Wednesday, May 9, 2007

Burro Ambulância

Xigada M’bogolo (montador de burro) é como na infância, no Xai-Xai, nós chamávamos aos homens que passavam pelas ruas montados em burros ou suas carroças. Eram motivo de escárnio. Divertíamo-nos com os apupos que mandávamos, mas principalmente pela reacção nervosa dos Xigada M’bogolo que por vezes desciam e se punham a perseguir nos. Aí de quem fosse apanhado, levava uma sova por todos. Alguns dos apupos comuns eram os seguintes: “U lhupha Makwero” (Castigas o teu irmão, ao montá-lo), “Tchuvuka Mahalha” (Olhem àqueles gémeos). Essas brincadeiras povoam o meu imaginário, onde o burro, mas principalmente seu condutor eram estigmatizados.
Lembrei-me deste episódio a propósito de uma notícia que vi ontem no telejornal da STV. Burros vão ser ambulâncias num dos distritos do nosso país. Achei-a interessante. Ocorreu-me, logo, a ideia Samoriana “contar com as próprias forças”. Afinal enganara-me. A jumentada era um donativo. Sim, mas este país vive de ajudas mesmo. Mas isso não é o mais importante. Mais marcante é a maneira como ao caracterizar o burro e as implicações do seu uso como ambulância abalaram o meu imaginário do que era o burro.
O entrevistado da STV dizia: - “O burrro, afinal, não é burro”! Ele até melhor que o boi, pois nunca se subleva, enfatizava. Com uso do “burro haverá redução da taxa de mortalidade no distrito”, “aumentar-se –a as áreas de lavoura”, e não só “o burro é mais resistente as doenças que outros animais”.

3 comments:

Egidio Vaz said...

Nesse mesmo noticiário, a mesma pessoa explicava:
burro não eh tão burro como parece. Porque tem vontade de trabalhar e comunica-se facilmente com o homem.
Note na palavra VONTADE DE TRABALHAR, uma maneira de imolar as bem propaladas palavras do PR que insiste na necessidade de "inculcar nas crianças e adultos o amor ao trabalho".
Veremos se afinal, esses burros não passarão em breve para os pratos.

Anonymous said...

Acho interessante recordar aqui António Quadros e o seu heterónimo Mutimati Barnabé João. Recordo também o TBARN - Técnicas Básicas para o Aproveitamento dos Recursos da Natureza -, que criou na UEM e que tão pouco valorizado foi na sua época. Não seria de se revisitar o projecto à luz dos olhos de hoje? Será que alguma coisa está a ser feita nesse sentido?
Fátima Ribeiro


O Burro

Vejam o burro, Camaradas
Esta zebra pequena vestida de lama bonita fofa
Tem quatro pernas de andar aos saltinhos
Duas orelhas ouvidouras de ouvir tudo bem
Dois olhos espertos cheios até às lágrimas de paciência
O nariz do focinho muito fresco e macio.

O burro é burro, Camaradas?
Quem diz que é burro e despreza este companheiro?

Quem quiser ofender-me não me chame de burro
Quem quiser ofender-me não seja tão amável!
Quem quiser ofender-me inventa outra palavra
Porque chamar-me de burro lembra-me burro mesmo
E não posso magoar-me com simpatia.

Não estou a defender o amigo útil somente
Não estou a pensar bem deste que faz o meu esforço e puxa
Não penso que ele me ouve tudo e puxa mais forte assim.
Há coisas deste companheiro para pensar melhor e espalhar.
Falo agora somente só de simpatia.

(In Eu, o Povo, de Mutimati Barnabé João, 1975)

Patricio Langa said...

É com muito gosto que vejo e leio os comentários da Fátima Ribeiro, aqui, neste espaço.
Há algum tempo, no ideias para debate do Machado da Graça, trocamos algumas ideias sobre diversos assuntos, particularmente os ligados a educação. Por exemplo, sempre partilhei das suas reticências com relação ao ensino bilingue. Realmente, Mutimati Barnabé João, capta muito bem uma visão quase sempre negligenciada do que esse animal representa para muitos. Um burro, mesmo. Mas também mostra como esse Burro, não é tão burro, quanto podemos pensar. Daí que ao chamarmos-lhe de burro se sinta até elogiado!
Eu vou mais longe, e talvez com alguma mesquinhice. Imaginem as sevícias aqui este animal será submetido para combater a pobreza. Absoluta. Que tal criar um movimento social dos amigos do burro. Viria a calhar! Crescem mundo fora os movimentos de defesa dos animais. Em Moçambique não me parece existir um, ainda. E como tudo se explica com a varinha mágica da globalização, criar um aqui até dava alguns trocados.
PS: Fátima Ribeiro.
Desde os tempos do Ideias para debate que andava curioso. As suas ideias e a maneira que as defendia eram e continuam interessantes que me fizeram criar uma imagem virtual (uma face para as suas palavras), já que não a conhecia. Há dias assisti a um documentário sobre o Grande Mia Couto organizado por si. Aí se desfez aquela imagem virtual se si, e surgir a imagem real de si.
P.L