Wednesday, April 4, 2007

Robert Gabriel Mugabe: poder ou morte!



Os anos revolucionários eram de muita euforia e crença na possibilidade de emancipação do homem das masmorras que a situação colonial representava. Só assim, hoje, consigo tentar compreender o alcance de slogans como: Independência ou morte: venceremos! Esse tipo de declarações do tipo tudo ou nada! Nas minhas lucubrações, talvez alucinantes, imagino Mugabe falando com os seus botões dizendo: daqui não saio, daqui ninguém me tira. Mas não é para falar das minhas alucinações que peço a atenção e o precioso tempo dos meus virtuais leitores. Convido-os, então, para um olhar meditativo sobre o Zimbabué.

Mugabe é um demónio! Melhor, Mugabe foi, e está, demónizado. Teria, com certeza, dificuldade quem quisesse o contrário provar. Milhares de Zimbabuenos assim o pensam e sentem. Milhares de não Zimbabueanos, idem. Cada um com um grau diferenciado de experiência pessoal e de interpretação da situação actual que vive o Zimbabué. Prevalece, há algum tempo, uma espécie de consenso tácito quanto a ideia de que se está perante o mais crítico cenário, político e económico, causado pela permanência obsessiva de Mugabe no poder. Basta lançarmos um olhar sobre os principais canais de informação e formulação de opinião pública. Hoje é, praticamente, impossível encontrar no meandro da indústria da opinião formada, enlatada, das mentes formatadas, quem não diabólize Mugabe. Editoriais, cartas de leitores, reportagens, caricaturas, enfim, todo um aparato da indústria cultural da produção da opinião ao serviço da demonização e em alerta para a necessidade de se resolver a situação do Zimbabué. E não é, retenha-se bem isto, que Mugabe não o faça para merecer.

Acompanhamos, recentemente, após incidentes que levaram ao espacamento de indivíduos, incluindo o líder da oposição, as demarches dos líderes da SADC em busca de uma solução face ao que se considerou ser o agravar da situação política daquele país. Aliás, muitos desses dirigentes da SADC, portanto homólogos de Mugabe, são acusados de enveredarem pela diplomacia do silêncio. A maneira da avestruz, que diante do perigo enterra a cabeça, se considera a atitude dos líderes da SADC. Ademais, com a oposição liderada por Tsvangirai, líder do movimento para mudança democrática (MDC), apoiado, financeiramente, por alguns países ocidentais como a Inglaterra e os EUA – talvez não lhes reste outra alternativa – portanto, por países que colocam Mugabe na lista do dito eixo do mal (demónio), o xadrez torna-se ainda mais complexo pois permite que o regime se defenda em nome da defesa da sua soberania. Essa soberania justifica-se que alguns cobardes querem vendê-la a preço de banana. Com este argumento, forte, conspiratório e ideológico, bem ou mal, a situação no Zimbabué prevalece.


Existe gente demais para criticar Mugabe. Mais uma voz, ainda por cima de um ilustre desconhecido, sociólogo aspirante, não passa de uma gota no oceano. Não pode ser aquela gota que faria o copo de água transbordar, como muitos, provavelmente, almejam. Já que me encontro nessa situação que considero, relativamente, privilegiada, permito-me uma reflexão menos praxiológica ou, pelo menos, de uma atitude menos denunciante ou até de crítica ao regime. O meu interesse é uma espécie de interesse pelo desinteresse, a lá Bourdieu. Algo pretensioso. Por isso, permito-me colocar questões que aos olhos de activistas e de denunciantes que queiram ver o Zimbabué, radicalmente, mudado possam ser menos pertinentes. Não pretendo, igualmente, discordar de que a situação política, económica e social do Zimbabué esteja crítica e que por isso justifique a preocupação com a mudança que se tem manifestado das mais variadas formas. Ao que tudo indica parece que a situação por si só conspira contra Mugabe. Não preciso pôr mais pimenta na já picante refeição de Mugabe. Ao invés disso vou enveredar pelo caminho do levantamento de suposições para reflexão.


Existe no meio de tudo isto algo que me deixa de algum modo perplexo. Creio que o próprio Mugabe está ciente das vozes discordantes em relação a sua continuidade no poder, e consequentemente, do seu regime. Suponho que a situação esteja difícil de ser gerida. Imagino que o recurso a meios violentos para conter as sublevações é indicativo desse estádio de sítio que se instalou. Não preciso referir, aqui, a gestão do próprio estado numa situação de quase total isolamento e cheio de sanções de quase todos os tipos. Uma situação insuportável para qual Mugabe, teimosamente, faz vista grossa. Ou será que não faz? A questão que me inquieta é, imagino que há muitos mais, saber porque Mugabe não larga o poder, apesar de tudo? É um dado adquirido, um facto portanto, que Mugabe quer permanecer no poder por mais tempo. A recente emenda constitucional que o permite a recandidatura para a sua própria sucessão nas próximas eleições gerais de 2008, para mais um mandato de sete anos, é prova disso. Com 83 anos hoje, concorrerá para mais um mandado de sete anos em 2008. Com simples aritmética da para concluir que em 2015 aos 91 anos de idade Mugabe estará ainda no poder. Isto se Mugabe não partir desta para melhor como se diz na gíria brasileira referindo-se morte. Por que com tanta contestação Mugabe insiste e persiste em permanecer no poder?


Esta pergunta já me tirou e tira ainda o sono. Pior do que a pergunta são as respostas que encontro na indústria da opinião formada que me tiram do sério. A razão é, compreensível. Estão mais preocupados com a solução do problema do que em compreendê-lo. E o mal, ao que tudo indica, já foi identificado. Mugabe. O diagnóstico está feito, falta a terapia. E ao que tudo indica, a terapia deve ser de choque, talvez ao jeito de Bagdad. Sei lá! Dizem que nós, sociólogos, somos péssimos a propor soluções. Então porque não ficar no reconfortante (reconfortante?) aconchego da formulação de perguntas?

Da opinião formada, invariavelmente, a resposta para aquela pergunta reabilita, muda de rótulo, a velha teoria sobre a natureza do poder em africa. Os líderes africanos tendencialmente, uma vez no poder, almejam em torná-lo vitalício. Uma vez conquistado, querem ficar lá até que a morte os separe. É isso, suponho, que os considerados casos excepcionais de saída “voluntária” (voluntária?) são celebrados com sumptuosidade. Cá entre nós, no nosso caso único, milhares de meticais (senão dólares mesmo, é o efeito do Made in Mozambique) foram gastos numa suposta visita do Rovuma ao Maputo em jeito de despedida do povo. Quanta nobreza, no meio de tanta pobreza! Uwaa até rimam: nobreza e pobreza! Vejam só! Mas regressando ao assunto, o prestígio que se amealhou do raro e nobre acto valeu a alguns desses líderes, que abandonaram “voluntariamente”, o poder posições e funções também nobres em alguns organismos do sistema das nações unidas de onde terão reformas chorudas com certeza. É uma espécie de incentivo à pessoas como Mugabe, diga-se de passagem. Afinal, há o que fazer depois de largar o poder. Curiosamente, um africano estava em frente da ONU quando a maioria dos “voluntários” largou o poder. N.Mandela da RSA, Julius Nyerere da Tanzania, Q.Massire do Bostwana, J.Chissano de Moçambique só para citar alguns, são as ditas excepções a regra e portanto referências. Existe segundo essa visão uma solução para a tendência patológica do poder vitalício em Africa. Mas parece que nem isso serve para mover ou demover Mugabe.

O mais interessante e talvez intrigante nisso é que situações como a do Zimbabué e de Mugabe concorrem para dar maior credibilidade a teoria da visão patológica na maneira de lidar com o poder em africa. É como se a empiria confirma-se a teoria. Apesar da sua aparente coerência esta explicação, ainda que aplicada ao Zimbabué de hoje, não (me) satisfaz. Não (me) satisfaz por dupla razão: primeiro, não somente pela sua falsificabilidade – pensando a lá Popper, mas porque a primeira característica sustenta a segunda ideia de que não há exclusividade africana nisso. Os corvos eram todos alvi-negros, para muitos de nós, até termos a experiência do corvo vermelho indiano. A nossa teoria de que todos os corvos eram alvi-negros foi-se por terra assim que podemos demonstrar o contrário, falseia-la. Do mesmo modo, não há uma tendência patológica inerente ao poder em africa a partir da altura em que podemos falar Suhartos, Fidel, Saddam, Pinichet e mais recentemente das tendências do Hugo Chavez de ficar por lá eternamente. É, portanto, preciso mudar a ideia africaniza esse comportamento político. Não se pode negar que a nossa experiência pós-independentista de gestão do estado herdado do colono nos ofereceu muitas figuras com uma atitude Maquiavélica na sua concepção do poder.

Assim, num breve exercício de reminiscência, surgem-me nomes como Mobutu do ex-Zaire, Gathafi da Líbia, Banda do Malawi, Idamin do Uganda, José Eduardo dos Santos de Angola cito apenas alguns exemplos de memória. É escusado dizer que esses líderes foram adorados e odiados pelos seus povos ou por fracções consideráveis deste. Adorados por uns e diabolizados por outros. Outro reparo é em relação a designação que se queira dar aos regimes em que esses líderes exerceram o poder. Penso que, analiticamente, há pouca, senão nenhuma mesmo, relevância em caracterizá-los de regimes socialistas (ditatorial) ou capitalista (democráticos). Esses não passariam de rótulos sem grande poder heurístico.
Dito isto, surge-me que talvez exista espaço para os (nossos) cientistas políticos darem larga a sua imaginação. Penso que valeria a pena o exercício de romper com o pensamento pré-fabricado da indústria da opinião formada que faz sucumbir muitos de nós, incautos as (falsas) evidências da visão patológica do poder em africa. Com os parcos conhecimentos de ciência política não me permitirei ir além do exercício do meu pensamento crítico. Para tal socorro-me de uma ideia da literatura clássica da ciência política, nomeadamente, a do pragmatismo recomendado ao Príncipe por Nicolau Maquiavel. A ideia do pragmatismo, segundo a entendi, sugere que o príncipe deverá usar de todos os meios que lhe forem disponíveis para conquistar e, acima de tudo, manter o poder. Uma solução do tipo os meios justificam os fins. Daí a expressão maquiavélico, que muitos a usam indiscriminadamente.


Dando mais larga a imaginação, sobre as possíveis razões para a relutância de Mugabe em se manter no poder não obstante todas as contrariedades apoiar-me-ei nesta visão Maquiavélica, que não tem nada de, essencialmente, africano. Conjecturo o fim de Mugabe. Não me refiro ao fim (termino), mas ao fim (finalidade).Tenho para mim que manter o poder, conquistado há mais de duas décadas, tornou-se (o fim) um fim em si mesmo para Mugabe. Hoje todos os meios justificam esse fim. Poder ou morte: vencerá! Procuro fazer o exercício (im-possível) de emprestar-me a pessoa de Mugabe (numa espécie de incorporação) e pensar os possíveis cenários pós Mugabe (vivo), portanto, Mugabe fora do poder, mas vivinho da silva. Vejo todo um espectro de criminalização e de mais demonização. Aliás, esse cenário nem precisa esperar pela saída de Mugabe do poder. Há de certeza quem pagaria pela sua cabeça. Vejo a amnistia internacional, vejo os tribunais de (in)justiça internacional e por ai em diante exigindo que o crucifiquem. Mugabe sabe que fora do poder seria o próximo Saddam, Pinochet ou Milosevic. As barras dos tribunais estariam com certeza a sua espera. Exemplos disso como referi, não lhe faltam, mesmo em africa. Chiluba, da Zâmbia, quase morria de enfarte por enfrentar acusações de crime e corrupção, isso tudo depois de ter humilhado Kaunda ao despojá-lo de seu património e torturá-lo psicologicamente durante a sua presidência. O feitiço, afinal, se voltara contra o feiticeiro. Daniel Arap Moi, do Kenya, apesar de mais cuidadoso, em termos de garantir imunidade após sair do poder, também teve algumas dores de cabeça com acusações de corrupção. Mais casos devem existir, sem mencionar os não africanos.

Mugabe, com certeza, não há-de querer passar por tal humilhação. Ninguém o haveria! Feliz ou infelizmente, para ele, a teia política, a situação politica, se tornou complexa e irreversível que não me parece haver outra saída senão ir até as últimas consequências para manter o poder. Manter o poder custe o que custar, até que fique preso pelos seus próprios tentáculos! Se o quiserem tirar terá que ser com, a in-gloria, intervenção externa que anda tão mal de reputação. Poder ou morte é o que antevejo para Mugabe.

1 comment:

Egidio Vaz said...

"Manter o poder custe o que custar até que fique preso aos seus tentáculos"...
Só que ele nã aprende com o passado, aliás, com a História. É que nessa análise toda, ele não imagina um golpe de Estado Civil ou Militar; ambos possíveis. Não foi preciso generais para que o 25 de abril de 74 tivesse lugar em portugal. O capitão Salgueiro Maia e outros conduziram o golpe.
O mesmo aconteceu com a Guyiné Bissau. Ansumane Mané não passava de um general despercebido. E muito mais exemplos. Há, no seio das forças armadas e população, um mal estar exagerado. As empresas já estão a oferecer contratos de 6 meses aos seus trabalhadores. Os beirenses e maniquenses, estão a enriquecer à custa do contrabando de combustível para o zimbabwe. Muita coisa pode acontecer. E isso, antes do nonagésimo primeiro aniversário de Mugabe.