faz muito sentido. o tribunal administrativo não só impugnou estas duas decisões como também produziu um comentário devastador às contas do estado. sem represálias, que eu saiba. a diferença entre os juízes do tribunal administrativo e os restantes reside no facto de que eles são profissionalmente honestos e sabem que a independência só pode ser lograda por eles próprios. acho que do ponto de vista sociológico estamos perante o que robert k. merton chamou de "self-fulfilling prophecy". a crença na ausência de independência é que cria essa ausência. o truque, para sairmos desta situação, é alguém meter na cabeça das pessoas que a frelimo não existe. pois bem: a frelimo não existe!
Oi Elísio.
A sua observação faz todo sentido. Pensar que a Frelimo não existe talvez seja o primeiro passo para uma catarse séria e a terapia necessária a que nos deveríamos submeter para expurgar o “espírito” que Frelimisa tudo ao fazê-la omnipotente, omnipresente e até omnisciente. A questão, porém, é que parece existirem mais condições sociais que propiciam a criação do mostro do que para expurgá-lo. Por exemplo, o facto de se trabalhar num contexto institucional em que permanentemente se incute a (in)segurança laboral e a (im)possibilidade de ascensão profissional para quem (não) tenha o cartão vermelho perpétua isso. É que uma crença só se mantém como tal enquanto existir algo que a alimente e perpetue, mesmo quando é individual. Fazer a Frelimo deixar de existir talvez seja um exercício, provavelmente, menos complicado para alguns sociólogos, cujo ofício é, acima de tudo, quebrar esse tipo de mitos ou monstros. Mas enquanto os Juízes não virem ao nosso templo, e isso pode levar o seu tempo ou nunca chegar a acontecer (não estou a ser Platónico na sugestão de que fossemos os melhores para conduzir os desígnios da cidade), difícil vai ser libertá-los desse espírito. O Centro de Formação Jurídica da Matola parece-me que tenta fazer o esforço de não só formar bons legalistas, intérpretes da lei, mas além disso intérpretes da realidade social. Uma janela de esperança!
O que é que tido como real por boa parte dos juízes? Que são (in)dependentes? Foi também o que sugeri no meu texto. O problema é justamente a crença na presença da (in)dependência que cria a (in)dependência. É circular. Mas como quebrar esse círculo, para que não seja vicioso? Apregoar a crença em si próprios, ou responsabilizar cada juiz pelos fantasmas que cria como faz o presidente do tribunal supremo? Penso que é preciso ir um pouco para além disso. É preciso saber quais são as condições sociológicas (classe, status, experiência profissional, religião, tipo formação jurídica etc) que propiciam o surgimento e a perpetuação ou até mesmo a ruptura com essa crença no poder (i)limitado da Frelimo. O Elísio capta e bem algumas delas na sua colectânea “o poder da Frelimo”.
patrício, acho alguns desenvolvimentos recentes muito interessantes do ponto de vista da análise da nossa estrutura social. há fortes indicações de que a frelimo está a ficar cada vez mais pequena reflectindo, assim, o seu verdadeiro tamanho em relação ao país. as prebendas não abundam. só assim consigo explicar as contundentes cartas de valeriano ferrão e de gabriel simbine. só assim consigo entender a a louvável atitude do tribunal administrativo. e isto prova uma verdade que nós os sociólogos muitas vezes tentamos ignorar: a democracia não depende apenas de vontade; as condições sociais são importantes.
Bons sinais, por acaso!
Escutei na íntegra o relatório apresentado ontem pelo procurador-geral da república.
Aos poucos o cerco a incompetência vais se apertando. Fora alguns, poucos, elogios de esperar da bancada maioritária, houve um discurso relativamente bem articulado, dos letrados da Renamo e de analistas da praça, que desvelaram as fraquezas do relatório. É o procurador que se vai queixar à AR que existem pessoas que não aceitam ir ao tribunal quando intimadas.
Post a Comment