Tuesday, April 24, 2007

Coisas aparentemente sem importância

Elton Beirão tem estado a presentear nos com análises interessantes. A viver na cidade da Beira, Beirão é de uma ironia e um sentido de humor que provocam titilação. Aqui está mais um dos seus textos: Coisas aparentemente sem importância.
Passei algumas horas negociando comigo se escrevia um texto na língua portuguesa ou inglesa. E a negociação prende-se com o tema que abordarei de seguida.
De vários fenómenos que tenho observado neste nosso Moçambique decidi partilhar mais um que vai se enraizando e vai sendo encarado como banal e normal.

Desde que o Zimbabwe transformou-se num barco furado, a deriva e navegando em mares de tempestades, Moçambique, mas principalmente Manica e Sofala tornaram-se bóias de salvação para quem abandona o barco do comandante “Bob”. E não são poucos.
A consequência mais directa deste fenómeno é o aumento do número de imigrantes provenientes do Zimbabwe que quase sempre acabam formando um exército de mão-de-obra barata e com pouco poder de barganha. E acabam em consequência disso se tornando “presas” fáceis para uma parte do empresariado Moçambicano. E na cidade da Beira (desconheço se em todo território nacional) o empresariado do sector da restauração têm vindo de forma crescente a usar essa mão-de-obra, de maneiras que já se verificaram casos de restaurantes que num universo de 6 ou 7 garçons ou serventes (será a mesma coisa?) mais de 90% serem imigrantes das terra do “uncle Bob”. Não sei se os cozinheiros também. Quando vou ao restaurante nunca entro na porta que diz “proibido a entrada de pessoas estranhas”, e suponho que a cozinha esteja do outro lado da porta porque é por essa porta que verifico um “entra e sai” dos serventes (ou garcons?), comidas e bebidas. Tenho muitos destes restaurantes identificados mas não interessa mencionar nomes porque não me pagam para fazer publicidade.

Mas o que tem despertado a minha atenção não é o número de imigrantes em Moçambique nem a preferência dos empresários por mão-de-obra estrangeira. Não tenho absolutamente nada contra estrangeiros e muito menos contra imigrantes. Me inquieta a inglezação da língua falada pelos serventes (continua a dúvida se não será garçon). O facto de estar se generalizando o uso do inglês como língua de comunicação nos restaurantes. Não que tenha algo contra a língua inglesa. Pelo contrário. E sei qual a importância dela neste mundo cada vez mais globalizado.
A questão é outra.
Quantas vezes presenciei em restaurantes cenas de pessoas embaraçadas por não conseguirem dialogar com os serventes? Quantas vezes tenho visto gente em restaurantes se desdobrando em linguagem mímica para interagir com os serventes?
E de quem é a culpa? Dos serventes? Penso que não. É da língua. Porque agora grande parte dos serventes nos restaurantes só fala inglês. E por estes andares não tarda e teremos que frequentar um desses muitos institutos de língua para poder almoçar ou jantar num restaurante na cidade da Beira. Isto é, além do dinheiro há que saber falar inglês. Ou ao menos solicitar os serviços de um interprete. Falo de Beira porque não conheço a realidade em outras paragens.

O problema não está no facto de os serventes falarem inglês nos restaurantes. Torna-se problema a partir do momento em que os serventes só falam inglês. Porquê não incluir como requisito para contratação de serventes a língua portuguesa e se necessário também a inglesa? Independentemente da nacionalidade.
O artigo 10 da constituição de Moçambique diz que o português é a língua oficial. E arrisco me a dizer que mais de 85% da população moçambicana não “pesca patavina” da língua inglesa. Não é preciso ser génio para ter uma ideia deste cenário.
Falo dos restaurantes mas não é única situação onde a língua estrangeira esta sendo banalizada em detrimento da língua oficial. Quantas marcas de produtos são comercializadas com as indicações apenas na língua inglesa? Desde alimentos, cosméticos, fármacos, electrodomésticos, etc.
Estou a tentar imaginar numa França, Alemanha, ou Suiça comercializando produtos contendo indicações apenas na língua portuguesa. Pouco provável.

Será que em Moçambique não existe uma entidade que responda por estas questões? As mercadorias quando são importadas não passam por fiscalização? Ou a preocupação resume-se nos direitos alfandegários e data de validade dos produtos (muitas vezes adulterada)? Não existem regras para importação e comercialização de produtos?
Não pretendo que não se inclua a língua inglesa nas indicações dos produtos. Mas devia sempre constar a língua portuguesa e quantas mais fossem necessárias.

Ou estas questões não são prioritárias perto do combate a pobreza absoluta que esta falhando por causa da preguiça de alguns moçambicanos? Se pretendemos deixar as coisas andarem assim então ao menos mudemos a constituição incluindo mais uma língua oficial. O inglês.

São estas pequenas coisas aparentemente sem importância nenhuma, que somadas a outras pequenas coisas resultam no país que temos. Onde as leis servem apenas para ornamentação e para o inglês ver (cá esta outra vez o inglês).

E agora com a entrada da China na berlinda pode complicar ainda mais. Estou a ver produtos com manual de instrução apenas na língua chinesa. Instrui o quê? Receitas de fármacos na língua chinesa. A quantidade de intoxicações por falta de informação clara sobre como ministrar tais fármacos. Seria muito bonito.
São tais coisas aparentemente sem importância nenhuma.

Elton B.
Carton de Jonathan Shapiro

2 comments:

Egidio Vaz said...

Há um apsecto que o Beirão ainda não explicou:
Os "patrões" dos restaurantes beirenses falam o inglês para preferirem os respectivos garçons? Ou são os cozinheiros mairitariamente falantes dessa língua, de tal sorte que os patrões preferem os zimbabweanos para melhor se entenderem?!
Mais,
Estará o o inglês na moda, já com a proliferação de instituições de ensino superior bem como "escolas de casa" que lecionam esta língua?!
Ainda espero pro estas respostas para melhor poder comentar.
Um abraço ao Elton
PS: Encorajo-o a criar seu blog próprio para termos o dia-a-dia da Beira.

Anonymous said...

Perdoe-me pela resposta tradia. Não sou homem de fugir com o 'rabo a seringa'. Tenho andado preocupado em expulsar uns intrusos que sem minha autorização invadiram o meu computador e estão danificando os ficheiros que la estão guardados. São os famosos 'virus'.
São questoes interessantes e importantes essas levantadas pelo Egidio Vaz.
Sei que maior parte dos patrões de restaurantes são moçambicanos e falam a lingua portuguesa. Desconheço é se falam português e também o inglês ou se é o contrário. Como patrão é patrão, estes poucas vezes fazem-se presentes nos seus locais de trabalho (restaurante), dai ser dificil perceber qual a lingua que usam para comunicar com o seu staff.
Mas cá por mim, a preferência pela mão-de-obra de fora prende-se com o facto de esta ser mais barata que a mão-de-obra local.
Quanto ao fenómeno proliferãção de escolas casas ou casas escolas para leccionar o inglês, interessante porque não se verifica cá na Beira. Seria até um ponto a ser explorado. O porquê estes cenários contrastantes. Maputo sendo invadido por casas escolas (pela moda de falar Inglês?) e Beira alheia a essa suposta moda. Se bem que tenho as minhas desconfianças para tal facto.
Abraços

Elton B.