Wednesday, March 7, 2007

Elísio Macamo comenta morte do sociólogo Francês Jean Baudrillard!

Nascido em Reims, em 1929, professor de sociologia desde 1966 e um dos pólos do movimento estudantil de Maio de 1968, Jean Baudrillard é para mim um dos maiores sociólogos que a França jamais produziu. A sua preocupação com as coisas simples da vida, o seu interesse pelo significado que essas coisas têm para a interpretação do social e a sua indiferença em relação aos hábitos metodológicos da sociologia permitiram-lhe usar em pleno a sua imaginação para desvendar os mistérios do mundo em que vivemos.
Pessoalmente, travei conhecimento com a sua obra em 2000 quando uma colega e amiga, Iolanda Aguiar, me ofereceu “A ilusão do fim ou a greve dos acontecimentos” da autoria de Baudrillard. A leitura desse livrinho foi uma viagem de descoberta durante a qual cruzei várias vezes com Georg Simmel, Ervin Goffman e Michel Maffesolli, três autores que sempre exerceram uma grande atracção sobre mim e, na medida do possível, tento emular no meu trabalho. Da leitura desse livro e de outras obras de Jean Baudrillard desenvolvi algumas ideias que têm sido centrais nos meus esforços de compreensão dos desafios teóricos e analíticos que Moçambique enquanto realidade social nos coloca.
Cito aqui duas passagens que se debruçam sobre o que Baudrillard chama de “efeito estereofónico” extraídas desse livro:
Estamos todos obcecados com a alta-fidelidade, com a qualidade da ‘reprodução’ musical. Na consola da nossa aparelhagem, equipada com os nossos sintonizadores, amplificadores e colunas, misturamos, regulamos, multiplicamos as pistas, à procura de uma música infalível. Será ainda música? Onde está o limiar de alta-fidelidade, para além do qual a música desaparece enquanto tal? Não desaparece por falta de música, mas por ter ultrapassado esse ponto-limite, desaparece na perfeição da sua materialidade, no próprio efeito especial. Para além desse ponto já não há apreciação nem prazer estético, é o êxtase da musicalidade, é o seu fim.
Belo!
Mas continua, desta feita, debruçando-se sobre o que ele chama de desaparecimento da música da história:
No próprio centro da informação, é a história que está ameaçada de desaparecimento. No centro da alta-fidelidade, é a música que está ameaçada de desaparecimento. No centro da experimentação, é a ciência que está ameaçada através do desaparecimento do seu objecto. No centro da pornografia, é a sexualidade que está ameaçada de desaparecimento. Por todo o lado o mesmo efeito estereofónico, de proximidade absoluta do real: o mesmo efeito de simulação.
Lindo!
Agora é só fazer um mais um para ver a relevância disto tudo para a nossa realidade social. A minha crítica à indústria do desenvolvimento, uma crítica que ganhou quase as marcas de um fantasma segundo uma observação mordaz feita por Machado da Graça aos meus posicionamentos, assenta sobre estas observações de Baudrillard. Critico a indústria do desenvolvimento por estar sob a ilusão da perfeição. Quando o desenvolvimento do nosso país depende do cancelamento de tudo quanto nos torna humanos – roubar, enganar, gozar o prazer, errar, sentir compaixão pelos outros, querer o bem dos outros, não se importar com o mal, etc. – o desenvolvimento deixa de ser verdadeiramente o que queremos, passa a ser uma ilusão, um efeito estereofónico que, fundamentalmente, faz desaparecer o Homem, isto é justamente aquilo para o qual deve haver desenvolvimento. É esta a base da minha desconfiança em relação ao discurso de luta contra a pobreza, cuja repetição ad nauseum mais não faz do que ameaçar de desaparecimento o sentido de justiça que deve alimentar a nossa relação com o outro.
Quando alguém é capaz de nos fazer ver o mundo com outros olhos com os seus escritos tem que ser uma pessoa especial. É disso que estou à procura quando leio. É sempre esse o efeito em mim quando leio, entre nós, Carlos Serra, Mia Couto, o jornalista Filipe Ribas (que infelizmente já não escreve), a poesia de Nelson Saúte, Ungulane ba ka Khosa (sobretudo Ualalapi) e Paulina Chiziane, entre muitos outros, sobretudo aquela excelente imagem que ela tem de um avião que passa no céu transportando pessoas alheias ao destino dos deslocados de guerra em terra firme. O fascínio da sociologia está na maravilha que a descoberta da complexidade do mundo é. As pessoas que nos fazem descobrir essa complexidade não precisam de ter razão. A razão é o menos interessante neste empreendimento. A descoberta, sim.

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